por Mauro Santayana, no JB Online
Como tudo começou na África, é provável que na África se complete o destino humano. Os primeiros seres humanos surgiram ali. As alterações em sua aparência foram provocadas pela graduação da latitude terrestre, para onde migraram os grupos nômades. No Norte da África nasceram os assentamentos agrícolas e uma singular e pioneira civilização, a dos egípcios, no Vale do Nilo.
Durante muitos séculos, com o desenvolvimento da civilização hindu e chinesa na Ásia, e a do Mediterrâneo, que construiria o que chamamos Ocidente, a África Negra ficou isolada. Os europeus a redescobriram durante as grandes navegações, mas dela se aproveitaram na crueldade da exploração colonialista e no comércio de escravos.
Em Roma, no último fim de semana, os 247 bispos e 14 cardeais católicos da África falaram ao papa em uma linguagem nova. Durante as três semanas de deliberações, no Sínodo que os reuniu, os prelados negros assumiram o discurso antiglobalizador e atacaram claramente a política financeira mundial. O documento final aponta as consequências dessa situação, ou seja, as guerras e os conflitos, crises e caos. E critica, com vigor, “as decisões e atos de pessoas que não têm qualquer consideração pelo bem comum na cumplicidade trágica entre os responsáveis locais e os interesses estrangeiros”.
O arcebispo Onaiyekan, de Abuja, na Nigéria, foi firme e conciso: “Não posso imaginar que a British Petroleum, a Shell ou a Mobil façam, no Mar do Norte ou no Texas, o que fazem no delta do Rio Níger”. Os prelados acusaram também a Organização Mundial do Comércio, que sufoca a agricultura e a indústria locais, impedindo a autossubsistência. Os participantes defenderam a versão africana da Teologia da Libertação, elaborada por dois teólogos da República dos Camarões, o jesuíta Engelbert Mweng e seu discípulo Jean Marc Ela.
A esperança da Igreja se encontra nos países africanos e asiáticos, onde o catolicismo cresce, enquanto míngua na Europa e nos Estados Unidos, enquanto as seitas pentecostais crescem na América Latina. De acordo com o Vaticano, nos últimos dez anos, o catolicismo africano cresceu sete vezes mais. Inverte-se o fluxo histórico de sacerdotes. Hoje, na Itália, sede do Vaticano, 30% das paróquias contam com sacerdotes extracomunitários, na maioria procedentes dos países ao sul do Saara. A Igreja está enviando também ao Brasil sacerdotes asiáticos e africanos. Dentro de dez anos, segundo se calcula, um quarto dos habitantes da África será de batizados, enquanto na Europa não passam de 20% os que receberam o sacramento.
Há novo avanço estrangeiro sobre a África, sobretudo dos chineses. Mas se desenha, no tempo, nova aliança atlântica, bem distinta da que se formou ao norte, para a defesa do capitalismo ocidental, com a Otan. Essa aliança do Atlântico Sul, reunindo a África e a América Latina, se institucionaliza, em primeiro lugar, com a ação diplomática do governo brasileiro. O Atlântico sempre foi, mesmo nos tempos coloniais, o nosso mar comum, quando Luanda era o espelho de Salvador. Nosso entendimento com os africanos é favorecido por uma história compartilhada, a partir da fatalidade do colonialismo. A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, iniciativa de José Aparecido de Oliveira, é hoje o instrumento para a intensificação de nossas relações econômicas e culturais com o continente, a partir de Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Essa é a grande oportunidade para uma associação que pode afastar preconceitos antigos e contribuir para nova idade histórica.
O catolicismo romano se fez no sincretismo da teologia pagã com a mensagem do Evangelho. Nós temos, no Brasil, o rico amálgama do animismo africano com o catolicismo, ainda que a hierarquia se esforce em desconhecê-lo, quando não em condená-lo. Ver Deus em todas as suas criaturas – e, por que não, em todas as manifestações da transcendência – é um bom caminho para a paz. Os fariseus tinham uma pergunta para desdenhar a pregação de Cristo: “Pode alguma coisa boa vir de Nazaré?”.
É provável que alguém pense a mesma coisa da corajosa palavra dos bispos negros em Roma, embora o racismo seja o mais anticristão dos sentimentos.
A sobrevivência da Igreja Católica depende da Teologia da Libertação, na África e na América Latina, única forma de devolver os pobres a Cristo, e Cristo aos pobres.
Durante muitos séculos, com o desenvolvimento da civilização hindu e chinesa na Ásia, e a do Mediterrâneo, que construiria o que chamamos Ocidente, a África Negra ficou isolada. Os europeus a redescobriram durante as grandes navegações, mas dela se aproveitaram na crueldade da exploração colonialista e no comércio de escravos.
Em Roma, no último fim de semana, os 247 bispos e 14 cardeais católicos da África falaram ao papa em uma linguagem nova. Durante as três semanas de deliberações, no Sínodo que os reuniu, os prelados negros assumiram o discurso antiglobalizador e atacaram claramente a política financeira mundial. O documento final aponta as consequências dessa situação, ou seja, as guerras e os conflitos, crises e caos. E critica, com vigor, “as decisões e atos de pessoas que não têm qualquer consideração pelo bem comum na cumplicidade trágica entre os responsáveis locais e os interesses estrangeiros”.
O arcebispo Onaiyekan, de Abuja, na Nigéria, foi firme e conciso: “Não posso imaginar que a British Petroleum, a Shell ou a Mobil façam, no Mar do Norte ou no Texas, o que fazem no delta do Rio Níger”. Os prelados acusaram também a Organização Mundial do Comércio, que sufoca a agricultura e a indústria locais, impedindo a autossubsistência. Os participantes defenderam a versão africana da Teologia da Libertação, elaborada por dois teólogos da República dos Camarões, o jesuíta Engelbert Mweng e seu discípulo Jean Marc Ela.
A esperança da Igreja se encontra nos países africanos e asiáticos, onde o catolicismo cresce, enquanto míngua na Europa e nos Estados Unidos, enquanto as seitas pentecostais crescem na América Latina. De acordo com o Vaticano, nos últimos dez anos, o catolicismo africano cresceu sete vezes mais. Inverte-se o fluxo histórico de sacerdotes. Hoje, na Itália, sede do Vaticano, 30% das paróquias contam com sacerdotes extracomunitários, na maioria procedentes dos países ao sul do Saara. A Igreja está enviando também ao Brasil sacerdotes asiáticos e africanos. Dentro de dez anos, segundo se calcula, um quarto dos habitantes da África será de batizados, enquanto na Europa não passam de 20% os que receberam o sacramento.
Há novo avanço estrangeiro sobre a África, sobretudo dos chineses. Mas se desenha, no tempo, nova aliança atlântica, bem distinta da que se formou ao norte, para a defesa do capitalismo ocidental, com a Otan. Essa aliança do Atlântico Sul, reunindo a África e a América Latina, se institucionaliza, em primeiro lugar, com a ação diplomática do governo brasileiro. O Atlântico sempre foi, mesmo nos tempos coloniais, o nosso mar comum, quando Luanda era o espelho de Salvador. Nosso entendimento com os africanos é favorecido por uma história compartilhada, a partir da fatalidade do colonialismo. A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, iniciativa de José Aparecido de Oliveira, é hoje o instrumento para a intensificação de nossas relações econômicas e culturais com o continente, a partir de Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Essa é a grande oportunidade para uma associação que pode afastar preconceitos antigos e contribuir para nova idade histórica.
O catolicismo romano se fez no sincretismo da teologia pagã com a mensagem do Evangelho. Nós temos, no Brasil, o rico amálgama do animismo africano com o catolicismo, ainda que a hierarquia se esforce em desconhecê-lo, quando não em condená-lo. Ver Deus em todas as suas criaturas – e, por que não, em todas as manifestações da transcendência – é um bom caminho para a paz. Os fariseus tinham uma pergunta para desdenhar a pregação de Cristo: “Pode alguma coisa boa vir de Nazaré?”.
É provável que alguém pense a mesma coisa da corajosa palavra dos bispos negros em Roma, embora o racismo seja o mais anticristão dos sentimentos.
A sobrevivência da Igreja Católica depende da Teologia da Libertação, na África e na América Latina, única forma de devolver os pobres a Cristo, e Cristo aos pobres.
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