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domingo, 11 de novembro de 2007

trabalhando com a coleção História em Projetos. Fontes de Estudo e Reflexão 1: Crianças e guerras


No centro da foto Kim Puhuc, menina vietnamita de 9 anos e outras crianças queimadas por bombas de napalm fogem de um povoado do Vietnã do Norte, bombardeado por tropas estadunidenses.

Fonte da imagem: Cap. 9: No calor da Guerra Fria: O que significava ser capitalista ou socialista. Unidade 3- Guerra Fria, Descolonização da África e da Ásia e conflitos no Oriente Médio. Coleção História em Projetos, vol 8a série/ 9º ano, p. 122.
Unidade relacionada: Unidade 2- As guerras mundiais e o período das grandes transformações; Cap 6: O que significava viver em tempos de guerra e de revolução no início do século XX? Cap. 7 Como era a vida durante o período entre as duas guerras mundiais? Cap. 8 As 'novas' guerras: o Holocausto, o genocídio, a bomba atômica e a destruição em massa. Coleção História em Projetos, vol 8a série/ 9º ano, Editora Ática.


A criança como criminosa de guerra
Apesar do reconhecimento político e jurídico de que o recrutamento de crianças é um crime universal, este continuou sem tréguas

David M. Crane*
Em Syracuse, Nova York

Era um dia claro e quente. A sala de reuniões na escola para surdos no interior, perto de Makeni, fervilhava com mais de 500 pessoas. A reunião foi uma das muitas que eu conduzi em Serra Leoa para dar às pessoas uma oportunidade de falar sobre a guerra, os crimes, seu sofrimento e outras questões relacionadas ao nosso trabalho.

Quando terminei de responder a uma pergunta, um pequeno braço se levantou no meio da sala. Caminhei até o aluno. Ele se levantou timidamente, com a cabeça baixa, e murmurou alto o suficiente para os que estavam à sua volta escutassem: "Eu matei pessoas. Sinto muito, eu não queria fazer isso". Fui até ele com lágrimas nos olhos, o abracei e disse: "É claro que você não queria. Eu o perdôo".

Esse diálogo ocorreu quando eu estava em Serra Leoa como promotor-chefe do tribunal internacional de crimes de guerra na África Ocidental, o Tribunal Especial para Serra Leoa.

O rapaz era uma das dezenas de milhares de crianças que foram obrigadas a combater contra sua vontade. Eu decidi não processar nenhuma delas pelos crimes que cometeram. Fazê-lo teria sido legal e moralmente errado.

Só nos últimos dez anos a comunidade internacional começou a enfrentar esse flagelo. Um relatório ao secretário-geral da ONU em 1996 apresentou um programa abrangente para proteger as crianças em tempos de conflito armado. A introdução declarava:

"Partes cada vez maiores do mundo estão sendo sugadas para o vácuo moral. É um espaço despido dos valores humanos mais básicos; um espaço onde crianças são assassinadas, violentadas e incapacitadas; um espaço em que crianças são exploradas como soldados; um espaço em que crianças são privadas de alimento e expostas a extrema brutalidade ... Há poucos lugares mais profundos onde a humanidade possa cair."

Um menino-soldado chamado Omar Khadr, cidadão canadense, vai ser julgado pela comissão militar especial em Guantánamo. Ele é acusado da morte de um soldado americano durante um tiroteio em que o próprio Khadr ficou seriamente ferido. Ele tinha 15 anos na época. Hoje com 20, depois de anos de detenção como "combatente inimigo ilegal", Khadr será julgado pelo que fez quando era criança.

O uso de crianças na guerra não é um fenômeno novo. Há séculos crianças seguem os exércitos como pessoal de apoio -pajens, carregadores de água, batedores de tambor. Nas marinhas européias, meninos eram destinados a navios de guerra por pais nobres para embarcar na carreira de oficiais; outros eram forçados a servir como marinheiros.

Com o advento dos vários regulamentos de Haia sobre o uso de armamentos na guerra no final do século 19 e início do 20, as regras da guerra começaram a ganhar um estatuto universal. Com as duas guerras mundiais, a atenção mudou das armas para a situação dos não-combatentes.

A fundação da Organização das Nações Unidas em 1945 estabeleceu uma voz para os civis em tempos de guerra, especialmente para as crianças. As Convenções de Genebra de 1949 eram dedicadas a pessoas que estão "fora de combate" -prisioneiros de guerra, náufragos, civis. As crianças finalmente conseguiram proteção especial sob a lei internacional.

No entanto, a Guerra Fria também viu a ascensão do conflito no Terceiro Mundo, em que as crianças eram mais uma vez as vítimas. Nos anos 1970, as Convenções de Genebra foram revisadas para refletir as realidades do conflito armado moderno. Mais uma vez o nível foi elevado e a maioria dos países concordou com os novos padrões.

Os protocolos de 1977 proibiram especificamente o uso de crianças em conflitos armados. Usar crianças em conflitos não era especificamente definido como crime, mas a implicação era que se tratava de uma grave violação das Convenções de Genebra.

A subseqüente Convenção sobre os Direitos da Criança (CRC) de 1990 foi mais específica sobre o uso de crianças em conflitos armados. Nessa época, o recrutamento de crianças como crime havia se cristalizado no direito internacional.

A convenção define crianças como menores de 18 anos, e entre outras coisas exige que os países definam uma idade mínima em que se pode imputar a responsabilidade criminal. Um protocolo opcional adverte os grupos armados -em distinção às forças armadas do país- para não recrutar ou usar crianças sob quaisquer circunstâncias.

A detenção de juvenis também é coberta por acordos internacionais. Os delinqüentes juvenis, como os criminosos adultos, devem ter direito a um processo justo. Uma criança tem direito ao acesso periódico a aconselhamento jurídico e o direito à revisão periódica de sua detenção. A detenção só deve ser usada como último recurso, em circunstâncias excepcionais e pelo prazo mais breve possível. Na detenção, os juvenis devem ser separados dos adultos.

Na prática

Apesar do reconhecimento político e jurídico de que o recrutamento de crianças é um crime universal, este continuou sem tréguas. Em 1996, o Relatório Marcel surpreendeu a ONU ao salientar a extensão do problema. Milhões de crianças morreram nas décadas de 1980 e 90. Houve pedidos de ação e foi iniciado um plano para monitorar o recrutamento de crianças como soldados.

No final dos anos 1990, o mundo mais uma vez começou a desenvolver um mecanismo para processar crimes de guerra e crimes contra a humanidade. O Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional, declarou especificamente que o recrutamento de crianças de menos de 15 anos é "uma grave violação da lei humanitária internacional".

Mas a tragédia continua em todo o mundo, especialmente na África.

Quarenta e dois grupos armados em 11 países foram especificamente indicados em um relatório da ONU emitido em fevereiro de 2005. Ele pediu a monitorização e o relato de crianças em conflitos armados para garantir que a lei seja cumprida em todo o mundo.

Ao apresentar uma testemunha ao tribunal internacional na África Ocidental, descrevi outra tragédia da história de horror de dez anos em Serra Leoa, esta do distrito de Kono:

"Os rebeldes levaram a ele e seu irmão menor para Kaiama junto com outros 13 meninos. Os rebeldes alinharam as 15 crianças e lhes ofereceram uma opção: entrar em uma fila se quisessem ser rebeldes e em outra se quisessem ficar livres e ir para casa. Os 15 meninos entraram na fila da liberdade.

"Foi a opção errada. Eles foram acusados de sabotagem à revolução. Para impedir que escapassem, cada um foi mantido deitado, aos gritos, e um por um tiveram 'AFRC' e/ou 'RUF' gravados no peito com uma lâmina de espada. A testemunha agora era apenas propriedade marcada e tratada como tal. Ele estará nesta mesma sala para contar sua história de horror e mostrar-lhes seu peito marcado, que até hoje exibe as letras A-F-R-C R-U-F."

Omar Khadr, um canadense de 15 anos, podia ter sido aquele menino em Serra Leoa, mas ele estava no Afeganistão, em circunstâncias semelhantes, não criadas por ele ou controladas por ele, em um ambiente do qual não havia escapatória para uma criança.

Legalmente, moralmente e politicamente, a comunidade internacional -incluindo os EUA- afastou as crianças dos horrores do combate, para proteger e nutrir, para reabilitar e apoiar; não para punir.

Nenhuma criança encontrada em combate deveria ser responsabilizada por seus atos. Esse é o padrão jurídico da comunidade mundial e deste país. O que ocorrerá em Guantánamo nas próximas semanas é errado.

*David M. Crane é professor de prática advocatícia na faculdade de direito da Universidade de Syracuse e foi promotor no Tribunal Especial para Serra Leoa de 2002 a 2005.

Fonte: Herald Tribune, 11/11/2007, Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Leia também:Um olhar para o futuro das crianças combatentes

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