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segunda-feira, 19 de novembro de 2007

10639/03; educação para a igualdade racial e a História em Projetos

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fontes para implementação da 10639/03

miss minas terrestres

educação para igualdade étnico-racial

Consulte também o diretório Biblioteca do Professor; pasta Educação para a Igualdade racial na Biblioteca Virtual da História em Projetos

Ao longo de toda a coleção História em projetos há uma grande preocupação em tratar a história africana e afro-brasileira em uma perspectiva histórica. Parece redundante tal afirmação, mas não é.
Em muitos trabalhos a história da África sem estereótipos, assim como o reconhecimento do cativo de origem africana como sujeito da história estão ausentes. Na história em projetos isso não ocorre, porque acreditamos que educar nossas crianças e adolescentes para o respeito à diversidade significa problematizar a história da instituição mais duradoura de nosso território após a chegada da expedição Cabralina, não reduzindo a escravidão ao cenário do eito ou do quilombo.
Educar para diversidade significa recuperar a história de um território que foi se tornando negro ao longo dos séculos e que tem grande dificuldade de se enxergar assim.


Crianças Negras de Emmanuel Zamor
Zamor é um pintor negro que nasceu em Salvador (Ba) em 1840 e morreu na França, em 1917. Conheça um pouco mais sobre esse pintor consultando a enciclopédia Itaú Cultural.
Telas como essas são fundamentais de ser conhecidas e apreciadas. As crianças aqui são belas como são as crianças negras.

Fonte da Imagem: Crianças negras - Obra de Emmanuel Zamor, extraída de História em Projetos, volume 7a série/ 8º ano, p. 259, Parada 3: A derrota da cidadania e a vitória do racismo: a construção de uma ideologia que justificou a exclusão dos libertos.
Nesta seção procuramos resgatar uma série de documentos (artes plásticas, a poesia de Luiz Gama e a representação da mulher negra como bela e o carimbo do Príncipe Obá II com uma série de atividades que propõem aos estudantes refletir sobre novas representações dos negros pelos negros.

A seção de abertura (Ponto de Partida) deste capítulo, p. 247, reproduz o belíssimo samba "Dia de Graça" de mestre Candeia. No site dos nossos arquivos você pode ouvir e baixar esse samba: (clique aqui e busque em Volume 7ª série/8º ano, cap 18)

Este é um pequeno exemplo de como o trabalho didático pode auxiliar na construção de outras representações que dão voz e vez a sujeitos históricos sistematicamente excluídos.

Hoje, véspera do 20 de novembro, reproduzo uma matéria que relata a luta de educadores para promover a educação para a igualdade racial. Que seu exemplo se espalhe pelas escolas brasileiras.
Axé!
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Portal EducaRede/Revista Avisa Lá, 13 nov. 2007.
Só não enxerga quem não quer: racismo e preconceito na Educação Infantil

As crianças negras sofrem situações de discriminação na escola e nos centros de Educação Infantil. Na maioria das vezes paira um silêncio revelador da desigualdade de tratamento oferecido às crianças brancas e negras

Cisele Ortiz / Revista Avisa Lá

Constituição Brasileira

Título I
Dos Princípios Fundamentais

Art. 3o - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Temos uma amiga negra, a Ba, que ainda hoje, aos 40 anos, lembra-se da primeira vez em que a diferença de cor foi motivo de tratamento discriminatório. No jardim da infância que freqüentava, uma criança branca perdeu sua pulseira de ouro e sua mãe foi à escola reclamar exigindo conversar com a mãe de Ba. Nossa amiga não esteve presente e nunca conversou sobre isso com a sua mãe, mas sabe que o conteúdo da conversa foi uma acusação de roubo. Na época, Ba intuiu que estava sendo acusada por ser a única menina negra da classe. Muitos anos se passaram até que ela conseguisse falar sobre a situação sem ficar tomada pela emoção.

São poucas as pesquisas no Brasil a respeito da discriminação e do preconceito na Educação Infantil. Dentre elas destaca-se a efetuada por Eliane Cavalleiro, que revela a difícil situação das crianças negras já nos anos iniciais da escolaridade. Segundo ela, é certo que as crianças pequenas desde cedo "interiorizam idéias preconceituosas que incluem a cor da pele como elemento definidor das qualidades pessoais". Fazendo par com essa injustiça os professores ou não sabem lidar com o problema e se calam ou, o que é pior, ajudam a discriminar com ações, palavras e atitudes.

Tanto crianças brancas como negras comumente demonstram a presença de estereótipos e preconceitos em relação aos negros, em situações cotidianas de vivências escolares e principalmente por meio de suas falas. Já aos 4 e 5 anos as crianças negras sentem desconforto quando têm que se referir a sua origem racial.

Segundo afirma Eliana Cavalleiro, "a realização de pesquisas com o objetivo de compreender a dinâmica das relações multiétnicas no âmbito da Educação Infantil representa um recurso para o avanço no combate ao racismo brasileiro, visto que estudos desta natureza revelam como se dão as relações interpessoais, seus benefícios e seus prejuízos para os indivíduos que convivem na escola, bem como fornecem subsídios para a elaboração de novas práticas educacionais, quer seja na família, quer seja na escola".

A escola preconiza um discurso oficial de que não existe preconceito entre as crianças, mas ao mesmo tempo as professoras nos fornecem inúmeros exemplos de dificuldades de relacionamento entre crianças brancas e negras tendo como pano de fundo a diversidade racial.

Para Eliane, a escola ensina a criança negra a silenciar, o que ela chama de "aprendizagem do silêncio", na medida em que se omite nos conflitos entre as crianças. A escola, por meio das professoras das crianças pequenas que se negam a tomar providências, reforçam os estereótipos e preconceitos.

As crianças brancas logo descobrem o poder de suas palavras e de seus xingamentos, as referências negativas à cor da pele (neguinha, carvão) e ao cheiro (fedorenta), associam a cor preta à sujeira (não toma banho) e as usam principalmente como uma arma em situações de disputa, de conflito. Como não são repreendidos pelos professores, acabam reproduzindo a situação inúmeras vezes, como que autorizados" por eles. Por outro lado, as crianças negras tendem a silenciar cada vez mais e a fugir das situações de conflito e de disputa, isolando-se.

Quando reagem, às vezes de maneira desproporcional, sem controle, são criticadas e advertidas. Assim, vão silenciando cada vez mais. Esta situação gera um círculo vicioso difícil de ser rompido sem ajuda. Entre os professores há silêncio também. Não falar sobre as situações de racismo, preconceito e discriminação na escola faz com que o problema pareça não existir.

Se, por um lado, a atitude de silêncio dos professores diante de situações de humilhação entre as crianças é uma tentativa de considerá-las como "naturais" ou "individuais", evitando falar sobre o assunto para não "esticá-lo", por outro lado, essa atitude também é uma valorização da não reação das crianças negras ao serem humilhadas. De qualquer modo, isso só contribui para a aprendizagem do silêncio.

Segundo ainda a pesquisa de Eliane, os professores tendem a elogiar mais as crianças brancas e a ter mais contato físico afetuoso com elas. A postura do professor no modo como se refere às crianças, sua expressão corporal e a intervenção nas atividades podem caracterizar-se como fatores de exclusão das crianças negras. Quando o professor, sem intenção discriminatória aparente, auxilia sempre as meninas brancas a se pentearem ao invés das negras, quando prefere pegar ao colo sempre as crianças brancas, está contribuindo para minar a auto-estima dos alunos afro-descendentes.

Se a dinâmica escolar não aceita e não sabe incluir a criança negra, cria uma situação geradora de desconforto e de impossibilidade de realização pessoal, na medida em que ela é o tempo todo comparada com a criança branca, humilhada, desvalorizada e inferiorizada. Como resultado, o silêncio, que pode levar ao condicionamento do fracasso em todas as esferas da vida social, perpetuado nas relações sociais desiguais.

Estas observações nos levam a constatar que é mais do que hora de encarar com seriedade e competência o problema. Precisamos mudar a mentalidade da escola, intervir para que o silêncio seja rompido, inaugurando novas práticas no cotidiano das relações escolares de modo que possamos reconhecer, valorizar e incluir a criança negra na escola, como é o seu direito.

DIFERENTES AÇÕES PARA UM MESMO PROBLEMA

Educar para a igualdade racial na Educação Infantil significa, além de encarar de frente a questão, refletir e discutir no âmbito da escola e com as famílias, ter cuidado também na escolha das atividades, projetos, livros, brinquedos e materiais gráficos colocados à disposição das crianças.

Os diretores, coordenadores e professores podem ser fortes aliados no combate ao racismo e na promoção da igualdade, caso haja a incorporação da temática racial no cotidiano escolar e não apenas em momentos ou projetos e atividades pontuais, como, por exemplo, nas comemorações específicas da luta anti-racismo.

Sabemos que o tempo todo os professores colocam à disposição das crianças "objetos culturais" que agregam determinados valores à aprendizagem. Tais objetos traduzem determinadas ideologias e concepções que a criança apreende, ainda que de forma inconsciente. Os objetos culturais presentes nas creches e pré-escolas tais como livros, revistas, brinquedos, bonecas, imagens e objetos religiosos usados sem reflexão podem oferecer imagens distorcidas, muitas vezes preconceituosas e estereotipadas dos diferentes grupos raciais. É o caso das bonecas negras que não respeitam as características físicas específicas, apontando para a diferença da cor da pele como única referência ou das revistas em que negros aparecem como subalternos e em subempregos e de imagens que enfatizam uma naturalização de funções e situações que revelam a ideologia vigente - a do branco.

A inclusão dessa temática na formação dos professores se justifica pela possibilidade de trazer à tona preconceitos, para assim oferecer oportunidades para conhecer, valorizar e incorporar a cultura africana e o fundamental papel dos afro-descendentes na formação do povo brasileiro.

SENSIBILIZAR PARA A QUESTÃO: SÓ UM COMEÇO

Recebemos um convite do Centro de Estudos das Relações do Trabalho e Desigualdade (CEERT) para desenvolver em conjunto uma oficina para professores de Educação Infantil sobre o tema. Nossa intenção ao planejá-la era colaborar para que os professores colocassem a igualdade racial como pauta de suas reflexões e ações nas atividades do cotidiano escolar de forma transversal.

Considerando o curto espaço de tempo da oficina (4 horas), optamos por usar a arte como instrumento de sensibilização. Organizamos diferentes elementos que auxiliassem na construção de um olhar que considera e valoriza a diversidade e que reconhece o racismo e o preconceito como primeiro passo para procurar eliminá-lo.

Por meio da apreciação de diferentes objetos artísticos brasileiros e de uso cotidiano na África, propusemos a discussão de como nosso olhar é formado socialmente e padronizado por informações que desconsideram a diversidade cultural e racial. Assim sendo, as escolhas estéticas que fazemos são impregnadas pelo preconceito e pela falta de contato com o repertório cultural de diferentes povos. Neste caso, a apreciação da cultura africana trouxe um novo olhar sobre a capacidade de produção estética dos povos africanos e ampliou o conhecimento e o repertório dos professores.

A partir dessa vertente cultural e estética propusemos uma atividade que é sucesso garantido com as crianças: vestir bonecas ou bonecos de papel com diferentes padronagens africanas. Esta foi a estratégia utilizada para refletir sobre a diversidade. Recuperamos assim uma prática antiga, lúdica, multiplicável e de custo quase zero.

O PLANEJAMENTO DA OFICINA

Decidimos que faríamos bonecos a partir de fotos de crianças negras porque, desta forma, estaríamos contemplando os afro-descendentes, cujos traços são específicos. Não queríamos fazer "caricaturas" de negros, mas respeitar seus traços originais.

Levaríamos os bonecos prontos, impressos em papel para serem coloridos pelos professores, posteriormente montados em papel cartão e finalmente recortados e "vestidos".

Para ampliar o olhar e a reflexão sobre o tema proposto, exibiríamos revistas, livros de estórias infantis, de fotografias, pinturas, cartões, etc. das culturas africana e brasileira afrodescendente.

Faríamos também uma pequena exposição de tecidos e roupas com padrões e formas africanas, principalmente o batik, característico de alguns países daquele continente; esculturas tradicionais; bonecas típicas; etc. Apostamos que essa diversidade de estímulos de formas e imagens, de cores, padrões, proporções, texturas, tantos de materiais presentes na natureza como daqueles advindos das manifestações culturais, traria bons resultados.

Foi exatamente o que aconteceu. Depois da reflexão sobre o assunto e da apreciação, os professores produziram as roupas de papel representando diferentes culturas africanas. Mais importante que essa atividade pontual, quase uma brincadeira, eles tiveram a oportunidade de pensar em muitas outras atividades inclusivas e de valorização da diversidade cultural tendo em vista a igualdade social; aprenderam a pesquisar e olhar historicamente os assuntos a serem abordados; a procurar sempre que possível ampliar o repertório por meio da apreciação de imagens (desenhos, pinturas, esculturas, arquitetura, fotos e documentários), de músicas e costumes.

Os professores criaram bonitos trajes e recuperaram a idéia de brincar com as bonecas de papel, valorizando sua função na Educação Infantil como linguagem própria, expressiva e que aproxima a criança da cultura.

BIBLIOGRAFIA
- "Educação anti-racista: Compromisso Indispensável para um Mundo Melhor". Em Racismo e Anti-Racismo na Educação: Repensando Nossa Escola, org. Eliane Cavalleiro. Selo Negro Edições.
- Do Silêncio do Lar ao Silêncio Escolar: Racismo, Preconceito e Discriminação na Educação Infantil, de Eliane Cavalleiro. Ed. Contexto.
- Racismo no Brasil, vários autores. Ed. Peirópolis.
- Revista Nossa História, ano 2, edição nº 19
- Tirando a Máscara: Ensaios sobre o Racismo no Brasil, org. Antonio Sérgio Alfredo Guimarães e Lynn Huntley. Ed. Paz e Terra.


CONHEÇA AS EXPERIÊNCIAS PREMIADAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL NO SITE do CEERT

OUTROS SITES
www.portalafro.org.br
www.www.dialogoscontraoracismo.org.br
www.unidadenadiversidade.org.br
www.mundonegro.com.br

Leiam a entrevista com a pesquisadora Lucimar Rosa Dias, que trabalha com a diferença como valor positivo. (Doutoranda pela Faculdade de Educação da Universidade de S. Paulo, Ex-Bolsista Internacional da Fundação Ford, consultora do CEERT- Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade- SP e ex-coordenadora estadual de políticas de combate ao racismo do governo do Mato Grosso do Sul).Entre suas publicações está o livro Ações afirmativas em educação Experiências brasileiras. Selo Negro Edições, 2003.


O dia 20 de novembro não é feriado aí na Venezuela, mas aqui no Brasil há várias cidades que decidiram homenagear o líder do Quilombo dos Palmares. Temos de fato motivos para comemorar?


Temos sim, e muito. E entendo que o grande homenageado deva ser o movimento negro. É a força desse movimento que renova a batalha, a luta diária pela superação de todas as diferenças. É um movimento que, embora tenha caminhos variados e organizações bem diversas, continua muito vivo e atuante, desde a época colonial. É esse movimento também que tem conseguido pautar a sociedade com as questões relacionadas aos negros. Avanços importantes já aconteceram, como as cotas nas universidades, a aprovação da Lei 10.639, que dispõe sobre o ensino transversal da trajetória dos negros no país, e até o avanço a olhos vistos na produção acadêmica. Então temos sim motivos para festejar, embora a reflexão precise estar sempre presente, para aprofundarmos as conquistas.


Como a senhora iniciou e passou a conciliar as trajetórias de militante e de pesquisadora?


Eu sempre fiz parte do movimento negro. Eu pertenço a uma organização de Mato Grosso do Sul chamada TEZ, Trabalho e Estudos Zumbi. Ali era um lugar de discussão de reflexão e de muita proposição. Ali foi a base que possibilitou meus outros caminhos. Eu fiz magistério e quando entrei na faculdade de Pedagogia da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, a questão de como os negros são vistos e tratados nas escolas começou a ficar muito presente. Eu já era professora da educação infantil nessa época e uma colega minha começou a ficar muito preocupada com um aluno dela, negro, de uns seis anos, que se sentia muito mal por ser o único negro da classe. O aluno era discriminado pelos colegas e se sentia péssimo com isso. A professora, embora não atuante no movimento organizado, era muito sensível a essa questão e me procurou para ter idéias de como abordar o problema com seus alunos.

Você já trabalhava com pesquisas relacionadas à questão do espaço do negro na educação?

Não, e isso é que foi mais interessante. Na TEZ, tínhamos uma metodologia muito bacana para discutir a discriminação e o preconceito, mas era uma metodologia para adultos, nunca tínhamos enfrentado o desafio de lidar com o problema com crianças. Foi um desafio mesmo. Então, junto com outros membros da TEZ e com outra professora, que viria a ser minha orientadora, criamos uma metodologia, aplicamos e tivemos muito bons resultados ali. Meu mestrado então foi verificar o que tinha acontecido nas escolas que haviam aplicado a nossa metodologia. Na verdade, o que tinha acontecido com o conhecimento. Queríamos saber se ele tinha sido utilizado, expandido, modificado. Se a escola tinha mudado e se o professor tinha sentido alguma diferença.


Antes de revelar o que aconteceu com esse conhecimento, você poderia contar como é a metodologia criada e aplicada por vocês?


Bem, o início de tudo, o que mais queremos ensinar é a diferença como valor positivo. A idéia desse método é que ao final de sua aplicação a criança tenha começado a construir em si a noção de que a diferença é um valor positivo. E o grande desafio é como trabalhar essa noção com crianças pequenas, da educação infantil. Ou seja, como introduzir e trabalhar essa pauta. O que nós pensamos foi primeiro trabalhar com flores. Levamos rosas de cores variadas e dizemos que é uma surpresa e eles têm que adivinhar o que é. Vamos dando dicas até que os alunos descobrem que são flores. Quando expomos as rosas na roda, começamos a perguntar o que eles estão vendo e a questão da cor, da diferença da cor, salta aos olhos. Logo eles percebem que são diferentes. E, na comparação delas e seguindo a provocação que vamos fazendo, eles acabam percebendo que, embora diferentes, todas as rosas têm o mesmo valor, servem para as mesmas coisas. Aí termina a primeira etapa. A segunda etapa é com pintinhos, ou com qualquer outro animal. Pode ser coelho, gato, cachorro, mas pintinho é legal porque são baratos, fáceis de encontrar e podem morar na escola por um tempo. Também com os pintinhos o método se repete, até que eles chegam à conclusão que também no caso dos animais (exatamente como no caso das flores e das plantas), a diversidade e a diferença são coisas legais, bonitas.
E a etapa seguinte deve ser com pessoas. A gente propõe que eles descubram a terceira surpresa e eles descobrem que são eles mesmos e passam a se comparar e nesse momento o professor tem que ser muito atento. Porque uma coisa é falar de planta e bicho। Outra coisa é falar de si e dos seus pares.

Nessa etapa as coisas mais ricas se revelam.É aí que as crianças se mostram preconceituosas?


Isso mesmo. Aqui a discriminação e o preconceito racial aparecem. Aparecem em relação ao professor, caso ele seja negro, e aparecem mais forte em relação aos colegas. Aí é preciso muita delicadeza para desconstruir o discurso da criança que manifesta o preconceito sem feri-la e sem expor o colega discriminado. Porque não queremos ficar fazendo discurso, massacrando as crianças, doutrinando contra o racismo.

Mas essa criança de três a seis anos ainda não tem bagagem para discernir sobre o racismo...


Não tem. Ela repete um discurso que acaba formando suas percepções, mas ainda não tem, nem deve ter responsabilidades em relação a isso. Por isso é tão comum, quando ela tem uma professora negra e gosta dessa professora, o fato de desculpar a professora por ser negra. Deixe eu explicar melhor. A criança diz: eu não gosto de preto. E a professora responde: mas eu sou negra, você não gosta de mim? E a criança emenda: mas é que você é professora. Entende? As coisas ainda não estão sedimentadas, ainda há espaço para trabalhar e mostrar que se a criança gosta, a cor é só um detalhe, não é importante. Então o que a gente quer provocar com tudo isso é a reflexão. Vamos levando as crianças a pensar sobre aquilo que estão falando, sobre essa questão e dá resultado, viu?

No seu mestrado você foi buscar o que ficou da aplicação desse método em algumas escolas. O que encontrou?

Bem, pesquisamos três escolas em que o método havia sido aplicado. E encontramos uma que quase não apresentou mudanças. Quer dizer, passou a comemorar o 20 de novembro, incluiu a data no calendário, mas só. A que mais apresentou mudanças aplicou o método e expandiu, aprofundou, adaptou à realidade daquela escola. Mas em todas, o que a gente encontrou foi uma constatação comum, mas que faz toda a diferença: para fazer diferença, não basta a boa vontade do professor. Porque em todas havia professores bem dispostos, atentos ao tema. O ponto de virada é a infra-estrutura e o apoio. O professor precisa se sentir amparado para aplicar mudanças assim, se não a coisa não vai para frente.

Quando a senhora diz que a escola precisa apoiar, do que estamos falando exatamente?


Em primeiro lugar, a instituição precisa ser sensível a essa questão do negro, à questão da discriminação e dos direitos dos cidadãos de todas as cores। Se a escola passa ao largo disso, não vai funcionar. Outra coisa é que a escola precisa oferecer a estrutura para amparar o professor na tarefa de discutir as diferenças. Se a escola só tem revistas com fotos de pessoas brancas, não dá para fazer uma colagem representando a diversidade. Tem um recurso comum, que é contar histórias de princesas japonesas, africanas, muçulmanas. É importante que a criança realize essas imagens de alguma maneira, e a escola precisa ajudar com isso. Estou falando das coisas simples e até das mais complexas. Mas principalmente a escola precisa ter uma política de superação das diferenças. Essa que eu pesquisei e que mais avançou na metodologia era uma escola com uma proposta pedagógica bem consolidada e construída coletivamente. E isso ajuda bem.


E quando a senhora fala em bons resultados, como é que se mede isso? Em relação às crianças?


Bem, criança é um bichinho fantástico, porque dá os retornos muito rapidamente। A primeira coisa que surpreende no trato com os meninos é que embora eles tragam um discurso carregado de preconceito, eles são muito abertos à reflexão. Se a gente oferece os conteúdos, eles vão colhendo e construindo seu próprio raciocínio, se esse conteúdo for cidadão, comprometido com a superação do racismo, da discriminação, do preconceito, o resultado é que essas crianças atentarão para isso, serão crianças preparadas para lidar emocional e intelectualmente com o problema. Na minha experiência, o que me chama a atenção é a naturalidade. Quando uma criança fala naturalmente que alguém é negro – mesmo que fale preto – isso é um indicativo importante. A característica de ser negro não pesa nada para aquela criança e isso é ótimo.


Voltando à sua resposta sobre a escola apoiar... No final, a senhora destaca o papel da escola e da família. Essas crianças são tão pequenas... De onde vem esse preconceito? Porque muitas vezes a família é atenta às questões raciais, mas a criança manifesta um comportamento de certa forma oposto.


É isso é mais comum que se imagina। Claro que a família é o berço, é a influência primeira, mas não é a única. Somos uma sociedade cheia de influências, desde os cuidadores das crianças, como as avós, as babás, as creches, até chegar à escola e à mídia. Eu li uma pesquisa linda da Unicamp em que a autora falava sobre a diferença de tratamento de berçaristas para um mesmo comportamento de um menino negro e de um branco. Quando um bebê negro empurra o berço até o meio do dormitório, a berçarista comenta: esse menino é um furacão! Se é uma criança branca, a mesma berçarista diz: vocês viram como o fulano é esperto? Olha até onde ele trouxe o berço! Repare que os bebês não têm discernimento sobre a diferença no tratamento, mas ambos introjetarão que o branco leva alguma vantagem. Sem falar na mídia, que estimula uma discriminação velada, que finge ser inexistente. E devagarzinho, com essas atitudes aparentemente inocentes, mas que na verdade são carregadas de negativismo, vamos construindo cidadãos preconceituosos, que estabelecem diferenças entre negros e brancos. E contra isso, uma das ferramentas de ação são essas metodologias como a que construímos com os pré-escolares, porque uma ação dessa mexe com todo mundo. Com a criança, com seus pais, com sua família, com a escola, com o círculo de amigos, até chegar à sociedade. Pelo menos é nisso que a gente acredita.


E há metodologias para alunos e também para professores. Esse foi o assunto de sua tese de doutorado, não é?


Foi. No mestrado, nossa atenção era para a escola. No doutorado o foco é o professor especificamente.


Você pesquisou os professores que aplicaram a metodologia da diferença como valor positivo?


Não, dessa vez o alvo foram professores que passaram por cursos de formação para a superação das diferenças. Em várias cidades do Brasil, os governos nos vários níveis oferecem esses cursos de formação que pretendem preparar o professor para lidar com as questões de preconceito, discriminação. No meu doutorado analisei dois cursos, um de Mato Grosso do Sul e outro oferecido pela prefeitura de Campinas. A idéia era falar a partir do ponto de vista do professor. O curso ajuda? Atrapalha? Faz sentido? O que eles aprendem lá? O que dá para aplicar? Como a escola reage? Mas sempre sob a ótica do professor que passou pela formação.


A que conclusões vocês chegam e como o professor sai de uma experiência como essa?
De novo temos respostas variadas. Tem desde os professores que acham interessante e fim até aqueles que mudam radicalmente sua ótica, seus métodos e seus cuidados. E de novo, o que pesa aqui é a infra-estrutura. Se a escola, ou pelo menos o sistema educacional, dá apoio, o professor deslancha; caso contrário, ele se sente sozinho, inseguro, incapaz de implementar tudo aquilo que aprendeu no curso. E, normalmente, os professores saem muito motivados, cheios de idéias. Se a escola banca, eles conseguem levar seus projetos adiante. Mas se a escola ignora aquela possibilidade é uma frustração enorme para o educador. Em Campinas o caso é emblemático porque superar as diferenças raciais é uma política de estado. Então a escola fica fortemente sugerida a cumprir aquela determinação. O que é ótimo para o professor, que recebe um respaldo motivador. E a gente acha que é por aí mesmo. Mexer nas escolas, mexer nos professores para trabalhar o estudante para, no fim das contas, alcançar um mundo mais igualitário.

Veja também: Aprendizado étnico-racial ajuda as crianças a compreenderem as diferenças

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