EDUARDO GUIMARÃES: MÍDIA QUER PARECER "JUÍZA", MAS É "ATRIZ"
(por Luiz Carlos Azenha)
Atualizado em 23 de outubro de 2008 às 15:23
Eu hoje dei entrevista a duas estudantes de Jornalismo. Expliquei didaticamente minha opinião de que algumas empresas de mídia do Brasil -- Organizações Globo, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Editora Abril -- estão engajadas em um projeto político e econômico que se reúne em torno do governador paulista, José Serra.
Expliquei que tudo o que estiver no caminho desse projeto foi, é e será atropelado: de Geraldo Alckmin a Paulo Maluf, de Ciro Gomes a Dilma Rousseff.
Demonstrei a elas que não existem "crises", nem "apagões", nem "caos" em São Paulo. Só existem "crises", "apagões" e "caos" federais. O acidente da TAM, em Congonhas, fez parte do "caos aéreo", mas o confronto entre polícias não fez parte do "caos na segurança pública".
Falei também sobre a hipocrisia. Os filhos ou supostos filhos do Pelé, do Maluf, do Renan Calheiros e do presidente Lula fora do casamento são notícia; o filho de FHC com a jornalista da Globo não é; o nepotismo de qualquer político é notícia, mas o de Gilberto Kassab, que criou um cargo para o "amigo" na Prefeitura de São Paulo, não é.
Pedi às duas estudantes, de classe média alta, que passassem a ler os jornais, assistir TV e ouvir rádio com esse "filtro" que logo elas se dariam conta da omissão, manipulação e distorção de informações praticada pelos grupos acima citados.
Sempre achei que o governo Lula deveria fazer disso uma questão política. Não só ele, mas todos os prejudicados, de todos os partidos, já que a mídia que ataca o governo Lula pode ser aquela que atacará qualquer outro, de qualquer outro partido, amanhã.
E aí fui ler o Cidadania.com, do Eduardo Guimarães. Coincidentemente, ele escreveu sobre a campanha paulistana:
"Enquanto isso, o PT preferiu apelar para a principal arma da direita (difamação) em São Paulo, por exemplo, em vez de levantar um debate que esvaziaria o poder da mídia de se apresentar como juíza da partida, ou seja, dizer claramente à sociedade que a mídia é atriz no processo político. Que é jogadora, não juíza.
Se fizesse isso, o grupo de Lula anularia um importante ativo da direita. Bastaria ter usado o horário eleitoral em São Paulo para carimbar nas costas da mídia a pecha de partidária da direita no Brasil. Isso se espalharia como fogo, levantaria a militância.
Mas como fazer se Lula chega a ir prestigiar eventos da Veja? Como fazer se Marta Suplicy dá de bandeja a seus adversários a oportunidade de inverter os papéis de vítima e feitor do preconceito?
Lula continua acreditando que poderá ser aceito pela elite algum dia. E subestima o poder da mídia de fazer a crise internacional entrar mais no Brasil do que deveria, através daquele tipo de profecia auto-realizável na qual infunde-se desânimo e medo nos agentes econômicos, estes se paralisam e aos próprios negócios e, assim, vai se criando, artificialmente, uma situação recessiva que acaba por provocar quebradeira e desemprego...
Onde está o presidente Lula, que, até agora, não falou nem uma vez à nação, em cadeia nacional de rádio e tevê, sobre a crise no mundo rico? Por que ele deixa a mídia difundir esse pânico como quer?
Assim fica difícil, meus amigos. Não adianta eu exortar vocês para irmos às ruas protestar – e sem que se dê qualquer repercussão ao nosso esforço – enquanto o grupo de Lula contemporiza com a direita e dá à mídia o privilégio de poder se apresentar como juíza do processo político."
Nobel de Economia defende aumento de gastos públicos contra a crise
PAUL KRUGMAN
Para enfrentar a ameaça de degradação social, desemprego e recessão, em função da crise financeira, o Prêmio Nobel de Economia propõe fortes investimentos em políticas públicas nas áreas de saúde e seguridade social, aumento dos impostos para os mais ricos e fortalecimento do poder de negociação dos sindicatos. Para Krugman, o aumento do poder dos sindicatos permitiria aumentar o número de empregos e a renda destinada à classe média
Christian Chavagneux - Alternatives Economiques
Christian Chavagneux é o Redator-Chefe de Alternatives Economiques, site dedicado ao crédito alternativo e cooperativo. Nesta entrevista, Paul Krugman analisa a contradição entre a sociedade aberta que os Estados Unidos pretendem ser e a política de favorecimento dos ricos posta em prática pelo governo Bush. Ao mesmo tempo, o colunista do New York Times expõe suas idéias sobre as medidas que deveriam ser tomadas para assegurar uma retomada do crescimento econômico e social pós-crise: um modelo muito próximo do que, conceitualmente, deveria imperar no Brasil... a começar, por um SUS universal, em dimensão norte-americana.
“Nos Estados Unidos a realidade nunca esteve à altura do sonho americano”.
- Os Estados Unidos experimentaram recentemente um importante ciclo de expansão econômica. Entretanto as desigualdades e a pobreza aumentaram. Como explicar isso?
Paul Krugman: Isto se dá, em grande parte, diante de uma mudança nas relações políticas de força. A massa dos assalariados perdeu muito de seu poder de negociacão, e como explico em meu último livro (1) , as condições políticas têm uma influência essencial na distribuição da renda.
Qual foi o papel das políticas implementadas pelo governo Bush?
Paul Krugman: Bush fez duas coisas. Mudou o sisitema fiscal num sentido muito regressivo, com reduções muito fortes nos impostos sobre as rendas mais altas, os dividendos e os lucros do capital. Ele benfeciou os mais ricos e ao mesmo tempo reduziu os fundos disponíveis para as políticas públicas e para a ajuda aos mais necessitados. Podemos fazer uma estimativa: entre 30% e 40% das reduções de impostos de Bush beneficiaram as pessoas que ganham mais de 300 mil dólares por ano [mais ou menos 600 mil reais], o que representa uma redistribuição [de renda] em favor daqueles que estão em melhor condição de pagar impostos. O governo Bush, por outro lado, acelerou a perda de poder de negociação dos assalariados, reduzindo em muito toda possibilidade de organização sindical.
Qual é o papel da globalização no aumento das desigualdades?
Paul Krugman: Ela deveria, em princípio, contribuir, mas embora as forças da globalização afetem todos os países desenvolvidos da mesma forma, a distribuição de renda é diferente de país para país. Os Estados Unidos fazem parte daqueles países em que as desigualdades cresceram muito. Isso não acontece do mesmo modo no Canadá, que está tão aberto quanto nós, e menos ainda na Europa continental. As desigualdades cresceram muito no Reino Unido [Grã-Bretanha], embora isso tenha acontecido, sobretudo, nos anos de Thatcher. Predominam as condições nacionais sobre a globalização, e foi nos Estados Unidos que se criou um aumento massivo das desigualdades.
Podem os norte-americanos contar com uma forte mobilidade social para combater as desigualdades?
Paul Krugman: Não. Alguns indivíduos conseguem subir na escala social, mas não tanto quanto a gente gostaria de imaginar. As histórias das pessoas que saem da pobreza e se tornam muito rica são poucas. Só 3% das pessoas que nascem entre os 20% da população mais pobre termina sua vida entre os 20% mais ricos. Entre os países desenvolvidos, os EUA parecem ter o grau menor de mobilidade social.
Então o sonho americano morreu?
Paul Krugman: Não. De qualquer modo, a realidade jamais esteve à altura do que o sonho americano almejava. Mas nós estamos acordando!
Que políticas seriam necessárias para lutar contra essa situação social degradada?
Paul Krugman: Em princípio instaurar um sistema de seguro saúde que seja universal, que cubra toda a população. Todos os países desenvolvidos tem algo parecido. E a falta de cobertura social representa uma das primeiras causas da desigualdade e da perda de mobilidade social. Aí, é necessário estabelecer um sistema educativo melhor, o que eixige reformas mas também recursos. Por fim, é necessário aumentar o poder de negociação dos assalariados, facilitando a formação de sindicatos. O declínio do movimento sindical não resulta de uma tendência inevitável a longo prazo. Mais da metade da perda de poder dos sindicatos ocorreu durante a era Reagan. Tudo isso [o aumento do poder dos sindicatos] permitiria aumentar o número de empregos e a renda destinada a classe média. Poderíamosm fazer uma longa lista de medidas, mas penso que pôr de pé uma cobertura universal da saúde, que é algo factível, é uma prioridade e seria um grande passo a frente.
Como vai se financiar tudo isso?
Paul Krugman: Não é tão caro como se pensa. Nós temos hoje um sistema um tanto especial. Dizemos não ter uma cobertura médica pública, mas todas as pessoas com mais de 65 anos recebem uma ajuda financeira pública, e também os mais pobres. Se tomarmos o total dos aportes disponíveis, mais da metade da cobertura em saúde já está assegurada pelo Estado. As pessoas que não dispõem de seguro hoje são os jovens e as famílias jovens, aquelas que pela situação precária de seus empregos e por sua renda insuficiente não podem ter os benefícipos de um seguro privado. Essas pessoas não custam muito caro, em termos de uma cobertura de saúde: assegurar uma visita médica regular, um controle dental, etc., não é muito oneroso. No total, isso vai representrar menos de 1% do PIB.
Em seu livro, o sr. pede uma nova política fiscal...
Paul Krugman: De um modo geral, precisamos de mais entradas financeiras. É preciso reverter a queda nos impostos do governo Bush, porque sabemos que isso é inútil. Tivemos uma economia muito próspera com o governo de Clinton, com um imposto sobre as rendas de mais de 39,6%, e uma economia menos próspera com Bush, apesar de um imposto de 35%. Não há argumento racioanal que suporte continuar por esse caminho. Por outro lado, não há por que aceitar paraísos fiscais e os desvios que eles permitem. Por fim, há uma margem para aumentar a carga de impostos sobre os mais ricos. O objetivo não é penalizar os ricos, mas sim fazê-los pagar sua parte do financiamento das políticas públicas que o resto da população precisa.
Apesar dessa inércia social, os Estados Unidos continuam sendo a primeira potência econômica mundial. Como se explica isso?
Paul Krugman: Os Estados Unidos continuam sendo um lugar privilegiado para os 5 % dos mais ricos. Os rendimentos dos dirigentes são altos. Os EUA são uma sociedade aberta. Tratamos muito bem nossas elites. Como acadêmico, sempre me surpreendeu a abertura, a competitividade do mundo intelectual norte-americano em relação ao mundo relativamente mais fechado da Europa. Isso melhorou nos últimos tempos. Mas também vivemos de nossas glórias. Os EUA foram, de há muito, os primeiros a se adaptarem a novas tecnologias. Isso hoje mudou. Estamos atrasados em relação a outros países. Uma grande parte da força econômica dos EUA é hoje uma ressonância do avanço que tivemos nos anos 90.
(1) A América que Queremos. Ed. Flammarion, 2008.
Entrevista de Paul Krugman, professor de economia da Universidade de Princeton, colunista do New York Times e ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2008, a Christian Chavagneux, para Alternatives Economiques. Publicada em Sin Permiso, com tradução para o espanhol de Carlos Abel Suárez. Tradução para o português de Flávio Aguiar.
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