Festa em Kosovo com as cores da bandeira albanesa, após a declaração de independência proferida no parlamento da província de Kosovo em 17/02/2008.
Como a Sérvia, Rússia Bósnia-Herzegovina e Montenegro além dos demais países europeus, EUA e ONU lidarão com esta proclamação?
Entender o que faz os Bálcãs um barril de pólvora que após a fragmentação da ex-Iugoslávia vive raros momentos de paz e acumulam histórias de genocídios, intolerâncias, limpeza étnica a ponto de presidentes serem julgados em tribunais internacionais não é tarefa fácil.
A sessão contou com a presença de 104 parlamentares.
Durante a sessão, o primeiro-ministro de Kosovo, Hashim Thaci, afirmou que
"muitas pessoas se sacrificaram para que a independência se tornasse realidade e esperamos por este dia durante muito tempo".
"Kosovo é independente, soberano e livre", disse Thaci. "Hoje nós estamos entre as nações livres do mundo".
Ele garantiu que o país irá obedecer aos preceitos da ONU (Organização das Nações Unidas) e das leis internacionais e pediu o reconhecimento da comunidade internacional.
O premiê afirmou ainda que a nova república terá boas relações com a Sérvia.
Thaci assegurou que os direitos da minoria sérvia serão respeitados com a independência.
"Todas as comunidades terão um papel importante na construção da nação, não há lugar para medo e discriminação em Kosovo. Qualquer ato de discriminação, principalmente contra as minorias, será removido das nossas instituições e do nosso Estado".
Milhares de kosovares saíram às ruas para comemorar o anúncio da independência do país. O governo preparou shows para a população e oito toneladas de fogos de artifício serão usadas nas celebrações.
Thaci vinha dando indicações de que a independência seria declarada neste final de semana e milhares de kosovares de origem albanesa já comemoravam a decisão desde a madrugada.
Quando assumiu o poder, em dezembro passado, Thaci, ex-guerrilheiro que lutou contra a Sérvia entre 1998 e 1999, afirmou que a independência da província seria uma das primeiras medidas do seu governo.
Opositores
Os governos da Sérvia e da Rússia já haviam afirmado que não reconheceriam a independência de Kosovo.
No juramento de posse para o segundo mandato no cargo, o presidente eleito da Sérvia, Boris Tadic, prometeu nunca desistir da luta pela província, considerada o coração religioso e cultural do país.
A declaração foi reforçada por outra, do primeiro-ministro Vojislav Kostunica. Ele pediu aos sérvios que vivem em Kosovo que não abandonem o território e disse que eles têm o direito de ignorar qualquer proclamação de independência.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, afirmou que seria ilegal e imoral a comunidade internacional reconhecer a independência da província.
Além da Rússia e da Sérvia, a Bósnia-Herzegovina e Montenegro também são contra a independência.
Bálcãs
A população dos Bálcãs está acompanhando de perto os eventos no Kosovo e as consequências que a independência da província poderá trazer para a região.
A Albânia e a Eslovênia devem ser os primeiros países a reconhecerem a independência.
Já a Macedônia e a Bósnia devem hesitar em reconhecer a ruptura, pois também sofrem com problemas de separatismo étnico.
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Kosovo, região ao sudoeste da Sérvia. Embora Kosovo possua importantes depósitos de chumbo, zinco, lenhite, crômio e magnesita, a província é uma das regiões mais pobres da Europa. Destaca-se a produção de cereais e de madeira, e a criação de gado ovino e bovino. Possui indústrias ligadas à horticultura e à viticultura.
As cidades mais importantes são Pristina (a capital), Prizren e Pec.
A partir do segundo milênio a.C., os ilírios habitaram a zona da península dos Balcãs, que incluía a atual Kosovo. As grandes potências a dividiram entre Sérvia e Montenegro, e em 1918 foi incorporada ao recém-criado Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, chamado mais tarde, Iugoslávia. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi incorporada à Albânia. Os albaneses de Kosovo resistiram à reincorporação à Iugoslávia, mas em julho de 1945 o exército partisan de Josip Broz (Tito) venceu a resistência albanesa. Kosovo, assim como a província de Voivodina, tornaram-se unidades administrativas da República da Sérvia. Em abril de 1992, as repúblicas da Sérvia e Montenegro anunciaram a formação da República Federal da Iugoslávia e foi adotada uma Constituição que incorporava vários elementos democráticos. As duas repúblicas têm seu próprio governo.
Guerra do Kosovo
A província sérvia do Kosovo desempenhou um papel essencial na gênese do recente conflito da Iugoslávia, em virtude da situação em que se encontrava no seio deste país. Historicamente, o Kosovo é um dos berços da nação sérvia, transformado, por essa razão, em um dos pilares da mitologia nacionalista sérvia. Quando as engrenagens da república federativa iugoslava começaram a emperrar, o Kosovo, habitado há três séculos por uma maioria albanesa muçulmana, tornou-se o alvo dos ideólogos sérvios. Estes viram na ascensão do Kosovo ao estatuto de província autônoma uma discriminação, uma vez que, no seu entender, a igualdade de representação significava o enfraquecimento dos sérvios do Kosovo.
Em março de 1989, Slobodan Milosevic eliminou o que restava de autonomia no Kosovo e instaurou um regime discriminatório para com os albaneses, colocando a região sob controle direto do exército federal. A medida deu lugar a uma série de atentados anti-sérvios, perpetrados pelo Exército de Libertação do Kosovo (UCK), a partir de 1996.
A situação degenerou em 1998, por causa, principalmente, da intervenção do exército sérvio. Em fevereiro de 1999, o Grupo de Contato (formado por Alemanha, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Itália, Holanda e Grã-Bretanha) propôs e convocou, em Rambouillet (perto de Paris), uma conferência internacional para firmar um acordo de paz para o Kosovo. Autoridades iugoslavas e as principais formações albanesas, incluindo a UCK, participaram do encontro. Depois de mais de duas semanas de difíceis negociações, o encontro terminou, no dia 23 de fevereiro, sem que fossem obtidas as respostas esperadas. Os sérvios e os albaneses recusaram-se a assinar o acordo recomendado com insistência pela maior parte dos poderes da Europa e dos Estados Unidos. A delegação étnica albanesa concordara a princípio em assinar um acordo provisório de três anos, mas só depois de consultas aos seus partidários no Kosovo. Os albaneses, que constituem 90% da população do Kosovo, insistiram na realização de um plebiscito para decidir a independência. A comunidade internacional, por sua vez, pensava que a melhor solução para a província do Kosovo talvez não fosse a independência, e por isso não acenou com as garantias para a realização do plebiscito. As negociações emperraram também em razão da recusa da Iugoslávia em aceitar a presença de tropas de paz da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) em seu território. Esse ponto era considerado indispensável pelo Grupo de Contato, que convocou um novo encontro das duas partes.
Depois de um encontro infrutífero do emissário americano, Richard Holbrooke, com o presidente iugoslavo, Slobodan Milosevic, as negociações sobre o futuro estatuto do Kosovo foram retomadas no dia 15 de março de 1999, em Paris. Quatro dias depois, constatou-se o seu fracasso: a delegação sérvia recusou-se a aprovar o plano de paz elaborado pelo Grupo de Contato. A delegação albanesa do Kosovo assinou o acordo proposto pelo Grupo; mas os sérvios continuaram a opor-se à parte do plano que previa a presença das forças da Otan no Kosovo. Questionaram também a parte política com que haviam concordado um mês antes, no encontro de Rambouillet.
As negociações não progrediram. Diante da posição inflexível do presidente iugoslavo, a Otan considerou que a busca de uma solução diplomática para a crise do Kosovo havia fracassado e decidiu intervir militarmente. O conflito se transformou em guerra. As potências ocidentais membros da Otan iniciaram, no dia 24 de março, um ataque aéreo contra os alvos militares no território iugoslavo. Oito países — Alemanha, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Itália, Países Baixos e Reino Unido — participaram das operações aéreas das forças da Otan, que tinham por objetivo reduzir a capacidade militar da Iugoslávia e impedir os sérvios de continuarem a violência contra a população albanesa do Kosovo. Contrária à decisão das potências ocidentais, a Rússia, que congelou sua cooperação com a Otan, tentou uma mediação política junto a Slobodan Milosevic, mas não teve êxito. A China também protestou contra essa operação, que não recebeu o aval formal do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Do lado sérvio, o Governo decretou estado de guerra depois dos primeiros ataques e rompeu as relações diplomáticas com a Alemanha, os Estados Unidos, a França e o Reino-Unido. Ordenou aos jornalistas presentes no Kosovo que deixassem o território. De acordo com os testemunhos, desde o início dos bombardeios, o exército e as forças de polícia sérvia intensificaram sua ação contra os albaneses do Kosovo, obrigando-os a deixarem seus vilarejos e cidades, pilhando e incendiando em seguida suas casas. Dados divulgados pela Otan, no inicio do mês de abril, confirmam que mais de 400 mil kosovares de origem albanesa deixaram o Kosovo nas duas primeiras semanas da guerra. A acolhida para esses refugiados constituiu-se em um dos grandes problemas desta guerra. Dezenas de milhares de pessoas expulsas da fronteira afluíram às fronteiras da Albânia, da Macedônia e de Montenegro, numa situação de extrema precariedade. Alguns países da Otan se comprometeram a transferir 100 mil refugiados para outros países da Europa e América Latina (Chile e Argentina, inicialmente), e até mesmo para as bases americanas de Guantánamo, em Cuba, ou de Guam, na Oceania.
No final de maio de 1999, o Tribunal de Haia deu ordem de prisão contra o presidente iugoslavo Slobodan Milosevic. Ele era acusado de ter cometido, durante os primeiros quatro meses do ano, crimes contra a humanidade e de ter violado as leis de guerra do Kosovo. Milosevic, depois de se encontrar em Belgrado com o enviado especial russo à península dos Balcãs (o ex-primeiro-ministro Viktor S. Chernomirdin) e com o representante da União Européia (o presidente da Finlândia, Martti Ahtisaari), concordou, no dia 3 de junho, com as propostas dos mediadores e aceitou as principais exigências da Otan. Essas demandas incluíam a retirada do Kosovo de todas as forças militares sérvias. No entanto, o acordo não chegou a efetivar-se devido às ambigüidades de Milosevic, e a campanha de bombardeios continuou durante os seis dias que se seguiram ao encontro.
A suspensão dos ataques aéreos começou um dia após os dirigentes militares da Otan e da RFY firmarem o tão esperado acordo de retirada das 40 mil unidades de forças militares e da polícia sérvia do Kosovo. Depois de certificar-se de que as tropas leais ao presidente da RFY, Slobodan Milosevic, haviam começado sua retirada da província sérvia do Kosovo, a Otan suspendeu, em 10 de junho, os ataques aéreos à República Federal da Iugoslávia (RFY, compreendendo as repúblicas da Sérvia e Montenegro), depois de 11 semanas de conflito bélico.
A suspensão dos ataques aéreos abriu caminho para uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, aprovada no mesmo 10 de junho, que autorizava o envio das tropas de paz, lideradas pela Otan, com amplos poderes de controle da caótica província. Segundo os termos do acordo Otan-RFY, a retirada das tropas da RFY compreenderia três fases, a primeira delas foi iniciada nessa data, no sul do Kosovo. E só depois de receber a confirmação de que essa retirada havia começado, o secretário-geral da Otan ordenou o cessar-fogo e o final das incursões aéreas. Conforme as estimativas, foram lançadas, durante 78 dias de guerra, cerca de 23 mil bombas sobre a FRY. Dia 20 de junho, data limite imposta pela Otan, todas as forças policiais sérvias e as tropas da RFY teriam de abandonar a parte norte da província. A retirada das forças sérvias, associada muitas vezes ao êxodo de civis sérvios do Kosovo, temendo represálias por parte da UCK, terminou conforme o calendário previsto. Com o término da retirada, a OTAN declarou formalmente o fim da guerra.
De acordo com estimativas do alto comissariado das Nações Unidas para os refugiados, ao final dos 78 dias de conflito, mais de 790 mil pessoas abandonaram o Kosovo desde o início das hostilidades, em março. Segundo os termos do acordo Otan-RFY, o Kosovo seria dividido em cinco zonas e seus comandos entregues aos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Itália e Alemanha, mas o papel e o lugar do contingente russo continuou sendo objeto de divergências.
Conforme previa o acordo, os refugiados kosovares começaram a voltar. A UCK tentou conservar as armas e impor-se como poder público e administrativo, mas o acordo assinado previa a desmilitarização dessa organização e a sua transformação em força política. Segundo a resolução do Conselho de Segurança, a administração civil seria garantida pela ONU. O ex-ministro de Estado francês, Bernard Kouchner, foi designado alto representante da ONU, tendo como adjunto, o americano John Covey.
Em abril de 2001, Slobodan Milosevic foi preso, e morreu em Haya em 2006 enquanto enfrentava julgamento por uma série de crimes de guerra, incluindo acusações de genocício cometido na Bósnia e Herzegovina, na Croácia e no Kosovo durante a década de 1990.
EX-IUGOSLÁVIA
Da Federação aos protetorados europeus
Numa Europa de solidariedades, o ingresso das repúblicas balcânicas poderia curar feridas da guerra recente e ampliar direitos sociais. Mantidas as políticas européias atuais, o processo de adesão tende a ser traumático
Catherine Samary"O paradoxo nos Bálcãs é que os países que teriam mais necessidade da integração européia para administrar sua multiplicidade de etnias são os menos preparados", diz o pesquisador
Entre a União Européia e os Estados da ex-Federação Iugoslava, as grandes manobras começam. Não sem dificuldade, por sinal. As negociações para a adesão à UE tinham sido bloqueadas na Croácia, à qual a procuradora Carla del Ponte reprovava a recusa de cooperar com o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TIPIY). Mas a tristeza foi enterrada em 5 de outubro de 2005 para permitir a abertura de negociações com... a Turquia. A Macedônia também adquiriu o estatuto de "candidata" - a abertura das negociações seria confirmada em dezembro. Bruxelas prepara, com a Sérvia-Montenegro, um acordo de estabilização e associação (ASA), que daria a Belgrado um estatuto de "candidata potencial". Este mesmo "estatuto" foi recusado até o começo de outubro à Bósnia-Herzegovina, por "não-conformidade" da polícia da República Srpska - até que o "argumento" foi abandonado para fazer esta ùltima aceitar a renegociação da Constituição saída, há dez anos, do compromisso de Dayton. Por trás de toda essa agitação, o que está em jogo, de verdade?
"O paradoxo da situação nos Bálcãs pós-iugoslavos é que os países que teriam mais necessidade da integração européia para administrar sua multiplicidade de etnias são precisamente aqueles menos prontos para essa integração", constata o pesquisador Jacques Rupnik: "essencialmente porque se trata de Estados em decomposição, que não conseguem mais conter a violência organizada em uma parte do seu território e a desestabilização de seus vizinhos" [1]. De fato, todas as antigas repúblicas iugoslavas têm agora um estatuto de (quase) protetorado, regido por textos de natureza constitucional que os colocam - exceto a Eslovênia e a Croácia - sob o controle das grandes potências [2].
Quando se questionou a propriedade social auto-gerida, a questão do Estado - paradoxalmente para os liberais - tornou-se central: que Estado, em que território, iria apropriar-se das divisas e do comércio exterior? Acima de tudo, como ganhar o apoio das populações ciosas de seus direitos sociais? As correntes não-nacionalistas liberais, que apoiavam o último primeiro-ministro iugoslavo Ante Markovid, em 1989, queriam que o questionamento do antigo sistema, em favor da competição de mercado e das privatizações se fizesse em escala federal. Este ponto de vista foi sustentado até 1991, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e grandes potências, hostis ao desmembramento da federação - Alemanha e Vaticano à parte. Mas para os poderes das repúblicas dominantes na Eslovênia, Croácia, e de modo diferente, na Sérvia, o que estava na ordem do dia era despedaçar a Federação. A consolidação de seus Estados vinha antes das privatizações, para que estas se realizassem com vantagem para essas repúblicas.
Eslovênia, caso emblemático
A Eslovênia já preparava sua moeda antes de deixar, em 1991, o barco que afundava. É certo que, contrariamente às outras repúblicas, não abrigava minorias nacionais fortes. Mas isto não é suficiente para ter um Estado próspero... A Eslovênia foi, de todos os países que se proclamavam socialistas, o que menos aplicou os preceitos liberais ao longo dos anos 1990 [3]: as resistências sociais e políticas às privatizações foram proporcionais às conquistas do antigo sistema - nível de vida elevado, 2% de desempregados no fim dos anos 1980 (contra 20% no Kosovo, por exemplo). E o Estado esloveno não tentou reduzir os salários nem os impostos sobre o capital para atrair os capitais estrangeiros ao longo da década de 1990, a despeito das pressões da Comissão Européia...
Quando a Alemanha reconheceu a independência da Croácia e da Sérvia, a UE, como "grande potência" alinhou-se à opção alemã. Os Estados Unidos ficaram à parte, alegrando-se com as dificuldades
Todas as outras repúblicas eram, assim como a Iugoslávia, multinacionais - e menos desenvolvidas. A gestão burocrática do sistema havia engendrado desperdícios e encorajado o "cada um por si", o que aprofundou as disparidades entre os níveis de vida. A paralisia e depois a divisão da Federação confrontaram em toda parte as comunidades minoritárias às políticas estatais impostas pela "nação" que dominava localmente, a qual procurava consolidar - e se possível, aumentar -"seu" território [4] e sua legitimação em bases nacionalistas, em prejuízo das proteções solidárias. Pior: na virada dos anos 1990, as modificações das Constituições - na Sérvia, Croácia e Macedônia - trouxeram retrocessos para a situação das comunidades minoritárias. E foi por isso que se boicotaram aquelas revisões constitucionais.
Diante das declarações de independência, as grandes potências procuraram "conter" o incêndio na base de um único critério (apresentado como "princípio"): a manutenção a qualquer preço das fronteiras das repúblicas, uma vez reconhecida a dissolução da Federação como parte integrante do direito à autodeterminação... Implantada a pedido da Comunidade Européia, a comissão presidida pelo jurista Robert Badinter emitiu uma opinião favorável ao reconhecimento da independência da Eslovênia e da Macedônia (onde os partidos albaneses estavam associados ao poder). Essa comissão, por outro lado, adotou a prudência diante dos conflitos existentes na Croácia e na Bósnia-Herzegovina. É verdade que o direito internacional não dispunha de um "modelo" que respondesse aos problemas colocados. A associação de todas as comunidades envolvidas deveria ter prevalecido para um tratamento sistemático e igual das questões nacionais... Nada disso aconteceu.
Foi assim que se levou a Bósnia a organizar um referendo de independência, na esperança de que este último evitasse a guerra. Mas o referendo foi boicotado maciçamente pelos sérvios - não pelos croatas. Zagreb optou por não anunciar publicamente sua vontade de construir um Estado separado: a Herceg-Bosna, simétrica da Republika Srpska... E as potências européias, assim como os Estados Unidos, fecharam os olhos quando a Croácia reduziu a população sérvia a menos de 5% durante o verão de 1995. Uns e outros puseram em prática, caso a caso, os "princípios" - evolutivos - da Realpolitik. Tratava-se de "conter" as explosões (por meio dos "planos de paz ", evitando envolver-se nos conflitos) e apoiar-se nos Estados fortes da região (como em Dayton), procurando fazer progredir os objetivos geoestratégicos do momento: uma política de bombeiro piromaníaco...
Sociedades, a última preocupação
Quando a Alemanha decidiu reconhecer a independência da Croácia e da Sérvia, a União Européia comportou-se como grande potência à procura de "política externa comum": alinhou-se, em janeiro de 1992, à opção alemã. Os Estados Unidos, de início, ficaram à parte, alegrando-se com as dificuldades da Europa e da ONU. Exploraram em seguida a crise na Bósnia, depois no Kosovo, para garantir a redefinição e a ampliação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) depois da dissolução do Pacto de Varsóvia em 1991 - sem com isso se envolver diretamente nos conflitos. A proteção das populações, o respeito aos povos e seus direitos eram a última de suas preocupações.
A Macedônia é o único Estado onde um princípio de dupla maioria - cidadã no país e nacional para as comunidades - permite aos albaneses bloquear medidas que julguem ameaçadoras
Na conferência de Rambouillet, em fevereiro de 1999, Belgrado apoiava os planos europeus de autonomia do Kosovo, contestados pelos independentistas albaneses. Inversamente, os sérvios recusavam a presença da OTAN no território, desejada pelos albaneses [5]. Em vez de reconhecer o fracasso da primeira fase de sua "mesa redonda", que não havia permitido um verdadeiro encontro entre albaneses e sérvios, os governos europeus concentraram-se na política "reforçada" da secretária de Estado americana Madeleine Albright, que visava o Exército de Libertação do Kosovo (ELK). Depois de três meses de guerra, a resolução 1244 do Conselho de Segurança da ONU estabeleceu o cessar-fogo. Mas como os acordos de Dayton, ela possuía contradições que persistem até agora: a Aliança Atlântica preservou sua unidade (apesar de fragilizada, como a etapa seguinte no Iraque irá mostrar). Os Estados Unidos conseguiram implantar uma vasta base militar em Bondsteel (denunciada hoje como o Guantânamo local). Mas o Kosovo, longe de se tornar independente, estava ao mesmo tempo sob protetorado e era província iugoslava.
Seis anos mais tarde, Washington conseguiu o que Slobodan Milosevic lhe havia recusado: o presidente Vuk Draskovic assinou, em 18 de julho passado, um acordo abrindo o país para as tropas da OTAN "até o fim de todas as operações de apoio à paz na região dos Bálcãs, a menos que as partes decidam de outra forma [6]. Contudo, Belgrado - ao contrário dos albaneses do Kosovo - pode também, até agora, alegar uma resolução que mantém o Kosovo dentro da última federação entre a Sérvia e Montenegro... E para preservar estas fronteiras tirando o capacete da OTAN para pôr o da União Européia, o comissário europeu Javier Solana fez com que Montenegro continuasse dentro da Iugoslávia dirigida por Kostunica depois da derrota de Milosevic em dezembro de 2000. Batizado de "Solânia" pelos sérvios, o compromisso é inócuo para manter - provisoriamente - um estado Sérvia-Montenegro no qual Belgrado reafirmava o Kosovo como "província sérvia". Nada resolveu: este status continua mais do que nunca inaceitável para os albaneses - o que em troca não legitima sua apropriação da província às custas dos não-albaneses.
A pressão do "viver juntos"
Na realidade, tanto no Kosovo quanto na Bósnia, as instituições militares e civis do protetorado se misturam, pela necessidade de favorecer-se o "viver juntos" multi-étnico e portanto a responsabilidade das populações. Temendo um efeito dominó, os ocidentais generalizaram o sistema dos protetorados, acrescido de um tratamento heterogêneo dos direitos.
Por isso, a Macedônia é o único Estado onde, em virtude da modificação da Constituição de 1991, seguida dos acordos de Ohrid de 2001, um princípio de dupla maioria - cidadã na escala do país e nacional para as comunidades, independentemente de seu número e localização espacial - permite aos albaneses bloquear as medidas que julguem ameaçadoras [7]. Uma presença maior dos albaneses em instituições como a polícia, a gestão mista das administrações locais e promoção dos albaneses, notadamente na Universidade de Tetovo, favoreceram um clima de pacificação. Ainda é preciso encontrar trabalho, em sua própria língua ou em outra... Como todas as sociedades confrontadas com as políticas neoliberais, a Macedônia experimenta uma crise social cada vez mais séria e uma grande separação entre as populações e sua representação política. Ali reside a fraqueza dos acordos de Ohrid, a despeito de suas conquistas. A Macedônia segue, neste plano, a regra geral. Combinada com a procura de vínculos confederais ou federais entre vizinhos, a relativização das fronteiras graças ao aumento dos direitos sociais e nacionais no interior de cada Estado foi, nos Bálcãs, uma orientação alternativa - avançada no passado, e ainda atual [8]. Uma política da União Européia baseada nesses princípios poderia favorecê-la. Mas a atual, que impõe cortes de orçamentos no próprio momento de ampliação do bloco é, ao contrário, explosiva.
(Trad.: Elisabete de Almeida)
[1] Cf. "L’Europe centrale et les Balkans à la recherche d’un substitut d’empire", in Kant et Kosovo, Etudes offertes à Pierre Hassner, sob a direção de Anne-Marue Le Gloannec e Aleksander Smolar, Presses de Sciences Po, Paris, 2003.
[2] Só o Kosovo é declaradamente um protetorado. Mas textos ou acordos de caráter constitucional redigidos e aplicados sob controle ocidental direto regem a Bósnia (acordos de Dayton, 1995), a Macedônia (acordo de Ohrid, 2001) e a Sérvia-Montenegro (Carta Constitucional de 2003). Tropas estrangeiras estão presentes em todos esses territórios e tendem a se europeizar.
[3] Cf. Jean-Pierre Pagé, Julien Verceuil, De la chute du Mur à la nouvelle Europe, L’Harmattan, Paris, 2004 ; e, sobre a abordagem comparativa de Estados, propriedade, relações sociais na transição iugoslava, ler Revue d’études comparatives Est/Ouest n°s 1-2, volume 35, Paris, março-junho de 2004, pp. 117-156.
[4] Cf. Yann Richard et André-Louis Sanguin, L’Europe de l’Est quinze ans après la chute du Mur - des pays baltes à l’ex-Yougoslavie, L’Harmattan, Paris, 2004, segunda parte: "Les pays de l’ex-Yougoslavie entre incertitudes et recompositions", pp. 239-325.
[5] Cf. Kosovo: établir les faits, Joël Hubrecht, Edition Esprit, Paris, 2001.
[6] Cf. Balkan Info, n° 102, Paris, setembro de 2005, p.10.
[7] Este sistema decorre da supressão da referência aos Eslavo-Macedônios como único povo fundador do país.
[8] É preciso ler sobre este assunto o número especial da revista Revolutionary History, "The Balkan socialist tradition", vol. 8 n° 3, 2004, coordenada e apresentada de modo empolgante por Andreja Zivkovic e Dragan Plavsic, Porcupine Press, Londres. Cf. Também "Explosion ou confédération", Le Monde diplomatique, maio de 1999.
Fonte dos Dados: Folha, Le Monde Diplomatique, Encarta e Wikipedia.
Acompanhe também:
ESTADO SÉRVIO FICARÁ NO KOSOVO
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