Sucessivos governos dizem que não têm 2% do PIB para investir em transportes, mas pagam 8% do PIB em juros |
Por: CESAR BENJAMIN
O SISTEMA produtivo dos países ricos ocupa a ponta tecnológica e é relativamente homogêneo. Neles, o aumento da produtividade depende, principalmente, da invenção de técnicas novas, um processo caro, lento e difícil. Nos grandes países intermediários, porém, como a China e o Brasil, convivem setores que apresentam níveis de produtividade muito desiguais. Essa desvantagem nos confere uma vantagem dinâmica: deslocando trabalhadores dos setores mais atrasados para os mais modernos ou modernizando setores atrasados, eleva-se a produtividade média da economia pela simples difusão de técnicas já conhecidas, um processo, em geral, muito mais fácil.
Um dos segredos do crescimento chinês é, justamente, a capacidade de usar essa vantagem do atraso. São imensos os ganhos de eficiência que nossa economia pode ter dessa maneira. Um exemplo extremo é o da matriz de transportes. No Brasil, a modalidade rodoviária -a mais cara- realiza a quase totalidade dos transportes de passageiros e a grande maioria dos de carga, com cerca de 40 mil empresas e mais de 300 mil transportadores autônomos. Os custos de operação dessa rede se aproximam de 20% do PIB, mais do dobro do percentual que se verifica nos Estados Unidos.
Um estudo da CNT e da Coppe (UFRJ), realizado em 2002, estimou que as empresas brasileiras mantinham US$ 118 bilhões parados, em excesso de estoque, por causa da inconfiabilidade do sistema de transportes. Não podiam operar "just in time". Isso mostra a importância da infraestrutura: ela transmite eficiência (ou ineficiência) ao conjunto da economia.
O Brasil deveria aproximar a sua matriz de transportes daquela que prevalece nos EUA: 20% em rodovias, 40% em ferrovias, 40% em hidrovias e cabotagem. Não só estamos muito longe disso (a cabotagem, por exemplo, tornou-se residual, apesar de termos sete regiões metropolitanas no litoral) como tendemos a nos distanciar desse objetivo: os investimentos em transportes, além de insignificantes (em média, 0,2% do PIB na última década), concentram-se justamente em rodovias.
Estamos em um círculo vicioso: o transporte rodoviário apresenta baixas barreiras à entrada (basicamente, a habilitação e o caminhão), o que gera um permanente aumento da oferta, que tende a reduzir o preço dos fretes. Resulta daí uma elevada barreira à saída, pois as dívidas dos caminhoneiros se estendem no tempo. As barreiras à entrada em ferrovias e hidrovias, ao contrário, são muito elevadas.
Deixando o setor entregue a decisões atomizadas, o modo rodoviário tende a se expandir. A soma de comportamentos racionais em termos microeconômicos aprofunda a irracionalidade macroeconômica. Para sair dessa armadilha, é preciso planejar, uma função típica de Estado, demonizada aqui há mais de 20 anos. O último Plano Viário Nacional foi elaborado ainda durante o regime militar.
Sucessivos governos dizem que não têm 2% do PIB para investir em transportes, quantia mínima necessária durante, ao menos, dez anos. São os mesmos governos que pagam mais de 8% do PIB em juros, desnecessariamente, há muito mais tempo. A alteração da matriz de transportes não exige que inventemos nada.
Mas, se realizada, teria em nossa economia o mesmo efeito de uma revolução tecnológica. Estaríamos aproveitando uma vantagem do atraso. Para isso, porém, o nosso sistema político deveria ser capaz de identificar grandes objetivos nacionais e sustentar decisões de longa maturação. Nunca estivemos tão distanciados disso. Em anos eleitorais, faremos novas operações tapa-buracos.
CESAR BENJAMIN, 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.
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