18 de outubro de 2008 às 18:33
Eu hoje tive uma longa conversa com um professor universitário petista.
Ele me falava dos defeitos do partido, dentre os quais a dificuldade de lidar com o inchaço causado pela ascensão ao poder. Atribuiu a isso a desmobilização da militância partidária.
Tenho um milhão de reparos a fazer ao governo Lula. A política de "acomodação" do presidente com as forças mais conservadoras do Brasil pode ter servido taticamente, mas foi um desastre a longo prazo. Lula deu tantos passos em direção ao centro que fica difícil classificá-lo até mesmo de "trabalhista".
O presidente da República abandonou aliados importantes em momentos decisivos, dentre os quais destaco a ministra Marina Silva e o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), Paulo Lacerda. Aquele que "frita" gente próxima como Lula fez acaba perdendo apoio quando mais precisa.
O governo pouco fez para atacar algumas questões essenciais para o aprofundamento da democracia brasileira. Inexiste uma política para lidar com o fato de que um grupo de comunicação controla mais da metade de todas as verbas publicitárias. Isso seria considerado absurdo em qualquer país do mundo, mas no Brasil o governo Lula não só se "acomodou" com a situação, como contribuiu com o status quo.
As agências encarregadas de fiscalizar a telefonia e o transporte aéreo, por exemplo, são ineptas: o governo Lula joga ao lado dos monopólios e contra o interesse dos consumidores. A tibieza do presidente, mesmo com altas taxas de popularidade, me levou a considerar que ele só pensa em uma coisa, 2014. Lança aos leões um candidato em 2010 e volta nos ombros do povo, em 2014.
O professor com o qual conversei notou, no entanto, algo que não parece tão óbvio: a nova roupagem com que as forças mais reacionárias do Brasil estão se apresentando ao eleitorado.
Ele fez considerações específicas a respeito da escandalosa manipulação midiática a que temos assistido desde que Lula assumiu o poder. Argumentou que o discurso midiático está engajado no "seqüestro" da plataforma política tradicional dos partidos de esquerda.
"Veja o Kassab. Quem é ele? Um clone do José Serra. O discurso lembra Jânio Quadros e o apelo à 'ordem', contra a 'desordem', é eminentemente autoritário. O que ele não diz é que a 'desordem', em São Paulo, é resultado da política de exclusão social patrocinada pelo próprio partido dele, o PFL-DEM. Ou seja, eles promovem a política da 'desordem social' e se apresentam ao eleitorado como salvadores da pátria. Fazem concessões cosméticas ao povão, mas querem resolver com a polícia o que numa sociedade democrática se resolve pelo diálogo", disse meu entrevistado.
"A direita está unida", afirmou.
Há quem argumente -- como é o caso do ex-governador Cláudio Lembo -- que essa conversa de direita e esquerda já era. Ou seja, que é preciso encontrar um novo discurso para o embate político. Lembo definiu a nova geração de lideranças como "pós-1988", ou seja, assumiria como dela os avanços da Constituição cidadã. Seria o patamar básico. A partir desse raciocínio, seria impensável promover no Brasil uma volta ao passado, com a repressão aos movimentos sociais, o corte dos programas sociais e o uso do estado para promover a socialização dos prejuízos e a privatização dos lucros.
Mas os recentes acontecimentos em São Paulo, especialmente na crise entre as polícias, colocam isso em dúvida. Não foi a primeira vez que o governo paulista usou a polícia quando deveria usar o bom senso. Não foi a primeira vez que usou cassetetes quando deveria ter usado a razão.
Tenho a impressão de que as forças mais reacionárias do Brasil "afrikaner" estão se aglutinando em torno de um projeto político -- qualquer projeto político -- para retomar o controle do estado e colocá-lo a serviço de interesses econômicos estreitos.
Nunca ninguém perdeu dinheiro apostando contra a estupidez da elite brasileira. Está claríssimo para quem acompanha atentamente o noticiário através da Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Organizações Globo e Editora Abril que esses grupos se tornaram divisões de infantaria a serviço daquele projeto político.
Está claro qual o futuro dos movimentos sociais quando e se esse projeto político vingar: cassetete e bala de borracha. Arrocho salarial. E a "paz social" fabricada pelos "soldados" da mídia.
O cinismo do noticiário recente é inacreditável: a mídia que futrica a vida de Marta Suplicy se apressa em defender a "privacidade" do prefeito Gilberto Kassab; a mídia que cria uma "epidemia de febre amarela" não fala em "apagão policial" no Estado de São Paulo; a mídia que simula uma crise institucional em torno de um grampo telefônico para o qual não existe gravação aceita, sem crítica, que se atribua a uma adolescente de 15 anos, baleada, a responsabilidade por se colocar "em risco" em um seqüestro.
Nos Estados Unidos um grupo político "assaltou" o Estado pela via eleitoral usando para isso todos os métodos lícitos e ilícitos, inclusive a fraude e a supressão de votos na Flórida (2000) e Ohio (2004), os dois casos amplamente documentados. O uso fraudulento de pesquisas eleitorais foi documentado em várias partes do mundo, inclusive mas não somente na Venezuela, quando um instituto de pesquisa dos Estados Unidos divulgou que Hugo Chávez seria derrotado no referendo de 2004, burlando a legislação local ao divulgar em Nova York o resultado quando as urnas ainda estavam abertas. A "pesquisa" dava derrota de Hugo Chávez com 59% de "Não". Ele venceu com 58% dos votos.
Leia mais sobre o incrível caso da Venezuela aqui.
Pelo andar da carruagem, não devemos descartar a utilização desses métodos no Brasil.
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