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sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Maestri: Por que não festejo e me faz mal o Natal

Eu festejo e o Natal não me faz mal como podem ler aqui e aqui mas como o Maestri, minha data preferida é o ano novo.

Dezembro 24, 2009

por Mário Maestri

Não festejo e me faz mal o Natal por diversas razões, algumas fracas, outras mais fortes. Primeiro, sou ateu praticante e, sobretudo, adulto. Portanto, não participo da solução fácil e infantil de responsabilizar entidade superior, o tal de “pai eterno”, pelos desastres espirituais e materiais de cuja produção e, sobretudo, necessária reparação, nós mesmos, humanos, somos responsáveis.

Sobretudo como historiador, não vejo como celebrar o natalício de personagem sobre o qual quase não temos informação positiva e não sabemos nada sobre a data, local e condições de nascimento. Personagem que, confesso, não me é simpático, mesmo na narrativa mítico-religiosa, pois amarelou na hora de liderar seu povo, mandando-o pagar o exigido pelo invasor romano: “Dai a deus o que é de deus, dai a César, o que é de César”!

O Natal me faz mal por constituir promoção mercadológica escandalosa que invade crescentemente o mundo exigindo que, sob a pena da imediata sanção moral e afetiva, a população, seja qual for o credo, caso o tenha, presenteie familiares, amigos, superiores e subalternos, para o gáudio do comércio e tristeza de suas finanças, numa redução miserável do valor do sentimento ao custo do presente.

Não festejo e me desgosta o Natal por ser momento de ritual mecânico de hipócrita fraternidade que, em vez de fortalecer a solidariedade agonizante em cada um de nós, reforça a pretensão da redenção e do poder do indivíduo, maldição mitológica do liberalismo, simbolizada na excelência do aniversariante, exclusivo e único demiurgo dos males sociais e espirituais da humanidade.

Desgosta-me o caráter anti-social e exclusivista de celebração que reúne egoísta apenas os membros da família restrita, mesmo os que não se freqüentaram e se suportaram durante o ano vencido, e não o farão, no ano vindouro. Festa que acolhe somente os estrangeiros incorporados por vínculos matrimoniais ao grupo familiar excelente, expulsos da cerimônia apenas ousam romper aqueles liames.

Horroriza-me o sentimento de falsa e melosa fraternidade geral, com que nos intoxica com impudícia crescente a grande mídia, ano após ano, quando a celebração aproxima-se, no contexto da contraditória santificação social do egoísmo e do individualismo, ao igual dos armistícios natalinos das grandes guerras que reforçavam, e ainda reforçam – vide o peru de Bush, no Iraque – o consenso sobre a bondade dos valores que justificavam o massacre de cada dia, interrompendo-o por uma noite apenas.

Não festejo o Natal porque, desde criança, como creio para muitíssimos de nós, a festa, não sei muito bem por que, constituía um momento de tensão e angústia, talvez por prometer sentimentos de paz e fraternidade há muito perdidos, substituindo-os pela comilança indigesta e a abertura sôfrega de presentes, ciumentamente cotejados com os cantos dos olhos aos dos outros presenteados.

Por tudo isso, celebro, sim, o Primeiro do Ano, festa plebéia, hedonista, aberta a todos, sem discursos melosos, celebrada na praça e na rua, no virar da noite, ao pipocar dos fogos lançados contra os céus. Celebro o Primeiro do Ano, tradição pagã, sem religião e cor, quando os extrovertidos abraçam os mais próximos e os introvertidos levantam tímidos a taça aos estranhos, despedindo-se com esperança de um ano mais ou menos pesado, mais ou menos frutífero, mais ou menos sofrido, na certeza renovada de que, enquanto houver vida e luta, haverá esperança.

* Historiador e professor do curso de História e do Programa de Pós-Graduação em História da UPF, RS. Publicado em La Insignia.
Fonte:
Espaço Acadêmico

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

ISRAEL PRENDE COORDENADOR DA CAMPANHA "STOP THE WALL"

Jamal Juma, coordenador da Campanha Stop the Wall, que luta pela derrubada do muro construído no meio do território palestino foi preso por soldados israelenses, dia 16 de dezembro, em sua casa.
Ele esteve este ano no Brasil, participando do Fórum Social Mundial, em Belém (Foto de Eduardo Seidl).


E enquanto isso todo o mundo comemora os 20 anos da queda do muro de Berlim.





Jamal Juma foi preso por soldados israelenses, dia 16 de dezembro, em sua casa. Os soldados disseram a esposa de Juma que ela só voltaria a ver o marido quando houvesse uma troca de prisioneiros. Desde então, ele permanece preso e proibido de falar com um advogado ou com a família, sem nenhuma explicação oficial para a sua prisão, denuncia a Stop the Wall. Jamal, de 47 anos, dedica a vida à defesa dos direitos dos palestinos.


O governo de Israel prendeu, dia 16 de dezembro, Jamal Juma, coordenador da Campanha Stop the Wall, que luta pela derrubada do muro construído no meio do território palestino. Segundo informações do site da campanha, militares israelenses convocaram Juma para um interrogatório à meia-noite do dia 15 de dezembro. Horas depois, levaram-no de volta para sua casa. Juma foi mantido algemado, sob os olhos da esposa dos três filhos pequenos, enquanto soldados revistaram sua casa durante duas horas. Na saída, os soldados disseram a esposa de Juma que ela só voltaria a ver o marido quando houvesse uma troca de prisioneiros. Desde então, Juma permanece preso e proibido de falar com um advogado ou com a família, sem nenhuma explicação oficial para a sua prisão, denuncia a Stop the Wall.

Jamal, de 47 anos, nasceu em Jerusalém e dedicou a sua vida à defesa dos direitos humanos dos palestinos. Ele esteve este ano no Brasil, participando do Fórum Social Mundial, em Belém. Na ocasião, defendeu o boicote econômico a Israel como uma das armas prioritárias para defender os direitos do povo palestino. O foco principal do trabalho de Jamal é a capacitação das comunidades locais para defenderem os seus direitos em face de violações provocadas pela ocupação israelense. Ele é membro fundador de várias ONGs palestinas e redes da sociedade civil. Também é coordenador da Palestina Grassroots Anti-Apartheid Wall Campaign desde 2002. É muito respeitado pelo seu trabalho e foi convidado para numerosas conferências de entidades e da ONU.

Ainda segundo a Stop the Waal, Jamal Juma é o preso de mais alto escalão no quadro de uma campanha de intensificação da repressão da mobilização popular contra o muro e os colônias israelenses em território palestino. “No início, foram presos ativistas locais das aldeias afetadas pelo muro. Agora, estão sendo presos defensores dos direitos humanos internacionalmente conhecidos, como Mohammad Othman e Abu Abdallah Rahmeh. Mohammad, um outro membro da campanha Stop the Wall, foi preso há quase três meses, no regresso de uma palestras na Noruega. Após dois meses de interrogatório, as autoridades israelenses não conseguiram encontrar provas para acusa-lo e, por isso, emitiram uma ordem de detenção administrativa. Abdallah Abu Rahma, uma figura importante na luta não violenta contra o muro em Bil’in, foi levado de sua casa por soldados encapuzados no meio da noite, uma semana antes de Jamal ter sido preso, denuncia ainda a organização.

Na avaliação dos ativistas companheiros de Jamal, com estas detenções, Israel pretende quebrar a sociedade civil palestina e sua influência na tomada de decisões políticas em nível nacional e internacional. Eles fazem uma convocação:

“Este processo claramente criminaliza o trabalho dos defensores dos direitos humanos palestinos e a desobediência civil palestina. É crucial que a sociedade civil internacional se oponha às tentativas israelenses de criminalizar defensores de direitos humanos que lutam contra o muro. A política de Israel de atacar os organizadores que apelam à responsabilização de Israel é um desafio direto às decisões dos governos e organismos mundiais como o Tribunal Internacional de Justiça para responsabilizar Israel pelas violações do direito internacional. Este desafio não deve ficar sem resposta”.



Salário mínimo com Lula é o maior em 3 décadas; como há 50 anos, a UDN não quer o aumento

Por Rodrigo Vianna

Os corvos tramavam contra o salário mínimo de Vargas; são os mesmo que reclamam agora de Lula

No início de 1954, Jango (que era, então, o Ministro do Trabalho de Getúlio Vargas) propôs aumento de 100% para o salário mínimo.

A UDN (partido da direita, forte entre as classes médias no Rio e em São Paulo) se agitou. Os militares também se agitaram: como podia um operário ganhar tanto quanto um tenente? A pressão foi tanta que Jango perdeu o cargo. Alguns meses depois, sob acusações de todos os lados, Vargas perderia a vida, metendo uma bala no peito.
Veja o que o site da FGV informa sobre o episódio do salário mínimo - http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/NoGovernoGV/Salario_minimo_e_saida_do_ministerio_do_trabalho:
Os principais lances da crise são úteis para se dimensionar o montante da articulação oposicionista, e que se concluiria com o episódio do suicídio de Vargas, em agosto do mesmo ano. O ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha manifestou sua total contrariedade à proposta, secundado pelos membros da "banda de música" da União Democrática Nacional (UDN) – parlamentares que faziam muito barulho no Parlamento, sempre atacando Vargas. As acusações não eram novas, mas ganhavam virulência ante o desmedido da proposta em causa. Jango era um "manipulador da classe operária", "um estimulador de greves", "um amigo dos comunistas", que tinha como plano a implantação, naturalmente com o assentimento de Vargas, de uma "república sindicalista" no Brasil. Alimentando tais ataques havia um outro. O de que Vargas mantinha conversações secretas com Juan Perón, presidente da Argentina, no sentido da formação do chamado Pacto ABC – Argentina, Brasil, Chile – com evidentes contornos anti-americanos e tendências "socializantes". Uma mistura explosiva de má condução da política interna e externa, capaz de justificar até mesmo um pedido de impedimento do presidente.
Alguma semelhança com as acusações contra Lula?
Lula – hoje - é acusado de conduzir uma política de integração com viés anti-EUA. A mesma acusação que pesava contra Vargas. Com relação ao mínimo, situação idêntica.
A UDN continua onde sempre esteve. A UDN – hoje, como há 55 anos - não quer aumento de salário mínimo: R$ 510 é a proposta de Lula para 2010.
Ainda zonzo, depois de uma viagem de 14 horas de carro (entre São Paulo e Florianópolis), eu tomava café no hotel agora cedo, e assistia ao “Bom (?) Dia, Brasil”. Alexandre Garcia desfilava ironia (ele se acha engraçado) diante da proposta de aumento. Frisava que isso vai ocorrer em “ano eleitoral”. A UDN não quer pobre ganhando mais. Ainda mais em ano eleitoral. Isso fere os brios da UDN.
Verdade que a UDN que depende de voto (PSDB e DEM) não pode berrar contra o salário mínimo de R$ 510. Aí, sobra para o partido da imprensa.
A banda de música do Alexandre Garcia esqueceu de informar ao dileto público que a política de reajuste ao salário mínimo não depende só de “canetada” do presidente em ano eleitoral. Não. O governo Lula adotou uma política consistente (e permanente) de recuperação do mínimo. Reajuste real é concedido, sempre, com base no crescimento do PIB de dois anos antes. Lula tem meta para o mínimo. A UDN demotucana só tinha meta para inflação. Fazer o que... E ainda dizem que Lula “tem sorte”. He, He.
Não é sorte. São escolhas.
A política de Lula é muito mais consistente do que a canetada de Jango. É consistente. Isso apavora a UDN e sua banda de música na Globo.
Não é só o despeito com o pobre que ganha mais. É todo um ideário liberal que afunda.
Durante 15 anos, como repórter, cansei de entrevistar “consultores” e “economistas” que defendiam: o Brasil precisa fazer a “lição de casa”. Os anos 90 foram assim: “lição de casa”! Eu tinha engulhos a cada vez que ouvia essa expressão. Perdi a conta de quantas vezes isso foi ao ar na TV brasileira – como uma pobre metáfora de nossa subserviência...
A turma da “lição de casa” pregava: “superávit primário”, “controle dos gastos públicos”, “autonomia do Banco Central” (como se o BC fosse uma instituição acima do governo, quando ele é mantido com nossos impostos, e deve estar subordinado ao governo de turno) etc etc etc.
Isso tudo virou lixo depois da crise de 2008.
No primeiro mandato, Lula ampliou um pouco os gastos sociais (“esmola”, diziam), mas manteve a ortodoxia na economia.
No segundo mandato, livre de Paloccci, o governo ampliou sua atuação como indutor do desenvolvimento. Mantega conduz uma política livre das amarras da turma da “lição de casa”.
Hoje mesmo, véspera de Natal, Mantega está nos jornais a dizer que Banco Central não precisa ser autônomo, coisa nenhuma!
A turma da “lição de casa” não gosta disso.
A turma da “lição de casa” não gosta de Keynes. O sábio economista dizia (groso modo, perdoem minha simplificação) que a equação da economia se resolve quase sempre pela demanda, não pela oferta. Se há crise, estimule-se a demanda, e a roda volta a girar.
Foi o que Mantega fez em 2008 – com isenção fiscal para carros, linha branca etc. Lula também pediu aos pobres que seguissem comprando. E deu certo.
Deu certo porque Lula havia criado as bases de um imenso mercado interno de consumo: “bolsa-família”, salário mínimo com ganho real, reajuste para funcionalismo...
Tudo isso contraria a cartilha da “lição de casa”.
Vejam: o governo (com Mantega, no meio da crise) adotou políticas de isenção de impostos (“populismo” berraram alguns colunistas), e ainda assim a arrecadação voltou a crescer. Número de novembro indica aumento de 26% em relação a novembro de 2008 - http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u670008.shtml.
A turma que torce pela “deterioração das contas públicas” não deve estar entendendo nada.
Lula fingiu adotar a política fernandista. Mas superou essa política, sem alarde.
Lula fez o que Celso Furtado e Maria da Conceição Tavares pregaram durante anos e anos! Lula construiu um mercado interno de verdade.
Serra – que não é tonto, e não é um “liberalóide” radical – sabe que não pode fazer campanha pregando “controle dos gastos públicos”. Isso servia para enganar a turma nos anos 90. O Brasil mudou. E o Serra sabe disso. Mas o Alexandre Garcia (com a turma mais tosca da UDN) não sabe.
Nem Obama mais acredita na doutrina liberal. Obama salvou a GM e alguns bancos com grana pública. Obama não fez a “lição de casa”?
Só a banda de música (na Globo e em alguns jornais) ainda segue a velha cartilha. É o passado, que se recusa a passar.
O passado será atropelado pelos fatos.
Ainda mais quando lemos que – com o reajuste para R$ 510 – o mínimo vai atingir o maior patamar em quase 3 décadas.
Lula colocou o capitalismo brasileiro em novo patamar. Os toscos capitalistas (ou aqueles que pensam representar os capitalistas, nas telas e nos jornais) não perceberam.
Dessa vez, a UDN vai ficar falando sozinha.
O suicídio dessa vez virá do outro lado. É a UDN que vai meter uma bala no peito se continuar se recusando a enxergar a realidade.
Azar da UDN.
PTB e PSD – se tiverem juízo – seguirão juntos, isolando a direita e mantendo o Brasil na rota do crescimento. Isso apesar de todos os problemas e insuficiências do governo Lula. É preciso – sim – fazer a crítica do governo Lula, pela esquerda. Mas sempre reconhecendo seus avanços.
Tudo leva a crer que Lula não vai se igualar a Getúlio. Não. Vai é superá-lo. Sem golpe, sem bala no peito. Tudo no voto.
É demais para a UDN. Coitadinha...

23/12/2009 às 11:51 do blog O escrevinhador

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Le Monde Diplomatique: o embate entre governo Lula e rede Globo

Mídia
21 de Dezembro de 2009 - 13h22

Le Monde Diplomatique: o embate entre governo Lula e rede Globo

No início da década de 1980, centenas de milhares de brasileiros cantaram em coro “O povo não é bobo, abaixo a rede Globo!”, quando a corporação na qual se apoiou a ditadura militar censurou as mobilizações populares contra o regime militar, utilizando fotonovelas e futebol para tentar anestesiar a opinião pública. Hoje, um segmento crescente do público brasileiro expressa seu descontentamento frente o grupo midiático hegemônico.

Por Dario Pignotti*, no Le Monde Diplomatique (Cone Sul e Espanha)

Medições de audiência e investigações acadêmicas detectaram um dado, em certa medida inédito, sobre as relações de produção e consumo de informação: a credibilidade da rede Globo, inquestionável durante décadas, começa a dar sinais de erosão. Contudo, é possível perceber uma diferença substantiva entre a indignação atual e o descontentamento daqueles que repudiavam a Globo durante as mobilizações de três décadas atrás em defesa das eleições diretas.

Em 1985, José Sarney, primeiro presidente civil desde o golpe de Estado de 1964, obstruiu qualquer pretensão de iniciativa reformista relativa à estrutura de propriedade midiática e ao direito à informação, em cumplicidade com a família Marinho – proprietária da Globo, da qual, aliás, era sócio. O atual chefe de Estado, Luiz Inácio Lula da Silva, parece disposto a iniciar a ainda pendente transição em direção à democracia na área da comunicação.

No início de 2009, no Fórum Social Mundial realizado na cidade de Belém, Lula convocou uma Conferência Nacional de Comunicação. A partir daí, mais de 10 mil pessoas discutiram em assembleias realizadas em todo o país os rumos da comunicação e definiram propostas para levar para a Conferência, realizada de 14 a 17 de dezembro, em Brasília.

“É a primeira vez que o governo, a sociedade civil e os empresários discutem a comunicação; isso, por si só, já é uma derrota para a Globo e sua política de manter esse tema na penumbra (...). O presidente Lula demonstrou estar determinado a instalar na sociedade um debate sobre a democratização das comunicações; creio que isso terá um efeito pedagógico e poderá converter-se em um dos temas da campanha (de 2010)”, assinala Joaquim Palhares, diretor da Carta Maior e delegado na Conferência.

O embate entre Lula e a Globo poderia ser resumido como uma disputa pela verossimilhança, um bem escasso no mercado noticioso brasileiro. Ao participar quase que diariamente de atos ou eventos públicos, o presidente dialoga de forma direta com a população, estabelecendo um contrato de confiança que contrasta com a obstinação dos meios dominantes em montar um discurso noticioso divorciado dos fatos que, às vezes, beira a ficção.

Lula configura um “fenômeno comunicacional singular; o povo acredita nele, não só porque fala a linguagem da gente simples, mas porque as pessoas mais carentes foram beneficiadas com seus programas sociais; isso é concreto, o Bolsa Família atende a 45 milhões de brasileiros que não prestam muita atenção ao que diz a Globo”, observa a professora Zélia Leal Adghirni, doutora em Comunicação e coordenadora do programa de investigação sobre Jornalismo e Sociedade da Universidade de Brasília.

“Por que Lula ganhou duas vezes as eleições (2002 e 2006), uma delas contra a manifesta vontade da Globo? Por que Lula tem uma popularidade de 80%?”, pergunta Adghirni, para quem “as teorias de comunicação clássica que estudamos na universidade não são aplicadas ao fenômeno Lula. Desde a teoria da ‘agulha hipodérmica’ até a da ‘agenda setting’, dizia-se que os meios formam a opinião ou pautam o temário do público, mas com Lula isso não ocorre: os meios de comunicação estão perdendo o monopólio da palavra”.

Por outro lado, como se sabe, a construção de consensos sociais não se galvaniza só com mensagens racionais ou versões críveis da realidade, também é necessário trabalhar no imaginário das massas, um território no qual a Globo segue sendo praticamente imbatível. A empresa do clã Marinho controla o patrimônio simbólico brasileiro: é a principal produtora de novelas e detém os direitos de transmissão das principais partidas de futebol e do carnaval carioca.

Frente à gigantesca indústria de entretenimento da Globo, o governo é praticamente impotente. Não obstante, a imagem do presidente-operário provavelmente ganhará contornos míticos em 2010, com o lançamento do longa-metragem Lula, o Filho do Brasil, que será exibido no circuito comercial e em um outro alternativo (sindicatos e igrejas). O produtor Luis Carlos Barreto prevê que cerca de 20 milhões de pessoas assistirão à história do ex-torneiro mecânico que se tornou presidente, o que seria a maior bilheteria da história no país.

O balanço provisório da política de comunicação de Lula indica que esta tem sido errática. Em seu primeiro mandato (2203-2007), impulsionou a criação de um Conselho de Ética informativa, iniciativa que arquivou diante da reação empresarial. Após essa tentativa fracassada, o governo não voltou a incomodar as “cinco famílias” proprietárias da grande imprensa local, até o final de sua primeira gestão.

Em seu segundo governo – iniciado em 1° de janeiro de 2007, Lula nomeou Hélio Costa como ministro das Comunicações, um ex-jornalista da Globo que atua como representante oficioso da empresa no ministério. Mas enquanto a designação de Costa enviava um sinal conciliador aos grupos privados, Lula seguia uma linha de ação paralela.

Em março de 2008, o Senado, com a oposição cerrada do PSDB, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, aprovou o projeto do Executivo para a criação da Empresa Brasileira de Comunicações, um conglomerado público de meios que inclui a interessante TV Brasil, para a qual, em 2010, o Estado destinará cerca de US$ 250 milhões. O generoso orçamento e a defesa da nova televisão pública feita pelos parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT) indicavam que Lula havia decidido enfrentar a direita política e midiática. Ao mesmo tempo em que media forças com a Globo – ainda que não de forma aberta -, Lula aproximou posições com as empresas de telefonia (interessadas em participar do mercado de conteúdos e disputar terreno com a Globo) e algumas televisões privadas, como a TV Record – de propriedade de uma igreja evangélica.

A estratégia foi tomando contornos mais firmes no final do mês de outubro quando Lula defendeu, durante uma cerimônia de inauguração dos novos estúdios da Record no Rio de Janeiro, o fim do "pensamento único" capitaneado por alguns formadores de opinião (em óbvia alusão à Globo) e a construção de um modelo mais plural. Dias mais tarde, o mesmo Lula afirmava: “Quanto mais canais de TV e quanto mais debate político houver, mais democracia teremos (...) e menos monopólio na comunicação”.

Com um discurso monolítico e repleto de ressonâncias ideológicas próprias da Doutrina de Segurança Nacional (como associar qualquer objeção à liberdade de imprensa empresarial com ocultas maquinações “sovietizantes”), o grupo Globo lançou uma ofensiva, por meios de seus diversos veículos gráficos e eletrônicos, contra a incipiente tentativa do governo de estimular o debate sobre a atual ordem informativa, que alguns definem como um “latifúndio” eletrônico.

O primeiro passo neste sentido, assinala Joaquim Palhares, foi “esvaziar e boicotar a Conferência Nacional de Comunicação, retirando-se dela, dando um soco na mesa e saindo impestivamente para tentar deslegitimá-la”, movimento seguido por outros grupos midiáticos. O segundo movimento consistiu em articular um discurso institucional para fazer um cerco sanitário contra o contágio de iniciativas adotadas por governos sulamericanos como os da Argentina, Equador e Venezuela, orientadas na direção de uma reformulação do cenário midiático.

A Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) “temem que o que ocorreu na Argentina se repita no Brasil; eles veem essa lei como uma ameaça e começaram a manifestar sua solidariedade com a imprensa da Argentina”, afirma Zélia Leal Adghirni. O receio expresso pelas entidades representativas dos grandes conglomerados midiáticos é o seguinte: se o descontentamento regional contra a concentração informática ganha força junto à opinião pública brasileira, poderia romper-se a cadeia de inércia e conformismo que já dura décadas e, quem sabe, iniciar-se um gradual – nunca abrupto – processo de democratização.

O inverso também se aplica: se o Brasil, liderado por Lula, finalmente assumir como suas as teses do direito à informação e à democracia comunicacional, é certo que essa corrente de opinião, atualmente dispersa na América Sul, poderá adquirir uma vertebração e uma legitimidade de proporções continentais.

* Dario Pignotti é jornalista e doutor em Comunicação pela Universidade de São Paulo.

Fonte: Le Monde Diplomatique, via Vermelho

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O que se esconde por trás do discurso de combate às mudanças do clima

por Luiz Carlos Azenha

Não pretendo discutir, aqui, se de fato o clima no mundo está ou não mudando, se sempre mudou porque a Terra está em constante transformação, se a atividade do homem na Terra colaborou com o aquecimento global e outros temas. Fiquem à vontade para fazê-lo nos comentários. Não acho que o assunto esteja definitivamente encerrado, pois o cigarro um dia vendido de forma glamourosa causava câncer e o fim do mundo por causa do bug do milênio não se materializou.

O que me interessa é discutir o que se esconde por trás do discurso oficial das grandes nações do planeta.

Sabemos que os Estados Unidos e a União Europeia se desenvolveram tirando proveito de todos os seus recursos naturais e mais daqueles que estavam ao alcance de sua expansão imperial na Ásia, na África e na América Latina. Este é um dado histórico, incontestável. Basta analisar, por exemplo, a empresa da escravidão dos negros africanos, mão de obra gratuita que trabalhou as terras brasileiras, que exportou no açúcar a água e o poder energético do sol colhidos no Brasil para abastecer as mesas do nascente mercado consumidor. Basta ver a degradação ambiental promovida pela industrialização dos grandes centros urbanos dos Estados Unidos, a poluição dos rios europeus e os grandes projetos de mineração, de construção de represas ou ferrovias que varreram montanhas, florestas e rios do mapa.

É óbvio que, como grandes poluidores do meio ambiente, os Estados Unidos, as nações europeias e o Japão devem contribuir proporcionalmente com os esforços para mitigar as mudanças climáticas com as quais eventualmente tenham contribuído.

É óbvio, igualmente, que os paises em desenvolvimento -- como o Brasil, a Índia e a China -- podem e devem, na medida de suas possibilidades, adotar políticas públicas distintas daquelas praticadas anteriormente pelos grandes devastadores, por todos os motivos do mundo: a degradação ambiental é, também, degradação humana; ela embute custos que, mais tarde, serão pagos pela própria sociedade que a pratica (as doenças ambientais, por exemplo); o consumismo desenfreado é uma impossibilidade material para uma sociedade que realmente se pretende democrática (que garanta que a população realmente desfrute dos recursos naturais de forma equânime).

Dito isso, é sempre importante lembrar que os Estados Unidos, os europeus e os japoneses seguem sendo os maiores consumidores de recursos naturais do planeta, muitos dos quais obtidos na África, na Ásia e na América Latina. Que a matriz energética dos Estados Unidos continua fortemente dependente do carvão (responsável pela produção de quase 50% da energia elétrica do país) e que a matriz energética da China é fortemente dependente do carvão (65% da energia elétrica do país).

Que, enquanto nos fóruns internacionais, esses países se dizem interessados em combater o aquecimento global, internamente poucas medidas práticas ambos tomam para fazê-lo, colocando sempre o consumo e o bem-estar de suas próprias populações acima de objetivos genéricos do planeta.

Que os grandes poluidores são também aqueles com maior capacidade humana e financeira para desenvolver as novas tecnologias ligadas à produção de energia limpa.

Fiquem alertas, pois, para a seguinte possibilidade: eles vão explorar todos os recursos naturais disponíveis em seus próprios territórios enquanto nos acusam de degradar o meio ambiente e ao mesmo tempo vão faturar nos vendendo a tecnologia necessária para produzir energia limpa. Resumo do filme: Não faça o que eu faço e pague para não fazer o que faço. É preciso ter cuidado para não cair nessa armadilha neocolonial.

18/12/2009 Vi o mundo

domingo, 6 de dezembro de 2009

Wallerstein: O retorno da direita latino-americana

06 de dezembro de 2009

por Immanuel Wallerstein,

Algo estranho está acontecendo na América Latina. As forças de direita na região estão dispostas de tal forma que podem se desempenhar melhor durante a presidência de Barack Obama do que durante os oito anos de George W. Bush. Este liderava um regime de extrema direita que não tinha nenhuma simpatia pelas forças populares na América Latina. Obama, ao contrário, lidera um regime centrista que tenta replicar a "política da boa vizinhança" que Franklin Roosevelt proclamou como forma de anunciar o fim da intervenção militar direta dos Estados Unidos na América Latina.

Durante a presidência de Bush, a única tentativa séria de golpe de Estado com o respaldo dos Estados Unidos ocorreu em 2002 contra Hugo Chávez na Venezuela, e essa tentativa falhou. Foi seguida por uma série de eleições em toda a América Latina e no Caribe, onde os candidatos de centro-esquerda ganharam em quase todos os casos. A culminação foi uma reunião no Brasil em 2008 - na qual os Estados Unidos não foram convidados e na qual o presidente de Cuba, Raúl Castro, recebeu tratamento de herói virtual.

Desde que Obama assumiu a presidência, conseguiu-se perpetrar um golpe de Estado: em Honduras. Apesar da condenação que o presidente expressou, a política norte-americana foi ambígua, e os líderes do golpe ganharam sua aposta de se manter no poder até as próximas eleições para presidente. Há pouco tempo, no Paraguai, o presidente católico de esquerda Fernando Lugo pôde evitar um golpe militar. Mas seu vice-presidente, Federico Franco, de direita, está manobrando para obter de um Parlamento nacional hostil a Lugo um golpe de Estado que assuma a forma de um enjuizamento. E os dentes militares se aguçam em uma série de outros países.

Para entender essa aparente anomalia devemos olhar a política interna dos Estados Unidos e como ela afeta sua política exterior. O Partido Democrata é a mesma coalizão ampla que sempre foi, mas o Partido Republicano se moveu mais para a direita. Isso significa que os republicanos têm uma base menor. O lógico seria que isso significaria muitos problemas eleitorais. Mas, como estamos vendo, isso não funciona exatamente desse modo.

As forças da extrema direita que dominam o Partido Republicano estão muito motivadas e são muito agressivas. Buscam purgar todos e cada um dos políticos republicanos que considerem muito "moderados" e tentam forçá-los no Congresso a uma atitude negativa uniforme para com todas as coisas que o Partido Democrata, e particularmente o presidente Obama, propuser. Os acertos políticos de compromisso já não são vistos como politicamente desejáveis. Pelo contrário. Os republicanos são pressionados para marchar no ritmo de um único tamboreiro.

Entretanto, o Partido Democrata age como sempre agiu. Sua ampla coalizão vai da esquerda para uma certa direita do centro. Os democratas no Congresso investem quase toda a sua energia política na negociação entre uns e outros. Isso implica no fato de que é muito difícil aprovar legislações significativas, como vemos atualmente com a tentativa de reformar as estruturas de saúde norte-americanas.

Então, o que isso significa para a América Latina (e de fato para outras parte do mundo)? Obama tem uma base diversa e uma agenda ambígua. Sua postura pública balança entre uma firme posição centrista e gestos moderados de centro-esquerda. Isso torna sua posição política essencialmente frágil. Obama desilude os eleitores de esquerda e a realidade de uma depressão mundial faz com que alguns de seus eleitores centristas se afastem dele por medo a uma dívida nacional crescente.

Para Obama, da mesma forma que para Bush, a América Latina não está no topo das prioridades. Ele está muito preocupado com as eleições de 2010 e 2012. E isso não é algo insensato. O que a direita latino-americana faz é tirar vantagem das dificuldades políticas internas de Obama para pressioná-lo. Dão-se conta de que ele não conta com a energia política disponível para freá-los. Além disso, a situação econômica mundial tende a redundar contra os regimes no poder. E na América Latina de hoje são os partidos de centro-esquerda os que estão no poder. Se Obama conseguir triunfos políticos importantes nos próximos dois anos, isso frearia, de fato, o retorno da direita latino-americana. Mas ele irá conseguir esses triunfos?

* Immanuel Wallerstein é sociólogo norte-americano. Esse artigo foi publicado em 2 de dezembro de 2009 no jornal argentino Página 12.

Tradução: Moisés Sbardelotto

no Página 12

Extraído de Vi o mundo

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Professor, você já ouviu falar na Amazônia Azul?



Hoje, os espaços marítimos brasileiros atingem aproximadamente 3,5 milhões de km².
O Brasil está pleiteando, junto à Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), a extensão dos limites de sua Plataforma Continental, além das 200 milhas náuticas (370 km²), correspondente a uma área de 963 mil km².
Após serem aceitas as recomendações da CLPC pelo Brasil, os espaços marítimos brasileiros poderão atingir aproximadamente 4,5 milhões de km².
Uma área maior do que a Amazônia verde.
Uma outra Amazônia em pleno mar, assim chamada, não por sua localização geográfica, mas pelos seus incomensuráveis recursos naturais e grandes dimensões.

A Amazônia Azul.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Acadêmicos amestrados

Por Idelber Avelar

[Quarta-Feira, 2 de Dezembro de 2009 às 16:26hs]

Se um marciano aterrissasse hoje no Brasil e se informasse pela Rede Globo e pelos três jornalões, seria difícil que nosso extra-terrestre escapasse da conclusão de que o maior filósofo brasileiro se chama Roberto Romano; que nosso grande cientista político é Bolívar Lamounier; que Marco Antonio Villa é o cume da historiografia nacional; que nossa maior antropóloga é Yvonne Maggie, e que o maior especialista em relações raciais é Demétrio Magnoli. Trata-se de outro monólogo que a mídia nos impõe com graus inauditos de desfaçatez: a mitologia do especialista convocado para validar as posições da própria mídia. Curiosamente, são sempre os mesmos.

Se você for acadêmico e quiser espaço na mídia brasileira, o processo é simples. Basta lançar-se numa cruzada contra as cotas raciais, escrever platitudes demonstrando que o racismo no Brasil não existe, construir sofismas que concluam que a política externa do Itamaraty é um desastre, armar gráficos pseudocientíficos provando que o Bolsa Família inibe a geração de empregos. Estará garantido o espaço, ainda que, como acadêmico, o seu histórico na disciplina seja bastante modesto.

Mesmo pessoas bem informadas pensaram, durante os anos 90, que o elogio ao neoliberalismo, à contenção do gasto público e à sanha privatizadora era uma unanimidade entre os economistas. Na economia, ao contrário das outras disciplinas, a mídia possuía um leque mais amplo de especialistas para avalizar sua ideologia. A força da voz dos especialistas foi considerável e criou um efeito de manada. Eles falavam em nome da racionalidade, da verdade científica, da inexorável matemática. A verdade, evidentemente, é que essa unanimidade jamais existiu. De Maria da Conceição Tavares a Joseph Stiglitz, uma série de economistas com obra reconhecida no mundo apontou o beco sem saída das políticas de liquidação do patrimônio público. Chris Harman, economista britânico de formação marxista, previu o atual colapso do mercado financeiro na época em que os especialistas da mídia repetiam a mesma fórmula neoliberal e pontificavam sobre a “morte de Marx”. Foi ridicularizado como dinossauro e até hoje não ouviu qualquer pedido de desculpas dos papagaios da cantilena do FMI.

Há uma razão pela qual não uso aspas na palavra especialistas ou nos títulos dos acadêmicos amestrados da mídia. Villa é historiador mesmo, Maggie é antropóloga de verdade, o título de filósofo de Roberto Romano foi conquistado com méritos. Não acho válido usar com eles a desqualificação que eles usam com os demais. No entanto, o fato indiscutível é que eles não são, nem de longe, os cumes das suas respectivas disciplinas no Brasil. Sua visibilidade foi conquistada a partir da própria mídia. Não é um reflexo de reconhecimento conquistado antes na universidade, a partir do qual os meios de comunicação os teriam buscado para opinar como autoridades. É um uso desonesto, feito pela mídia, da autoridade do diploma, convocado para validar uma opinião definida a priori. É lamentável que um acadêmico, cujo primeiro compromisso deveria ser com a busca da verdade, se preste a esse jogo. O prêmio é a visibilidade que a mídia pode emprestar – cada vez menor, diga-se de passagem. O preço é altíssimo: a perda da credibilidade.

O Brasil possui filósofos reconhecidos mundialmente, mas Roberto Romano não é um deles. Visite, em qualquer país, um colóquio sobre a obra de Espinosa, pensador singular do século XVII. É impensável que alguém ali não conheça Marilena Chauí, saudada nos quatro cantos do planeta pelo seu A Nervura do Real, obra de 941 páginas, acompanhada de outras 240 páginas de notas, que revoluciona a compreensão de Espinosa como filósofo da potência e da liberdade. Uma vez, num congresso, apresentei a um filósofo holandês uma seleção das coisas ditas sobre Marilena na mídia brasileira, especialmente na revista Veja. Tive que mostrar arquivos pdf para que o colega não me acusasse de mentiroso. Ele não conseguia entender como uma especialista desse quilate, admirada em todo o mundo, pudesse ser chamada de “vagabunda” pela revista semanal de maior circulação no seu próprio país.

Enquanto isso, Roberto Romano é apresentado como “o filósofo” pelo jornal O Globo, ao qual dá entrevistas em que acusa o blog da Petrobras de “terrorismo de Estado”. Terrorismo de Estado! Um blog! Está lá: O Globo, 10 de junho de 2009. Na época, matutei cá com meus botões: o que pensará uma vítima de terrorismo de Estado real – por exemplo, uma família palestina expulsa de seu lar, com o filho espancado por soldados israelenses – se lhe disséssemos que um filósofo qualifica como “terrorismo de Estado” a inauguração de um blog em que uma empresa pública reproduz as entrevistas com ela feitas pela mídia? É a esse triste papel que se prestam os acadêmicos amestrados, em troca de algumas migalhas de visibilidade.

A lambança mais patética aconteceu recentemente. Em artigo na Folha de São Paulo, Marco Antonio Villa qualificava a política externa do Itamaraty de “trapalhadas” e chamava Celso Amorim de “líder estudantil” e “cavalo de troia de bufões latino-americanos”. Poucos dias depois, a respeitadíssima revista Foreign Policy – que não tem nada de esquerdista – apresentava o que era, segundo ela, a chave do sucesso da política externa do governo Lula: Celso Amorim, o “melhor chanceler do mundo”, nas palavras da própria revista. Nenhum contraponto a Villa jamais foi publicado pela Folha.

Poucos países possuem um acervo acadêmico tão qualificado sobre relações raciais como o Brasil. Na mídia, os “especialistas” sobre isso – agora sim, com aspas – são Yvonne Maggie, antropóloga que depois de um único livro decidiu fazer uma carreira baseada exclusivamente no combate às cotas, e Demétrio Magnoli, o inacreditável geógrafo que, a partir da inexistência biológica das raças, conclui que o racismo deve ser algum tipo de miragem que só existe na cabeça dos negros e dos petistas.

Por isso, caro leitor, ao ver algum veículo de mídia apresentar um especialista, não deixe de fazer as perguntas indispensáveis: quem é ele? Qual é o seu cacife na disciplina? Por que está ali? Quais serão os outros pontos de vista existentes na mesma disciplina? Quantas vezes esses pontos de vista foram contemplados pelo mesmo veículo? No caso da mídia brasileira, as respostas a essas perguntas são verdadeiras vergonhas nacionais.

Essa matéria é parte integrante da edição impressa da Fórum de novembro. Nas bancas.

Idelber Avelar

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

PAC para a preservação


Programa de Aceleração do Crescimento vai destinar R$ 150 milhões por ano para projetos de conservação do patrimônio histórico em 124 cidades
por Dafne Melo
© MARKITO/EMBRATUR
Ouro Preto, uma das 124 cidades brasileiras que receberão verbas do governo federal para projetos de conservação
Por iniciativa do Ministério da Cultura, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) chegará às cidades históricas. A ideia é destinar a quantia de R$ 150 milhões por ano a projetos de preservação em 124 cidades brasileiras, incluindo as 27 capitais e municípios como Ouro Preto (MG), Erechim (RS) e Juazeiro do Norte (CE). O dinheiro pode ser usado em projetos de requalificação urbanística, infraestrutura urbana, financiamento para recuperação de imóveis privados,
restauro de monumentos e promoções do patrimônio cultural.

O PAC das cidades históricas terá duas fases: até o ano que vem, 50 cidades deverão receber financiamentos. De 2011 a 2012, outras 74 cidades serão incluídas. Segundo o ministro da Cultura, Juca Ferreira, a iniciativa, além de auxiliar na preservação do patrimônio cultural e histórico do país, ajudará a aquecer a economia dessas cidades, já que muitas se apoia no turismo como principal fonte de recursos.

Fonte: História Viva

15 de Novembro: Por que não canto o Hino Nacional

Por Mário Maestri, de Porto Alegre


Proclamação da República, por Benedito Calixto

Uma linguagem mandarinesca esconde os verdadeiros conflitos de uma sociedade dividida por interesses de classe, um Estado fundado e construído através da produção consciente da miséria, da exploração e da desigualdade.

No início do século 19, os soldados franceses enviados por Bonaparte para vergar a barbárie e restabelecer a civilização na parte francesa da ilha de Santo Domingos, futuro Haiti, escutavam, ao longe, assustados e perplexos, o ressoar da canção querida que seus oficiais lhes proibiam cantar. Eram os negros insurrectos que, entoando a Marselhesa, surgiam da profundeza da noite para desbaratar as linhas do exército invicto.

Avante, filhos da Pátria
O dia de glória chegou

Contra nós, levantou-se,
O estandarte ensanguentado da tirania.
Escutai, nos campos, rugir esses ferozes soldados?
Eles vêm, nos nossos braços,
degolar vossos filhos, vossas companheiras.
Às armas, cidadãos! Formai, vossos batalhões!
Marchemos! Marchemos!

A Marselhesa teria sido composta para o exército do Reno, em 1792, pelo capitão-engenheiro Claude-Joseph de Lisle Rouget. Ela transformou-se na principal canção popular marcial e, muito mais tarde, no hino nacional da França, pela decisão e vontade anônimas e soberanas da população nacional em armas.

A Marselhesa foi selecionada entre tantos outros hinos porque, na forma e no conteúdo, sintetizava o entusiasmo com que a França democrática, republicana e plebeia levantava-se para vergar os aristocratas e conservadores que, dentro e fora do país, coligavam-se contra a revolução.

Após o golpe militar de 1799, Bonaparte proibiu aos soldados franceses cantar a Marselhesa, tamanha era seu poder de invocação democrática e revolucionária. A tradição conta que teria apenas permitido que fosse entoada, por uma única vez, em 1805, em Austerlitz, quando da grande vitória sobre os imperadores da Áustria e da Rússia.

Pela Internacional!

No século 19, através do mundo, a Marselhesa tornou-se a canção do movimento democrático e socialista. Em 1870, com a Terceira República francesa, ela foi reconduzida como hino patriótico francês. Portanto, em 1871, na Comuna de Paris, o mundo do trabalho e a ordem do capital defrontaram-se, de armas à mão, cantando o mesmo hino.

Durante os combates parisienses, foi composto o "Canto da Internacional: hino dos trabalhadores", que o jornal oficial da Comuna falhou ao prognosticar como a possível "Marselhesa da nova Revolução" - como lembra Luiz A. Gini. Cem mil trabalhadores foram mortos, fuzilados ou aprisionados durante e após os combates pelas forças da reação burguesa.

O Canto da Internacional não prosperou. Porém, a canção revolucionária A Internacional, com música do operário Pierre Degeyter [1888] e poema escrito por Eugène Pottier, que participara da Comuna, em 1871, terminou celebrizando-se, no fim do século 19. Desde então, A Internacional constituiu o hino dos trabalhadores franceses e de todo o mundo, cantado com a mesma música nos mais diversos idiomas.

De pé, ó vítimas da fome!
De pé, famélicos da terra!
Da idéia a chama já consome
A crosta bruta que a soterra.
Cortai o mal bem pelo fundo!
De pé, de pé, não mais senhores!
Se nada somos neste mundo,
Sejamos tudo, ó produtores!
Refrão (bis)
Bem unidos façamos,
Nesta luta final,
Uma terra sem amos
A Internacional.

Macieira não dá laranjas. A gênese histórica e social radicalmente distinta do hinário patriótico brasileiro explica seu nulo poder evocativo popular e democrático. A ruptura da união do Brasil com Portugal foi certamente o movimento de independência mais atrasado e mais conservador das três Américas.

Para tranquilizar os interesses britânicos e portugueses, as classes dominantes provinciais do Brasil aceitaram o tacão centralizador e despótico de um príncipe português que era, igualmente, o herdeiro da coroa lusitana que renegavam. Para garantir a continuidade da ordem negreira, os grandes proprietários de todas as províncias optaram por um Estado monárquico, centralizador e antiliberal.

Independência de branco

Muito logo, os senhores teriam a prova amarga da tacanhice da solução bragantina. Em novembro de 1823, apenas 14 meses após o Sete de Setembro, dom Pedro desferia o primeiro golpe militar do Brasil independente, fechava a assembléia nacional constituinte e legislativa e ditava a constituição ant-liberal que governaria o Brasil até 1889.

A Independência de 1822 foi coisa de branco, de escravista e de rico, para branco, escravista e rico. A grande maioria da população trabalhadora, formada por africanos e brasileiros escravizados, prosseguiu sob o jugo absolutista e colonial do bacalhau de cinco dedos do escravista impiedoso.

O Hino da Independência teve autores mais ilustres do que a Marselhesa e a Internacional. A letra foi escrita por Evaristo da Veiga, prócer da Independência, e a música, composta pelo imperador em pessoa. Em verdade, o hino já seria executado, em 7 de setembro, à noite, no Teatro da Ópera, em São Paulo, diante do digno compositor e da igualmente digna elite escravista da cidade. Tudo muito chic e oportuno, portanto! Uma independência socialmente excludente geraria hino esteticamente excludente.

Já podeis da Pátria filhos,
Ver contente a mãe gentil;
Já raiou a liberdade
No horizonte do Brasil.

Como assinala Flávio R. Kothe, em O cânone imperial, o primeiro verso realiza-se na segunda pessoa do plural, comum à linguagem áulica da Corte e desconhecida da população livre pobre, para não falar da população trabalhadora, que se comunicava em boa parte através de línguas e koinés africanas e indígenas.

A contradição berrante entre os "filhos da pátria" que saudavam a "liberdade" que raiara "no horizonte" e as multidões de homens e mulheres de pele negra e parda acorrentadas à escravidão até a morte registrava o fato de que a massa trabalhadora não faria, sequer formalmente, por 66 anos, parte da nação que surgia. A pátria que se criava tinha poucos, mas escolhidos filhos.

República do fazendeiro

O golpe militar de 15 de novembro de 1889 pôs fim a um centralismo monárquico que a Abolição tornara desnecessário e, de lambuja, sufocou a proposta de refundação da nacionalidade brasileira defendida pelo movimento abolicionista. Então, todos os habitantes do Brasil passaram a participar, formalmente, de uma república essencialmente federalista e oligárquica e nulamente democrática e plebeia.

A ruptura com o passado monárquico exigiu a produção de novos símbolos republicanos, em geral construídos com o velho e usado material simbólico imperial, para que não esquecessem que, no fundo, pouco mudara. Em forma ainda mais radical, o hino mais cantado na República materializou formalmente a profunda rejeição, pelas novas classes dominantes, das classes populares, na nova ordem republicana.

As exóticas inversões sintáticas e o elitismo vocabular dos versos do Hino Nacional Brasileiro, musicado por Francisco Manuel da Silva, em 1841, registraram plenamente o elitismo da nova república dos coronéis e latifundiários, onde se manteve o mundo do trabalho na submissão, a ferro e fogo, se necessário, como comprovam, entre outros sucessos, a guerra de Canudos-Belo Monte, em 1897; a Revolta da Chibata, em 1910; a guerra do Contestado, em 1912.

O pernosticismo lexical e o preciosismo sintático usados por Osório Duque Estrada, na construção, em 1909, da letra definitiva do Hino Nacional, foram tão radicais que ele ainda hoje é praticamente incompreensível para a imensa maioria da população, incapaz de dar sentido a vocábulos retorcidos como "plácido", "retumbante", "fúlgido", "resplandecente", "impávido", "florão", "garrida", "lábaro", "verde-louro", "clava" etc.

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
De um povo heróico o brado retumbante
E o sol da liberdade, em raios fúlgidos,
Brilhou no céu da Pátria nesse instante

A linguagem do mito

A esquizofrenia patente de uma população cantando hino que não entende, ensejou propostas de simplificação linguística ou modificação radical da letra da canção pátria, para que o povo pudesse compreender o que cantava. Essas tentativas de remendo ignoram a funcionalidade, na ótica das classes proprietárias brasileiras, do caráter estrangeiro da língua em que foi composto o Hino Nacional.

O linguista marxista Mikhail Bakhtine lembrava que, por além da compreensão, na "consciência histórica dos povos, a palavra estrangeira fundiu-se com a idéia de poder, de força, de santidade, de verdade". Por isso, em geral, o discurso religioso dá-se em língua impossível ou difícil de ser compreendida pelos crentes. Comumente, seu caráter evocativo se dissolve como sorvete exposto ao sol ao ser traduzido em língua de gente.

Foi com indignação e perplexidade que ouvi meu professor de latim explicar que o mágico e magnético "It missa est" de minha infância queria dizer qualquer coisa como "podem ir jogar futebol que a missa já terminou". Os conteúdo irracionais de uma narrativa podem ser mais facilmente veiculados quando o estranhamento linguístico que produz nos receptores dificulta eles penetrem racionalmente os conteúdos sociais e ideológicos reais da mensagem.

A linguagem esotérica e arcaica galvaniza comumente sentimentos mágicos e aristocráticos imprecisos e difusos. No mundo das percepções invertidas e alienadas, a sentimentos superiores não pode corresponder, jamais, linguagem e conceitos inferiores. Ou seja, comumente, para que conteúdos elitistas alcancem efeito popular, eles não podem ser vertidos em linguagem popular compreensível.

A linguagem mandarinesca supera a impossibilidade de escrever, em língua de gente, canção que registre, no seio de espaço geográfico nacional, os inexistentes interesses comuns a banqueiros e bancários, a empregadores e empregados, a investidores e desempregados, a latifundiários e sem terra. Assim sendo, a linguagem rebuscada e incompreensível materializa facilmente sentimentos produzidos na esfera da irracionalidade social.

Nesse sentido, a repetição de uma produção verbal semi-compreensível, associada a sentimentos alienados e irracionais sacralizados, enseja que o homem comum, educado na repetição do rito desde criança, associe-se, periodicamente, a ato unitário de celebração nacional que consolida a perpetuação de Estado fundado e construído através da produção e reprodução consciente da miséria, da exploração e da desigualdade. Por tudo isso e mais um pouco, não canto o Hino Nacional.

/11/2009

Fonte: ViaPolítica/O autor

Mário Maestri, 61, rio-grandense, historiador, é doutor em História pela Université Catholique de Louvain (UCL), Bélgica, e professor do Curso e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Passo Fundo (UPF).

E-mail: maestri@via-rs.net

16.11.2009

Livros e apostilas fomentam disputa PT x PSDB

por: Caio Junqueira

A crescente participação dos grupos privados nas redes municipais de ensino do Estado de São Paulo colocou em rota de colisão, as políticas educacionais dos dois principais partidos para a sucessão presidencial, PT e PSDB.

Enquanto o Ministério da Educação amplia, ano a ano, a distribuição gratuita de livros didáticos para todos os alunos da rede pública nacional, proliferam nas prefeituras paulistas os sistemas particulares e suas apostilas, em comunhão com as diretrizes da Secretaria Estadual de Educação.

Hoje mais de um terço dos alunos das cidades paulistas usam apostilas privadas e tem toda a condução e assessoramento de sua política pedagógica coordenada pelos maiores grupos de educação do país, como COC, Anglo, Objetivo e Positivo.

Trata-se do Estado com o maior índice (7%) de escolas que se recusam a receber, gratuitamente, os livros fornecidos pelo MEC. Depois, vêm Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Paraná, com 1%. Nos demais, a recusa não chega a um dígito.
Na prática, isso significa que os prefeitos paulistas têm cada vez mais abdicado dos livros didáticos e optado por comprar um pacote em que se incluem apostilas, programação de aulas, avaliações externas e internas, treinamento de professores e funcionários e capacitação tecnológica. O preço varia entre R$ 150 e R$ 300 por aluno, contra cerca de R$ 18 que o MEC, em média, gasta com o programa de distribuição de livros per capita.

Há ganhos incalculáveis em visibilidade eleitoral, já que as apostilas privadas dão a seus alunos a oportunidade de estudar com o mesmo sistema de ensino que seus pais não poderiam arcar na rede privada. Ainda que isso deflagre inquéritos do Ministério Público apontando irregularidades nas transações ou condenações do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que se viu obrigado a baixar uma norma há dois anos obrigando os municípios a fazerem licitações para a escolha dos grupos.

A participação dos grupos de ensino nas campanhas municipais também cresceu consideravelmente. Em 2004, não há registros significativos de doações. Em 2008, elas somam R$ 185 mil, pouco se comparado a outros setores da economia, mas muito se comparado às eleições anteriores.

Apesar de os governos federal e paulista não terem autonomia para interferir diretamente nas escolhas dos governos municipais, ambos têm visões diametralmente opostas do assunto e travam uma guerra silenciosa sobre o tema. O PSDB vê a "apostilização" com bons olhos. "Em geral há um preconceito quando se fala da questão da apostila, como se fosse algo de menor qualidade. Se fosse assim 95% das escolas privadas não as usariam. Elas trazem uma sistematização das disciplinas ao longo do ano, com encadeamento de conteúdo, treinamento de professores e acompanhamento da evolução", afirma o secretário de Educação do Estado de São Paulo, Paulo Renato Souza (PSDB), que considera "defectivo" usar o termo "apostila". "São sistemas de ensino", justifica.

A defesa dos "sistemas" que Paulo Renato faz se relaciona com a política pedagógica prioritária do PSDB: uniformização curricular da rede permitindo que todas as escolas sejam avaliadas de maneira mais equânime, de modo a facilitar a aplicação de sua política de localizar deficiências e premiar os educadores cujos alunos se saiam melhor nos exames estaduais.

Tanto é assim que a ex-secretária de Educação Maria Helena Guimarães de Castro, do mesmo grupo político-pedagógico de Paulo Renato, iniciou em sua gestão a confecção de apostilas para a rede estadual de ensino, que são distribuídas gratuitamente ao aluno e ao professor em complemento aos livros didáticos do MEC. A partir de 2010, o material será oferecido também à rede municipal de ensino. Foi este material que, em março deste ano, acrescentou mais um Paraguai e excluiu o Equador do mapa da América.

O PT é contra. Argumenta que as apostilas limitam a autonomia intelectual e pedagógica do professor, que vê seu universo de atuação circunscrito a uma imposição diária que define o conteúdo a ser dado em cada aula, sem que isso tenha sido previamente discutido entre os educadores de cada cidade. Avalia ainda que o processo de escolha dos livros didáticos é mais democrático, pois cada professor escolhe os seus mediante lista prévia do MEC.

"Os professores não precisam de muletas para dar aulas. Eles precisam de autonomia, não de tutela de terceiros. Não queremos um sistema rígido e reducionista como as apostilas", afirma a secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar, ex-secretária de Educação de Belo Horizonte na gestão Fernando Pimentel (PT).

Para ela, aumentar cada vez mais a oferta de livros didáticos e programas de formação de professores é a melhor resposta que o ministério dá a onda da "apostilização". "Temos a certeza de que quanto melhor prepararmos o professor, menos ele irá aceitar a imposição das apostilas por quem quer que seja", diz. O ministro Fernando Haddad não quis falar ao Valor sobre o assunto.

O problema é que não há conclusões assertivas sobre os efeitos dos sistemas apostilados na rede pública. Muitos professores no Estado reclamam, tanto das apostilas privadas quanto das do Estado. A principal pesquisa existente foi apresentada pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo. A conclusão foi de que os municípios que adotaram as apostilas privadas melhoraram suas notas, embora isso não possa ser atribuído com segurança à adoção desses métodos.

"Não é possível relacionar as melhores notas obtidas pelo alunos cujos municípios contrataram esses serviços com os serviços em si e nem afirmar que se todos adotarem, todos irão melhorar. Vimos que os municípios que passaram a adotar as apostilas já vinham aumentando suas notas comparados aos que não adotaram. Então pode ser que um conjunto de medidas melhorem o desempenho, como o engajamento das autoridades e dos educadores municipais tendo como foco o aprendizado do aluno. Assim, a adoção de apostilas pode ser mais uma de uma série de medidas implementadas", afirma o coordenador da pesquisa da FGV, André Portela.

O estudo também mostrou que esses municípios têm perfil semelhante: são pequenos, com população na faixa de 24 mil habitantes e gastam cerca de 10% a mais com educação. Também afirmou "que em termos relativos ao total de prefeituras de um dado partido, PP, PSDB e PMDB são os com maior proporção de conveniados".

Uma outra pesquisa está em andamento. Coordenado por Thereza Adrião, professora doutora da Faculdade de Educação da Unicamp, o relatório com 365 páginas apresentado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) avalia iniciativas de parcerias com o setor privado na rede de ensino público paulista.

Com uma visão crítica dessas parcerias, a professora destaca quatro pontos prejudiciais à "apostilização": falta de controle social ou técnico, fragilidade conceitual e pedagógica dos materiais e serviços comprados pelos municípios, duplo pagamento pelo mesmo serviço - já que o MEC fornece materiais gratuitos, vinculação do direito à qualidade de ensino submetida à lógica do lucro - e padronização de conteúdos e currículos escolares como parâmetro de qualidade.

Durante a pesquisa, um outro componente foi destacado: o viés político das aquisições. "O que percebemos é que isso vem sendo utilizado como moeda eleitoral. O que ocorre quando a oposição vence a eleição? Muda-se o material, muda-se a empresa e a possibilidade de constituição de uma política educacional afeita às necessidades do município é, em realidade, negada", afirmou Thereza em e-mail ao Valor.

No relatório, escreveu: "Na falta de efetivas diferenças político-partidárias locais (nos pequenos municípios), são as medidas governamentais com certa visibilidade que se convertem em diferenciais nas disputas eleitorais: a aquisição do sistema de apostilas de hoje concorre com a construção da praça ou do coreto de outrora."

Foi o que ocorreu, por exemplo, em Taquaritinga (a 330 km de São Paulo). Em 2004, ano eleitoral, o prefeito Milton de Paula (PR) contratou o Sistema de Ensino Expoente para fornecer material didático e assessoria pedagógica ao município. Vitoriosa nas urnas, a oposição fez uma pesquisa na rede em que 90% dos professores optaram pela volta dos livros didáticos. O contrato com a Expoente foi desfeito.

Responsável por julgar as contas paulistas, o TCE notou que aumentava a cada ano o número de prefeitos que contratavam empresas de educação sem a realização de licitação prévia. Resolveu, então, exigir concorrência pública nesses casos.

O Ministério Público Estadual teve semelhante percepção e começou a investigar. Em 2007, o Grupo de Atuação Especial Regional para Prevenção e Repressão ao Crime Organizado (Gaerco) deflagrou uma operação para apurar possíveis irregularidades na compra de apostilas da editora Múltipla em diversos municípios do interior paulista. Em gravação obtida pelos promotores, o dono da editora, Paulo Cesar Froio, afirma que, ao final do contrato celebrado com as prefeituras, 3% do total vão para o intermediário e outros 10% para o partido do prefeito.

Alguns municípios, como Limeira e Vinhedo, instauraram CPIs nas Câmaras Municipais, que acabaram arquivadas. À comissão de Limeira, Froio negou o esquema, disse que sabia que havia sido filmado e que, por isso, até piscou para a câmera.

Os maiores problemas ocorreram em Taubaté (a 123 km de São Paulo), onde o Ministério Público Federal trava uma batalha jurídica com o prefeito reeleito Roberto Peixoto (PMDB) para que sejam devolvidos aos cofres públicos R$ 33,4 milhões (cerca de 10% do orçamento) referentes a gastos com contratação do sistema de ensino Expoente entre 2006 e 2008. Em julho deste ano, o MPF entrou com uma ação de improbidade administrativa. Para o órgão, houve superfaturamento.

No ano passado, durante a campanha eleitoral, o MP representou o prefeito na Justiça Eleitoral em razão da confecção, pela Expoente, de 70 mil apostilas sobre a história da cidade que continham sua foto rodeado por crianças. O custo foi de R$ 1,57 milhão, sem concorrência.

A gráfica da Expoente rodou também 47 mil exemplares de um informativo que destacava investimentos da administração de Peixoto na educação. Neles, vinha escrito: "Cortesia do Sistema Expoente de Ensino".

Neste ano, após Peixoto vencer a eleição com uma diferença de 2.109 votos (1,4% do total), o contrato com a Expoente foi renovado por R$ 10 milhões, de novo sem licitação. O MP, porém, conseguiu que a Justiça o suspendesse liminarmente.

Em nota ao Valor, o Expoente afirmou que não foi o responsável por rodar as apostilas com a história da cidade e que o contrato com o município não foi superfaturado. Afirmou ainda que as escolas de Taubaté com seu material apresentaram notas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) superiores à média nacional.

São justamente as notas no Ideb que os grupos costumam oferecer ao prefeito como melhor contrapartida de seus serviços. Além disso, outro atrativo é o auxílio gerencial. Para Guilherme Faiguenboim, diretor geral do sistema Anglo de ensino e presidente da Associação Brasileira de Sistemas de Ensino (Abrase), os livros didáticos fornecidos pelo MEC são bons, mas não resolvem o principal problema dos prefeitos no setor educacional: a gestão educacional.

"Chegar e distribuir livro de graça não resolve o problema. Vai ver se os professores estão usando. Não tem currículo, programação, planejamento. E isso tudo nós temos e fornecemos. Uma filosofia unificada de todas as matérias, linguagem comum, de forma organizada. O problema da rede pública é de gestão e os sistemas de ensino apresentam soluções de gestão escolar", afirma.

Ele diz também que o dispêndio de recursos com os sistemas privados acabam tendo retorno com a melhoria dos indicadores educacionais e, consequentemente, do IDH. Isso, segundo ele, torna a cidade atrativa para investimentos e para obter repasse de recursos financeiros. Questionado se há mesmo melhoras nos indicadores, ele diz que "não é uma panacéia que faz milagres, mas permite que o professor se organize para dar aula e que os alunos e pais fiquem motivados com a escola pública".

Faiguenboim rebate as críticas. "O ensino hoje passou a ser dominado por quem tem visão ideológica, e não, pedagógica. Qualquer coisa que se fale de participação de escola particular já acham um absurdo . É a ideologia interferindo no ensino. Isso é muito fácil na hora de escrever tese mas ensinar a criança a ler e a escrever é diferente."

A Associação Brasileira dos Editores de Livros (Abrelivros) retornou os pedidos de entrevistas. Segundo alguns editores, o motivo é que, de olho no novo nicho de mercado, empresas que antes editavam livros didáticos tem começado a investir em apostilas, como a Ática/Scipone, Uno, FTD e Moderna.

O MEC tem resistido ao pedido dos grupos de ensino para que suas apostilas sejam avaliadas. O que se configura como outro fator de discordância entre Brasília e São Paulo. "O MEC vai precisar encarar essa realidade. Não pode ficar com essa visão de que todos os sistemas são fracos. Isso na verdade é mais uma razão para eles fazerem a avaliação" , afirma Paulo Renato. Reservadamente, os técnicos do ministério dizem não estar em seus planos fazer do Plano Nacional do Livro Didático um "Plano Nacional das Apostilas".

Valor Online, 16 nov. 2009.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Sírio Possenti: Da arte de chutar

Quinta, 12 de novembro de 2009

Sírio Possenti*
de Campinas (SP)

Lembrei uma entrevista de Michel Foucault que li há algumas décadas, supostamente na mesma época em que Caetano Veloso lia Lévi-Strauss, por causa da seguinte passagem: "Nós os franceses temos uma consciência hexagonal da cultura que faz com que paradoxalmente De Gaulle possa passar por um intelectual...".

Se Foucault vivesse entre nós, ficaria espantado com "nossos" intelectuais. Um dos mais notáveis é Caetano Veloso, nosso Aristóteles - ele opina sobre tudo. Aparece em todos os meios de comunicação - mostrando seu banheiro em Caras ou depondo sobre a importância de Lévi-Strauss na Folha de S. Paulo (o que é também uma ilustração de como a Folha explica).

A melhor demonstração de como Caetano (não) leu o antropólogo não aparece em sua resenha (ele já o tinha citado - mais ou menos como Gil citou a física quântica - em uma de suas letras). A prova de que Caetano, se leu, não entendeu nada de Levi-Strauss não é sua entrevista, embora patética. É sua declaração sobre a gramática de Lula.

Não discuto sua avaliação política, que esta, evidentemente, é livre, e ninguém precisa ser letrado nem ter lido O cru e o cozido para expressá-la, nas democracias. Desastrosas, analfabetas, são suas declarações sobre língua. Agora ele disse ao Estadão (sim os dois jornalões lhe deram espaço ¿ o que, nas democracias é proibido proibir, mas se pode lamentar -, elogiando Marina Silva, mas também Mangabeira Unger, e exatamente por seu ¿pensamento¿ sobre a Amazônia) que ela ¿é Lula e é Obama ao mesmo tempo. Ela é meio preta, é uma cabocla. É inteligente como o Obama, não é analfabeta como o Lula, que não sabe falar" (Estadão de 6/11/2009). Bem, se elogia Marina e Unger, então também pode ter lido Lévi-Strauss, isto é, passado os olhos nas página de seus livros, e dizer o contrário de tudo o que ele diria. Ou não, acrescentaria Gilberto Gil, provavelmente achando que isso é que é dialética.

Como disse, a opinião é obviamente livre. Mas pode ser burra. De fato, "burro" não é antônimo de "livre", e, assim, os dois predicados podem coexistir. Se Caetano tivesse arranhado Lévi-Strauss, ou mesmo se só tivesse lido alguma coisa sobre o tipo de pensamento a que deu consistência ímpar, teria podido aprender que a maior novidade do pensamento do antropólogo é exatamente que não há culturas (portanto, línguas) erradas ou mesmo inferiores. Ou seja, não leu.

Se leu, não entendeu nada, ou pensa que Lévi-Strauss só se aplica aos índios - outra forma de não entender nada. Sua leitura do antropólogo deve ter sido como a que fez de Saussure, segundo informou em seu Obraemprogresso há algum tempo.

Uma das melhores piadas que já li é de Woody Allen. Conta que está fazendo um curso de leitura dinâmica: "Li Guerra e Paz em 2º minutos. Fala da Rússia". É o método Caetano de ler Lévi-Strauss.

Se aplicasse ao que faz profissionalmente os critérios que aplica à língua, ele teria que dizer que não sabe fazer música. Que faz música errada.

PS - Caetano mandou carta ao Estadão que foi comentada como "esclarecendo" sua entrevista. No que se refere a meu tema (Lula não sabe falar), nada muda. Não discuto a avaliação política que faz de Lula ou de Marina ou de FHC. Só discuto essa frase. E ela é de que não sabe...

Intelectuais, ainda

FHC desovou falação em que manifesta preocupações com o governo Lula, ou com o "lulismo", com o que ele acha que é autoritarismo. O Globo publicou o artigo, e a ilustração era um grande STOP. O que foi interpretado como insinuação golpista.

Duas coisas são curiosas no artigo: FHC diz que Lula escolheu a candidata à sucessão com um "dedaço". A avaliação, vinda de um tucano (lembram daquele jantar a quatro?), é de doer, independentemente do que se pense de Lula, de Dilma e de sua indicação. Compara o lulismo com o peronismo. Não sei se é detalhe ou não - acho que não é - mas agora é o sociólogo que está em questão. Não é análise sofisticada, nem do lulismo, nem do peronismo.

Diversos artigos leram o texto de FHC como golpista. Não seria a primeira vez. FHC já teve seus tempos de Zelaya, e foi bem sucedido: fez sua própria reeleição, um óbvio golpe, pelo menos para quem acha que Chávez e outros são golpistas. Agora, parece querer dias de Micheletti...

*Sírio Possenti é professor associado do Departamento de Linguística da Unicamp e autor de Por que (não) ensinar gramática na escola, Os humores da língua, Os limites do discurso e Questões para analistas de discurso.

Original publicado em Terra Maganize

terça-feira, 3 de novembro de 2009

A emersão da África

28/10/2009

por Mauro Santayana, no JB Online

Como tudo começou na África, é provável que na África se complete o destino humano. Os primeiros seres humanos surgiram ali. As alterações em sua aparência foram provocadas pela graduação da latitude terrestre, para onde migraram os grupos nômades. No Norte da África nasceram os assentamentos agrícolas e uma singular e pioneira civilização, a dos egípcios, no Vale do Nilo.

Durante muitos séculos, com o desenvolvimento da civilização hindu e chinesa na Ásia, e a do Mediterrâneo, que construiria o que chamamos Ocidente, a África Negra ficou isolada. Os europeus a redescobriram durante as grandes navegações, mas dela se aproveitaram na crueldade da exploração colonialista e no comércio de escravos.

Em Roma, no último fim de semana, os 247 bispos e 14 cardeais católicos da África falaram ao papa em uma linguagem nova. Durante as três semanas de deliberações, no Sínodo que os reuniu, os prelados negros assumiram o discurso antiglobalizador e atacaram claramente a política financeira mundial. O documento final aponta as consequências dessa situação, ou seja, as guerras e os conflitos, crises e caos. E critica, com vigor, “as decisões e atos de pessoas que não têm qualquer consideração pelo bem comum na cumplicidade trágica entre os responsáveis locais e os interesses estrangeiros”.

O arcebispo Onaiyekan, de Abuja, na Nigéria, foi firme e conciso: “Não posso imaginar que a British Petroleum, a Shell ou a Mobil façam, no Mar do Norte ou no Texas, o que fazem no delta do Rio Níger”. Os prelados acusaram também a Organização Mundial do Comércio, que sufoca a agricultura e a indústria locais, impedindo a autossubsistência. Os participantes defenderam a versão africana da Teologia da Libertação, elaborada por dois teólogos da República dos Camarões, o jesuíta Engelbert Mweng e seu discípulo Jean Marc Ela.

A esperança da Igreja se encontra nos países africanos e asiáticos, onde o catolicismo cresce, enquanto míngua na Europa e nos Estados Unidos, enquanto as seitas pentecostais crescem na América Latina. De acordo com o Vaticano, nos últimos dez anos, o catolicismo africano cresceu sete vezes mais. Inverte-se o fluxo histórico de sacerdotes. Hoje, na Itália, sede do Vaticano, 30% das paróquias contam com sacerdotes extracomunitários, na maioria procedentes dos países ao sul do Saara. A Igreja está enviando também ao Brasil sacerdotes asiáticos e africanos. Dentro de dez anos, segundo se calcula, um quarto dos habitantes da África será de batizados, enquanto na Europa não passam de 20% os que receberam o sacramento.

Há novo avanço estrangeiro sobre a África, sobretudo dos chineses. Mas se desenha, no tempo, nova aliança atlântica, bem distinta da que se formou ao norte, para a defesa do capitalismo ocidental, com a Otan. Essa aliança do Atlântico Sul, reunindo a África e a América Latina, se institucionaliza, em primeiro lugar, com a ação diplomática do governo brasileiro. O Atlântico sempre foi, mesmo nos tempos coloniais, o nosso mar comum, quando Luanda era o espelho de Salvador. Nosso entendimento com os africanos é favorecido por uma história compartilhada, a partir da fatalidade do colonialismo. A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, iniciativa de José Aparecido de Oliveira, é hoje o instrumento para a intensificação de nossas relações econômicas e culturais com o continente, a partir de Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Essa é a grande oportunidade para uma associação que pode afastar preconceitos antigos e contribuir para nova idade histórica.

O catolicismo romano se fez no sincretismo da teologia pagã com a mensagem do Evangelho. Nós temos, no Brasil, o rico amálgama do animismo africano com o catolicismo, ainda que a hierarquia se esforce em desconhecê-lo, quando não em condená-lo. Ver Deus em todas as suas criaturas – e, por que não, em todas as manifestações da transcendência – é um bom caminho para a paz. Os fariseus tinham uma pergunta para desdenhar a pregação de Cristo: “Pode alguma coisa boa vir de Nazaré?”.

É provável que alguém pense a mesma coisa da corajosa palavra dos bispos negros em Roma, embora o racismo seja o mais anticristão dos sentimentos.

A sobrevivência da Igreja Católica depende da Teologia da Libertação, na África e na América Latina, única forma de devolver os pobres a Cristo, e Cristo aos pobres.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A teoria do medo ou um discurso antigo da direita reacionária

02 de novembro de 2009 às 12:13

Wild Tales From the Reactionary Right

Conspiracy, Inc.

por ANTHONY DiMAGGIO, no
Counterpunch

A extensão completa da radicalização do movimento conservador está se tornando aparente depois de nove meses de governo Obama. Crescentemente, os comentaristas reacionários da mídia e muitos dos filiados do Partido Republicano estão levando a direita americana por um caminho perigoso, marcado pela abundância de teorias conspiratórias dirigidas contra o Partido Democrata e os liberais centristas.

Autores proeminentes vem alertando faz tempo sobre a ascensão da direita reacionária ao palco nacional. Thomas Frank lidera essas acusações com seus livros bestsellers como The Wrecking Crew: How Conservatives Rule e What’s the Matter with Kansas: How Conservatives Won the Heart of America. Os alertas de Frank são particularmente interessantes à luz da ascensão das teorias conspiratórias da direita.

Uma teoria conspiratória é definida como um plano secreto de autoridades poderosas para praticar alguma ação que seria rejeitada pelo público se o plano fosse divulgado. Teorias conspiratórias são tremendamente perigosas porque elas abandonam análises institucionais em favor de descrições exóticas do comportamento governamental. Em nenhum outro lugar esse extremismo é visto tão bem quanto no movimento "Verdade do 11 de Setembro". Em sala de aula eu tenho uma resposta padrão para alunos que querem saber sobre as teorias conspiratórias do 11 de setembro. Eu digo que a diferença entre um argumento e uma conspiração é crucial: a existência de provas. Qualquer grande teoria conspiratória requer uma falta completa de provas tangíveis, já que conspirações são por definição armações "secretas" sobre as quais o público não sabe quase nada. Essa falta de provas é mais uma razão para rejeitar essas conspirações como algo desprovido de seriedade e de rigor intelectual.

Muitos conservadores, sem dúvida motivados pelo racismo, pela xenofobia e pelo desprezo pela política multipartidária, usaram essas teorias conspiratórias em tentativas de abalar o governo Obama. Além disso, as teorias conspiratórias agora são um dos meios primários -- talvez o meio primário -- pelo qual os conservadores tentam desacreditar seus oponentes políticos. Uma avaliação das conspirações mais importantes coloca a radicalização do movimento conservador em perspectiva:

A tentativa de Limbaugh de comprar os Rams

Rush Limbaugh [porta-voz da extrema direita estadunidense] foi recentemente excluído da disputa para comprar o time de futebol americano St. Louis Rams. A tentativa de Limbaugh de se tornar parte da NFL [liga estadunidense] causou apreensão nos dirigentes, já que ela é 75% afroamericana e à luz da história de racismo de Limbaugh. Não é difícil de entender porque o público acharia Limbaugh racista considerando seus comentários:

-- "Bem, deixe-me colocar da seguinte forma: a NFL parece sempre um jogo entre os Bloods e os Crips sem usar armas. Pronto, falei". [Nota do Viomundo: Bloods and Crips são duas gangues americanas, cujos integrantes são predominantemente negros].

-- A NAACP deveria ensaiar quebra-quebras. Deveria comprar uma loja de bebidas e praticar assaltos". [Nota do Viomundo: A sigla significa Associação Nacional pelo Desenvolvimento das Pessoas de Cor].

Limbaugh gosta de cantar uma música que tem o nome "Barack, o Negro Mágico" em seu programa de rádio, embora ele se diga fortemente ressentido contra aqueles que concluem que a letra é racista. Ainda assim, acusações de racismo acabaram com o papel de Rush como comentarista da ESPN em 2003 quando ele sugeriu que o jogador Donovan McNabb, do Filadélfia Eagles, não era tudo isso e só mantinha o emprego porque a NFL queria o sucesso de jogadores negros na posição de quarterback.

Os comentários não foram aceitos no mundo do esporte, que imediatamente reconheceu que a tática de Limbaugh de gritar "racismo reverso" é, em si, racista. Presumivelmente, Limbaugh quer nos fazer acreditar que existe alguma conspiração corporativa contra jogadores brancos, apesar do fato de os afroamericanos representarem 19% dos quarterbacks [a posição de lançador, a mais importante do jogo] mas 75% do total de jogadores.

As conspirações de Limbaugh não ficam só nas acusações de racismo reverso. Quando os investidores resolveram excluí-lo do grupo, Limbaugh respondeu que o incidente era um exemplo "dos Estados Unidos de Obama". Naturalmente não há provas de alguma conspiração contra Limbaugh da parte da NFL, nem que Obama ou seus assessores tenham pressionado os investidores a tirar Limbaugh do grupo.

Longe de ser um bastião liberal dos Estados Unidos, a NFL é conhecida como uma liga politicamente conservadora. Os donos de times da NFL, por exemplo, deram duas vezes mais dinheiro em contribuições de campanha a republicanos do que a democratas nas eleições de 2008. A real razão para a rejeição de Limbaugh não tem nada a ver com uma conspiração pró-Obama, mas com o fato de que Limbaugh representa um rosto controverso para uma liga interessada em maximizar lucros e minimizar controvérsias.

É difícil fazer isso servindo a racistas quando a maioria dos jogadores da NFL é de negros. O dirigente da NFL Roger Goddell, por exemplo, explicou que a decisão da liga de rejeitar Limbaugh é resultado de seus comentários "polarizadores" sobre afroamericanos feitos no passado. O diretor executivo dos jogadores, DeMaurice Smith, explicou que a NFL "é melhor quando unifica, dando a todos nós motivo para celebrar, e quando transcende. Nosso esporte faz exatamente isso quando supera divisões e rejeita discriminação e ódio".

Obama o queniano, terrorista muçulmano

A propaganda racista sobre a cidadania de Obama e suas ligações com terrorismo radical persiste. O movimento "birther" [de birth, nascimento] ganhou grande visibilidade pública este ano -- seus membros apareceram em manifestações alegando que Obama não é cidadão dos Estados Unidos e que é um fundamentalista islâmico fanático. A atenção dada pela mídia aos integrantes do movimento conspiratório foram particularmente danosos para a imagem de Obama, como as estatísticas sugerem:

-- Antes das eleições de 2008, quase 80% dos estadunidenses tinham ouvido rumores de que Obama era muçulmano. Um em dez acreditava que Obama era muçulmano, enquanto um em três dizia não saber qual era a crença dele.

-- Em 2009, os conservadores acreditam que Obama é muçulmano 2,5 vezes mais que os democratas. Mais da metade dos republicanos acredita que Obama não é cidadão dos Estados Unidos ou está incerta sobre a cidadania do presidente.

O movimento birther ganhou fôlego em programas da mídia como Lou Dobbs Tonight e na emissora Fox News e recebeu ênfase no Congresso por parte da republicana Michelle Bachmann. O absurdo do movimento birther foi demonstrado diversas vezes, já que os documentos de Obama foram divulgados publicamente pelo estado do Havaí e verificados por grupos apartidários como o Factcheck.org.

Outros ataques contra Obama não dizem explicitamente que ele é muçulmano; eles apenas indiretamente associam Obama ao fundamentalismo islâmico. Essa tática favorita da direita reacionária foi recentemente utilizada por Sean Hannity [apresentador da Fox] que atacou Obama depois que o presidente fez um discurso no Egito sobre os ataques terroristas de 11 de setembro.

Hannity atacou Obama por "dar aos simpatizantes do 11 de setembro uma voz no palco mundial" depois que o presidente disse que "estava consciente de que ainda existe gente que questiona ou mesmo justifica o 11 de setembro. Mas sejamos claros: a al Qaeda matou quase 3 mil pessoas naquele dia. As vítimas eram homens, mulheres e crianças inocentes dos Estados Unidos e de muitas outras nações que não haviam causado dano a qualquer pessoa... Isso não é opinião a ser debatida, mas são fatos com os quais devemos lidar".

Os leitores tem razão se ficaram confusos para entender como Hannity concluiu o que concluiu, considerando as palavras de Obama. Quando alguém enxerga o mundo pelos olhos de um teórico da conspiração, os fatos são maleáveis e existem para ser manipulados com o objetivo de aprofundar preconceitos pré-existentes.

Obama, ACORN e a crise econômica

A organização que John McCain de forma conspiratória atacou como "destruidora da fábrica da democracia" não sai das manchetes da Fox News. O caso mais recente foi no programa de Glenn Beck [apresentador da Fox News] do dia 28 de outubro, na qual a ACORN [Associação de Organizações Comunitárias por Reforma Já] foi acusada por causar o colapso econômico e a recessão de 2008. O poder dos teóricos da conspiração conservadores foi demonstrado plenamente pelos comentários de Beck, reproduzidos abaixo:

"Um ano atrás, tivemos problemas com os bancos, porque as pessoas fizeram muitos empréstimos sem condições. Mas eram as casas e os automóveis pelos quais não podíamos pagar que haviam nos sido prometidos por gente de Washington. 'Não se preocupe, compre tudo. Você pode comprar esta casa. Por que viver numa casa ruim, você deveria viver nessa casa com dois carros, não seria ótimo?'. Quem disse isso? Essas pessoas [o governo] e o povo da ACORN, ok? Eles pressionaram os bancos a fazer empréstimos a gente que não podia pagar por eles, e assim tudo acabou derretendo, já que os bancos disseram às pessoas, 'não, não, essas pessoas não podem pagar suas casas'".

À luz da alegada resistência dos bancos em dar empréstimos, Beck conclui que os protestos dos "interesses especiais" representados pela ACORN foram suficientes para colocar Wall Street de joelhos, forçando os bancos a emprestar para clientes que em outras condições seriam rejeitados.

De novo, os leitores devem ser perdoados se ficarem confusos com a lógica bizarra de Beck. Qualquer pessoa que tiver familiaridade com reformas das políticas públicas sabe que a crise imobiliária de 2008 não foi resultado de alguma conspiração na qual a ACORN e o governo forçaram os bancos a emprestar para clientes ruins. Ao contrário, o governo ficou sem ação ao repelir qualquer restrição legal a empréstimos e repelir a regulamentação sobre emprestadores, enquanto o Congresso repeliu limites às fusões e aquisições bancárias (para mais sobre isso, consulte a derrubada do Glass Steagall Act de 1999) que permitiram associação entre bancos especuladores e bancos engajados em empréstimos menos arriscados.

Essa retirada da regulamentação governamental permitiu ao banqueiros de Wall Street se engajar em empréstimos sub-prime (sem monitoramento do governo sobre os papéis derivativos), que eventualmente contribuiram para o colapso financeiro e a recessão de 2008. Beck, no entanto, prefere culpar a ACORN e não os banqueiros que fizeram fortuna com empréstimos predadores a pobres -- aqueles que realisticamente nunca poderiam pagar a casa própria sem entrada e com taxas de juros flutuantes.

Obama, o Socialista

Provavelmente a teoria conspiratória mais popular é a alegação de que Obama é um socialista no armário. É claramente a mais ofensiva e absurda contra um presidente que liderou o resgate para salvar o capitalismo americano do capitalismo americano. Obama tem prometido reerguer os bancos americanos, as firmas de investimento e a indústria imobiliária de seus próprios investimentos destrutivos e especulativos. Obama deu centenas de bilhões de dólares em dinheiro público e prometeu outro trilhão de dólares em dinheiro para que bancos e financeiras limpem seus balanços dos papéis tóxicos. Nada disso é suficiente para os conservadores, que se penduram no apoio tímido de Obama à "opção pública" na reforma do sistema de saúde como prova de seu socialismo secreto.

Aliás, a opção pública [permitiria ao usuário comprar um plano de saúde organizado pelo governo federal] não tem nada a ver com socialismo, considerando que cobriria apenas aqueles indivíduos não cobertos pela indústria privada de seguros de saúde. A opção pública é tão socialista quanto qualquer outro serviço público que não dá lucro, como a educação pública, as estradas públicas, as forças policiais, os bombeiros e as bibliotecas públicas. Todos esses serviços públicos coexistem com educação, estradas e segurança privadas sem ameaçar as fundações do capitalismo. Ainda assim, esses serviços "socialistas" sempre foram alvo dos conservadores, que preferem negar acesso aos pobres em nome do "direito" ao lucro privado. Não é surpreendente, portanto, quando ouvimos sobre as ameaças "socialistas" contra o cérebro de crianças em bibliotecas públicas, assim como os ataques à "tirania" de organizações que oferecem educação pública aos desvalidos.

Há muitas outras teorias conspiratórias conservadores que podemos citar: os "campos de concentração" da FEMA [a Defesa Civil americana teria 800 campos de prisioneiros prontos para usar nos Estados Unidos] divulgados por Glenn Beck, os "comitês da morte" na reforma do sistema de saúde denunciados por Sarah Palin [vice na chapa republicana derrotada por Barack Obama, Palin sustentou que na reforma seriam instituídos comitês estatais para decidir quais pacientes teriam atendimento e quais poderiam morrer] e a maior de todas -- a alegação de que o Iraque ameaçava os Estados Unidos com a posse de armas de destruição em massa e tinha ligações com a al Qaeda.

Todas as teorias acima tem uma coisa em comum: elas capitalizam na desconfiança do público sobre o governo de maneira a desviar a atenção da análise institucional. Elas são particularmente perigosas ao convencer americanos a atacar fantasmas falsos, ao alegar que a liberdade está sob assalto por conspirações secretas planejadas e implementadas pelo Partido Democrata.

Subscrever a teorias como essas torna o discurso civilizado literalmente impossível, como qualquer pessoa que tenha discutido com um teórico da conspiração de 11 de setembro sabe. Em seu livro "Em Guerra com a Metáfora: Mídia, Propaganda e Racismo na Guerra contra o Terror" [At War With Metaphor: Media, Propaganda, and Racism in the War on Terror], Erin Steuter e Deborah Wills argumentam que a propaganda ajuda a construir inimigos imaginários.

Os autores dizem que a "propaganda não está preocupada em disseminar informação mas em provocar emoção... o intuito da propaganda não é educar mas gerar emoção e dirigir emoção, ferver o sangue para garantir que a emoção pública domine as discussões". É fácil ver como a propaganda coloca em risco o diálogo público à luz das conspirações ideológicas incoerentes que dizem que Obama é socialista, nazista ou terrorista islâmico. Ao empregar propaganda alarmista, os ativistas conservadores promovem o pior dos medos -- completamente divorciado de provas factuais de qualquer tipo.

As análises de Steuter e Will nos ajudam a entender a propaganda das teorias conspiratórias dos conservadores. O Partido Republicano e o movimento conservador tem se movido à direita por décadas e o extremismo que isso causou (muito dele guiado pela religião) é crescentemente relevante nos debates públicos e na retórica vitriólica dirigida contra a aliança democrata que está no poder em Washington.

Jacob Hacker e Paul Pierson analisam como funciona o extremismo em seu trabalho Off Center: The Republican Revolution and the Erosion of American Democracy. Eles relembram aos leitores que os ativistas do Partido Republicano se caracterizam como duas vezes mais crentes que os democratas. Além disso, a guinada à direita dos conservadores aconteceu num ritmo duas vezes maior entre os anos 60 e 2000 do que a dos liberais democratas à esquerda. O liberalismo dos ativistas democratas cresceu mais vagarosamente e declinou significativamente desde o fim dos anos 80 até o período pós-2000. Em outras palavras, os ativistas republicanos se tornaram cada vez mais reacionários em anos recentes, enquanto os democratas se tornaram centristas em sua ideologia. Diante dessa polarização, os teóricos conservadores da conspiração se tornaram cada vez mais proeminentes. Deveríamos considerar isso ao avaliar a qualidade de nossa democracia hoje e no futuro.

Anthony DiMaggio é professor de política na Illinois State University. Ele é autor de Mass Media, Mass Propaganda (2008) e When Media Goes to War (2010). Responde no e-mail adimagg@ilstu.edu

Nota do Viomundo: Na minha primeira análise do recente artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso notei isso. O texto me pareceu ilógico, mas cheio de referências a um poder difuso, obscuro, de bastidores, que teria contaminado o governo e o Estado brasileiros. O próprio presidente Lula seria, na visão de FHC, possível vítima desse "vírus". FHC fala em um subperonismo lulista mas é incapaz de narrar quais são os fatos objetivos que o levaram a concluir pela existência dele. Lula tentou a reeleição, fechou o Congresso, amordaçou a mídia? Como nota o autor do artigo que reproduzi acima, em relação aos Estados Unidos, também notei no novo discurso do ex-presidente. Ele fala à emoção das pessoas, ao preconceito existente contra sindicalistas ou petistas como se fossem vírus corrompedores da democracia brasileira. A adesão de um ex-presidente da República, intelectual de renome, a esse tipo de discurso, diz muito sobre a degradação do ambiente político brasileiro.

Reproduzido de: A lógica bizarra de FHC e as teorias conspiratórias da direita americana

Nota do história em projetos: Azenha fez outro artigo analítico de primeiríssima linha sobre o artigo do sociólogo FHC e analisou com primazia a ilustração de O Globo para o referido artigo. Luis Nassif comentou o episódio aqui e aqui e Rodrigo Vianna fez um post bem humorado a respeito do descabido artigo do ex-presidente.
E na opinião deste autora o caminho traçado por FHC é perigoso, a analogia é descabida, comparar um governo democrático com alguma tendência social ao período de censura, tortura, perseguições políticas, prisões arbitrárias, fechamento de Congresso, AI-5 e afins é esquecer todas as bases da teoria política da sociologia ou praticar má-fé.