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terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Quase quatrocentos mortos e mais de mil feridos, 1,5 milhão expostos à fome e às condições submanas

Perdoem-me os leitores dos meus dois blogs por repetir alguns artigos, mas o genocídio empreendido pelos sionistas israelenses estão mobilizando-me e creio que é necessário divulgar o máximo possível, já que a imprensa tradicional é "cachorrinho de madame" como diria o grande judeu Uri Avnery.

Quem vai parar Israel?


O ano está termiando mas o terrorismo de estado segue vivo e forte. É o que se pode ver nos ataques de Israel aos palestinos da Faixa de Gaza. Com a mesma velha e já não mais crível história de combater o terror, Israel vai ampliando suas fronteira sob o fogo dos canhões. [www.iela.ufsc.br]




GAZA

por José Saramago

A sigla ONU, toda a gente o sabe, significa Organização das Nações Unidas, isto é, à luz da realidade, nada ou muito pouco. Que o digam os palestinos de Gaza a quem se lhes estão esgotando os alimentos, ou que se esgotaram já, porque assim o impôs o bloqueio israelita, decidido, pelos vistos, a condenar à fome as 750 mil pessoas ali registadas como refugiados. Nem pão têm já, a farinha acabou, e o azeite, as lentilhas e o açúcar vão pelo mesmo caminho.

Desde o dia 9 de Dezembro os camiões da agência das Nações Unidas, carregados de alimentos, aguardam que o exército israelita lhes permita a entrada na faixa de Gaza, uma autorização uma vez mais negada ou que será retardada até ao último desespero e à última exasperação dos palestinos famintos. Nações Unidas? Unidas? Contando com a cumplicidade ou a cobardia internacional, Israel ri-se de recomendações, decisões e protestos, faz o que entende, quando o entende e como o entende.

Vai ao ponto de impedir a entrada de livros e instrumentos musicais como se se tratasse de produtos que iriam pôr em risco a segurança de Israel. Se o ridículo matasse não restaria de pé um único político ou um único soldado israelita, esses especialistas em crueldade, esses doutorados em desprezo que olham o mundo do alto da insolência que é a base da sua educação. Compreendemos melhor o deus bíblico quando conhecemos os seus seguidores. Jeová, ou Javé, ou como se lhe chame, é um deus rancoroso e feroz que os israelitas mantêm permanentemente actualizado.

Cinco crianças da mesma família mortas pelo ataque israelense à Gaza nesta última semana. Fonte Vi o mundo.


Por que Israel bombardeia uma universidade?

Dr. Akram Habeeb, da Faixa de Gaza ocupada, da Palestina, 29/12/2008


Sou bolsista da Fundação Fulbright e professor de literatura norte-americana na Universidade Islâmica de Gaza. Nessa condição, sempre preferi manter-me afastado do conflito Israel-Palestina. Sempre entendi que meu dever é ensinar os valores da paz e da convivência pacífica.

Mas o ataque massivo de Israel contra a Faixa de Gaza obriga-me a manifestar-me.

Ontem à noite, durante a segunda noite de ataques de Israel a Gaza, os mais violentos de que há notícia por aqui, fui acordado pelo ruído ensurdecedor de bombardeio continuado, cerrado. Quando me dei conta de que Israel bombardeava a minha universidade, com F-16s fabricados nos EUA, vi que os "ataques seletivos" já nada tinham de seletivos.

Políticos e generais israelenses têm dito que a Universidade Islâmica de Gaza seria 'aparelho' do Hamás e que forma terroristas. É mentira.

Como professor independente, não filiado a partido político, afirmo que a Universidade Islâmica de Gaza – como as Universidades Católicas e as Universidades Pontifícias, que há no Brasil e em todo o mundo – é instituição acadêmica que abarca um larguíssimo espectro de tendências políticas. Conheço-a bem, como universidade de prestígio em todo o mundo, que estimula o liberalismo e a livre exposição e circulação de idéias.

Se meu depoimento parecer excessivamente pessoal e comprometido, convido todos a visitarem a página da UIG, na Internet (em inglês Islamic University of Gaza website), e pesquisarem sua história, seus departamentos, os estudos que se desenvolvem ali.

Lá se informarão sobre a participação da Universidade Islâmica de Gaza em inúmeras instituições acadêmicas em todo o mundo, o trabalho de pesquisa de seus professores, prêmios e bolsas de estudo e pesquisa que recebem de instituições de todo o mundo.

Por que Israel bombardearia uma universidade? Não sei.

Mas Israel ontem não bombardeou apenas minha universidade: bombardeou mesquitas, farmácias e casas de família. No campo de refugiados em Jabaliya, o bombardeio matou quatro meninas pequenas, todas da família Balousha. Em Rafah, mataram três irmãos, de 6, 12 e 14 anos. Também mataram mãe e filho, um menino de um ano, da família Kishko, na cidade de Gaza.

São atos que nada justifica, em nenhum caso. Penso no que Deus ordenou ao Povo Eleito: Não matarás. Não invadirás a casa de teu vizinho. Deus não elegeria seu povo, nem povo algum, para matar os vizinhos e roubar a terra em que todos plantam o que todos comem. As escolhas que Israel está fazendo são escolhas do governo de Israel. O governo de Israel escolheu matar palestinenses. Pratica aqui genocídio semelhante ao que outros impérios invasores e ocupantes praticaram em outras partes do mundo, contra populações autóctones. Nenhum genocídio é admissível.

O Dr. Akram Habeeb é professor assistente de Literatura Norte-americana na Universidade Islâmica em Gaza.

Pague minhas alvíssaras!

FÁTIMA OLIVEIRA


Lá, as crianças não ganhavam presentes no Natal, mas alvíssaras no Ano Novo.

Quase sempre um doce ou um mimo pra enfeitar o cabelo, a roupa. Ou um perfume.


"Pague minhas alvíssaras!" Era o que a gente dizia no primeiro dia do ano para as primeiras pessoas muito próximas, parentas ou amigas – não valia para quem morava na mesma casa – que víamos, quando crianças lá na Palestina, povoado onde nasci, hoje cidade de Graça Aranha-MA. É que naquela cultura as crianças anunciavam a "boa nova" e encontrá-las cedo no primeiro dia do ano era um sinal de que o Ano Novo seria de muita sorte.

Lá, as crianças não ganhavam presentes no Natal, mas alvíssaras no Ano Novo. Quase sempre um doce ou um mimo pra enfeitar o cabelo, a roupa. Ou um perfume. E por que alvíssaras? Porque alvíssaras (substantivo feminino plural) é prêmio que se dá a quem traz boas novidades ou entrega coisa perdida ao dono.

A lembrança veio a propósito de leituras sobre os ritos de passagem que compõem os rituais do transcurso do Ano Velho para o Ano Novo, demonstrativos das diferentes maneiras de celebrar a chegada de um novo ano, por diferentes povos e setores de uma sociedade.

Sou fascinada com os ritos de passagem que marcam a chegada do Ano Novo – lendas, crendices, simpatias e superstições, posto que encerram tradições do âmbito dos desejos em interfaces com o sobrenatural, do fazer promessas, muito mais do que firmar propósitos do tipo: "Para o ano...", que no palestinês da gema de minha nascença quer dizer "no ano vindouro", justamente no "próximo ano".

Mas em especial fico intrigada, e bate uma curiosidade antropológica profunda, com a magia de Iemanjá sobre o povo brasileiro, já que nenhuma outra divindade arrasta multidões como ela. Nenhum santo da Igreja Católica Apostólica Romana, nem mesmo qualquer dos Papas que vieram ao nosso país, que a Igreja Romana enche a boca e arrota que é o maior país católico do mundo, aglutina gente como Iemanjá. Logo, há algo a desvendar, no campo da antropologia. Assim penso.

Sei o significado de um rito e de um ritual, mas fiquei numa dúvida cruel se o correto é dizer Ritos de Ano Novo ou Rituais de Ano Novo, foi então que a história das alvíssaras brotou docemente em minha memória.

E não pude deixar de conter o riso porque vovó, matreira que só ela, antes de sair de casa, para apreciar a rua, no primeiro dia do ano, a primeira providência era mandar "espiar" quem estava passando.

Se fosse um adulto ela não saía de jeito nenhum. Se fosse uma pessoa velha ela se benzia e dizia "Cruz credo!" E não saía. Então, gente ficava pastorando para avisá-la quando despontasse alguma criança. Recordo-me dela com um vestido de dois bolsos na frente onde escondia as alvíssaras... Deliciosas recordações...

Mas vejamos as definições de rito e de ritual. RITO (s.m.) – conjunto de regras e de cerimônias que se praticam numa religião, culto ou seita. Por exemplo, o rito da Igreja romana. Em Direito, rito é o conjunto de leis adjetivas que regem o exercício de uma ação em juízo. Por exemplo, rito processual. Já RITUAL (adj.) – relativo a ritos; conforme aos ritos: sacrifício ritual. — S.m. Livro que enumera as cerimônias e ritos que devem ser observados na prática de uma religião. Conjunto desses atos e práticas; rito, cerimonial.

Fiquei quase na mesma. Mas reaprendi a distinguir que rito é substantivo e ritual é adjetivo, mas pode ser substantivo quando se refere ao conjunto dos ritos de uma dada celebração. Então, posso dizer que os Rituais de Ano Novo são compostos por diferentes ritos, pois em geral em cada país a chegada do Ano Novo é celebrada de uma maneira. Num mesmo país os rituais podem ser diferentes, a depender se é na praia, na montanha ou na roça...

No Brasil, os rituais contemporâneos exigem a presença de água, o que é, sobretudo, uma incorporação de ritos de cultos afros, com as oferendas à Iemanjá, a grande mãe (mãe de todos os orixás), que na mitologia africana é a Rainha do Mar e a Deusa do Amor, chamada também de Dona Janaína, Sereia do Mar, Princesa do Mar, Inaê, Mucunã e é também considerada a Rainha das Bruxas.

Porém no sincretismo religioso brasileiro Iemanjá é Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora da Piedade, Virgem Maria, Nossa Senhora de Candeias (que também é Oxum!), Nossa Senhora dos Navegantes, cuja data oficial é 2 de fevereiro, mas em 31 de dezembro (réveillon) Iemanjá é a grande cultuada e recebe em geral oferendas que servem à sua vaidade (ela é muito vaidosa!), tais como espelhos, sabonetes, pentes, pulseiras, colares, coroas, velas, perfumes e flores.

Iemanjá no Brasil é cultuadíssima nas cidades portuárias, por reinar sobre as águas e proteger a pesca e pescadores, todavia se constituiu num mito-fenômeno de grande poder de aglutinação e credibilidade, pois quem nela crê diz que ela leva, num passe de mágica, todos os problemas para o fundo do mar.

Não à-toa, para muita gente, em nosso país, celebrar o Ano Novo só pode ser na praia! Quando a celebração ocorre em águas doces as oferendas devem ser pra Oxum, dotada de grande poder de sedução e Rainha das Águas Doces. Mas em geral ninguém lembra... E por todo lado o que se ouve é:

"Iemanjá é a rainha do mar
Iemanjá é a rainha do mar
Salve o povo de aruanda
Salve meu Pai Oxalá
Salve Oxóssi, salve os guias
Salve Ogum Beira Mar
Iemanjá
Iemanjá é a rainha do mar
Iemanjá é a rainha do mar
Vai ter festa na aruanda
Vai ter reza no Cantuá
Vai ter gira a noite inteira
E muitas flores no mar
Iemanjá".

Iemanjá, sabe-se que é uma "Deusa da nação de Egbé, nação esta Ioruba onde existe o rio Yemojá (Iemanjá). Orixá muito respeitada e cultuada é tida como mãe de quase todos os Orixás. Por isso a ela também pertence a fecundidade."

Oxum é "Nome de um rio na Nigéria, em Ijexá e Ijebú. Segunda mulher de Xangô, deusa do ouro, riqueza e do amor. A Oxum pertence o ventre da mulher e ao mesmo tempo controla a fecundidade, por isso as crianças lhe pertencem. Dona dos rios e cachoeiras gosta de usar colares, jóias, tudo relacionado à vaidade, perfumes, etc".

Em Belo Horizonte, na lagoa da Pampulha, há uma estátua de Iemanjá, há 50 anos. Na data do cinqüentenário ( 18.08.2007) foi inaugurado o Portal da Memória, como um símbolo de proteção à Iemanjá, monumento de autoria do artista plástico Jorge dos Anjos, em memória dos orixás e conforme ele: "É um marco para Iemanjá, é um ponto de religiosidade".

Foi para Iemanjá que Edu Lobo e Vinicius de Moraes compuseram "Arrastão", celebrizada na voz de Elis Regina, que conquistou o 1º. lugar no I Festival de Música Popular Brasileira (1965):


Arrastão

Edu Lobo e Vinicius de Moraes

Eh, tem jangada no mar
Eh, eh, eh, hoje tem arrastão
Ê, todo mundo pescar
Chega de sombra João
Jovi, olha o arrastão entrando no mar sem fim
Ê meu irmão me traz Yemanjá pra mim

Minha Santa Bárbara
Me abençoai
Quero me casar com Janaína
Eh, puxa bem devagar
Eh, eh, eh já vem vindo o arrastão
Eh, é a rainha do Mar
Vem, vem na rede João
Pra mim
Valha-me Deus Nosso Senhor do Bonfim
Nunca, jamais se viu tanto peixe assim ...

Antonio Risério, no artigo "O ano-novo de Iemanjá" (2007), assim se expressou: "O que aconteceu com Iemanjá, no Brasil, é muito, muito interessante. Ela chegou em terras (e águas, claro) brasileiras aí pela segunda metade do século 18, trazida por negros nagôs – naquela época, vendidos, em boa parte, à Bahia, pelos reis do Daomé.

Mas, ainda nas décadas de 1920 e 1930, no Brasil, um poema sobre Iemanjá era tido – em nossos ambientes sociais economicamente mais privilegiados – na conta de coisa exótica, regionalismo, "pesquisa folclórica". Uma canção antiga de Caymmi – "a alodê Iemanjá oeá" – deveria soar, e soava, para determinados públicos, com algo estranho, distante. Como uma espécie qualquer de mistério remoto.

Hoje, o que a gente vê é coisa totalmente diferente. Todo mundo sabe quem é Iemanjá. Porque houve uma mudança enorme, uma transformação nas estruturas da sensibilidade brasileira. Uma mudança nas relações existentes no interior do conjunto de nossa configuração cultural. Os orixás passaram a povoar, inclusive, o cantão da assim chamada 'cultura superior'. Terreiros começaram a ser tombados, como bens preciosos do povo brasileiro, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Etc. E, no ano novo, levas e levas de brasileiros seguem para as praias, para, de algum modo, falar com a deusa do mar."

E prossegue: "É claro que a Iemanjá brasileira não é mais, exatamente, a Iemanjá africana. Nem poderia ser. A brasileira é brasileira, assim como a cubana é cubana. Mas a matriz, o desenho básico e profundo, está lá, na África. E é ela que atrai multidões para a beira do mar, no ano-novo. A Grande Mãe, com seu axé assentado sobre conchas e pedras marinhas. É ela que faz parte do rito de passagem de ano. Quando todos parecem pedir o recomeço, o renascimento, um novo começo da vida e do mundo."

Conto de Areia, de Romildo e Toninho, na inesquecível voz de Clara Nunes, é também uma música de rara beleza para Iemanjá, na condição de Deusa do Amor, mas reza a lenda que quando ela se apaixona por algum homem o leva para o fundo do mar, não permitindo que ele vivencie um amor terreno...


Conto de Areia

Romildo e Toquinho

"É água no mar
É maré cheia ô
Mareia ô, mareia


Contam que toda tristeza que tem na Bahia
Nasceu de uns olhos morenos molhados de mar
Não sei se é conto de areia ou se é fantasia
Que a luz da candeia alumia pra gente contar
Um dia morena enfeitada de rosas e rendas
Abriu seu sorriso de moça e pediu pra dançar
A noite emprestou as estrelas bordadas de prata
E as águas de Amaralina eram gotas de luar

Era um peito só
Cheio de promessa era só
Quem foi que mandou o seu amor
Se fazer de canoeiro
O vento que rola nas palmas
Arrasta o veleiro
E leva pro meio das águas
de Iemanjá
E o mestre valente vagueia
Olhando pra areia sem poder chegar


Adeus, amor
Adeus, meu amor não me espera
Porque eu já vou me embora
Pro reino que esconde os tesouros
de minha senhora
Desfia colares de conchas pra vida passar
E deixa de olhar pros veleiros
Adeus, meu amor, eu não vou mais voltar
Foi beira-mar, foi beira-mar quem chamou


Das Gerais, com votos de um 2008 de merecidos prazeres, ofereço-lhes versos de Drummond, de Vinicius, de Mario Quintana, de Manuel Bandeira, Florbela Espanca e Hilda Hilst, em cintilantes dias de sol e belos dias de chuva, pois como falou Fernando Pessoa: "Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol. Ambos existem; cada um como é".


Fátima Oliveira é médica, escritora, especialista em bioética e saúde da população negra e militante da causa negra e das mulheres.
E-mail: fatimaoliveira@ig.com.br
Fonte do texto: Portal Mário Lincoln


Encontros entre Fidel Castro e Nelson Mandela

Reproduzo este encontro histórico de dois importantes e controversos líderes mundiais, pela própria importância do fato e pela ausência de fontes sobre a questão, em especial as relações entre a revolução cubana e os processos de independência de países do continente africano.

É uma pena que o vídeo está em inglês e os trechos falados por Fidel em espanhol, mas não é um inglês difícil entender.

Se houver algum leitor do site que saiba sincronizar em vídeos do youtube as legendas em português eu agradeceria a tradução.



Carta aberta de Uri Avnery a Barack Obama sobre a paz no Oriente Médio

Reproduzo do blog do professor Idelber Avelar a carta aberta de Uri Avnery militante judeu pela paz.

terça-feira, 30 de dezembro 2008

Carta aberta de Uri Avnery a Barack Obama

avnery-arafat.jpg As humildes sugestões que se seguem são baseadas nos meus 70 anos de experiência como combatente de trincheiras, soldado das forças especiais na guerra de 1948, editor-em-chefe de uma revista de notícias, membro do parlamento israelense e um dos fundadores do movimento pela paz:

1)No que se refere à paz israelense-árabe, o Sr. deve agir a partir do primeiro dia.

2)As eleições em Israel acontecerão em fevereiro de 2009. O Sr. pode ter um impacto indireto, mas importante e construtivo já no começo, anunciando sua determinação inequívoca de conseguir paz israelo-palestina, israelo-síria e israelo-pan-árabe em 2009.

3)Infelizmente, todos os seus predecessores desde 1967 jogaram duplamente. Apesar de que falaram sobre paz da boca para fora, e às vezes realizaram gestos de algum esforço pela paz, na prática eles apoiavam nosso governo em seu movimento contrário a esse esforço.

Particularmente, deram aprovação tácita à construção e ao crescimento dos assentamentos colonizadores de Israel nos territórios ocupados da Palestina e da Síria, cada um dos quais é uma mina subterrânea na estrada da paz.

4)Todos os assentamentos colonizadores são ilegais segundo a lei internacional. A distinção, às vezes feita, entre postos “ilegais” e os outros assentamentos colonizadores é pura propaganda feita para mascarar essa simples verdade.

5)Todos os assentamentos colonizadores desde 1967 foram construídos com o objetivo expresso de tornar um estado palestino – e portanto a paz – impossível, ao picotar em faixas o possível projetado Estado Palestino. Praticamente todos os departamentos de governo e o exército têm ajudado, aberta ou secretamente, a construir, consolidar e aumentar os assentamentos, como confirma o relatório preparado para o governo pela advogada Talia Sasson.

6)A estas alturas, o número de colonos na Cisjordânia já chegou a uns 250.000 (além dos 200.000 colonos da Grande Jerusalém, cujo estatuto é um pouco diferente). Eles estão politicamente isolados e são às vezes detestados pela maioria do público israelense, mas desfrutam de apoio significativo nos ministérios de governo e no exército.

7)Nenhum governo israelense ousaria confrontar a força material e política concentrada dos colonos. Esse confronto exigiria uma liderança muito forte e o apoio generoso do Presidente dos Estados Unidos para que tivesse qualquer chance de sucesso.

8)Na ausência de tudo isso, todas as “negociações de paz” são uma farsa. O governo israelense e seus apoiadores nos Estados Unidos já fizeram tudo o que é possível para impedir que as negociações com os palestinos ou com os sírios cheguem a qualquer conclusão, por causa do medo de enfrentar os colonos e seus apoiadores. As atuais negociações de “Annapolis” são tão vazias como as precedentes, com cada lado mantendo o fingimento por interesses politicos próprios.

9)A administração Clinton, e ainda mais a administração Bush, permitiram que o governo israelense mantivesse o fingimento. É, portanto, imperativo que se impeça que os membros dessas administrações desviem a política que terá o Sr. para o Oriente Médio na direção dos velhos canais.

10)É importante que o Sr. comece de novo e diga-o publicamente. Idéias desacreditadas e iniciativas falidas – como a “visão” de Bush, o “mapa do caminho”, Anápolis e coisas do tipo – devem ser lançadas à lata de lixo da história.

11)Para começar de novo, o alvo da política americana deve ser dito clara e sucintamente: atingir uma paz baseada numa solução biestatal dentro de um prazo de tempo (digamos, o fim de 2009).

12)Deve-se assinalar que este objetivo se baseia numa reavaliação do interesse nacional americano, de remover o veneno das relações muçulmano-americanas e árabe-americanas, fortalecer os regimes dedicados à paz, derrotar o terrorismo da Al-Qaeda, terminar as guerras do Iraque e do Afeganistão e atingir uma acomodação viável com o Irã.

13)Os termos da paz israelo-palestina são claros. Já foram cristalizados em milhares de horas de negociações, colóquios, encontros e conversas. São eles:

a) estabelecer-se-á um Estado da Palestina soberano e viável lado a lado com o Estado de Israel.
b) A fronteira entre os dois estados se baseará na linha de armistício de 1967 (a “Linha verde”). Alterações não substanciais poderão ser feitas por concordância mútua numa troca de territórios em base 1: 1.
c) Jerusalém Oriental, incluindo-se o Haram-al-Sharif (o “Monte do Templo”) e todos os bairros árabes servirão como Capital da Palestina. Jerusalém Ocidental, incluindo-se o Muro Ocidental e todos os bairros judeus, servirão como Capital de Israel. Uma autoridade municipal conjunta, baseada na igualdade, poderia se estabelecer por aceitação mútua, para administrar a cidade como uma unidade territorial.
d) Todos os assentamentos colonizadores de Israel – exceto aqueles que possam ser anexados no marco de uma troca consensual – serão esvaziados (veja-se o 15 abaixo)
e) Israel reconhecerá o princípio do direito de retorno dos refugiados. Uma Comissão Conjunta de Verdade e Reconciliação, composta por palestinos, israelesnses e historiadores internacionais estudará os fatos de 1948 e 1967 e determinará quem foi responsável por cada coisa. O refugiado, individualmente, terá a escolha de 1) repatriação para o Estado da Palestina; 2) permanência onde estiver agora, com compensação generosa; 3) retorno e reassentamento em Israel; 4) migração a outro país, com compensação generosa. O número de refugiados que retornarão ao território de Israel será fixado por acordo mútuo, entendendo-se que não se fará nada para materialmente alterar a composição demográfica da população de Israel. As polpuldas verbas necessárias para a implementação desta solução devem ser fornecidas pela comunidade internacional, no interesse da paz planetária. Isto economizaria muito do dinheiro gasto hoje militarmente e a partir de presentes dos EUA.
f) A Cisjordânia, Jerusalém Oriental e a Faixa de Gaza constituirão uma unidade nacional. Um vínculo extra-territorial (estrada, trilho, túnel ou ponte) ligará a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.
g) Israel e Síria assinarão um acordo de paz. Israel recuará até a linha de 1967 e todos os assentamentos colonizadores das Colinas de Golã serão desmantelados. A Síria interromperá todas as atividades anti-Israel, conduzidas direta ou vicariamente. Os dois lados estabelecerão relações normais.
h) De acordo com a Iniciativa Saudita de Paz, todos os membros da Liga Árabe reconhecerão Israel, e terão com Israel relações normais. Poder-se-á considerar conversações sobre uma futura União do Oriente Médio, no modelo da União Européia, possivelmente incluindo a Turquia e o Irã.

14)A unidade palestina é essencial. A paz feita só com um naco da população de nada vale. Os Estados Unidos facilitarão a reconciliação palestina e a unificação das estruturas palestinas. Para isso, os EUA terminarão com o seu boicote ao Hamas (que ganhou as últimas eleições), começarão um diálogo político com o movimento e sugerirão que Israel faça o mesmo. Os EUA respeitarão quaisquer resultados de eleições palestinas.

15)O governo dos EUA ajudará o governo de Israel a enfrentar-se com o problema dos assentamentos colonizadores. A partir de agora, os colonos terão um ano para deixar os territórios ocupados e voluntariamente voltar em troca de compensação que lhes permitirá construir seus lares dentro de Israel. Depois disso, todos os assentamentos serão esvaziados, exceto aqueles em quaisquer áreas anexadas a Israel sob o acordo de paz.

16)Eu sugiro ao Sr., como Presidente dos Estados Unidos, que venha a Israel e se dirija ao povo israelense pessoalmente, não só no pódio do parlamento, mas também num comício de massas na Praça Rabin em Tel-Aviv. O Presidente Anwar Sadat, do Egito, veio a Israel em 1977 e, ao se dirigir ao povo de Israel diretamente, mudou em tudo a atitude deles em relação à paz com o Egito. No momento, a maioria dos israelenses se sente insegura, incerta e temerosa de qualquer iniciativa ousada de paz, em parte graças a uma desconfiança de qualquer coisa que venha do lado árabe. A intervenção do Sr., neste momento crítico, poderia, literalmente, fazer milagres, ao criar a base psicológica para a paz.


(esta é uma carta aberta escrita por Uri Avnery, 85 anos, ex-deputado do Knesset, soldado que ajudou a fundar Israel em 1948 e que há décadas milita pela paz. A tradução ao português é de Idelber Avelar. O obrigado pelo envio do link vai ao Daniel do Amálgama. O pedido de divulgação vai a todos os que desejam uma paz duradoura, nos termos já reconhecidos pela comunidade internacional).

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Apelo da sociedade civil palestina: boicote à política sionista do governo israelense

Resultado da política sionista:

  • 282 mortos e 900 feridos pelos F-16 de Israel
  • 100 toneladas de bombas sobre uma população civil indefesa
  • cumplicidade da União Europeia no crime
  • Apelo da sociedade civil palestina: "Cessar o massacre de Gaza – Boicotar Israel já!"

    por BNC [*]

    Hoje, 27/Dezembro/2008,o exército israelense de ocupação cometeu um novo massacre em Gaza, matando e ferindo centenas de civis palestinos, inclusive um número ainda não estabelecido de escolares que retornavam da escala quando começaram os primeiros ataques israelenses. Este último banho de sangue, se bem que mais implacável que os anteriores, não é o primeiro perpetrado perpetrado pelo Estado sionista. Ele coroa meses de um sítio israelense contra Gaza que deveria ser amplamente condenado e sancionado como um acto de genocídio contra 1,5 milhão de palestinos que vivem naquela faixa costeira.

    Gaza, 27 décembre 2008 (palestine-info.cc)

    Israel parece querer marcar o seu 60º ano de existência da mesma maneira como se instalou – a perpetrar massacres contra o povo palestino. Em 1948, a maioria da população palestina autóctone sofreu uma limpeza étnica sendo expulsa dos seus lares e das suas terras, em parte por massacres como o de Deir Yassin. Hoje, os palestinos de Gaza, cuja maior parte é constituída por refugiados, não tem mesmo a opção de procurar refúgio em outro lado. Aprisionados por trás dos muros de um gueto e acuados à beira da fome pelo sítio, eles são os alvos fáceis dos bombardeamentos cegos de Israel.

    O professor Richard Falk, relator especial do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas para os Territórios Palestinos Ocupados e professor emérito de direito internacional na Universidade de Princeton, descreveu nestes termos o cerca israelense de Gaza no ano passado, quando este ainda não era comparável em gravidade à situação actual:

    "Será um exagero irresponsável associar o tratamento dos palestinos às práticas de atrocidades colectivas dos nazis? Não creio. Os recentes desenvolvimentos em Gaza são particularmente inquietantes porque exprimem de modo evidente uma intenção deliberada da parte de Israel e dos seus aliados de submeter toda uma comunidade humana a condições da maior crueldade que põem em perigo a sua vida. A sugestão de que este esquema de conduta é um holocausto em vias de ser feito representa um apelo bastante desesperado aos governos do mundo e à opinião pública internacional para que ajam com urgência a fim de impedir que estas tendências actuais ao genocídio não conduzam a uma tragédia colectiva".

    O episódio mais brutal desta "tragédia colectiva" é o que vemos hoje

    Os crimes de guerra de Israel e outras graves violações do direito internacional em Gaza, assim como no resto dos territórios palestinos ocupados, inclusive Jerusalém, não teriam podido ser cometidos sem a cumplicidade directa ou indirecta dos governos do mundo, em particular dos Estados Unidos, da União Europeia, do Egipto e de outros regimes árabes.

    Enquanto o governo dos Estados Unidos sempre apadrinhou, financiou e protegeu da censura internacional as políticas do apartheid e coloniais de Israel contra a população autóctone da Palestina, a União Europeia mostrou-se incapaz no passado de apresentar uma cara de respeito pelo direito internacional e pelos direitos humanos universais. Esta distinção terminou efectivamente a 9 de Dezembro último, quando o Conselho da União Europeia decidiu por unanimidade recompensar o desprezo criminoso de Israel pelo direito internacional com a revalorização do Acordo de associado entre a UE e Israel. Este deduziu claramente, a partir desta decisão, que a UE tolera as suas acções contra os palestinos submetidos à sua ocupação. A sociedade civil palestina recebeu igualmente a mensagem: os governos europeus tornaram-se tão cúmplices dos crimes de guerra de Israel quanto o governo dos EUA.

    A grande maioria dos governos do mundo, particularmente no Sul, têm igualmente uma parte da responsabilidade. Continuando como de costume a fazer negócios com Israel, por acordos comerciais, compras de armas, ligações universitárias e culturais, aberturas diplomáticas, ele forneceram a base necessária para a cumplicidade das potências mundiais e, em consequência, à impunidade de Israel. Além disso, a sua inacção na ONU é indesculpável.

    O padre Miguel D'Escoto Brockman, presidente da Assembleia Geral da ONU, preconizou num discurso recente diante da Assembleia o único caminho moral a seguir pelas nações do mundo nas suas relações com Israel:

    "Há mais de 20 anos, nós, as Nações Unidas, havíamos seguido a via da sociedade civil quando havíamos acordado que eram necessárias sanções para proporcionar meios de pressão não violentos contra a África do Sul a fim de que ela ponha fim às suas violências. Hoje deveríamos considerar seguir a via de uma nova geração da sociedade civil, que apela a uma campanha não violenta semelhante de boicote, de desinvestimento e de sanções para fazer pressão sobre Israel a fim de que ponha um fim às suas violações".

    Agora, mais do que nunca, o Comité Nacional Palestino para o Boicote, o Desinvestimento e as Sanções (BNC) apela à sociedade civil internacional a que não se limite a protestar e condenar de diversas maneiras o massacre perpetrado por Israel em Gaza, mas a igualmente associar-se à campanha internacional de Boicote, Desinvestimento e Sanções contra Israel para por fim à sua impunidade e fazê-lo responsável por suas violações sistemáticas do direito internacional e dos direitos dos palestinos. Sem uma pressão sustentada e eficaz exercida pelas pessoas de consciência do mundo inteiro, Israel continuará a perpetrar gradualmente seus actos de genocídio contra os palestinos, enterrando toda perspectiva de uma paz justa no sangue e sob as ruínas de Gaza, Nablus e Jerusalém.

    Comité Nacional Palestino para o Boicote, o Desinvestimento e as Sanções (BNC)
    [Palestinian Boycott, Divestment and Sanctions National Committee, (BNC)]
    Ramalá ocupada, Palestina
    27 de Dezembro de 2008.


    [*] O Comité Nacional Palestino para o Boicote, o Desinvestimento e as Sanções (BNC) inclui as seguintesorganizações:
    Council of National and Islamic Forces in Palestine;
    General Union of Palestinian Workers;
    Palestinian General Federation of Trade Unions;
    Palestinian Non-Governmental Organizations' Network (PNGO);
    Federation of Independent Trade Unions;
    Union of Palestinian Charitable Organizations;
    Global Palestine Right of Return Coalition;
    Occupied Palestine and Golan Heights Advocacy Initiative (OPGAI);
    General Union of Palestinian Women;
    Palestinian Farmers Union (PFU);
    Grassroots Palestinian Anti-Apartheid Wall Campaign (STW);
    Palestinian Campaign for the Academic and Cultural Boycott of Israel (PACBI);
    National Committee to Commemorate the Nakba;
    Civic Coalition for the Defense of Palestinian Rights in Jerusalem (CCDPRJ);
    Coalition for Jerusalem ; and Palestinian Economic Monitor.


    Ver também: Uruk net
    Texto original em inglês: BDS Palestine
    Texto em francês: Silvia Catorri
    Versão em português: Resistir info.


    Se Gaza cair...*

    Sara Roy**

    O sítio de Gaza, por Israel, começou dia 5/11/2008, um dia depois de Israel ter atacado a Faixa, ataque feito – sem possibilidade de dúvida – para pôr fim à trégua estabelecida em junho entre Israel e o Hamás. Embora os dois lados tenham violado antes o acordo, nunca antes acontecera qualquer violação em tão grande escala. O Hamás respondeu com foguetes, e desde então a violência não recrudesceu.

    Com o sítio, Israel visa a dois principais objetivos. Um, reforçar a idéia de que os palestinos são problema exclusivamente humanitário, como pedintes, mendigos sem qualquer identidade política e, portanto, sem reivindicações políticas. Segundo, impingir a questão de Gaza, ao Egito.

    Por isso, os israelenses toleram as centenas de túneis que há entre Gaza e o Egito, pelos quais começou a formar-se um setor comercial informal, embora cada vez mais regulado. A muito grande maioria dos habitantes da Faixa de Gaza vive em condições de miséria, com 49,1%, estatísticas oficiais, de desempregados. De fato, os habitantes de Gaza já sabem que está desaparecendo rapidamente, para todos, qualquer possibilidade real de emprego.

    Dia 5/11, o governo de Israel fechou todas as vias de entrada e saída de Gaza. Comida, remédios, combustível, peças de reposição para as redes de energia, água e esgoto, adubo, embalagens, telefones, papel, cola, calçados e até copos e xícaras não entram nos territórios ocupados em quantidade suficiente, ou absolutamente não há.

    Conforme relatórios da Oxfam, apenas 137 caminhões com alimentos entraram em Gaza no mês de novembro de 2008. Em média, 4,6 caminhões/dia; em outubro de 2008, entraram em média 123; em dezembro de 2005, 564. As duas principais organizações que levam comida a Gaza são a UNRWA, Agência de Ajuda Humanitária da ONU para os Refugiados Palestinos e o Oriente Médio; e a WFP, "Programa Alimento para o Mundo". A UNRWA alimenta aproximadamente 750 mil palestinos em Gaza (cerca de 15 caminhões/dia de alimentos). Entre 5/11 e 30/11, só chegaram 23 caminhões, cerca de 6% do mínimo indispensável; na semana de 30/11, chegaram 12 caminhões, 11% do mínimo indispensável. Durante três dias, em novembro, a UNRWA esteve totalmente desabastecida – e 20 mil pessoas não receberam a única comida com que contam para matar a fome. Nas palavras de John Ging, diretor da UNRWA em Gaza, praticamente todos os atendidos pela organização dependem completamente do que recebem, seu único alimento. Dia 18/12, a UNRWA suspendeu completamente a distribuição de alimento, dos programas regulares e dos programas de emergência, por causa do bloqueio israelense.

    A WFP enfrenta problemas semelhantes; conseguiu enviar apenas 35 caminhões, dos 190 previstos para atender as necessidades da Faixa de Gaza até o início de fevereiro de 2009 (mais seis caminhões conseguiram chegar a Gaza, entre 30/11 e 6/12). E não é só: a WFP é obrigada a pagar pelo armazenamento dos alimentos que não podem ser enviados a Gaza. Só em novembro, pagou 215 mil dólares. Se Israel mantiver o sítio a Gaza, a WFP terá de pagar mais 150 mil dólares pelo armazenamento dos alimentos, no mês de dezembro, dinheiro que deveria ser usado para auxiliar os palestinos, mas está entrando nos cofres de empresas israelenses de armazenamento.

    A maioria das padarias comerciais em Gaza (30, de 47) foram obrigadas a fechar as portas por falta de gás de cozinha. As famílias estão usando qualquer tipo de combustível que encontrem, para cozinhar. Como a FAO/ONU já informou, o gás é indispensável para manter aquecidos os criadouros de aves. A falta de gás e de rações, já levou à morte milhares de galinhas e frangos. Em abril, conforme a FAO, já praticamente não haverá galinhas e frangos em Gaza – e para 70% dos palestinos, carne e ovos de galinha são a única fonte de proteína.

    Bancos, impedidos por Israel de operar nos territórios ocupados, fecharam as portas dia 4/12. Num deles há um aviso, em que se lê: "Por decisão da Autoridade das Finanças na Palestina, o banco permanecerá fechado hoje, 4/12/2008, 5ª-feira, por falta de numerário. O banco só reabrirá quando voltar a receber moeda."

    O Banco Mundial já antecipara que o sistema bancário em Gaza entraria em colapso se as restrições continuassem. Todo o fluxo de dinheiro para os programas foi suspenso, e a UNRWA suspendeu a assistência financeira a outros subprogramas, para os mais necessitados, dia 19/11. Também está paralisada a produção de livros didáticos e cadernos, porque não há papel, tinta de impressão e cola, em Gaza. Com isso, 200 mil estudantes serão afetados, ano que vem, no início das aulas.

    Dia 11/12, o ministro da Defesa de Israel, Ehud Barak, enviou 25 milhões de dólares para o sistema bancário na Palestina, depois de um apelo do primeiro-ministro palestinense, Salaam Fayad; foi a primeira remessa, desde outubro. Não bastará nem para pagar o mês de salários atrasados dos 77 mil funcionários públicos de Gaza.

    Dia 13/11, foi suspensa a operação da única estação de energia elétrica que opera em Gaza; as turbinas foram desligadas por absoluta falta de diesel industrial. As duas turbinas movidas a bateria 'caíram' e não voltaram a funcionar dez dias depois, quando chegou um único carregamento de combustível. Cerca de 100 peças de reposição, encomendadas para as turbinas, estão há oito meses no porto de Ashdod, em Israel, a espera de que as autoridades da alfândega israelense as liberem. Agora, Israel começou a leiloar as peças não liberadas, porque permanecem há mais de 45 dias no porto. Tudo feito conforme a legislação de Israel.

    Durante a semana de 30/11, 394 mil litros de diesel industrial foram liberados para a estação de produção de energia: aproximadamente 18% do mínimo que Israel está legalmente obrigado a fornecer. Foi suficiente apenas para fazer funcionar uma turbina, por dois dias, antes de a estação ser novamente fechada. A Gaza Electricity Distribution Company informou que praticamente toda a Faixa de Gaza ficará sem eletricidade por períodos que variarão entre 4 e 12 horas/dia. Em vários momentos, haverá mais de 65 mil pessoas sem eletricidade.

    Nem mais uma gota de óleo diesel (para geradores e para transporte) foi entregue essa semana (como já acontece desde o início de novembro); nem de gás de cozinha. Os hospitais em Gaza estão operando, ao que parece, com diesel e gás recebido do Egito, pelos túneis; ao que se diz, são produtos administrados e taxados pelo Hamás. Mesmo assim, dois hospitais em Gaza estão sem gás de cozinha desde 23/11.

    Além dos problemas diretamente causados pelo sítio israelense, há os problemas criados pelas divisões políticas entre a Autoridade Palestina na Cisjordânia e a Autoridade do Hamás, em Gaza. Por exemplo, a CMWU, que fornece água para a região costeira de Gaza, que não é controlada pelo Hamás, é financiada pelo Banco Mundial via a Autoridade Palestina para a Água (PWA) em Ramállah; o financiamento destina-se a pagar o combustível para as bombas do sistema de esgotos de Gaza. Desde junho, a PWA tem-se recusado a liberar o dinheiro, aparentemente porque entende que o funcionamento dos esgotos beneficiaria o Hamás. Não sei se o Banco Mundial tentou alguma intervenção nesse processo, mas, por hora, a UNRWA está fornecendo o combustível necessário, embora não tenha orçamento para essa finalidade. A CMWU também pediu autorização a Israel para importar 200 toneladas de cloro; até o final de novembro recebeu apenas 18 toneladas – suficiente para o consumo de uma semana de água clorada. Em meados de dezembro, a cidade de Gaza e o norte da Faixa só tinha água por seis horas, a cada três dias.

    Segundo a Organização Mundial de Saúde, as divisões políticas entre Gaza e a Cisjordânia também têm tido sério impacto sobre o abastecimento de remédios em Gaza. O ministério da Saúde da Cisjordânia (MOH) é responsável por comprar e distribuir quase todos os produtos farmacêuticos e cirúrgico-hospitalares usados em Gaza. E todos os estoques estão perigosamente baixos. No mês de novembro, várias vezes o ministério devolveu carregamentos recebidos por via marítima, por não haver espaço para armazenamento; apesar disso, nada tem sido entregue em Gaza, em quantidades suficientes. Na semana de 30/11, chegou a Gaza um caminhão com remédios e suprimentos médios, enviado pelo MOH em Ramállah; foi o primeiro, desde o início de setembro.

    Está acontecendo aí, ante nossos olhos, a destruição de toda uma sociedade – e nenhum clamor se ouve, além dos avisos da ONU, que são ignorados pela comunidade internacional.

    A União Européia anunciou recentemente que deseja estreitar relações com Israel, pouco depois de as autoridades israelenses terem declarado abertamente que preparam a invasão, em larga escala, da Faixa de Gaza e de terem apertado ainda mais o bloqueio econômico, com o apoio, já nada tácito, da Autoridade Palestina em Ramállah. Essa, vê-se, está colaborando com Israel, em várias medidas. Dia 19/12, o Hamás deu oficialmente por encerrada a trégua (que Israel declarou que estaria interessado em renovar), porque Israel não suspendeu (nem diminuiu) o bloqueio.

    Por quê, como, em que sentido, negar alimento e remédios à população de Gaza ajudaria a proteger os israelenses?

    Por quê, como, em que sentido, o sofrimento das crianças de Gaza – mais de 50% da população são crianças! – beneficiaria alguém?

    A lei internacional – e a decência humana – exigem que essas crianças sejam protegidas. Se Gaza cair, cairá depois, a Cisjordânia.


    * "If Gaza falls...", Sara Roy, London Review of Books, 1/1/2009, em http://www.lrb.co.uk/v31/n01/roy_01_.html © LRB. Tradução de Caia Fittipaldi, sem valor comercial, para finalidades didáticas.

    ** Professora do Harvard’s Center for Middle Eastern Studies. Autora de Failing Peace: Gaza and the Palestinian-Israeli Conflict.

    As fotos da morte e destruição em Gaza foram extraídas de: Guardian

    Dois discursos dissonantes sobre os ataques israelentes aos palestinos na Faixa de Gaza

    URI AVNERY, 85: o homem da Paz*

    "A imprensa já não é cão-de-guarda. A imprensa, hoje, é cachorrinho-de-madame, que procura a coleira e a traz nos dentes, para entregá-la à patroa."
    (Uri Avnery, dez. 2008)


    Quem tenha a sorte de chegar aos 85 anos com boa saúde e boa cabeça, muitas vezes prefere olhar para trás, seja com tristeza seja com satisfação, e fazer algum balanço dos anos que viveu. Uri Avnery, afiadíssimo, definitivamente prefere olhar à frente, otimista e confiante. "É meu otimismo genético", diz ele. Não passa nem sombra de sorriso em seu rosto, quando lhe perguntam sobre o país em que estará vivendo daqui a dez anos. Sua mãe chegou aos 95 anos, e ele está decidido a bater o recorde de uma família que chegou à Alemanha, ele conta, com Júlio César. O decano dos combatentes pela paz em Israel não tem dúvidas de que estará presente, na festa que celebrará a paz entre israelenses e palestinenses.

    "Ao longo da vida vi acontecer as coisas mais inesperadas; vi Hitler subir ao poder e vi o amargo fim de Rommel em El Alamein," diz um dos mais conhecidos judeus-alemãos da história de Israel. "Mas se se vive de cabeça baixa, olhando os próprios pés, morre-se de tristeza. Então, sempre ergo a cabeça e olho à frente. "

    Esse otimismo, Avnery o arranca de tanto observar o longo caminho que os israelenses já percorreram, desde quando apoiavam a idéia de uma "grade pátria de Israel", até hoje, quando a opinião pública em Israel já não admite a presença de colonos judeus nos territórios palestinos; também, diz ele, de ver o longo caminho que os norte-americanos andaram, do presidente Bush, branco e conservador, até o presidente eleito Barack Obama, negro e liberal.

    Quando tantos, aos 85 anos, brincam com os bisnetos, Avnery lidera seus companheiros do Grupo da Paz, Gush Shalom, em manifestações contra o muro da separação em Bilin, faz conferências no exterior e, sobretudo, jamais pára de escrever. O artigo que publica semanalmente é traduzido para várias línguas, entre as quais o árabe e o português, e é distribuído pela internet a dezenas de milhares de leitores, em todo o mundo.

    A esposa, Rachel, sempre ao seu lado, diz que não se arrependem de terem decidido não ter filhos. Para o simpósio em homenagem a Avnery, que se realiza essa semana, passou-lhe pela cabeça a idéia de que teria sido lindo ter uma neta que entregasse um ramo de flores a Uri. Mas se tivessem tido filhos, teria sido muito mais difícil para ele esconder-se entre as rodas dos jipes militares, ou viajar para Beirute, no calor da hora, durante a primeira guerra do Líbano.

    Vê-se, em Uri Avnery, bem pouco de ceticismo, essa preciosa qualidade. Diz Rachel: "tenho um punhado de 'quases' que salpico nos 'absolutos' dele." Avnery não tem qualquer dúvida (nem Rachel) de que a Israel do primeiro-ministro Ariel Sharon assassinou seu bom amigo Yasser Arafat. Quando Uri e Rachel encontraram-se com o líder palestino, poucas semanas antes de ele morrer, Arafat parecia estar muito bem. Até hoje, ainda não há qualquer explicação oficial sobre a misteriosa doença que o teria matado. Avnery não tem qualquer dúvida sobre quem tinha o motivo, os meios e a oportunidade para livrar-se de Arafat sem deixar pistas – pelo mesmo método que os espiões do Mossad usaram para tentar assassinar Khaled Meshal, líder do Hamás, e que os russos parecem ter usado para livrar-se do espião Alexander Litvinenko.

    Jamais ocorreu a Avnery que Arafat possa ter-lhe ocultado suas reais intenções e que talvez o tenha seduzido e cooptado. Não. O ativista pela paz tem certeza de que conheceu Arafat melhor do que o próprio Arafat se conhecia ele-mesmo, e não duvida de que, se os dois, o líder palestino e Yitzhak Rabin, não tivessem sido assassinados, teriam conseguido fazer dos acordos de Oslo um verdadeiro acordo de paz.

    Rachel Avnery exibe com orgulho uma grande fotografia em que Avnery e Arafat aparecem lado a lado, de mãos dadas, erguidas. Não há foto de Avnery com Máhmude Abbas (Abu Mazen), presidente da Autoridade Palestina. Avnery foi considerado "homem de Arafat" e, portanto, desde a alegada tentativa de envenenamento, as portas da Muqata, em Ramállah, têm estado fechadas para ele. Para Avnery, Abu Mazen tem mais traços de diretor de escola, que de líder carismático.

    Avnery está convencido de que é possível chegar a um acordo de paz com o Hamás. Há anos, os manifestos que o Grupo da Paz publica na imprensa israelense insistem sobre a necessidade de Israel criar condições de conversação com Ismail Haniyeh, líder do Hamás em Gaza. Para Avnery, Haniyeh não precisa reconhecer o Estado judeu. Dependesse de Avnery, abrir-se-iam já canais de conversação também com o presidente do Iran, Máhmude Ahmadinejad – e ele não duvida de que essas conversações acontecerão, mais dia, menos dia. Quem algum dia supôs que o império russo ruiria e que o Muro de Berlim viria abaixo?

    Ehud Barak é imperdoável

    A janela da pequena sala de trabalho de Avnery em Telavive abre para o prédio quadrado que abriga o ministério da Defesa e o ministro da Defesa, Ehud Barak, que Avnery chama de "criminoso anti-paz". O homem que dedicou toda sua vida política e de jornalista para conscientizar os israelenses sobre as possibilidades de viver em paz com os palestinos ("Mudar a mentalidade", diz ele, "é 80% da história"), não perdoa Ehud Barak pelo pecado de ter dito aos israelenses que os árabes jamais seriam "parceiros" e que, portanto, Israel "não tem parceiros para a paz".

    Algumas das características de Avnery, de fato, são como o contraponto da alienação que Barak irradia. "A esquerda admira idéias e a direita só admira o poder", diz. "Poder sem idéias nada vale, mas idéias sem poder tampouco valem grande coisa." A paz será quase inalcançável, se não se conseguir persuadir as pessoas a enfrentarem os sacrifícios necessários para que tenhamos paz. A paz é valiosa e, portanto, exige sacrifícios. A noção de que os árabes não seriam "parceiros" de Israel, na luta de todos pela paz – idéia que Barak introduziu na opinião pública – tornou ainda mais difícil a luta pela paz.

    Para Avnery, a esquerda ainda confia demais na lógica, e carece de inteligência emocional. Ele orgulha-se de ter dito que, em política, é irracional ignorar a irracionalidade; muitas vezes, a irracionalidade domina qualquer racionalidade. O fracasso da esquerda, sugere, deriva da incapacidade da esquerda para romper o código do apoio irracional que a direita encontra entre os mais pobres em Israel, por exemplo, dos Mizrahim[1] e dos russos migrados da ex-URSS, que apóiam os partidos da direita.

    "É impossível introduzir a idéia de paz em Israel, se não falarmos a todos os israelenses", diz. O homem de quem se diz que seria "narcísico e insensível", acrescenta: "A mensagem tem de ser emocional." E continua, falando com seu conhecido sotaque de judeu-alemão: "Achamos que nós podemos cozinhar melhor o frango e servi-lo mais bem servido. É hora de substituir a arrogância elitista dos asquenazes por linguagem e conceitos que toquem todos os israelenses e lhes digam alguma coisa." Diz que a esquerda precisa encontrar um líder Mizrahi[2]. (Amir Peretz? "Cheguei a pensar que sim, mas antes do verdadeiro profeta, sempre aparecem falsos profetas.")

    "A cultura dos judeus é tecido misto, entretecido com a cultura islâmica, desde o Rambam[3] e Judah Halevi[4]", continua Avnery, "e a mensagem da paz é acolhida com muita naturalidade por judeus que tenham vivido em sociedades muçulmanas."

    Garotas e biquinis

    Um dos resultados da recente convenção do partido Meretz é que o jornalista Nitzan Horowitz aparece em terceiro lugar na lista eleitoral para as eleições do Parlamento. Com todo o respeito ao talentoso repórter de TV, Avnery não acredita que a salvação da esquerda virá de duas ou três "estrelas de televisão" que ganhem ou não ganhem algumas cadeiras. "A esquerda de Israel tem de chegar ao poder. É a única via possível para implementarmos nossas idéias. Depois de Obama ter sido eleito, pode-se falar, assim, mais claramente, sem parecer otimista iludido."

    Avnery não entende que tantos surpreendam-se tanto com jornalistas buscarem assento no Parlamento. Ha'olam Hazeh – revista semanal que Avnery editou, que já não existe e que teve o mesmo nome do partido também fundado por ele – foram, na opinião dele, dois instrumentos para um único e mesmo objetivo: pôr fim ao conflito entre israelenses e palestinenses. Para Avnery, sempre foi natural discursar no Parlamento pela manhã e escrever editoriais à tarde. Quanto a isso, diz ele, não há nem jamais houve qualquer problema.

    A revista Ha'olam Hazeh foi "a mãe" do jornalismo "alternativo" em Israel. A capa negra com garotas de biquini serviu, diz ele, como instrumento legítimo para atrair os jovens, oferecendo-lhes artigos com melhor análise política e boas matérias investigativas sobre corrupção e corruptos.

    "Sempre gostamos da idéia de quebrar, um depois do outro, os principais tabus da sociedade israelense", Avnery sorri. "Naquele momento, não havia jornal nem revista no mundo que desafiasse praticamente todas as instituições do 'consenso' e que, ao mesmo tempo, fosse lido em todos os salões de beleza e salas de espera de dentista."

    A idéia de os políticos deverem ser tratados com cuidado (como "limão judeu"[5] – referência à presumida tendência de alguns jornalistas de se encherem de cuidados ao criticar os políticos, atentos sempre a não os apertar 'demais', como se recomenda que se faça com o limão judeu, nas festividades do Sucot) jamais passou pela porta da redação da revista de Avnery. Ele diz que ainda lembra vagamente de nada ter publicado sobre uma conta em dólares de Yitzhak Rabin, em 1977 (matéria que, depois, foi publicada no Haaretz), exclusivamente porque não vê que importância tenha o fato de um ex-embaixador esquecer de encerrar uma conta em banco no exterior. Dan Margalit, o repórter que lhe levou aquela matéria, como vários outros hoje destacados profissionais do jornalismo israelense, iniciou sua carreira na revista Ha'olam Hazeh.

    Avnery lembra a cor do biquini de crochê da bela moça que saiu da água, há 30 anos, e subiu ao barco em que ele velejava no Mar Vermelho, dizendo que queria escrever uma coluna regular na Ha'olam Hazeh. Chamava-se Odetta – Odetta Danin – e escreveu, por muitos anos, uma coluna de dicas úteis e de conselhos em geral. Odetta, hoje, é jornalista de uma revista de grande circulação, a Maariv.

    Avnery também lembra do encontro com o primeiro-ministro Yitzhak Rabin, quando Rabin reclamou muito de ele estar espantando as pombas do partido no poder (os escândalos Yadlin, Ofer e Levinson, em meados dos anos 70, que antecederam a queda do "Alinhamento", antecessor do Partido Labor de hoje). Ainda que estivesse convencido de que o primeiro-ministro Ehud Olmert estivesse pronto para assinar um acordo de paz com os países árabes, ainda assim Avnery insistiria em que fosse processado e julgado por seus crimes. Para ele, "a imprensa já não é cão-de-guarda. A imprensa hoje é cachorrinho-de-madame, que procura a coleira e a traz nos dentes, para entregá-la à patroa."


    * "Peace warrior", no aniversário de 85 anos de Uri Avnery. Por Akiva Eldar.
    © 2008, Haaretz, Telavive, 25/12/2008, em http://haaretz.com/hasen/spages/1050153.html . Tradução de Caia Fittipaldi, sem valor comercial, para finalidades didáticas.

    [1] Judeus descendentes de árabes do Oriente Médio. A palavra, aí, é usada do plural. NT.

    [2] Judeu descendente de árabes do Oriente Médio. A palavra aí é usada no singular. NT.

    [3] Rabino Moshê ben Maimon, também chamado Maimônides e Ramban, nasceu em 1135, em Córdoba. É autor de comentários aos dois Talmud, o de Jerusalém e o da Babilônia. Para saber mais, ver http://www.jewishvirtuallibrary.org NT.

    [4] Nascido em Toledo, em 1086, é reverenciado como o maior poeta hebreu de seu tempo. Para saber mais, ver http://www.jewishvirtuallibrary.org NT.

    [5] No orig. etrog (heb.), espécie de fruto cítrico usado nas festas do Sucot. Essa espécie de fruto tem formato de coração e um pedúnculo numa das extremidades, que tem de ser mantido intacto até o final das cerimônias. Daí o que diz o texto, sobre "manusear com cuidado o limão". Para saber mais, ver http://www.morasha.com.br/conteudo/ed38/etrog.htm NT.



    Israel monta campanha de mídia, para culpar o Hamás pela destruição de Gaza

    (In Guardian, UK, 28/12/2008, 15.45 GMT, em http://www.guardian.co.uk/world/2008/dec/28/israel-gaza-hamas)

    Israel montou ampla campanha de mídia [que ingleses e norte-americanos chamam de "public relations (PR) campaign"] para convencer corações & mentes em todo o planeta, de que o Hamás é culpado pela morte e destruição que o mundo está assistindo pelos noticiários de televisão.

    Para evitar que se repetisse a onda de crítica, em todo o mundo, que atingiu Israel no início de 2008, quando Israel invadiu Gaza para prender militantes que lançavam foguetes de quintal – brincadeira de criança, comparada ao brutal ataque hoje em curso –, Israel decidiu precaver-se.

    "No passado, nosso primeiro-ministro recebia telefonemas de funcionários e políticos. Quando dizíamos a eles "Vocês entendem nossa reação, não é? Não podemos admitir aqueles foguetes que..." eles respondiam "Que foguetes?!" Não tinham qualquer informação sobre nossos problemas", disse o porta-voz do governo israelense, Yigal Palmor.

    Então, enquanto os chefes-da-guerra armavam seus aviões-bombardeiros, o ministério do Exterior preparava ampla campanha de divulgação, para conter as críticas contra o assalto à Palestina, que viria no sábado.

    Todos os diplomatas israelenses tiveram o fim-de-semana suspenso e foram chamados às embaixadas. E foi montado em Sderot, junto à fronteira norte de Gaza, um centro de imprensa, multilíngue, para o qual foram convocados jornalistas do mundo inteiro.

    Em Telavive, a ministra do Exterior, telefonou a David Miliband, secretário de Relações Exteriores da Inglaterra; a Condoleezza Rice, secretária-de-Estado dos EUA; a Ban-ki-Moon, secretário-geral da ONU; a Javier Solana, chefe de política internacional da União Européia, e aos ministros do Exterior da Rússia, da China, França e Alemanha.

    Ontem, no centro de imprensa de Sderot, Tzipi Livni falou a 80 representantes de países e a altos funcionários de suas embaixadas.

    "Concluímos que é essencial divulgar o contexto no qual estamos tomando as necessárias decisões em Israel, e que os acontecimentos seguem uma sequência lógica" – disse Palmor.

    Para Israel, a "sequência lógica que levou ao brutal bombardeio da Faixa de Gaza não começa pela ocupação de território palestinense, em 1967 – única sequência lógica que os palestinenses bombardeados conhecem.

    Para Israel, a "sequência lógica" começa há três anos, com a decisão de retirar os acampamentos militares e as colônias de civis da área da Faixa de Gaza.

    "Poderíamos começar por 1948 [ano em que a Palestina foi dividida, para criar Israel] mas queremos concentrar-nos na situação atual. Comecemos, então, pela retirada, em 2005" – prosseguiu o porta-voz. – "Palestinos militantes chegaram a dizer que a evacuação seria vitória sua, resultado dos ataques de foguetes e fogo continuado, sobre cidades do sul de Israel."

    Depois de cercar Gaza – o chamado "Muro da Vergonha", na Palestina – antes de retirar-se da Faixa, Israel passou a impor um bloqueio cada vez mais forte, que impedia, no final de 2005, que quem trabalhasse em Gaza entrasse em território israelense; em 2006, foi bloqueado todo o tráfego de caminhões e o abastecimento; finalmente, em meados de 2007, foram bloqueados até os caminhões de ajuda humanitária.

    Perguntado sobre se a campanha de propaganda internacional estaria dando resultado, o porta-voz respondeu que ainda é cedo para avaliar.

    Seja como for, os ataques começaram no sábado, no mesmo momento em que matérias que repetiam a fala ouvida no centro de imprensa de Sderot passavam a ser repetidas, sem alteração, em todo o mundo.

    Condoleezza Rice culpou o Hamás "por quebrar o pacto de cessar-fogo e pelo reinício da violência". Máhmude Abbas, presidente da Autoridade Palestina, disse que os bombardeios poderiam ter sido evitados.

    "Sabíamos que havia esse perigo e que teríamos de evitar qualquer pretexto que Israel pudesse usar", disse Abbas ontem, enquanto posseguia o bombardeio sobre Gaza.



    (Ambos textos reproduzidos do site Viomundo

    domingo, 28 de dezembro de 2008

    Existe outro termo que não o Genocídio para denominar as ações de Israel contra os palestinos?

    Imagem capturada do site da Al Jazeera. No centro a foto tirada pela Al Jazeera de protesto de palestinos em frente a embaixada dos EUA em Berlim contra o cerco a Gaza empreendido pela política segregacionista de Israel. O garotinho palestino segura uma charge de Carlos Latuff.

    O professor de Direito internacional da Universidade de Princeton e relator especial da ONU sobre os territórios palestinos, Richard Falk, tem acusado Israel de violar o direito internacional, as leis humanitárias internacionais e a Convenção de Genebra. Ele descreve as políticas de Israel contra os palestinos e seu cerco de Gaza como "crimes de guerra", "tendências" genocidas, e "holocausto-in-the-making". Ele instou o Tribunal Penal Internacional para estudar a possibilidade de acusar de crimes de guerra os dirigentes israelitas.

    Quando Latuff recria a clássica foto do menino judeu diante das armas nazistas em uma de suas charges mais contundentes, a comunidade sionista o discrimina e o acusa de anti-siemita, mas como ficarmos de olhos fechados diante das ações genocidas de Israel??????????????



    Como ficar impassível diante de caça israelense F16 que sobrevoa a região da Faixa de Gaza e a bombardeia indiscriminadamente; como ficar impassível diante do lançamento de mais de 20 mísseis contra cidades da região? Como ficar impassível diante do assassinato de mais de 208 pessoas?????????????



    Sáb, 27 Dez, 05h06

    Por Nidal al-Mughrabi

    GAZA (Reuters) - Aviões e helicópteros de combate israelenses bombardearam a Faixa de Gaza neste sábado, deixando pelo menos 208 mortos no território controlado pelo Hamas, num dos dias mais sangrentos para os palestinos em 60 anos de conflito com Israel.

    Militantes palestinos responderam lançando foguetes que mataram um israelense e feriram muitos outros, de acordo com médicos da região.

    "Há sangue por todo lugar, há feridos e mártires em todas as casas e em todas as ruas. Gaza hoje foi decorada de sangue... Pode haver mais mártires e pode haver mais feridos, mas Gaza nunca será destruída e nunca vamos nos render", acrescentou Haniyeh. [Ismail Haniyeh, líder do governo do Hamas na Faixa de Gaza]

    Os militares israelenses disseram que os alvos dos ataques eram "infra-estrutura terrorista". O primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, disse que a operação militar "pode levar tempo" e uma fonte militar israelense afirmou que a campanha pode ser ampliada e incluir forças terrestres.

    "Não temos limite de tempo e estamos determinados a fazer o que for preciso, incluindo todas as nossas opções, por ar ou por terra", disse o militar israelense a repórteres.

    O Hamas informou que pelo menos 100 membros das forças de segurança do grupo foram mortas, além de pelo menos 15 mulheres e crianças, e prometeu vingar o que chamou de "carnificina israelense".


    Corpos de palestinos mortos do lado de fora do escritóro de segurança do grupo islâmico Hamas, um dos alvos do ataque aéreo com mísseis feitos por Israel contra a Faixa de Gaza. Mohammed Abded/AFP

    "Não vamos deixar nossa terra, não vamos levantar bandeiras brancas e não vamos ficar de joelhos, exceto diante de Deus", disse Ismail Haniyeh, líder do governo do Hamas na Faixa de Gaza, a um site da Internet.

    "Há sangue por todo lugar, há feridos e mártires em todas as casas e em todas as ruas. Gaza hoje foi decorada de sangue... Pode haver mais mártires e pode haver mais feridos, mas Gaza nunca será destruída e nunca vamos nos render", acrescentou Haniyeh.

    Uma fumaça negra e espessa tomou o céu sobre a Cidade de Gaza, onde mais de 30 ataques foram realizados, destruindo várias instalações policiais do Hamas, incluindo duas onde aconteciam cerimônias de formatura de novos recrutas.

    Imagens de TV mostravam corpos no chão, e mortos e feridos sendo carregados do local. Vários edifícios foram atingidos.

    Entre os mortos estavam o chefe de polícia nomeado pelo Hamas, Tawfiq Jabber, o chefe de segurança do Hamas e o governador da região central de Gaza, de acordo com funcionários dos serviços médicos. Segundo médicos de Gaza, o número de palestinos mortos chega a pelo menos 205.

    O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, disse que a ofensiva aérea israelense era "criminosa" e pediu intervenção da comunidade internacional. A Liga Árabe informou que ministros das Relações Exteriores árabes se encontrarão no Cairo, domingo ou segunda-feira, para tomar uma posição comum sobre os ataques israelenses.

    A União Européia fez um apelo por um cessar-fogo imediato em Gaza: "Estamos muito preocupados com os eventos em Gaza... pedimos que todos mostrem máxima moderação", afirmou o porta-voz para do chefe de Política Externa da União Européia, Javier Solana.

    Já a Casa Branca pediu que Israel evite baixas civis em seus ataques aéreos e afirmou que o Hamas precisa interromper os ataques de morteiros a Israel para cessar a violência. No entanto, Washington não pediu para que Israel interrompa os ataques aéreos.

    "Os contínuos ataques de morteiros do Hamas em Israel precisam parar para interromper a violência. O Hamas precisa acabar com suas atividades terroristas se quiser ter um papel no futuro do povo palestino", afirmou o porta-voz da Casa Branca Gordon Johndroe.


    Após bateria aéres de mísseis atingir a Faixa de Gaza, palestinos observam área atingida ao sul da cidade de Rafh, dezenas de pessoas morreram. Said Khatib/AFP

    A chanceler israelense Tzipi Livni, uma das líderes das pesquisas para o pleito de fevereiro que escolherá o novo primeiro-ministro do país, pediu apoio internacional contra o Hamas, considerado por ela "uma organização extremista islâmica... que tem o apoio do Irã", arquiinimigo de Israel.

    "CARNIFICINA ISRAELENSE"

    Os ataques aéreos aconteceram após o fim, há uma semana, de uma trégua de seis meses em Gaza. Na quinta-feira, o premiê de Israel, Ehud Olmert, alertou o Hamas para que parasse de disparar foguetes contra alvos israelenses ou então que enfrentasse as consequências.

    Uma dezena de foguetes foi disparada de Gaza na sexta-feira. Um matou de forma acidental, no norte de Gaza, duas crianças palestinas, segundo médicos.

    Neste sábado, corpos eram empilhados, e feridos se contorciam em dor. Os que mostravam sinais de vida eram levados para carros e ambulâncias.

    Alguns dos que faziam o resgate batiam na própria cabeça e gritavam: "Allahu akbar" (Deus é grande). Testemunhas disseram que os ataques foram realizados por aviões e helicópteros de combate.

    Mais de 700 palestinos ficaram feridos, de acordo com os médicos.

    "Todos os combatentes têm a ordem de responder à carnificina israelense", afirmou um comunicado do Jihad Islâmico. O Hamas e outros grupos armados se pronunciaram no mesmo sentido.


    Região atingida por ataque de mísseis israelenses na Faixa de Gaza; número de mortos já passa de 150, segundo fontes do grupo islâmico Hamas. Mohammed Abded/AFP

    O ministro da Defesa de Israel, Ehud Barak, afirmou que a operação militar em Gaza terá longa duração e será ampliada se necessário. "Não será fácil e não será curta", disse Barak a jornalistas.

    Em março, uma ofensiva israelense de cinco dias matou mais de 120 pessoas.

    (Reportagem adicional de Dan Williams, em Jerusalém)

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    Atendendo ao apelo do artista Carlos Latuff faço uso do blog para difundir suas charges denúncia deste brutal ataque israelense, segue seu texto e suas charges:

    "Como se não fosse suficiente expor 1,5 milhões de pessoas ao risco da fome, Israel realizou hoje um brutal ataque Gaza, matando mais de 200 pessoas, com 750 feridos, incluindo mulheres e crianças. Mais uma vez, peço que você leitor, meus irmãos e irmãs-em-artes, que difundam estas caricaturas. Reproduzam-nas em cartazes, jornais, revistas, zines, blogs, por todo o lado. Vamos fazer a voz do povo de Gaza ser ouvida em todo o mundo. Obrigado, em nome dos palestinos de Gaza."



    quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

    Carta aberta do professor Carlos Moore ao presidente de Cuba

    Carta Aberta ao Presidente de Cuba

    Salvador, Bahia, 17 de Dezembro de 2008

    Sua Excelência General de Exército Raúl Castro Ruz

    Presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros

    Conferência de Chefes de Estado e de Governo da América Latina e do Caribe,

    Costa do Sauípe, Bahia, Brasil

    Senhor presidente,

    Se me dirijo a V. Ex.ª por meio desta Carta Aberta é porque essa é a única forma que tenho de chegar diretamente a V. Ex.ª, e também porque quero que meus concidadãos e todos aqueles que no mundo se interessam pelos problemas vitais de nossa época, se inteirem do que aqui exponho.

    Tanto V. Ex.ª, descendente de europeus nascidos na Espanha, como eu, descendente de africanos nascidos no Caribe, somos Cubanos, mas esse fato não nos confere nenhum privilégio específico como humanos, a não ser o direito de ter uma voz nos destinos do país em que nascemos. Uso desse direito sem apologia.

    Sei que um mundo de divergências separam nossas respectivas concepções sobre a vida, as relações sociais, a maneira de conduzir os destinos de nosso país e, enfim, a interpretação daquelas realidades que impactam a vida cotidiana dos cubanos de maneira negativa. Mas, V. Ex.ª, como mandatário de nosso país, e eu como cidadão desse mesmo país, temos em comum o fato de que, sejam quais forem nossas divergências, compartilhamos a responsabilidade de transformar nosso presente social, assim como a responsabilidade de modelar nosso futuro coletivo como nação. Da ação ou inação de cada cubano, seja qual for sua condição social, gênero, raça, orientação sexual, ou convicção política, dependerá o porvir de todos.

    Sempre apoiei e respeitei a soberania nacional e, por isso, sempre me opus a qualquer medida, seja o embargo econômico ou as ameaças contra o território nacional, que puderam colocar a independência de Cuba em perigo ou lesar os interesses de sua população. Mas também, e pelas mesmas razões, sempre advoguei pelo direito inalienável do povo de Cuba, ou de qualquer povo, a dirigir seu próprio destino mediante instituições representativas e com dirigentes que sejam eleitos em campanhas livres e verdadeiramente democráticas; isto é, em eleições onde estão colocadas diferentes idéias representadas por movimentos e partidos organizados, com plataformas políticas e propostas sociais realmente independentes e diferentes. Estimo que, só assim, pode um povo exercer seu direito de optar pelo que melhor lhe convenha. Portanto, sou inimigo de qualquer ditadura ou sistema totalitário, seja da chamada direita ou da denominada esquerda, e não compartilho da opinião de que a democracia seja um luxo reservado aos burgueses.

    Não vou fazer rodeios para manifestar a V. Ex.ª minha sólida convicção de que o racismo, fenômeno que impera em nosso país e que cada vez cobra novos espaços na vida política, econômica e cultural da nação, é o maior, mais grave e mais tenaz problema que confronta a sociedade cubana.

    Se deixarmos de lado os discursos grandiloquentes, mas vazios, e as declarações contundentes, mas enganadoras, sobre a suposta supressão do racismo e da discriminação racial em Cuba, aparecerá diante de nossos olhos um mundo concreto de desigualdades e iniquidades sócio-raciais que foram estruturadas por séculos e séculos de opressão racial e de ódio contra a raça negra. Esse foi o mundo que concretamente herdou a Revolução que chegou ao poder em 1959, mas que os dirigentes desta última se mostraram incapazes de interpretar corretamente, por serem homens e mulheres procedentes, como eram, das classes médias brancas que sempre dominaram o país e monopolizaram sua direção política e econômica.

    A hegemonia branca, com seu concomitante racismo, é uma realidade histórica que o governo revolucionário, longe de destruir, contribuiu para solidificar e estender quando declarou a inexistência do racismo, o fim da discriminação racial e o advento de uma sociedade de “democracia pós-racial” socialista. Isso significa que tanto os dirigentes da Revolução que tantas transformações sociais benéficas trouxeram para nosso país, como o povo que lhes deu seu apoio ao processo revolucionário, eram reféns do mesmo passado brutal nascido do ventre da escravidão racial que impuseram os europeus nestas terras americanas. Desse ventre monstruoso surgiu uma sociedade racista. Por tanto, Cuba é hoje um país que fala com duas vozes totalmente distintas, uma branca e outra negra, ainda que, às vezes, essas tenham se fundido, temporariamente, em momentos específicos de nossa história comum.

    Senhor presidente,

    É um fato sabido que a Cuba socialista foi o único país no mundo que proclamou, publicamente, que havia eliminado o racismo e a discriminação racial, e que havia empoderado a população negra. Consequentemente, o governo revolucionário reprimiu, perseguiu e forçou ao exílio todos aqueles negros, intelectuais ou trabalhadores, que sustentaram o contrário. Para esses últimos, foram reservados os campos de trabalho forçado, as prisões, o manicômio ou o exílio. Eles foram tidos como “racistas ao contrário”, “racistas negros”, “contra-revolucionários”, “agentes do imperialismo”, e até como “instrumentos da CIA”.

    Grandes pensadores negros, como o Dr. Juan René Betancourt Bencomo ou o professor Waltério Carbonell, pagaram um preço muito alto por haverem se levantado contra a doutrina racial que foi erigida em política de Estado durante cinco décadas e que consistiu em negar a existência da opressão racial e do racismo em Cuba sob a Revolução. É por essa razão que hoje os olhos do mundo se voltam cada vez mais para nossa suposta “democracia pós-racial” para saber por que o regime revolucionário destruiu aqueles que se negaram a conviver com essa Grande Mentira.

    Cuba é um país onde uma revolução conseguiu derrubar os velhos privilégios de uma oligarquia republicana corrupta e submissa ao estrangeiro, mas onde, até o dia de hoje, a população de raça negra, majoritária no país, está confinada a jogar um papel de subalternidade. As honrosas exceções negras que ascendem à cúpula do poder o fazem unicamente com o beneplácito da elite dominante, predominantemente de origem européia, e confirmam assim a realidade, também dominante, baseada na subalternidade da raça negra em Cuba, depois de meio século de revolução socialista. Essa é a realidade. E negá-la seria persistir na Grande Mentira.

    O racismo é a última fronteira do ódio entre humanos, precisamente porque raça é a mais profunda e duradoura linha divisória que determina quem tem acesso privilegiado e protegido aos recursos da sociedade, e a quem é vedada qualquer oportunidade de usufruto desses mesmos recursos. O racismo é uma estrutura de distribuição diferenciada, racialmente seletiva, dos recursos da sociedade e do planeta, que se perpetua através do monopólio do poder político. Portanto, trata-se de um modus operandi permanente, não de uma aberração; de uma estrutura de poder total que funciona maravilhosamente bem para garantir a permanência do domínio de uma raça especifica em detrimento das outras, e não um mero reflexo das simpatias e antipatias que surgem do jogo interpessoal.

    A maioria dos dirigentes cubanos, revolucionários e marxistas, é branca num país onde a maioria da população é negra. Qual seria a razão para isso? E porque razão o racismo persiste e se expande constantemente, abarcando cada vez mais espaços da sociedade cubana, e impregnando as estruturas mentais individuais e coletivas em Cuba? O poder é branco em Cuba, e a discriminação racial contra os negros cubanos se mostra cada vez com mais força, unicamente por causa do racismo. O racismo se reforça constantemente, não somente em Cuba, mas em todos os países, precisamente pela mesma razão: porque funciona positivamente para aqueles que, em função de sua raça, se beneficiam do acesso racialmente seletivo aos recursos da sociedade. Se não fosse assim, o racismo teria desaparecido há milhares de anos, como desapareceram tantas realidades que surgiram da imaginação criativa do ser humano.

    Senhor presidente,

    O objetivo desta carta é contribuir com o debate que está sendo levado a cabo em nosso país sobre o rumo que haverá de tomar a nação num momento crucial de sua existência; momento que deverá enfrentar os desafios do novo milênio com políticas novas e verdadeiramente inovadoras que resolvam os problemas que atingem nossa sociedade. Com esse objetivo, quero propor a V. Ex.ª um conjunto de medidas mínimas que me parecem necessárias para começar o processo que nos leve, posteriormente, todos os cubanos anti-racistas e nacionalistas, a desafiar e superar a herança do passado. Esse passado se manifesta hoje nas desigualdades raciais que debilitam a unidade nacional, particularmente em momentos em que Cuba tem a possibilidade, pela primeira vez em cinquenta anos, de resolver seu litígio com os Estados Unidos de maneira pacífica.

    Mas seria hipócrita e imoral pedir o cessar do embargo/bloqueio que os Estados Unidos injustamente impuseram a Cuba, sem que os dirigentes de Cuba se comprometam, também, a levantar o embargo/bloqueio que o regime revolucionário impôs à população majoritária do país desde o início da Revolução. Ambos os embargos/bloqueios devem ser levantados, simultaneamente, sem pré-condições de nenhum dos dois lados. E, por meio desta carta, quero contribuir para que nosso país, atualmente sob seu comando, encontre a melhor maneira de alcançar esse objetivo em meio a um consenso formado na unidade nacional. .

    Concretamente, sugiro, como um primeiro passo, que seu governo tome, sem demora, as seguintes medidas:

    • Estabelecimento de um estado social de direito como pré-condição do exercício democrático da cidadania cubana; prescrição de todas as práticas discriminatórias, sejam de natureza política, de gênero, de raça, de orientação sexual ou de confissão religiosa; libertação de todos os presos políticos em Cuba e dos presos de consciência.
    • Extinção da proibição que foi colocada judicialmente contra as “Sociedades de Cor”, instituições históricas que formam parte do patrimônio cultural dos negros cubanos e que são indispensáveis como esferas diferenciadas de organização da raça negra em Cuba; restauração do direito de existência e de organização dessas Sociedades, conforme a existência em Cuba de organizações do mesmo tipo a favor de outras etnias (tais como, as organizações de cubanos de origem chinesa, basco, galego, hebreu, árabe); autorização de qualquer organização propriamente negra (cultural, social, desportiva, estudantil, política ou artística) cuja finalidade seja a luta contra o racismo e a discriminação racial.
    • Reabilitação de todas as figuras históricas e pensadores negros proscritos e/ou silenciados ao longo da história de Cuba, antes e depois da Revolução, assim como a publicação das obras de militantes negros que lutaram pelo fim do racismo e da discriminação racial (Rafael Serra, Evaristo Estenoz, Pedro Ivonnet, Ramón Vasconcelos, Gustavo Urrutia, Juan René Betancourt Bencomo, Walterio Carbonell ….).
    • Condenação oficial do genocídio perpetrado pelo Estado cubano em 1912, contra a população negra, fato que, até hoje, o Estado não reconheceu de maneira oficial; reabilitação do programa político do Partido Independente de Cor (PIC) e de seus lideres históricos (Evaristo Estenoz, Pedro Ivonnet e outros), visando o restabelecimento da memória histórica nacional.
    • Autorização para a criação de um organismo nacional autônomo de Negros Cubanos, na forma de uma Fundação Nacional para Fomento do Desenvolvimento Econômico da População Negra (FUNAFEN), para atender aos graves problemas sócio-econômicos que enfrenta a população negra e com atribuições para obter fundos de caráter nacional e internacional para melhorar as condições de vida nos bairros mais pobres; criar novos programas específicos para a capacitação profissional de jovens afro-cubanos que os prepare para as demandas da economia nacional e global.
    • Adoção, por parte do Estado, de novas medidas com relação às remessas que seus cidadãos recebem do exterior (e estimadas em 1.5 bilhões de dólares por ano, dos quais menos de 15% chegam às mãos da população negra); adoção de uma carga impositiva sobre essas remessas, que deveria estabelecer 10% ao invés dos 20% atuais; e o 50% deste último imposto, recolhido pelo governo, deverá ser incorporado automaticamente à FUNACEN, atendendo ao fato de que as remessas do exterior favorecem o incremento vertiginoso das desigualdades raciais em Cuba.
    • Autorização para a convocação, por organizações autônomas dentro de Cuba, e sem interferência dos órgãos do poder, de um Congresso Nacional sobre o Racismo e a Discriminação Racial; autorização para que intelectuais e militantes Afro-cubanos independentes, residentes em Cuba, possam participar de uma Mesa Redonda de Nacionalistas Cubanos do interior e da Diáspora, com a finalidade de discutir estratégias de combate ao racismo em Cuba.
    • Autorização para a criação de um Observatório Nacional para monitorar a situação racial em Cuba e trabalhar a favor da eliminação das práticas racialmente discriminatórias de qualquer tipo, seja no domínio público como no privado.
    • Adoção de medidas e políticas concretas que dignifiquem e façam respeitar o fenótipo associado à raça negra e que é objeto em Cuba de rejeição e de ridicularização, especialmente no caso da mulher negra; projeção positiva do fenótipo do afro-cubano em todos os meios de comunicação de massa, manifestações culturais e formas de representações artísticas, com o fim de combater o escárnio racista dirigido maciçamente às características raciais da população de herança africana (nariz, lábios, cor, cabelo crespo, morfologia…).
    • Criminalização formal do racismo e da discriminação racial em todas as esferas da vida nacional sem direito a fiança, conforme já existe no Brasil (Lei Caó); proposta à Assembléia Nacional de novas legislações especificamente designadas para punir qualquer tipo de manifestação de discriminação ou humilhação racial na esfera pública ou privada.
    • Reconhecimento pleno da mulher negra cubana como protagonista extraordinária da dignidade nacional, mas que sofreu e continua sofrendo duplamente a discriminação; lançamento de uma campanha nacional em prol da revalorização do fenótipo específico da mulher afro-cubana; autorização para a criação de uma Organização de Mulheres Afro-cubanas, totalmente independente da Federação de Mulheres Cubanas (FMC) e com capacidade para buscar financiamento externo.
    • Reconhecimento da existência de maiorias orgânicas no país, atendendo principalmente aos parâmetros de sexo e raça, que deverão refletir equitativamente em todos os órgãos de decisão política, econômica e cultural, considerando que mais de 60% da população cubana atual é de origem africana; estabelecimento de um mecanismo de representatividade progressiva que garanta a presença efetiva da população Afro-cubana em todos os níveis e em todas as instâncias do país, e que, para começar, deverá alcançar nos próximos cinco anos 35% das posições-chave do Partido, do Governo, do Parlamento, das Organizações Populares, da direção das Forças Armadas e do Ministério do Interior, dos meios de difusão de massa (em especial o cinema e a televisão), da indústria turística, e das empresas mistas criadas com capital estrangeiro.
    • Reconhecimento oficial e respeito efetivo das religiões Afro-cubanas, em pé de igualdade com as demais religiões em Cuba, mediante a instauração de um mecanismo de diálogo permanente da direção política do país com as referidas religiões, como se fez com as religiões cristãs, conferindo-as, assim, o lugar que legitimamente lhe é de direito, e que impulsionaria o processo de consolidação da identidade nacional e cultural; interrupção imediata de todas as práticas oficiais ou extra-oficiais que resultem na interferência, folclorização e exploração para fins turísticos das religiões de origem africana, adotando-se medidas penais adequadas que impeçam sua discriminação, como deve ser em um estado laico.
    • Imposição de lei, em todos os níveis do sistema educativo, do ensino da História da África e dos povos de origem africana nas Américas, como já fez o Brasil (Lei 10639/03); publicação das obras de referência mundial que elucidam a história da África em todos os seus aspectos, e daquelas obras que evidenciam a história do próprio racismo; desenvolvimento dos estudos e pesquisas sobre a problemática afro-cubana na história e na sociedade, a fim de fortalecer a identidade nacional e levantar a auto-estima da pessoa negra; criação de disciplinas de estudos afro-cubanos nas universidades e de centros de estudos étnico-raciais extra-muros.
    • Implementação de políticas públicas de ação afirmativa, como uma estratégia global capaz de conduzir a uma equiparação sócio-econômica daqueles cidadãos que, por causa de sua origem racial, sofrem desvantagens historicamente construídas, como consequência de serem descendentes das populações africanas que foram escravizadas em Cuba, e que, por tanto, seriam uma forma concreta de reparação moral para a população negra.
    • Realização de um censo nacional baseado em parâmetros científicos modernos como base para avaliar a extensão das injustiças sociais que afetam desproporcionalmente a população Afro-cubana, e atendendo ao fato de que os resultados dos censos realizados nos últimos cinquenta anos merecem total desconfiança.

    Senhor presidente,

    Pessoalmente, estou convencido de que V. Ex.ª tem consciência da gravidade do momento e da pouca margem de manobra que teria qualquer dirigente em sua posição. Contudo, a seu favor, acorrem certas circunstâncias próprias que devem ser aproveitadas, se o objetivo é salvar as conquistas sociais que o povo de Cuba obteve através da Revolução de 1959. Considero como algo benéfico, para V. Ex.ª e para Cuba, precisamente, o fato de que V. Ex.ª não seja um líder carismático tradicional, o que lhe permite ser, em contrapartida, um dirigente realista e pragmático, capaz de reconhecer o perigo quando o vê.

    Estou convencido de que os numerosos dispositivos de inteligência que V. Ex.ª tem sob seu comando, a grande quantidade de institutos de pesquisa social que o regime revolucionário criou ao longo das décadas para analisar a realidade social e tomar o pulso da população, proporcionou suficientes dados sociológicos, empíricos e abstratos, que permite concluir que algo novo está acontecendo na consciência coletiva da população negra majoritária e que esse “algo” não poderá ser satisfeito a não ser com um empoderamento efetivo, a partir de formas de organização legitimamente populares e surgidas de baixo.

    Chegou o momento de mudar drasticamente, e num tempo mais rápido possível, a situação da população negra em Cuba, atendendo tanto à urgência que sentem aqueles que nunca tiveram o poder, e aos problemas gigantescos com os quais têm de se confrontar. Mudanças profundas devem ser feitas agora, sem qualquer pretextos ou estratégia de retardos, sem demora, para modificar de maneira radical, permanente e abrangente o panorama sócio-racial da sociedade cubana. Não há tempo a perder: cada minuto de espera é uma porta aberta a situações imprevistas e difíceis de serem controladas, na medida em que apareçam.

    Seria perigoso continuar a pensar que “aos negros não interessa o poder”, e continuar postergando aquelas medidas sem as quais não pode acontecer o empoderamento verdadeiro da população que é maioria em Cuba. É por isso que nas mãos de V. Ex.ª está atualmente a possibilidade de fazer uma ruptura completa com o passado e fazer o que nenhum dirigente que o precedeu se atreveu a fazer: trabalhar a favor do empoderamento efetivo daqueles que, há mais de trezentos anos, vivem em um estado permanente de Período Especial.

    Falei a V. Ex.ª em meu nome, e só em meu nome. No entanto, sei que as opiniões emitidas nesta carta têm eco naquelas que cada vez mais estão sendo formuladas no país. E eu sei que V. Ex.ª sabe disso.

    Com muita deferência e saudações nacionalistas,

    Carlos Moore

    Etnólogo e Professor de Relações Internacionais