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terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Ainda Cuba e ainda Kosovo, dois artigo de opinião de Azenha para debates em sala de aula

O Jornalista Luiz Carlos Azenha que já foi reporte da rede Globo de televisão e hoje é jornalista independente, vivendo em Washington DC, EUA é uma das fontes mais atualizadas e confiáveis do jornalismo político nacional e internacional. O endereço de seu blog é: www.viomundo.com.br.

Azenha é um jornalista bastante sério, porque além de buscar compreender os sujeitos sociais inseridos em seu próprio contexto, oferece a seus leitores múltiplas perspectivas e não vende opinião travestida de imparcialidade, ao contrário, oferece-nos opinião fundamentada em argumentos que convidam os leitores a refletirem sobre eles e a os refutarem ou não.

É por essa postura que escolhemos no volume de 7ª série/ 8º ano, no capítulo sobre a revolução haitiana, uma reportagem de Azenha para desenvolver um projeto de pesquisa sobre o Haiti contemporâneo. É também devido ao seu profissionalismo raro que destacamos aqui os dois artigos de sua autoria para refletirmos sobre dois fatos políticos importantes desta semana: a declaração de independência unilateral de Kosovo, a renúncia de Fidel e suas respectivas ressonâncias na imprensa brasileira. Avaliem os textos, professores, e reflitam se não vale a pena voltarmos nossos olhos para um jornalismo independente que está nascendo na rede.

PROPAGANDA CONTRA CUBA NO BRASIL NÃO VISA FIDEL CASTRO; O ALVO SÃO OS PRÓPRIOS BRASILEIROS

Atualizado em 19 de fevereiro de 2008 às 13:59 Publicado em 19 de fevereiro de 2008 às 13:59 (Luiz Carlos Azenha)

WASHINGTON - Jon Lee Anderson, biógrafo de Che Guevara, há alguns meses detonou uma reportagem de capa da revista Veja sobre Guevara. Anderson escreve para a revista New Yorker. Seus livros vendem milhões de cópias em todo o mundo. Como é que ele avaliou o texto de Diogo Schelp?

"O que você escreveu foi um texto opinativo camuflado de jornalismo imparcial, coisa que evidentemente não é. Jornalismo honesto, pelos meus critérios, envolve fontes variadas e perspectivas múltiplas, uma tentativa de compreender a pessoa sobre quem se escreve no contexto em que viveu com o objetivo de educar seus leitores com ao menos um esforço de objetividade. O que você fez com Che é o equivalente a escrever sobre George W. Bush utilizando apenas o que lhe disseram Hugo Chávez e Mahmoud Ahmadinejad para sustentar seu ponto de vista. No fim das contas, estou feliz que você não tenha me entrevistado. Eu teria falado em boa fé imaginando, equivocadamente, que você se tratava de um jornalista sério, um companheiro de profissão honesto. Ao presumir isto, eu estaria errado."

Anderson não é comunista. Não recebe dinheiro de Fidel Castro. É simplesmente um grande jornalista.

A resposta indigente do repórter da Veja incluiu uma ameaça de que o nome do escritor não apareceria mais nas páginas da revista brasileira - o que é indicativo da falta de noção de Diogo Schelp. Estou curioso para saber qual o impacto que a ameaça de Schelp teve nas vendas do escritor americano.

É esse jornalismo vagabundo, contaminado por objetivos políticos e ideológicos, que infelizmente tornou-se o principal produto da grande mídia brasileira - especialmente de Veja, O Globo e TV Globo.

Tive duas experiências marcantes em minha carreira. Uma delas foi ao desembarcar em Moscou, em 1985. Linda a cidade, especialmente a praça Vermelha, de madrugada. Mas a paranóia de um estado policial era evidente. E o estado de decomposição das instituições estava no ar. Embora Mikhail Gorbatchev já tivesse assumido o poder, a União Soviética tinha a feição de Leonid Brezhnev, o morto-vivo que foi mantido no poder muito além de quando ainda tinha capacidade física e mental para governar.

Mais recentemente, fiquei surpreso ao desembarcar em Havana. Arquitetura dilapidada, transporte público caótico mas uma população surpeendentemente relaxada e alegre. Filmei à vontade. Conversei com os cubanos à vontade. E eles falaram mal do governo à vontade. E bem também. Conversei com dezenas de pessoas nas ruas.

Todas demonstraram grande admiração por Fidel Castro. Muitas se diziam amedrontadas com a ascensão de Raul Castro, visto no país como o "homem do paredão". Um dos momentos mais impressionantes foi a conversa que eu e minhas filhas tivemos com o dono de um pequeno restaurante. Ele lamentava que, aos 48 anos de idade, não tinha podido ainda sair do país.

"Não quero fugir para os Estados Unidos. Quero visitar o México, a Jamaica, quem sabe o Brasil". Fiquei com a clara impressão de que Fidel Castro produziu uma classe média educada e saudável que quer ir além dos slogans revolucionários. Os jovens não viveram o clima de guerra que cercou a ascensão de Fidel ao poder. Experimentam, sim, o boicote econômico dos Estados Unidos, que tenta estrangular a ilha desde os anos 60.

Os cubanos admiram as conquistas sociais, especialmente na Saúde e Educação. Eles são orgulhosos. Eu conheço quase toda a América Central. E digo, sem qualquer chance de errar, que os cubanos têm o melhor padrão de vida da região, comparável apenas ao da Costa Rica. Em comparação com a Guatemala, por exemplo, Cuba é um paraíso. E a Guatemala é uma "democracia plena" se considerarmos os padrões de Washington. E não há boicote americano à Guatemala.

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Cuba é superior ao do Brasil, que tem um dos piores índices de distribuição de renda do mundo. A classe média de Cuba seria pobre no Higienópolis e no Leblon, mas seria rica na periferia das grandes cidades brasileiras. Rica, saudável e educada.

E isso não é irrelevante. Se fosse, a TV Globo não continuaria até hoje com suas peças de propaganda disfarçadas de Jornalismo. Depois de quase 50 anos no poder, a contínua necessidade de demonizar Fidel Castro é sinal de que ele continua incomodando. Mais recentemente, já afastado do governo, ele cantou a pedra: a produção de álcool de milho provocaria desabastecimento de alimentos. Na época, Fidel foi surrado pela mídia. Hoje está constatado que a produção de álcool a partir de milho fez disparar o preço do produto e causou inflação nos Estados Unidos. A fonte é o New York Times.

Dizer que os cubanos não querem liberdade de ir e vir ou de desenvolver suas próprias atividades econômicas é mentira. Cuba não é o paraíso vendido pela esquerda. Nem o inferno vendido pela direita. É um país de gente alegre, educada e saudável que tem grande ressentimento por não poder freqüentar as mesmas praias que os turistas estrangeiros - hoje a grande fonte de moeda forte do país. Fidel plantou as sementes que resultaram em uma geracão que quer mudanças. Mas elas não virão de Washington, nem de Miami, nem de Brasília.

Se a sociedade cubana fosse vulnerável à propaganda do tipo que você vê hoje na TV Globo Fidel Castro já teria sido derrubado. O objetivo da propaganda não é derrubar Fidel. Ainda é a de evitar que ele sirva de exemplo. Isso diz mais sobre o Brasil e sua democracia para poucos do que sobre Cuba e Fidel Castro.

Se desejar ver os vídeos gravados por Azenha em sua visita a Havana, clique aqui

Para quem quiser aprofundar-se na Cuba da atualidade pelos olhos do jornalista Azenha indico também esse artigo aqui em minha opinião é um exemplo que reafirma minhas impressões sobre o trabalho deste profissional na apresentação deste post. Aqui o vídeo sobre o atentado de 1976.
Pela ótica de um jornalista comunista histórico e também bastante respeitável, veja a análise de Altamiro Borges sobre o episódio do vídeo cubano dos universitários de janeiro de 2008.


DEPOIS DA SÉRVIA, GEORGIA PODE SER DESMEMBRADA
Atualizado em 18 de fevereiro de 2008 às 20:45 Publicado em 17 de fevereiro de 2008 às 16:30 (Luiz Carlos Azenha)

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WASHINGTON - Kosovo declarou independência neste domingo. Sob protesto da Rússia, que é aliada da Sérvia. E com apoio dos Estados Unidos e da União Européia. Hoje a província abriga tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). E eu com isso, você vai dizer? Trata-se da repetição de uma fórmula antiga do colonialismo: promover a "independência" onde interessa, combatê-la onde não interessa, com claros objetivos políticos, econômicos e estratégicos.

Não faço juízo de valor. Vou dar informações a você que a mídia brasileira não dará, por falta de competência ou por reproduzir, sem crítica, o noticiário das agências internacionais. Olhem o mapa. A população de Kosovo é dividida: nela vivem sérvios e descendentes de albaneses. O argumento para apoiar a independência é de proteger a "minoria" de albaneses dentro da Sérvia. Como? Criando uma segunda Albânia.

Lembrem-se: estamos falando de uma região ainda não integrada plenamente à União Européia. Os balcãs permanecem campo de disputa geopolítica entre a Rússia e o Ocidente. Olhem a posição privilegiada da Albânia no mapa, na costa do mar Adriático. O país é um dos maiores aliados dos Estados Unidos no mundo, perdendo só para Israel.

O que existe em Kosovo, afinal, que interessa tanto assim a Washington? Uma grande base militar americana, chamada Campo Bondsteel, que ocupa 360 mil metros quadrados e inclui uma prisão. Quem construiu foi uma subsidiária da famosa Halliburton, empresa que já foi dirigida pelo vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney.

Quem mais promove a independência de Kosovo? George Soros, o megainvestidor que prega a expansão da OTAN e dos interesses dos Estados Unidos na Europa Oriental. Soros financia o International Crisis Group (ICG). Quer criar condições para investimentos dentro de regras que beneficiem empresas ocidentais. O ICG abriga gente importante, como Wesley Clark - ex-comandante da OTAN -, Zbigniew Brzezinski - principal assessor de Barack Obama para política externa- e Joschka Fischer, ex-ministro das relações Exteriores da Alemanha.

A OTAN mantém em Kosovo a International Military Presence (IMP), que se atribuiu o mandato de desenvolver e treinar as forças de segurança de Kosovo. Como escreveu George Szamuely no site Counterpunch, Kosovo não terá autonomia completa para decidir sobre a cobrança de impostos, política externa ou de segurança. "A única coisa independente de Kosovo independente é que será independente da Sérvia", ele escreveu.

Para os americanos, segundo ele, "Kosovo não passa do território em volta de uma base militar gigante, um presença chave no Mediterrâneo em caso da Grécia e da Turquia não se mostrarem confiáveis".

A reação da Rússia tem a ver com isso. A Sérvia é o último país aliado dos russos nessa região estratégica. Por isso o governo de Vladimir Putin quer levar o caso às Nações Unidas, para impedir a independência de Kosovo. Ou seja, por trás da fachada estão em jogos as velhas "esferas de influência".

Vocês nunca verão os Estados Unidos apoiando a independência de Chiapas, no México, ou do país basco, na Espanha. Mas Washington apoiou a soberania do Panamá em relação à Colômbia (onde depois construiu o canal) e agora defende a "soberania, a liberdade, a democracia" e todos os outros adjetivos que você vai ler nos jornais e ver na televisão em relação a Kosovo. Hoje é Kosovo, amanhã pode ser a Bolívia, depois de amanhã...

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WASHINGTON - Estados Unidos, França, Alemanha e Grã Bretanha reconheceram a independência de Kosovo nesta segunda-feira. Rússia, China e Espanha rejeitaram. Em Moscou o Parlamento aprovou moção apoiando dois enclaves separatistas da Georgia, Abkhazia e South Ossetia, que devem formalizar pedido de independência à Russia em algumas semanas. A China está preocupada com a independência de Taiwan e a Espanha teme o movimento separatista basco. Vou dar um pulinho no Departamento de Estado e ver se eles topam apoiar a criação da Grande Bauru.

(Poucos dias depois da declaração unilateral do Kosovo, na noite de quarta-feira a embaixada dos EUA em Belgrado, na Sérvia, foi atacada. O relato a seguir e as fotos foram extaídas do blog Vi o mundo)



As fotos registram cenas do ataque à embaixada dos EUA, em Belgrado, Sérvia.







WASHINGTON - A embaixada dos Estados Unidos foi atacada esta noite (horário local) por manifestantes em Belgrado, na Sérvia. Isso aconteceu depois de uma manifestação de nacionalistas sérvios que reuniu cerca de 150 mil pessoas. Eles protestam contra a independência de Kosovo, declarada com apoio dos Estados Unidos, Grã Bretanha, Alemanha e Itália.
A cobertura da TV americana é cômica. Nenhuma contextualização. O âncora da MSNBC fez referência a "bêbados" que teriam participado do ataque. Nas fotos acima os manifestantes começam a atacar o prédio armados com pedaços de madeira. Em seguida, derrubam a placa de identificação. A embaixada foi invadida e parcialmente incendiada, até que a polícia afastou os manifestantes.
O que vai acontecer com os 120 mil sérvios que vivem em Kosovo? Eles vão fugir? Vão declarar autonomia do norte de Kosovo, onde vivem? A decisão de fazer a partilha do país sem consenso internacional foi desastrosa.

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A título de comparação, selecionei esse artigo que acaba de ser publicado na Revista Jurídica Última Instância pelo advogado Durval de Noronha Goyos Jr., árbitro do Brasil na OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).

Independência de Kosovo viola normas cogentes de direito internacional

Durval de Noronha Goyos

Londres – A declaração unilateral de independência de Kosovo, província da República Sérvia, havida no domingo passado, dia 17 de fevereiro de 2008, foi feita em violação a normas cogentes de direito internacional. Apesar disso, Kosovo foi reconhecido como estado independente por alguns países, dentre eles os EUA (Estados Unidos da América), a Turquia e alguns dos 27 membros da UE (União Européia), que restou dividida na questão.

De fato, os Estados europeus mais ativos na Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), Reino Unido, Alemanha e Itália, mais a França, apressaram-se em reconhecer o novo Estado kosovar, apesar da flagrante violação às normas de direito internacional. De outro lado, opuseram-se abertamente a Espanha, a Romênia e Chipre, da parte de quem também alinharam-se a Grécia, a Eslováquia e a Bulgária.

Igualmente contrários à iniciativa, e de um modo geral pelos mesmos fundamentos de direito, estão a Federação Russa e a República Popular da China, ambos Estados membros permanentes, com poder de veto, do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas).

Com uma população de apenas 1,8 milhão de habitantes, equivalentes a, por exemplo, à grande São José do Rio Preto, no Estado de São Paulo, Brasil, mas sem sua paz, prosperidade e tolerância, Kosovo tem 90% de sua população composta da etnia albanesa, de formação religiosa predominantemente muçulmana. Os restantes são principalmente de etnia sérvia e de religião católica ortodoxa.

A atual situação política de Kosovo é um dos resultados da desastrosa guerra promovida pela Otan na região com o objetivo de desestabilizar a Sérvia e, ainda hoje há, no território kosovar, uma tropa daquela aliança militar ofensiva e defensiva de 18 mil combatentes, ou seja um soldado para cada 10 habitantes.

A declaração de independência de Kosovo foi, é claro, encorajada pelo regime arbitrário, brutal e criminoso dos EUA, que tem promovido a contínua deconstrução do direito internacional duramente erigido durante décadas na mais diversas áreas, inclusive no tocante aos direitos humanos e as liberdades individuais, normas que constituem patrimônio da humanidade.

Pois bem, ao induzirem Kosovo à declaração unilateral de independência, os EUA e seus Estados clientes, como o Reino Unido, estão a semear o germe da instabilidade nas relações internacionais, por repudiar o princípio da integridade territorial dos Estados ou sua independência política, como consagrado no artigo 2 da Carta da ONU, o tratado internacional de mais alta hierarquia.

Note-se que apesar da província de Kosovo estar sob a jurisdição da ONU desde o final da guerra desencadeada pela Otan, em 1999, continuava ela a fazer parte da República Sérvia. Mais ainda, a ONU jamais aprovou uma declaração de independência de Kosovo e, muito menos, a Sérvia.

O precedente é muito perigoso para as relações internacionais. Praticamente todos os países europeus têm situações étnicas semelhantes à de Kosovo. Veja-se, por exemplo, a questão dos bascos na Espanha e França; a Catalunha e a Galícia, ainda na Espanha; a Padania, na Itália; a Escócia, o País de Gales e a Irlanda do Norte, no Reino Unido; os flamengos e os valões, na Bélgica; e mais uma caixa de Pandora no Cáucaso, com as Osécias do norte e do sul e diversas outras nacionalidades a reinvidicar a figura de Estados independentes.

Em outras partes do mundo, a situação apresenta-se da mesma forma potencialmente crítica, como por exemplo a questão da província de Taiwan com a República Popular da China. No México, há a questão de Chiapas. Até mesmo no Brasil há o risco de certas reservas indígenas buscarem a independência e o reconhecimento como Estado.

A história registra que o repúdio ao jus inter gentes é sempre feito com um altíssimo preço a ser pago pela humanidade. O reconhecimento da independência de Kosovo é um desses casos. Espera-se que o Itamaraty não se precipite e, mantendo-se fiel às tradições legalistas da diplomacia brasileira, abstenha-se de afiançar tamanha violação ao direito internacional.

Quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

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