"O mundo é um mosaico de pontos de vista. Aprendemos muito com os pontos de vista dos outros, e perder nem que seja um pedaço desse mosaico é uma perda para todos nós. David Crystal (A revolução da linguagem,2004:69).
Bem-vindo/a ao blog da coleção de História nota 10 no PNLD-2008 e Prêmio Jabuti 2008.
Bem-vindos, professores!
Este é o nosso espaço para promover o diálogo entre as autoras da coleção HISTÓRIA EM PROJETOS e os professores que apostam no nosso trabalho.
É também um espaço reservado para a expressão dos professores que desejam publicizar suas produções e projetos desenvolvidos em sala de aula.
Clique aqui, conheça nossos objetivos e saiba como contribuir.
Desejo a todos (se comemorarem o Natal) uma celebração recheada do aconchego familiar, dos amigos e daqueles que desejamos estar e ter por perto.
Desejo também (afinal sou 'brasileira e não desisto nunca') que 2008 seja ao menos melhor que 2007, Que nos arrisquemos às invencionáticas, que ouçamos com atenção 'o sotaque das águas' que possamos respeitar mais as pequenas coisas 'desimportantes'... e, acima de tudo, que tenhamos saúde e energia para enfrentar os desafios e apreciar as boas coisas 'desimportantes' que ocorrerem a nós.
A todos os professores seguem nossa homenagem, surrupiada de Manoel de Barros:
O Apanhador de Desperdício
(Manoel de Barros)
Uso a palavra para compor meus silêncios. Não uso das palavras Fatigadas de informar. Dou mais respeito Às que vivem de barriga no chão Tipo água pedra sapo. Entendo bem o sotaque das águas. Dou importância às coisas desimportantes E aos seres desimportantes Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais do que as dos mísseis. Tenho em mim esse atraso de nascença Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo. Sou um apanhador de desperdícios (...) Queria que minha voz tivesse formato de canto Porque não sou da informática Eu sou da invencionática. Só uso minhas palavras para compor meus silêncios.
Biblioteca do Centro Educacional Brandão, Moema, SP-SP.
Ontem, tivemos o prazer de nos reunir com a coordenação e os professores do CEB- Comecinho de Vida.
Na aconchegante biblioteca conhecemos o projeto pedagógico da área de história no Ensino Fundamental e apresentamos a proposta pedagógica de nossa coleção.
Estamos muitos felizes com essa parceria, pois temos certeza que a História em Projetos frutificará nas mãos do professor Juliano.
No volume de 7a série/ 8º ano, Capítulo 17, 'No Brasil dos românticos, quais eram os espaços reservados aos trabalhadores?', na seção Ponto de Partida, p. 231, reproduzimos um documento (matéria do The New York Times de 2/12/2004) sobre a escravidão contemporânea.
A matéria foca a longa duração da escravização dos trabalhadores seja eles nacionais escravizados nas fazendas brasileiras como também a os imigrantes bolivianos superexplorados nas confecções paulistanas do Bom Retiro, Brás e Pari, vivendo em condições subumanas.
Cerca de 500 pessoas se reuniram na praça da Sé, em São Paulo, para comemorar o Dia Internacional do Imigrante; vários países foram representados e muitas reivindicações foram feitas. Foto de: Raimundo Pacco/Folha Imagem.
A reportagem reproduzida a seguir, extraída do Jornal A Folha de São Paulo, mostra que após três anos há continuidade da superexploração dos imigrantes bolivianos nas confecções paulistanas, assim como permanecem as dificuldades para controlar essa situação, especialmente porque são imigrantes explorando outros imigrantes.
Vale a promoção de um debate: Que ações precisam ser tomadas para que essa situação degradante possa ter fim?
Jovem boliviano faz curso de corte e costura em La Paz, onde os imigrantes se preparam para trabalhar no Brasil. Foto de: Antônio Gaudério/Folha Imagem.
Repórter-fotográfico trabalha com bolivianos e revela exploração de mão-de-obra clandestina em SP
O repórter-fotográfico Antônio Gaudério, 49, foi à Bolívia munido de celular com câmera para descobrir como funciona o tráfico de mão-de-obra ilegal que alimenta a cadeia têxtil em São Paulo. Como um dos milhares de bolivianos que buscam emprego no Brasil para fugir da miséria em seu país, trabalhou no Brás (SP) até 17 horas por dia produzindo peças de roupas que abastecem grandes lojas do comércio brasileiro. Os bolivianos trabalham em troca de comida e moradia ou, no máximo, alguns centavos por hora.
Até 1.500 bolivianos chegam por mês
Com salários baixos e jornadas de até 17 horas diárias, mão-de-obra irregular abastece confecções paulistas.
Para fiscais, condições de trabalho são degradantes; lojas se comprometem a romper com fornecedores que não respeitam a lei.
CLAUDIA ROLLI
FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL
Entre 1.200 e 1.500 bolivianos chegam por mês ao Brasil em busca de emprego. A maior parte encontra trabalho em pequenas confecções e oficinas clandestinas de costura já identificadas em 18 bairros e cidades da Grande São Paulo, como Bom Retiro, Pari, Brás e Itaquera, e ao menos em oito municípios do interior paulista.
Fiscalizações feitas pela DRT (Delegacia Regional do Trabalho) de São Paulo e pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) encontraram indícios de que a mão-de-obra irregular desses migrantes é utilizada por confecções que são -ou foram- fornecedoras de grandes redes de varejo do país.
Nos últimos dois anos, uma CPI da Câmara Municipal de São Paulo convocou representantes das lojas Marisa, Riachuelo, Renner e C&A para prestar esclarecimentos depois que etiquetas de suas marcas foram encontradas em oficinas irregulares da capital.
As quatro redes já firmaram compromisso com o MPT nos últimos quatro meses, além de desenvolverem programas para fiscalizar fornecedores e não comprar de confecções que empregam mão-de-obra estrangeira irregular.
As lojas informam ainda que realizam auditorias periódicas e exigem o cumprimento da lei trabalhista e respeito à dignidade humana.Procuradores do Trabalho investigam 147 processos abertos para apurar denúncias envolvendo a exploração dos bolivianos em confecções paulistas -84 já viraram TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) nos últimos dois anos.
Neles, os empregadores se comprometeram a não contratar mais estrangeiros em situação irregular e a não submetê-los a condições degradantes de trabalho, como jornadas excessivas em locais que oferecem risco à saúde e à segurança.
"Os bolivianos fazem jornadas muito acima da lei [permite até dez horas diárias], ganham centavos por peça produzida e moram no local de trabalho. São vários adultos e crianças alojados em um mesmo cômodo, muitas vezes sem ventilação, com fiação aparente oferecendo riscos", afirma a procuradora Vera Lúcia Carlos.
Pelo artigo 149 do Código Penal, é crime reduzir uma pessoa à condição análoga à de escravo. "Se ficar provado que o trabalhador é submetido a jornadas exaustivas, ou a condições degradantes, ou que seu direito de ir e vir está sendo privado porque ele tem uma dívida com o empregador, está caracterizado o crime. Não é necessário que ele esteja acorrentado para provar essa condição", diz Marcos Fava, juiz do Trabalho. A pena prevista é de dois a oito anos de cadeia, além de multa.
Obstáculos
Para dificultar a fiscalização, as oficinas funcionam em casas ou falsos estabelecimentos comerciais. Em Americana, o sindicato das costureiras da região identificou uma confecção, montada em um área que pertencia a uma igreja, com cerca de 30 bolivianos irregulares.
"A placa da igreja continua no local para disfarçar a oficina. Já acionamos os fiscais", afirma Carmelita Alves Braga, presidente do sindicato.
Na Barra Funda, blitz acompanhada pela Folha há três meses flagrou uma casa em que trabalham duas famílias bolivianas, a maior parte, irregular. Na fachada, há duas placas: de um médico e de um advogado.
Paulo Jesus de Souza Filho, delegado do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), diz que a divisão recebe em média duas denúncias por mês de exploração de estrangeiros irregulares no Brasil -geralmente vizinhos incomodados com o barulho das máquinas de costura.No Centro de Apoio ao Migrante (do Serviço da Pastoral dos Migrantes, ligado à CNBB), são 15 a 20 denúncias por mês."Donos de oficinas e de confecções já foram presos após ter sido feito o flagrante. Como o crime é inafiançável, alguns já chegaram a ficar presos por duas semanas enquanto aguardavam o pedido de liberdade provisória. Depois, a maior parte responde ao processo em liberdade", diz o delegado.
Considerados os últimos oito anos, não chega a cem o número de inquéritos encaminhados pela Polícia Civil para combater o trabalho análogo à escravidão, segundo a Folha apurou.
Ação conjunta
Na zona norte de São Paulo, policiais encontraram uma adolescente e dois bolivianos que eram trancados na oficina. Há casos em que patrões apreendem documentos para evitar que fujam e outros em que os estrangeiros pagam o prato de comida com trabalho. Casos como esses podem ser denunciados pelo telefone 181.
Para Márcia Ruiz, delegada e representante do comitê paulista de combate ao tráfico de seres humanos, a ação não deve ser apenas policial. "É uma questão social complexa, porque os bolivianos irregulares não querem retornar porque dizem que aqui não passam fome. É preciso conscientizar os que estão sendo explorados e que todas as entidades envolvidas ajam de forma conjunta."
Antes explorados por patrões sul-coreanos, os bolivianos agora são subordinados a compatriotas que conseguiram se regularizar e montar oficinas. "Eles não se consideram vítimas de exploração", diz José Marcio Lemos, da Delegacia de Imigração da PF em São Paulo.
A situação dos bolivianos só não é pior, avalia Paulo Illes, coordenador do Centro de Apoio ao Migrante, porque 20 mil bolivianos (42 mil, segundo o Ministério da Justiça) conseguiram pedir a regularização de sua situação por meio de acordo entre Brasil e Bolívia.
"Mas a cobrança de taxas elevadas e a multa de até R$ 828 para quem está sem visto dificulta o processo." Estima-se que 160 mil bolivianos vivam no Estado de São Paulo, sendo 100 mil irregulares.
"É um problema da globalização econômica. A desigualdade regional faz com que as pessoas migrem em busca de uma situação melhor", diz Sérgio Suiama, procurador do Ministério Público Federal de São Paulo. "É preciso discutir políticas migratórias, rever o estatuto dos estrangeiros e garantir a esses trabalhadores direitos fundamentais básicos, como o direito ao trabalho."
Ouça o podcast de Antônio Gaudério na Folha Online
EXPLORAÇÃO
Pará é o Estado que mais utiliza trabalho escravo
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Ministério do Trabalho divulgou ontem a lista de empresas e empregadores autuados por suposta exploração de mão-de-obra escrava. Com a inclusão de 15 nomes, sendo que 2 deles estão com liminar na justiça, a relação passa a ter 189 nomes. Os empregadores na listagem ficam impedidos de obter empréstimos em bancos oficiais do governo e também não podem ter acesso a recursos de fundos públicos. A exclusão da lista depende do monitoramento por um período de dois anos. O auditor fiscal do trabalho, Cláudio Secchin, diz que a pecuária e agricultura são os setores que mais empregam esse tipo de mão-de-obra. O Pará tem o maior índice de trabalhadores em condições de escravidão. Depois, aparece Mato Grosso. A lista pode ser conferida em www.mte.gov.br Pará é o Estado que mais utiliza trabalho escravo.
Consulte também o diretório Biblioteca do Professor; pasta Educação para a Igualdade racial na Biblioteca Virtual da História em Projetos No volume de 8a série/ 9º ano Unidade 5; Capítulo 20: "Os jovens brasileiros e sua participação na consolidação da democracia no século XXI", p. 265, discutimos a situação social do país a partir de um mapa da Exclusão social do Brasil de 2004 de acordo com o IDH.
A Afropress noticia em primeira mão (8/12/2007)dados do Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2007-2008 que informam que, apesar do IDH Brasil ter aumentado o IDH, da população negra é apenas mediano.
Professor Marcelo Paixão analisando os gráficos do IDH 2007/2008.
************ Leia a matéria a seguir reproduzida na íntegra e problematize com seus alunos os novos dados do IDH da população brasileira, discutindo aspectos da desigualdade econômica e desigualdade étnico-racial.
Rio - Embora o governo tenha comemorado o fato de o Brasil ter entrado para o grupo de países com alto desenvolvimento humano (IDH), a população negra brasileira não saiu da situação de desvantagem histórica. Apesar da melhora em alguns indicadores como, por exemplo, os educacionais, o IDH branco é elevado e o dos negros continua sendo apenas médio.
Em alguns casos, como no rendimento domiciliar per capita, a desvantagem, inclusive, aumentou: passou de 15,7% para 17,8% favoravelmente aos brancos, no período de 10 anos – de 1.995 a 2005. As conclusões são do professor Marcelo Paixão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e constarão do Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2007-2008, a ser divulgado, e foram adiantadas com exclusividade para a Afropress. “Comparando com os indicadores analisados no ano 2000, no qual o hiato em termos de posições era de 60 posições, podemos considerar que ocorreu uma redução de 16 posições, o que é um fato positivo, especialmente por vir se dando dentro de um contexto de debate sobre o tema das ações afirmativas e de políticas de promoção da igualdade racial. Todavia, as distâncias nos respectivos IDHs permanecem pronunciadas”, ressaltou.
O IDH é um ranking do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e é utilizado para medir o nível de desenvolvimento humano dos países a partir de indicadores de educação (alfabetização e taxa de matrícula) longevidade (expectativa de vida ao nascer) e renda (PIB per capita). Seus valores variam de 0 (nenhum desenvolvimento humano) a 1 (desenvolvimento humano total). Países com IDH até 0,499 são considerados de desenvolvimento humano baixo; com índices entre 0,500 e 0,799 são considerados de desenvolvimento humano médio; e com índices maiores que 0,800 são considerados de desenvolvimento humano alto.
Pela primeira vez, o Brasil entrou para o grupo de países de "alto desenvolvimento humano", atingindo IDH de 0,800.
Silenciamento Segundo Paixão, que é economista e coordena o Observatório Afro-Brasileiro, no contexto anterior de silenciamento absoluto sobre o tema, os indicadores das assimetrias raciais brasileiras raramente apresentavam reduções relativas. Entre 1995 e 2005, o IDH dos brancos brasileiros avançou 6,2% (de 0,798 para 0,847) ao passo que dos negros avançou 10,6% (de 0,691 para 0,764).
Assim, em 2005, o IDH branco o situaria na 47ª posição (melhor que o Brasil como um todo em 23 posições), entre a Croácia e a Costa Rica, ao passo que o IDH negro se situaria na 92ª posição, entre a Tunísia e as Ilhas Fidji (pior que o Brasil em 22 posições). “Como se pode constatar, o IDH branco é elevado, ao passo que o negro é apenas médio. Lido por outro ângulo, o IDH dos negros, em 2005, era inferior ao IDH dos brancos dez anos antes”, acrescenta.
O professor da UFRJ explica que aconteceu uma redução das assimetrias (diferenças) em termos de esperança de vida ao nascer cujas diferenças relativas se reduziram de 8,6% favoravelmente aos brancos em, 1.995, para 4,5%, em 2.005. Também em relação aos dados educacionais (analfabetismo e taxa bruta de escolaridade), as distâncias também se reduziram no período. “A taxa de alfabetização dos brancos acima de 15 anos de idade passou de 90%, em 1.995, para 93%, em 2.005. Já entre os negros a taxa de alfabetização de adultos passou de 76%, em 1.995, para 85%, em 2.005. A taxa bruta de escolaridade dos brancos entre 1.995 e 2.005 passou de 78% para 91%, e dos negros, no mesmo período de 68% para 84%.
Aprisionada por caçadores de escravos na África, Adetutu é jogada no porão de um navio negreiro rumo ao Brasil. Preocupa-se com o destino, mas resolve fazer jus ao próprio nome, que significa A-Coroa-Paciente ou A-Princesa-Sabe-Esperar. Durante o caminho, tem um longo sonho com a criação da terra e dos humanos por seus deuses, chamados de orixás.
São esses episódios sonhados a base de Contos e Lendas Afro-Brasileiros – A Criação do Mundo (Companhia das Letras, 224 págs., R$ 28). Escrito pelo sociólogo Reginaldo Prandi, com ilustrações de Joana Lira, o livro é voltado ao público jovem e traz a história do candomblé, com personagens como Olorum, o Ser Supremo.
Ao final do livro, pequenos capítulos detalham os emblemas e as personalidades de cada orixá.
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Editora da Universidade Federal da Bahia lança livro que não se encontrava no país há muito, muito tempo!
10 de abril, às 18h - Centro de Estudos Afro-Orientais - CEAO / UFBA Praça Inocêncio Galvão, s/n, Largo Dois de Julho
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A História em Projetos trabalha com a história do continente africano e investe na recuperação da história dos afro-descendentes no contexto da Diáspora e na representação dos negros como sujeitos da história.
Ao longo de todos os volumes de nossa coleção, os professores encontram uma abordagem diferenciada sobre a história e culturas africanas e afro-brasileira.
Nosso compromisso com a Lei 10.639/03 reflete-se na linguagem e representações dos afro-brasileiros e da África sem estereótipos, estimulando o desenvolvimento de uma visão de respeito às diferenças entre todas as crianças.
Por isso, o blog da História em Projetos apoia o lançamento do livro História e Cultura Afro-Brasileira de Regiane Augusto de Mattos, publicado pela Contexto.
Pensado e elaborado de forma didática, esse livro ajuda a preencher uma grande lacuna na formação docente, contribuindo para a implementação da 10639/03.
O livro mostra que, apesar dos obstáculos impostos pela escravidão no Brasil, os africanos e seus descendentes encontraram meios de organização e manifestação de suas culturas, o que influenciou profundamente a sociedade brasileira.
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Ensino de cultura afro-brasileira é prejudicado pela falta de professores (Agência USP de Notícias - 07/12/2007 16:50
Renato Sanchez renato.sanchez@usp.br
Faltam materiais didáticos e professores preparados para o ensino de história e cultura afro-brasileiras nas escolas de todo o País. A afirmação é da professora Regiane Augusto de Mattos, mestre em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Ela lembra que desde 2003, a lei federal nº 10.639 tornou obrigatório o ensino de História da África e da cultura afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio.
Para Regiane, a nova legislação representa um avanço no reconhecimento da cultura africana como uma das principais matrizes da cultura brasileira. Ela aponta, no entanto, algumas dificuldades para que a lei seja implementada de fato nas escolas. A principal delas é a questão da formação dos professores já que o tema é pouco abordado mesmo nas faculdades de história. “Para se ter uma idéia, a disciplina de História da África só foi introduzida no currículo da FFLCH em 1997. Imagine quantos professores se formaram sem nunca ter estudado o tema”, avalia.
Quase cinco anos depois da aprovação da lei, Regiane publicou o livro História e Cultura Afro-brasileira (Editora Contexto, 224 páginas, R$29,00). Ela afirma que a idéia é suprir a carência por material didático. O livro aborda em três capítulos temas relacionados aos conteúdos exigidos pela nova legislação: a História da África antes do século XV; a África depois da chegada dos europeus; e a influência na cultura brasileira.
Os críticos da obrigatoriedade afirmam que ela inclui a historiografia africana mas exclui a dos árabes, judeus, asiáticos etc. Regiane discorda: “A cultura brasileira vem de três matrizes principais: a africana, a européia e a indígena. Seria desejável incluir também a história indígena no currículo para que as crianças entendam como se originou a cultura com a qual elas hoje se identificam”.
Prova de que há uma deficiência no ensino do tema, são as noções equivocadas do senso-comum sobre a África e sua cultura. Um dos enganos mais comuns, afirma a pesquisadora, é pensar o continente como uma coisa única e homogênea. “Há muita diversidade de organização política, cultos religiosos e etnias e é importante ter em mente essa diversidade para entender a influência dessa diversidade na formação da cultura brasileira”, afirma.
Para exemplificar, ela usa a questão religiosa. “Quando se fala na religião dos escravos no Brasil, pensamos exclusivamente no candomblé. Mas haviam também os islamizados. Inclusive houve, em 1853, uma revolta no nordeste do Brasil liderada por escravos de religião islâmica, a chamada Revolta dos Malês”, conta a professora. Ela critica também a associação automática que se costuma fazer entre os termos africano e escravo: “Havia sociedades que participavam do comércio de escravos capturando pessoas de sociedades inimigas e comercializando. Além disso eram economicamente relevantes o comércio de ouro e do marfim extraído das presas de elefantes”, afirma Regiane.
Outro ponto interessante, e comumente ignorado, é a tradição oral existente na maioria dos povos africanos. “Havia algumas sociedades que apresentavam formas de escrita mas, em geral, a transmissão de conhecimento era feita oralmente”, conta. “Além disso, os idosos tinham um papel muito importante, participavam de conselhos de anciãos e gozavam de muito respeitos entre os outros integrantes dessas sociedades ”, finaliza. ********** Lançamento do Cadernos Negros
A comunidade Amigos dos Cadernos Negros e o Quilombhoje - Literatura convidam você, familiares e amigos para a festa de lançamento do livro CADERNOS NEGROS volume 30 - CONTOS
Dia 14/12/2007 (sexta-feira) às 19hs
No SESC PAULISTA (auditório)
Av. Paulista, 119 (Metrô Brigadeiro)
Entrada Franca
PROGRAMAÇÃO
- Sensibilização sobre Auto-Estima com a Psicóloga Maria Célia Malaquias
- Comentários sobre o livro: Escritora Elizandra Souza
- Performance: Akins Kinte e MC Rafão (Casa de Cultura de Santo André)
- Apresentação Artística: Cia. Koteban (Balé Afro e Percussão)
É com muito orgulho pelo caminho já trilhado e desejosos de prosseguirmos sempre adiante nessa longa estrada de lutas que convidamos você, seus familiares e amigos para celebrar conosco a concretização de mais um projeto, herdeiros que somos do legado de nossos ancestrais, que resistiram em nome de um sonho: a liberdade.
Hoje nosso confronto se dá em vários campos: discriminação, invisibilidade, ausência de cidadania. Por isso estamos aqui, há 30 anos mostrando nossa cara e dando nossa cara a uma tradição que durante tanto tempo nos foi negada: a literária.
Os Cadernos surgiram em meio à efervescência do movimento negro, em 1978. Desde então vêm perpassando gerações, acionando em seus leitores a consciência de que, sim, podemos e devemos ocupar nosso espaço nesta sociedade e país que foram construídos à base de muito suor de nossos antepassados.
Embora com três décadas de vida, os Cadernos ainda enfrentam as dificuldades financeiras e culturais de sempre. O livro sai porque é feito na raça. A leitura ainda é pouco habitual entre a população, que, quando lê, opta pelo que o grande mercado oferece. Algumas luzes se acendem para se apagar em seguida.
Mas a série Cadernos Negros já conquistou um público que a acompanha, além de merecer atenção em alguns centros acadêmicos.
O lançamento do volume 30 de Cadernos Negros é mais do que uma festa, é um rito de passagem, a superação de mais uma fase e a preparação para outras que virão. Portanto, precisamos estar todos juntos, lá, nos encontrando, lendo, conversando e comentando sobre nossos contos. Enfim, sendo o que somos: povo brasileiro.
AUTORES: Ademiro Alves (Sacolinha), Luiz Carlos de Oliveira,Allan da Rosa, Márcio Barbosa, Conceição Evaristo, Mel Adún, Cristiane Sobral, Michel da Silva, Cuti, Miriam Alves, Décio Vieira, Oubi Inaê Kibuko, Edson Robson, Raquel de Almeida, Elizandra, Rosário Ngunza, Esmeralda Ribeiro, Ruimar Batista da Costa, Helton Fesan, Sergio Silva, Henrique Cunha, Sidney de Paula, Lande Onawale, Zula Gibi.
APOIO
SESC - Paulista * Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo * Cone - Coordenadoria dos Assuntos da População Negra (PMSP) * Secretaria Especial de Políticas da Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) * Fundação Cultural Palmares * comunidades orkutianas: Amigos dos Cadernos Negros, Gostando Mais de Nós Mesmos e Sessão Pipoca Preta Convida * Cabeças Falantes Online * T2P - Tela Preta Produções.
BOLETIM AÇÃO EDUCATIVA (São Paulo, terça, 11 de dezembro de 2007)
Lançado o livro Igualdade das Relações Étnico-Raciais na Escola
O estudo acompanhou a implementação da lei 10.639 em quinze escolas de três capitais brasileiras: Belo Horizonte, Salvador e São Paulo.
Após o mês da Consciência Negra, o debate sobre a temática racial continua na Ação Educativa. No dia 7 de dezembro, o programa Pesquisa e Ação Política, promoveu o lançamento do livro Igualdade das Relações Étnico-Raciais na Escola: Possibilidades e Desafios para a Implementação da Lei 10.639/2003.
O livro é resultado de um estudo promovido pela Ação Educativa, Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade - Ceert e Ceafro. O estudo acompanhou a implementação da lei 10.639 em quinze escolas de três capitais brasileiras: Belo Horizonte, Salvador e São Paulo. A lei, de janeiro de 2003, tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nos currículos escolares.
A pesquisa envolveu entrevistas e dinâmicas com pais, professores, alunos e funcionários. "A intenção foi tentar refletir a percepção de cada grupo sobre as relações raciais dentro da escola e saber o entendimento que tinham sobre a história e a cultura africana e afro-brasileira", explica Tânia Portella, assessora do programa Pesquisa em Políticas Educacionais da Ação Educativa. Segundo ela, a escolha das escolas se deu de forma a contemplar diferentes realidades e públicos em cada uma das capitais.
O evento do dia 7 teve início às 14h30 no auditório da Ação Educativa onde os responsáveis pela pesquisa nos três estados apresentaram os resultados da consulta. A partir das 18h ocorre o coquetel de lançamento, com quitutes africanos e apresentações culturais como contação de histórias e show de kalimba, instrumento típico africano.
Na coleção História em Projetos, Capítulo 10, Unidade 3 do volume de 8ª série/ 9º ano intitulado "A luta pela independência: O que significou o processo de descolonização da Ásia e da África?", p. 133-146, abordamos algumas heranças do neocolonialismo e fazemos referências a problemas que as populações locais desses continentes têm de enfrentar: minas terrestres; a contaminação do agente laranja responsável pelo nascimento de crianças com deficiências físicas entre outros.
O texto seguinte faz referência a um concurso de beleza entre mulheres sobreviventes de acidentes com minas terrestres em Angola, 2008. Vale a pena ler as problematizações da autora sobre o concurso e ampliar as discussões que o referido capítulo propõe sobre o cotidiano das pessoas em territórios tão devastados pelas guerras pós-descolonização.
Todos de fato têm direito à beleza, mas um concurso que estabelece como prêmio uma prótese para as sobreviventes das minas e que expõem as candidatas não corre o risco de tornar a tragédia algo pitoresco? Será que ele de fato aceita o que prega? Uma prótese é capaz de resolver os problemas gerados pela violência da guerra? Como lidarmos com a deficiência provocada pela guerra à população civil? Enfim, propor aos nossos alunos uma reflexão sobre essas questões, apoiadas no conhecimento histórico, parece-se nos salutar para não banalizar essa questão.
"Se bem que consiga entender que este concurso possa ser uma forma de sensibilização para o que o manifesto do referido site refere: entre outros, a consciencialização local e global sobre as minas terrestres, um desafio aos complexos de inferioridade e culpa, o questionar o que é um corpo perfeito, a substituição do termo "vítima" pelo de "sobrevivente", ou uma forma de "empowerment" e renovação do orgulho feminino, não pude deixar de sentir esta estratégia como uma agressão - um soco no estômago.
Na coleção História em Projetos, no volume de 7a série/8a ano- Unidade 2, Capítulo 10 "Brasil Independente para quem", na Parada 1- , p. 126, você encontrará material diversificado para problematizar a chegada da Corte portuguesa em nosso território, abordando com seus alunos o contexto e as motivações sobre a decisão do príncipe regente.
Atente para um pequeno trecho do (doc 10) , p. 126.
"A idéia de transferir a sede do governo português para a sua principal colônia era muito antiga. Desde os primeiros tempos da colonização, volta e meia, aparecia a proposta de mudança da capital do reino [...] Havia duas fortes razões que explicavam o freqüente reaparecimento da idéia. (...)
Na segunda feira 26/11/2007, o Jornal Nacional deu início a uma série de reportagens para lembrar a chegada da Corte Portuguesa em nosso território, uma pequena prévia do que ocorrerá em 2008 quando o evento fará duzentos anos.
Dois comentários curtos e muito pertinentes sobre a vinda da família real emitidos pelos pesquisadores entrevistados nos chamaram a atenção:
1) A idéia de que mudança da corte para o território da América Portuguesa não era nova;
2) A fala de um historiador português que questiona o estereótipo de um príncipe regente 'bobalhão e marionete', quando afirma em sua entrevista que a decisão de D. João VI teria de tomar não era uma questão local, mas planetária.
O programa faz bom uso de imagens e recursos gráficos (mapas animados representando a batalha naval entre o império britânico e as frotas de França e Espanha na batalha de Trafalgar) demonstrando-nos que, mesmo sem as chacotas desnecessárias a la Bueno, a história pode ser interessante e didática.
Acesse os demais episódios da série e outros correlacionados à temática.
Uma parte da culturalusitanaque o brasileiro desconhece está representada em uma exposiçãocommais de 140 objetos, no CentroCulturasBanco do Brasil (RJ)
Emnovembro de 1807, Dom João partiu de Portugal emdireção ao Brasil. Conheça a Ladeira da Misericórdia, o primeiroponto de ocupação da FamíliaReal na cidade
4m41s
A Corte no Brasil: programa do dia 17 de novembro de 2007
Neste programa, entenda como foi o dilema de Dom João entre as duas potências da época: a França e a Inglaterra. E veja também o embarquecaótico de toda a corte portuguesa para o Brasil.
A transferência de toda a corte européia para uma colônia no continenteamericano foi umfatoinédito. A partir da próximasegunda-feira, conheça e acompanhe esta viagem no JornalNacional
Há 200 anos, a Europa estava emguerra. Napoleão Bonaparte derrubava monarquias e Dom João veiopara o Brasil. A corte mudou a rotina e a culinária da colônia
Para abrir a série sobre os 200 anos da vinda da Família Real para o Brasl, o Bom Dia Rio conta a história de Napoleão Bonaparte. Segundo historiadores, ele era um líder carismático 3m31s
Em 27 de novembro de 1807, a famíliareal portuguesa deixava o país às pressasparaescapar dos franceses. ParaDom João, a únicasaídaerairparasuamaisimportantecolônia, o Brasil
A Lorde Stragford coube a missão de negociarcom o PríncipeRegente o bloqueio às forças Napoleônicas. Almirante Sidney Smith foi designado para protejer a corte portuguesa na viagem
Perto de embarcarpara o Brasil, D. João, prínciperegenteportuguês, fingiu declararguerra à Inglaterra, suaaliada, paraenganar a França de Napoleão. Ingleses escoltaram corte portuguesa na viagem
Há registro de que 56 embarcações fizeram a travessia de Portugal até o Brasil, 200 anosatrás, trazendo a corte portuguesa. Muitas pessoas sofreram com as precárias condições da viagem
Há 200 anos, a FamíliaReal começava a viagememdireção ao Brasil. Na aventura, Dom João e a corte portuguesa passaram três meses a bordo. O Brasil, cobiçado pelos franceses, era a jóia da Coroa
Segundo historiadores, 15 milpessoas deixaram Portugal, 200 anosatrás, emdireção ao Rio de Janeiro. Todoumsistema de governoque administrava o império português se mudou para a cidade
Em 1807, a Família Real embarcava de Portugal para o Brasil. Mais de quinze mil pessoas fugiam em cinqüenta navios. Na época, o Brasil era potência econômica de Portugal
O Rioera uma cidadeondetudo estava porfazer, masestratégiascomerciais fizeram D. João escolhê-la para se mudarcomtoda a corte. A presença portuguesa é visívelemdiferentespontos do Rio, hoje.
A São Clemente foi campeã do Grupo de Acesso no anopassado e vai abrir o desfile de 2008. A Escola vai homenagear os 200 anos da vinda da corte portuguesa para o Brasil
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Não deixe de consulta em nossa Biblioteca Virtualo diretório volume de 7a série/8a ano, pasta: Capítulo 10
*************** A professora Fátima Veiga também dá-nos uma contribuição importante para trabalhar a temática
A “GUIANA PORTUGUESA” – UM OLHAR SOBRE A POLÍTICA DIPLOMÁTICA DE D.JOÃOENTRE 1808 A 1817.
APRESENTAÇÃO DO TEMA:
Durante o período de estágio no Arquivo Histórico do Exército, foi encontrado um vasto material da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra – no período de 1808 a 1822 – e onde um códice (contendo minutas de documentos) dirigido da Corte à capitania do Grão-Pará apresentava uma série inteira de fontes relativas à atenção do governo de Bragança à questão da Guiana Francesa.
Para D. João, além de revidar a ocupação napoleônica em Portugal, invadir e controlar aquela região seria também uma forma “reforçar” a sua autoridade – dando-lhe mais peso nas negociações internacionais. Por outro lado, havia interesses econômicos em jogo: a bem-organizada agricultura da Guiana, com uma rica variedade de gêneros do Oriente ali aclimatados, além da presença de mão-de-obra qualificada – que o Príncipe do Brasil desejava trazer para o incremento de seu novo reino.
Além desses interesses, havia os familiares, pois em nenhum momento o príncipe demonstrou apossar-se definitivamente das propriedades particulares da casa real francesa (de quem era aparentado).Por ser um fragmento pouco conhecido da história deste período e pelo entusiasmo de tê-lo “descoberto” a partir da leitura de fontes primárias, interessa-me aprofundar os questionamentos sobre este príncipe (e depois rei) que muitas vezes é apresentado como um homem indolente, de inteligência rasteira e que só se preocupava com as ninharias do reino.
A leitura dos documentos mostra um D. João cioso da necessidade de fazer progredir a agricultura brasileira e, pasmem, de trazer para cá a “gente industriosa” [1] que habitava a possessão francesa; inclusive mandando divulgar aos protestantes que “aqui não se faz perseguição religiosa e nem funciona mais o Tribunal da Inquisição”.
Assim, a análise deste período pode tanto nos apresentar o D. João diante da política brasileira (um monarca nas Américas) quanto o D. João diante das relações exteriores com o Velho Mundo, cobrindo o período com uma visão, que há muitos anos a historiografia não se encarrega.
Esse é um dos aspectos que podem ser discutidos sobre os 200 anos da Transmigração da Corte para o Brasil.
[1] Expressão encontrada nos documentos, que indicava tanto a capacidade intelectual quanto à disposição para o trabalho técnico.
SUGESTÕES DE ATIVIDADES
Levando em conta que, a partir desse fato, a nossa história sofre modificações profundas, uma série de atividades podem ser programadas não só para “comemorar”, mas para lançar olhares sobre o passado.
Sugere-se um trabalho conjunto da História com outras disciplinas, num projeto de médio prazo, um trimestre no mínimo. A finalidade é perceber as modificações que a colônia sofreu no seu caminho para se tornar nação.
A vinda da Corte para o Brasil pode ser abordada de várias formas por diferentes disciplinas, e cada uma pode utilizar o fato para apresentar conceitos relativos à sua área de saber específica. A culminância desse projeto pode apresentar várias expressões – artísticas ou técnicas – dos assuntos abordados por cada disciplina; como: encenações, cartazes, seminários, atividades utilizando informática, produção textual, etc.
- Música e Artes Cênicas: o que se ouvia nos salões e nas ruas, idumentária e gestual de época, ditos populares como “Maria vai com as outras”, religiosidade católica e africana;
- Artes Visuais: idumentária, estilos de pintura e decoração, a Missão Artística Francesa;
- Educação Física: danças e comportamento, o contraste entre o trabalhador braçal (esforço físico intenso) e o senhor (sedentário);
- Língua Portuguesa: a literatura da época, os saraus de poesias e canções, os relatos das mudanças após à chegada da Corte, como algumas palavras mudaram de significado nesses dois séculos, os sotaques (há quem diga que o “chiado” do carioca foi influência do modo de falar dos nobres recém-chegados);
- Geografia: a economia agrário-exportadora de base escravista, o desenvolvimento urbano de algumas regiões e as conseqüentes modificações na paisagem natural, a importância do mar para o Brasil de então;
- Ciências: as visitas dos naturalistas europeus e suas descobertas sobre a biodiversidade brasileira, a natureza, o início da arqueologia (expedição de Lund), doenças corriqueiras da época;
- Matemática: datações, algarismos romanos, dados estatísticos, a geometria aplicada à arquitetura neoclássica, medidas, valores e volumes utilizados na época.
Professora Fátima Aparecida Costa Veiga
Secretaria Municpal de Educação - Rio de Janeiro
Escola Municipal Roberto Burle Marx - Curicica
Escola Municipal Deborah Mendes de Moraes - Pedra de Guaratiba
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Maria da Conceição Carneiro Oliveira, autora do projeto pedagógico da coleção História em Projetos e coordenadora da coleção é também a responsável pela manutenção do conteúdo do blog História em Projetos.
E-mail: historiaemprojetos@gmail.com
Formação: Bacharelado: História - FFLCH- USP; Licenciatura: Faculdade de Educação- USP; Pós-Graduação (lato sensu): IFCH- História Social- UNICAMP Graduanda: Pedagogia - Faculdade de Educação- USP
Experiência na área de Educação: Vinte e três anos de magistério (Ensino Fundamental; Médio e formação de professores); revisora e examinadora de provas e bancas de vestibulares de duas importantes universidades paulistas (pública e privada);
Experiência na área de Cultura: Divisão de Iconografia e Museus do DPH- Prefeitura de São Paulo (1990-1992).
Assessoria: SECAD/MEC/UNESCO (área de educação para as relações étnico-raciais) (2005-2006).
Projeto Porta Curtas Perfil da autora Conceição Oliveira no projeto Porta Curtas Produção Didática: Cadernos Eletrônicos (10 vol.). CIDEC/ Escola do Futuro/USP, Gov. do Estado de São Paulo; Imprensa Oficial, 2003/2004. Pensar e Construir História. (1ª a 4ª séries), Ed. Scipione; 2004; (Guia PNLD-2004). Pensar e Construir Geografia. (1ª a 4ª séries), Ed. Scipione, 2004; (Guia PNLD-2004). História- Paratodos. (1ª a 4ª séries), Ed. Scipione (Prêmio JABUTI 2005); (Guia PNLD-2007). História em Projetos. (5ª a 8ª séries), Ed. Ática, 2007. (Guia PNLD-2008) Melhor avaliação entre as aprovadas e Prêmio JABUTI 2008.
*Obras destinadas ao ensino de qualquer disciplina do currículo escolar, publicadas em primeira edição, não sendo aceitas edições revistas ou atualizadas. São considerados como: a) didático: obra essencialmente pedagógica; b) paradidático: obra não-pedagógica utilizada para esse fim.
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Pátria Minha
Vinicius de Moraes
A minha pátria é como se não fosse, é íntima Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo É minha pátria. Por isso, no exílio Assistindo dormir meu filho Choro de saudades de minha pátria.
Se me perguntarem o que é a minha pátria direi: Não sei. De fato, não sei Como, por que e quando a minha pátria Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água Que elaboram e liquefazem a minha mágoa Em longas lágrimas amargas.
Vontade de beijar os olhos de minha pátria De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos... Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias De minha pátria, de minha pátria sem sapatos E sem meias pátria minha Tão pobrinha!
Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho Pátria, eu semente que nasci do vento Eu que não vou e não venho, eu que permaneço Em contato com a dor do tempo, eu elemento De ligação entre a ação o pensamento Eu fio invisível no espaço de todo adeus Eu, o sem Deus!
Tenho-te no entanto em mim como um gemido De flor; tenho-te como um amor morrido A quem se jurou; tenho-te como uma fé Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito Nesta sala estrangeira com lareira E sem pé-direito.
Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra Quando tudo passou a ser infinito e nada terra E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz À espera de ver surgir a Cruz do Sul Que eu sabia, mas amanheceu...
Fonte de mel, bicho triste, pátria minha Amada, idolatrada, salve, salve! Que mais doce esperança acorrentada O não poder dizer-te: aguarda... Não tardo!
Quero rever-te, pátria minha, e para Rever-te me esqueci de tudo Fui cego, estropiado, surdo, mudo Vi minha humilde morte cara a cara Rasguei poemas, mulheres, horizontes Fiquei simples, sem fontes.
Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta Lábaro não; a minha pátria é desolação De caminhos, a minha pátria é terra sedenta E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular Que bebe nuvem, come terra E urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha pátria tem Uma quentura, um querer bem, um bem Um libertas quae sera tamem Que um dia traduzi num exame escrito: "Liberta que serás também" E repito!
Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa Que brinca em teus cabelos e te alisa Pátria minha, e perfuma o teu chão... Que vontade de adormecer-me Entre teus doces montes, pátria minha Atento à fome em tuas entranhas E ao batuque em teu coração.
Não te direi o nome, pátria minha Teu nome é pátria amada, é patriazinha Não rima com mãe gentil Vives em mim como uma filha, que és Uma ilha de ternura: a Ilha Brasil, talvez.
Agora chamarei a amiga cotovia E pedirei que peça ao rouxinol do dia Que peça ao sabiá Para levar-te presto este avigrama: "Pátria minha, saudades de quem te ama... Vinicius de Moraes."
Texto extraído do livro "Vinicius de Moraes - Poesia Completa e Prosa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1998, pág. 383.
Notas críticas aos argumentos contra cotas para negros nas universidades públicas
Luis Fernando Cerri
Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se os olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
Em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada:
Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico,
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão.
(Haiti – Caetano Veloso)
Introdução
As políticas afirmativas para acesso de estudantes negros às universidades públicas estão num novo nível de debate. Num primeiro momento, no início da década, o debate centrava-se na constitucionalidade, justiça e efetividade da iniciativa em cumprir seus objetivos. Hoje, o quadro atual das também chamadas políticas de cotas é outro. Estudos e relatórios recentes (p.ex. BRANDÃO, 2007) afastam alguns questionamentos anteriores, como o comprometimento da qualidade acadêmica do aluno que ingressou por cotas. No que se refere à constitucionalidade, consolidou-se no judiciário o princípio de que as políticas afirmativas são legais, a partir do princípio de dever do Estado na produção de igualdade substantiva, para além da igualdade formal.
Nesse quadro, em meados de 2007, é possível observar uma reação em setores da sociedade brasileira, procurando abrir um novo ciclo de discussões e reverter uma política que começa a dar sinais de consolidação e adaptação, tendendo portanto a generalizar-se no curto prazo. Assim, reportagens, sobretudo no jornalismo televisivo da Rede Globo e na revista Veja, do Grupo Abril (portanto dois dos maiores conglomerados da comunicação de massa no país) recolocaram a questão das cotas. Essa reação procura atingir, além dos pressupostos teóricos, seu modus operandi, a partir da afirmação de que o conceito de raça, (base da política implementada), não existe ou não é minimamente objetivo para ser aplicado. Além disso essas políticas tiveram reforçada sua ligação com o Governo Lula, o que acabou por constituir uma manobra para associar a insatisfação oposicionista com a crítica a uma política pública supra-governamental, e mesmo, em muitos casos, além do alcance do poder decisório dos governos, uma vez que fica no âmbito da autonomia universitária, em boa parte dos casos.
Além de um fenômeno midiático que pode ser associado à oposição política a um governo em particular, seu lugar social é o âmago de empresas capitalistas envolvidas em processos de oligopolização de seu mercado. Nesse quadro, o recurso ao radicalismo do discurso liberal – contrário portanto a qualquer intervenção do estado em qualquer campo da vida social ou econômica – ajuda a explicar uma predisposição natural contra políticas públicas compensatórias em geral, e as políticas de cotas em particular.
Esse texto objetiva discutir as bases da argumentação usada nesse processo de reação. A pergunta no final das contas é “temos um compromisso, como nação, com a reparação de prejuízos históricos causados aos negros?”. A estratégia para responder negativamente a essa pergunta tem duas linhas principais: 1) não há prejuízos históricos que sejam verificáveis ou não é possível definir quem é negro (linha predominante em Ali Kamel, por exemplo) e 2) há desvantagens históricas impostas aos negros, mas elas não podem ser resolvidas através de políticas afirmativas: elas não funcionarão, porque não funcionaram em parte alguma em que foram implantadas (linha predominante em Thomas Sowell). Pretendemos discutir preliminarmente esses argumentos, de um ponto de vista favorável a políticas educacionais afirmativas para negros. Parte-se da idéia de que há, sim, uma desvantagem social e educacional da população negra, que foi construída historicamente no Brasil e que tem sido combatida, sobretudo por pressão do movimento negro sobre o Estado, cobrando-o por seu discurso republicano / democrático. Entretanto, não tem sido enfrentada decisivamente a desigualdade que separa brancos e não-brancos.
No título, a expressão “notas críticas” demonstra o caráter não exaustivo desse capítulo, bem como o fato de ter sido produzido por um leitor crítico envolvido no debate, e com um ponto de vista específico (historiador, com formação em Educação, favorável e avaliador da implementação de uma política de cotas universitária para negros em especial) e não um especialista com formação nas questões em tela.
“Não somos racistas” – o argumento de que não há o que reparar.
O livro do sociólogo e executivo da Rede Globo de Televisão, Ali Kammel, tem como título “Não somos racistas”.Ele é um dos principais divulgadores da tese de que não há reparação a ser feita para os negros, porque não há efetiva desigualdade baseada no critério racial. Seu raciocínio fica na borda da idéia de que no Brasil não há racismo, embora não entre de veznessa idéia, apenas sugerindo que “não somos racistas”. A primeira pessoa do plural indefinida (quem somos nós, que não somos racistas?) permite essa proximidade, sem adesão definida, com a idéia de Brasil como democracia racial.
Apesar de se tratar de um ensaio, com características de material de divulgação, o livro de Kamel é relevante por dois motivos. Primeiro, porque teve ampla divulgação e repercussão, alcançando diversas edições e ganhando espaço nos meios de formação de opinião. Por outro, é representativo devido ao estrato social a que pertence – uma parcela específica da elite econômica brasileira, proprietária e/ou financiada por instituições conservadoras de comunicação social. Kamel atua como “intelectual orgânico” da classe social que representa / serve / pertence.
O indicativo importante que discutiremos a seguir é que esse autor demonstra que os desenvolvimentos da sociologia brasileira desde os anos 50 não tiveram repercussão nessa elite nacional. Assim, a crítica à idéia de democracia racial, o reconhecimento da especificidade do racismo brasileiro, diverso do norte-americano, mas nem por isso menos nefasto em suas conseqüências, e o reconhecimento das contribuições das culturas negras ao processo civilizatório nacional, que são hoje dominantes na academia e mesmo em amplas parcelas dos setores do Estado que são responsáveis por políticas sociais, apresentam-se como não – hegemônicos na sociedade, combatidos por uma parcela fundamental da classe dominante.
Um auxílio à caracterização do lugar social ocupado por Kamel, necessária, embora não suficiente para a análise de sua argumentação, é feito pela professora Yvonne Maggie (UFRJ), no prefácio à mencionada obra. Afirma Maggie [1]:
“Executivos de grandes redes, usualmente, não manifestam suas posições pessoais sobre temas nacionais. Por isso sua participação no debate público é tão importante para demonstrar que as empresas da mídia são instituições formadas por alguns indivíduos que têm opiniões próprias, uma outra batalha que Ali Kamel vem travando com muitas patrulhas de plantão”. (p. 10) [2]
A síntese da obra de Kamel pode ser feita em quatro linhas principais. Inicialmente está a negação do racismo como convicção, difícil de comprovar ou refutar, pois é um elemento subjetivo e não necessariamente verbalizado pelas pessoas, mesmo porque é crime inafiançável definido na Constituição Federal. Com isso, pretende-se negar a amplitude da discriminação racial, o que é mais difícil por tratar-se de uma prática social, refletida em dados objetivos. Por isso, a obra conta com um exercício estatístico na tentativa de demonstrar que os negros não compõem a maior parte da população pobre do país, bem como não há diferença de remuneração ou de acesso a emprego entre negros e não-negros. Outra linha de raciocínio importante da obra é a negação dos “pardos” como negros. Em seguida, vem a assertiva de que os problemas de renda e acesso a bens sociais, entre eles a educação, por parte de “pardos e negros” resultam da pobreza e do nível educacional, e não dos efeitos do racismo. Por fim, defende que a saída para esse problema seja o investimento maciço na educação básica, o que é uma decorrência lógica do não - reconhecimento da desigualdade como fator central: se todos são formal e teoricamente iguais, uma política universalista de distribuição de recursos deve ser capaz de resolver as desigualdades que não se devem a fatores raciais, mas a fatores econômicos.
Sem pretensão de sermos exaustivos, comentaremos cada um desses tópicos.
“Não somos racistas”, mas no Brasil há racismo. Essa é a conclusão de uma pesquisa desenvolvida pelo Fórum Diálogos Contra o Racismo [3], ou seja, a maioria da população entrevistada não se assume como racista, e a maioria afirma que há racismo no Brasil, levando-nos ao paradoxo do racismo sem racistas, que motivou o desenvolvimento de diversas campanhas de esclarecimento, com o mote “Onde você guarda o seu racismo?”.
A negação dos efeitos práticos do racismo começa por um item que o autor intitula como “A gênese contemporânea da nação bicolor”. Manifesta um susto com o que chama de “ transformação de pardos em negros”:
“Certo dia, caiu a ficha: para as estatísticas, negros eram todos aqueles que não eram brancos. Cafuzo, mulato, mameluco, caboclo, escurinho, moreno, marrom-bombom? Nada disso, agora ou eram brancos ou eram negros. De repente, nós que éramos orgulhosos da nossa miscigenação, do nosso gradiente tão variado de cores, fomos reduzidos a uma nação de brancos e negros. Pior: uma nação de brancos e negros onde os brancos oprimem os negros. Outro susto: aquele país não era o meu.” (KAMEL, 2006, p. 18)
Temos nesse trecho o autor chocado, como Adão e Eva diante da “expulsão do paraíso”, dando-se conta de que as estatísticas oficiais incorporaram toda a discussão da sociologia sob o impacto da obra de Florestan Fernandes e outros: o Brasil não é uma democracia racial. Seguindo seu argumento, retoma Gilberto Freyre e a concepção de que ele não acreditava na democracia racial como realidade, mas apenas como ideal a ser buscado; portanto, para Kamel, o racismo existia e existe (p. 20)mas a nação não se queria racista e sempre condenou o racismo.
Há dois problemas nessa argumentação: um é reduzir a nação a uma generalidade abstrata e homogênea. Não existe “a nação” como sujeito que faz ou deixa de fazer alguma coisa, existe a nação como conjunto de pessoas e grupos concretos que disputam projetos de nação e interesses entre si. A metonímia da nação é um recurso retórico da luta ideológica, que não é admitida quando adentramos a esfera do rigor acadêmico. Assim, é de se reconhecer que não é “a nação” que sempre combateu o racismo, mas uma parcela dela. Se combateu, tinha opositores, e esses certamente são os que praticam / praticavam o racismo, assumidamente ou não. Uma das grandes conquistas dos movimentos negros e contra o racismo em geral é a identificação de que o racismo no Brasil, ao contrário de uma convicção (como em partes dos Estados Unidos ou na África do Sul sob o Apartheid) é um conjunto de práticas discriminatórias não assumidas como tal, que incluem mesmo o paternalismo exercido sobre pessoas negras. É o que se caracteriza como “racismo cordial” (TURRA e VENTURI, 1995). É o que evidencia, por exemplo, o Fórum Diálogos contra o Racismo, mencionado acima.
O primeiro passo para o combate ao racismo é reconhecê-lo, não só como abstração e coisa dos outros, mas como uma estrutura psicológica coletiva sobre a qual temos pouco controle, até o momento que o reconhecemos em nós, independente do grupo racial a que pertencemos e da forma que ele assume. Ora, no discurso de Kamel, tanto a nação quanto o racismo são desprovidos de subjetividade, materialidade e de complexidade.
Kamel busca na Sociologia dos anos 50 o “desvio errado” que o Brasil teria tomado, pelo qual estaríamos chegando a uma nação bicolor, através do que caracteriza de equívoco teórico, ou seja, a classificação de pretos e pardos como negros. Para força de seu discurso, ignora os índios (cuja população e auto-declaração tem crescido, e cuja identificação racial ou cultural é inequívoca) e os orientais. Afirma também que a denúncia do racismo brasileiro desconsideraria as relações de amizade e as relações conjugais inter-raciais. É outro equívoco. O fato de que no Brasil se encontram essas relações é um ponto positivo, mas não invalida a construção teórica referente ao racismo brasileiro e suas especificidades. Pelo contrário, combater o racismo não passa por identificar os pontos em que a sociedade brasileira não pratica a discriminação, mas exatamente pelo reconhecimento dos pontos em que essa discriminação existe, e as formas pelas quais essa discriminação é exercida. E nessa tarefa, o livro de Kamel não só não ajuda em nada, mas atrapalha ao tentar recuperar elementos do mito do Brasil como democracia racial, beneficiado pela ausência de um racismo tal qual se praticaria em outros países, cujo arquétipo é sempre os Estados Unidos da América.
Para o argumento de que não há o que se possa reparar especificamente nas relações raciais brasileiras, uma das idéias mais importantes esgrimidas por Kamel é a de que as raças não existem. Desse argumento biologizante (e portanto, de certo modo, filiado ao positivismo) derivam a crítica à junção de pretos e pardos na categoria única de negros, bem como a crítica à idéia de que seríamos, sim, um país racista. Também depende desse raciocínio a crítica à idéia subsidiária de que a pobreza no Brasil é predominantemente negra, base das políticas afirmativas por parte das Universidades e do poder público em geral.
A “redescoberta”, por parte do discurso contra as políticas afirmativas para negros, da ausência de raças na espécie humana pela Antropologia, num primeiro momento, e depois pela Genética, são um esforço conservador de restabelecer o desgastado princípio de igualdade formal que permita a continuidade do tratamento igual aos que são, na verdade, desiguais, de modo a não colocar o Estado a promover igualdade. É significativo que esse argumento seja recuperado no momento atual, em que o antigo argumento da igualdade formal entre os brasileiros (expresso na máxima liberal de que todos são iguais perante a lei) tem perdido seu efeito prático de manter as desigualdades. Sim, porque as decisões judiciais nos litígios por vagas em universidades que adotaram vêm tendendo a estabelecer a insuficiência do princípio da igualdade formal (e portanto dos direitos formais) diante das evidências de que as condições das pessoas as desigualam e mesmo as impedem na prática de exercer sua igualdade formal. Tem vencido, portanto, o princípio dos direitos substantivos, práticos, que a justiça deve favorecer.
A partir dessa realidade, a reação às políticas afirmativas, da qual Kamel participa, passa a buscar um outro argumento no qual possa sustentar a existência de igualdade em algum plano, e o encontra na negação do conceito de raça e na “confusão genética” de nosso povo. Assim, recentemente, desenvolveram-se análises genéticas de negros famosos e comprovou-se a presença de origens genéticas européias predominantes, em pessoas que fenotipicamente jamais seriam reconhecidas como européias. Deixemos de lado o fato de que se recorre a um expediente cientificista, pelo qual os detalhes da pesquisa são deixados de lado (como o significado exato de “origem européia dos genes”) em favor do discurso de autoridade fascinante do laboratório e do jaleco branco na emissão de “verdades”. Trata-se aqui de discutir o conceito de raça diante desse quadro.
É importante notar que nos Estados Unidos, não se fazem análises genéticas da população latina para verificar o quanto de europeu ela tem no corpo. Afinal, latino-americanos descendem de europeus, índios e negros, em diferentes perspectivas. O autor dessas linhas, por exemplo, que tem origem majoritariamente italiana e aparência caucasiana, nos EUA é “latino” e no Brasil é “branco”. Já o Neguinho da Beija-Flor, que no Brasil tem sua genética exposta como mais europeu que negro, nos EUA é claramente negro. E no Brasil também, apesar de sua carta genética. Por que isso ocorre?
Da constatação de que raças não existem, não deriva logicamente a afirmação de que somos todos iguais. Ora, temos aparências diferentes, fenótipos distintos, e isso não é irrelevante nas relações sociais.Nenhuma criança pede à outra seu exame de DNA para isolá-la na escola, na hora do lanche: elas o fazem a partir da aparência do(a) colega. Ninguém é recusado num emprego pelo seu código genético, mas pela aparência. Se a raça não existe como conceito biológico ou antropológico, a raça existe nas relações sociais! A raça existe na Sociologia, na História, na porta da casa noturna, na hora do mau policial decidir se atira primeiro e pergunta depois ou o contrário. A raça não reúne as pessoas pelo mapa genético, mas pela experiência social compartilhada, pelos relacionamentos, pressupostos, preconceitos. Que essas relações sejam temperadas, no Brasil, pela posse ou não de dinheiro e bens, é uma especificidade das relações sociais brasileiras, não um fator que negue o peso das relações raciais.
Caetano Veloso, na letra da canção que é epígrafe do presente texto, traduz poeticamente o significado desse argumento: no Brasil, “branco” é todo aquele que não é “quase preto” ou “quase branco”. Então, porque pretos e pardos podem ser reunidos, estatisticamente, em uma categoria única, a de negros? Pela similaridade das suas experiências e relações! Por que ser “quase branco” ou “quase preto” ou “preto” faz diferença nas relações sociais. Sobretudo, cumpre questionar esse debate, evidenciando que, historicamente, para sofrer discriminação racial, “cafuzo, mulato, mameluco, caboclo, escurinho, moreno, marrom-bombom” (Kamel) são “tratados como pretos / Só pra mostrar aos outros quase pretos / (E são quase todos pretos) /E aos quase brancos pobres como pretos / Como é que pretos, pobres e mulatos /E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados” (Veloso). Porém, quando se trata de definir políticas redistributivas, a raça (o que identifica um grupo pelas aparências e experiências sociais que compartilha) não é aceita como critério.
A revista Veja chegou a aproximar os defensores das cotas raciais com os nazistas ou os africâners do regime do Apartheid, misturando alhos com bugalhos e fazendo a clássica inversão que o Marx da Ideologia Alemã identificaria claramente como ideologia burguesa. As cotas são prática redistributiva e visam beneficiar os “discriminados” (e não prejudica-los ou extermina-los), e não estão baseadas em bases pseudocientíficas e biologizantes da questão racial, exatamente o contrário dos nazistas e arquitetos do Apartheid.
Por fim, os estudos estatísticos de Kamel são malabarismos para tentar demonstrar que o racismo não é a causa das diferenças entre negros e brancos no que se refere a renda e acesso a bens em geral. Nesse exercício, acaba por demonstrar a toda curva e a cada atalho de seu raciocínio a situação de inferioridade contra a qual negros – pretos e pardos – de debatem no Brasil. Por exemplo, quando afirma que negros ganham menos que brancos em uma determinada categoria por serem menos escolarizados, cai na própria armadilha ao evidenciar que negros e brancos não tem o mesmo tipo de acesso à educação. Ao tentar afirmar que essas situações não se devem ao racismo, roça-se – implícita e perigosamente - a idéia de que os negros seriam menos dotados intelectualmente (afinal, se não há obstáculos racistas, por que os negros têm desempenhos inferiores?). Ao contrário dessas formulações, outros estudos, como os patrocinados pela UNESCO (por exemplo HENRIQUES, 2002) evidenciam que a cor da pele é fator de piora na situação social, educacional, econômica, enquanto trabalhos como os de Cavalleiro (2000) e Fazzi (2004) analisam o impacto do preconceito e da discriminação (sobretudo por parte de professores) no aprendizado de crianças e jovens negros.
“Ação afirmativa não funciona” – o caminho para superar a desigualdade é o tratamento igualitário.
Kamel e outros debatedores contrários às políticas afirmativas sustentam-se sobretudo no estudo de Thomas Sowell para afirmar que as cotas não funcionam: beneficiariam apenas os estratos mais altos dos grupos favorecidos, ou ainda poderiam levar à exacerbação dos preconceitos dos não – beneficiados. Por isso, essa parte do texto é dedicada a comentar a obra “Ação afirmativa ao redor do mundo. Estudo empírico”, de Sowell. O título é revelador do eixo do argumento do autor, um argumento neopositivista, de que sobra emoção e faltam dados empíricos ao debate sobre cotas e outras ações afirmativas. Entretanto, na medida em que ele promove uma pesquisa ampla e comparativa de diversas experiências em distintos países, sustenta a posição de que seu objeto mostrou-se invariavelmente nefasto em todos os casos estudados. O fetiche do dado bruto como emissor de verdade é algo superado no debate acadêmico há muito tempo, afinal a opinião está na base da construção dos instrumentos que extraem os dados do real, e por isso os dados não logram ter a força bruta que positivistas e neopositivistas lhe imputam. Antes do dado, temos a discussão de como esse dado foi produzido, ou seja, a validação dos enunciados não ocorre mais no autoritarismo frio dos dados, mas na razoabilidade dos instrumentos, dados e argumentos, construídos intersubjetivamente. É ao rascunho dessa tarefa que nos dedicamos a seguir.
O historiador José Roberto Pinto de Góes apresenta a obra e oferece um panorama interessante sobre a utilização das idéias e argumentos de Sowell em função da realidade brasileira. Em outros termos, a ele cabe comentar o significado da obra traduzida a ser lida pelos brasileiros, e espera-se que procure traçar paralelos com o caso brasileiro, não analisado por Sowell. Afirma Góes que “O sistema só tem beneficiado uma minoria. Não a minoria, mas uma minoria preexistente no interior de uma minoria” (in SOWELL, p. x) e por isso apenas os negros com melhores condições educacionais terão acesso à universidade. O argumento de Góes evidencia alguns dados correlatos importantes: a) no Brasil, atualmente, nem a minoria da minoria vinha tendo acesso à universidade pública, o que garante o argumento de que o racismo é um fator central na exclusão educacional de negros e b) as políticas de cotas não se opõem necessariamente ao mérito acadêmico. Em outros termos, se há uma parcela afortunada na minoria negra brasileira, porque afinal ela permanecia praticamente ausente dos bancos universitários? Beneficiados pelos estudos posteriores (p. ex. BRANDÃO, 2007), podemos afirmar que a minoria da minoria está acessando a universidade (ou seja, aqueles negros filhos de pais de classe média baixa e classe baixa que conseguem sair do mercado de trabalho e receber algum apoio financeiro da família). Além dessa “elite”, outros alunos que não poderiam permanecer na universidade sem apoio financeiro do Estado ou das universidades têm se agarrado às franjas dos combalidos serviços de apoio aos estudantes e têm-se mantido na graduação. Outros tantos entre esses, por sua vez, não resistem e são obrigados à evasão. No fim das contas, as cotas têm a) permitido à “minoria da minoria” acessar a universidade, que antes não o fazia; b) permitido a uma parcela da maioria da minoria o mesmo acesso e permanência e c) falhado em garantir a permanência de outros cotistas da maioria da minoria. Inegavelmente estamos um passo adiante do que estávamos antes das cotas no quesito da inclusão. E não cabe à política afirmativa resolver todos os problemas educacionais, apenas os problemas de desigualdade.
Góes também entra em discussões reveladoras, como a oposição a políticas de transferência de renda em geral para os pobres, a idéia de que cotas fornecerão diplomas, mas não educação (o que em 2004 era um palpite, largamente desmentido pelos resultados atuais no desempenho acadêmico dos cotistas) e o orgulho da mestiçagem versus divisão entre brancos e não-brancos nas estatísticas. Mas um dado muito mais interessante do conjunto de elementos que esgrime é a crítica ao “imperialismo cultural” norte-americano, que estaria presente dos financiamentos da Fundação Ford para o estudo de questões raciais brasileiras até a importação das cotas como política inclusiva. Essa crítica convive sem problemas de consciência com o fato de que o cabedal de informações de Sowell, que Góes está a apresentar, é produção de um pesquisador norte-americano, financiado e comissionado pela norte-americana Hoover Institution on War, Revolution and Peace, da Universidade de Stanford! Não é uma contradição, é o reconhecimento de que, com as devidas ressalvas críticas e análise de interesses, o conhecimento não tem validade a partir do país ou instituição, mas pela sua coerência, consistência e relevância. Nesse rumo, Góes questiona porque o Brasil imita as cotas dos estadunidenses, e não o profundo respeito, em sua cultura política, pelos direitos individuais. Embora a afirmação soe um pouco estranha após o Patriotic Act sob George W. Bush e os fatos nas prisões de Guantánamo e Abu Ghraib, podemos responder que não imitamos essa característica pelo mesmo motivo de não imitar a riqueza norte americana. Prosperidade econômica e cultura política são elementos construídos durante dezenas de gerações. Cotas são uma política pública de curto prazo. Além disso, é questionável a idéia de imitação norte-americana, porque o livro que Góes apresenta tem exatamente o caráter demonstrativo da amplitude das ações afirmativas no mundo, com casos que precedem o dos Estados Unidos.
Para passarmos a Sowell propriamente, já que não cabe aqui esgotar toda a contra-argumentação possível a Góes, basta indicar que o assunto é apaixonante, e é um exercício formidável a vigilância constante que o estudioso precisa ter para não passar do debate fundamentado e razoável para a provocação gratuita em favor de suas paixões. Góes dedica seus últimos parágrafos à paixão, e num texto apaixonado critica a paixão de seus opositores nessa discussão. E para tanto, termina citando o padre Antonio Vieira sobre os males da paixão conjugal, o que pode não ser uma referência confiável, uma vez que ao jesuíta casto e celibatário deveria faltar exatamente aquilo que é tido em Sowell como critério de autoridade e validade do discurso: o conhecimento empírico. Qualquer leitor de primeira viagem percebe, entretanto, que sob o véu do empirismo e da neutralidade está o conceito apriorístico do autor, que procura negar as ações afirmativas como ações viáveis para diminuir as desvantagens de grupos sociais. Pose-se perceber isso. Por exemplo, quando o autor afirma que seu estudo dá espaço para opiniões de ambos os lados quanto às ações afirmativas, mas as opiniões favoráveis têm pouco ou nenhum espaço, e aparecem já decompostas (e por vezes mutiladas) pela análise do autor.
Sowell desenvolve um estudo extenso, e foge às dimensões deste capítulo discutir cada um dos seus encaminhamentos metodológicos ou argumentativos, motivo pelo qual discutiremos apenas alguns deles. Já que o autor, após a análise de 5 casos nacionais, afirma que tanto as características em cada país quanto os argumentos pró-ações afirmativas são mais universais do que se admite, e já que debatedores como Kamel e Góes derivam daí a idéia de que tais ações são universalmente nefastas, procuraremos fazer nossas anotações numa perspectiva de comparação / adaptação com o caso brasileiro.
Uma das primeiras conclusões apresentadas por Sowell é que, em todos os países estudados, as pessoas que se auto-declaram pertencentes a uma minoria beneficiada por ações afirmativas crescem em número rapidamente. Há um tom de condenação a essa prática, como se a assunção de uma tal identidade tivesse algo de ilegítimo a priori. Não podemos afirmar nada sobre os casos apresentados por Sowell, mas podemos traçar algumas linhas sobre o caso brasileiro.
O processo de construção de identidades é complexo, e essa característica é acirrada nos tempos em que vivemos, sejam eles chamados de pós-modernidade, modernidade tardia, ou o que quer que seja. O fato é que atualmente, em quase todos os espaços, a identidade não é atribuída irreversivelmente de fora para dentro do indivíduo, a partir de relações sociais e aparências fechadas, mas também de dentro para fora, o que nos coloca na condição de uma estrutura dinâmica e variável de composição de identidades (cf., p. ex., Hall, 2005). Por outro lado, assumir uma identidade, por exemplo ao ser perguntado em uma entrevista do censo populacional, é um exercício de representação de si mesmo, com bases que podem ser mais ou menos concretas, dependendo do significado dessa identidade para a convivência social.
A população indígena brasileira nos censos populacionais e Pesquisas Nacionais por Amostra Domiciliar (PNAD) vem crescendo muito acima de sua taxa de fertilidade, o que significa que mais pessoas estão se identificando como índias. Embora não haja nenhuma vantagem direta nisso, esforços de diversas instituições em valorizar as diversas culturas e povos nativos podem estar tornando “ser índio” um dado não carregado de desvantagens pessoais, somente. Ou seja, a reaproximação de alguém com suas origens não depende necessariamente de vantagens materiais imediatas, mas também de um processo de reconciliação com uma identidade negada, pelo reencontro mental com suas virtudes. É o que se chama de orgulho cultural ou étnico das próprias origens. E a lógica das identidades impede que alguém assuma uma origem que somente lhe traz prejuízos. Mesmo quando ela continue alvo de discriminações e sofrimentos, entretanto, obter a aprovação e o reconhecimento dentro do próprio grupo oprimido, mas unido, pode ser compensação suficiente, e não obtê-la pode ser vergonha suficiente para superar os eventuais benefícios a obter ocultando as próprias origens.
A identidade ameríndia, tanto em termos étnicos quanto culturais, é quase inequívoca na experiência social brasileira. Trata-se de um assunto privado, até o momento em que essas identidades passem a significar o acesso facilitado a recursos providos pelo poder público. Desse ponto em diante, instala-se a pantanosa discussão sobre a autenticidade da identidade assumida, que não é capaz de alcançar a objetividade absoluta, já que se instala entre os sujeitos sociais, posicionados e interessados nos resultados desse debate.
O caso da identidade negra tem outros elementos que ampliam sua complexidade, a começar pelos recursos que ela em tese permitirá acessar, com a recente inserção das ações afirmativas no quadro das relações econômicas e sociais. Mas antes disso, é necessário considerar um outro complicador, que é o fato de que a assunção de uma identidade negra se dá no interior de uma “sociedade dos brancos”, e portanto tem um caráter, na prática, de subversão social e de construção de espaços alternativos de convivência e reconhecimento. O conceito está implícito no título de uma das obras-chave da sociologia brasileira, “O negro no mundo dos brancos”, de Florestan Fernandes. Para ele, em suma, o Brasil não resulta da integração das três raças, mas da criação de um mundo que serve ao branco, para o qual negros e índios foram coagidos a trabalhar, e do qual não tomam parte senão negando a si próprios. Um exemplo típico desse princípio pode ser encontrado na idéia de que, quando tem dinheiro, o negro alcança a mesma condição do branco e não é mais discriminado. Todas as conexões da frase anterior confirmam a tese do mundo dos brancos. O mesmo se dá com a idéia que estrutura um outro caso cotidiano, pelo qual alguém se horroriza por um conhecido ter sido chamado de negro ou de preto: “Imagine, fulano, você não é preto, é moreno!”. Ser negro é entendido como desvantagem, e ao estabelecer relações positivas com um afrodescendente com características físicas que o colocam na mira da discriminação, uma estratégia de proteção que confirma a opressão é negar sua negritude.
No caso do Brasil, é nesse quadro que se assume a condição de negro. È verdade que existe a “negritude de ocasião”, e que por vezes falham grotescamente os mecanismos criados pelas universidades para coibir os abusos da autodeclaração no acesso aos benefícios das políticas afirmativas. Mas, em geral, assumir a condição de um grupo tradicionalmente oprimido, explorado e marginalizado significa um enfrentamento de uma ordem social tradicional, com conseqüências políticas importantes no sentido da democratização do Brasil. Aqui, não se pode inferir nenhuma leviandade generalizada ou prejuízo político coletivo para o fato de que mais pessoas assumam sua negritude. O oportunismo nesse ato não compensa seu preço.
Para cumprir o objetivo prévio de refutar as ações afirmativas como um todo, Sowell acaba por defini-las de modo incorretamente amplo, como todo e qualquer tratamento que privilegie uma parte da população e persiga outra, com o que se inverte completamente o princípio em suas vinculações originais, seja em termos de filosofia política (uma abordagem redistributiva em perspectiva laica e democrática, de raiz iluminista), seja em termos de história (a luta por produção de igualdade em sociedades marcadas fortemente por desigualdades e opressão). É essa manobra que permitirá a Sowell (e a seus tributários no Brasil, de Kamel o jornalismo da Editora Abril na revista Veja / jornal Folha de São Paulo) a curiosíssima identificação das ações afirmativas ao nazismo e ao anti-semitismo em geral. Isso pode ser verificado quando, ao fornecer uma panorama geral da questão, afirma:
Em alguns países, tem ocorrido a total debandada física do grupo sem preferências como resultado da política preferencial que reduz suas perspectivas. O êxodo em resposta à discriminação dos chineses da Malásia, dos indianos das Ilhas Fiji, dos russos da Ásia Central, dos judeus de grande parte da Europa pré-guerra e dos huguenotes da França do século XVII drenou esses países de capacitações e talentos muito necessários. Sintetizando, as políticas preferenciais representam não apenas a transferência de benefícios de um grupo para outro, mas podem também resultar em perda para o conjunto, quando os dois grupos reagem com uma contribuição menor para a sociedade. (SOWELL, 2004, p. 15)
Não é difícil perceber que o conceito de ação afirmativa aplicado por Sowell é excessivamente amplo, e portanto falho em termos de historicidade e critério de seleção. A conseqüência é a comparação de fenômenos históricos completamente díspares e uma conclusão que não é sustentável: o anti-semitismo ou a opressão de uma elite contra os estrangeiros seriam formas de ação afirmativa!
Outra distorção promovida pela frouxidão do conceito de ação afirmativa em Sowell está em superdimensionar os conflitos interétnicos como resultado, principalmente, da aplicação de ações afirmativas. Desse modo, argumenta, a reação contra as políticas pelos que não são beneficiados por elas é desproporcional aos benefícios concedidos, aumentando os conflitos e o ressentimento entre os grupos. Em alguns casos, como o do Sri Lanka, fica faltando pouco para o autor afirmar que cotas ou listas levaram o país à guerra civil, o que certamente seria desconsiderar que um evento dessa magnitude via de regra não é amarrado a uma única causa, e que no conjunto de causas que levam a guerras civis, a reação às ações afirmativas não jogam um papel decisivo.
No caso brasileiro, o argumento de que as políticas afirmativas incrementarão o racismo vem sendo esgrimido com alguma freqüência. Talvez seja o caso de pensar se, a partir delas, o salário dos negros e, sobretudo, o das mulheres negras, passe a ser inferior, em média, aos dos demais grupos sociais, que o acesso a determinados empregos passe a ser restringido para negros, que os negros sejam o grupo definitivamente majoritário entre os que são pobres, ou os mais atingidos pela violência policial e 3 vezes mais vitimados por mortes por arma de fogo que os não-negros (SALES, 2006, p. 38). Poderiam ainda as cotas ser origem da ausência prática de negros nos altos escalões do executivo, legislativo e judiciário, bem como na comunicação de massa? Poderiam acabar gerando comportamentos discriminatórios e intimidadores, como anedotas, apelidos pejorativos, restrições a relacionamentos pessoais? Se todas essas coisas já não existissem, talvez fosse considerável a hipótese de que políticas afirmativas viessem a criá-las no Brasil.
O que efetivamente temos visto no campo dos fatos novos quanto à discriminação racial que remotamente poderiam ser relacionados às cotas não chegam a ser fatos novos. Pichações racistas em locais públicos, atentados intimidatórios isolados, manifestações racistas em cursos em que isso antes não ocorria, não porque os alunos não fossem racistas, mas pelo fato de que não haviam antes sujeitos passíveis de discriminação racial, são exemplos. Nenhum deles escapou ao controle, e todos podem ser enquadrados com os instrumentos que a lei brasileira dispõe para coibir discriminação.
Um outro exemplo das estratégias de Sowell para a defesa de sua tese pode ser encontrado na informação que dá sobre os avanços econômicos e sociais da população negra norte-americana antes dos anos 60, marco da conquista dos direitos civis e das garantias contra os efeitos do racismo. Para o autor, a melhoria da condição de vida da população negra norte americana já havia começado antes das políticas afirmativas, e demonstra isso com estatísticas sobre essa população. Trata-se, entretanto, de um período de prosperidade e crescimento contínuo da economia, e falta o dado sobre o mesmo avanço econômico e social da população não – negra, para podermos entender o comparativo. Assim, o argumento fica incompleto: a melhoria das condições de uma população não é um dado absoluto, mas relativo ao desenvolvimento de outros grupos. Quando todos avançam, a taxa de avanço de cada um passa a ser um fator decisivo para a compreensão do processo e das desigualdades referentes a ele.
As críticas de Kamel, Sowel, Maggie e Góes às políticas afirmativas não são uniformes em termos de qualidade e profundidade. Muitas delas não se aplicam à experiência brasileira em hipótese alguma, e outras são apenas inválidas para o momento atual, e não se pode imaginar que a realidade seja estática e que algumas dessas críticas não possam vir a valer num futuro próximo. A operação de interferir nas relações sociais e educacionais – sobretudo quando se trata de uma instituição relativamente autônoma, como é o caso da Universidade Pública – é uma operação legítima, mas ao mesmo tempo arriscada. Por isso, o cuidado e a atenção constante às novas características e dimensões dos projetos e sua realização configuram-se hoje como uma tarefa irrecusável, para a qual a crítica dos opositores é uma contribuição constante.
Referências bibliográficas
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FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: DIFEL, 1971.
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HENRIQUES, Ricardo. Raça e gênero no sistema de ensino. Os limites das políticas universalistas na Educação. Brasília: UNESCO, 2002.
RIBEIRO, Yvonne Maggie de Leers Costa . Racismo e anti-racismo: preconceito, discriminação e os jovens estudantes nas escolas cariocas. Educação e Sociedade, v. 27, p. 739-751, 2006.
SALES, Augusto dos Santos. Who Is Black in Brazil? A Timely or a False Question in Brazilian Race Relations in the Era of Affirmative Action? Latin American Perspectives, v. 33, n. 30, p. 30 – 48, 2006.
SOWELL, Thomas. Ação afirmativa ao redor do mundo. Estudo empírico. Rio de Janeiro: UniverCidade, 2004.
TURRA, Cleusa e VENTURI, Gustavo. Racismo cordial. São Paulo: Ática, 1995.
[1] Maggie é antropóloga e estuda as relações raciais, entre outros temas. Destacamos o artigo “Racismo e anti-racismo: preconceito, discriminação e os jovens das escolas cariocas”, cuja principal conclusão é a de que os marcadores raciais não são significativos na definição de conflitos e afinidades entre os alunos. Subsidiariamente, sugere que não cabe ao Estado propor estratégia distinta das definidas pelos alunos em seu enfrentamento de conflitos e desigualdades, argumentando contra as políticas de reserva de vagas nas universidades.
[2] Os meios de comunicação são dirigidos por pessoas com opinião própria, isso é amplamente reconhecido. Os proprietários de um veículo também têm opinião própria, e em geral o alinhamento com essa opinião é um fator positivo para que o jornalista ou o executivo galguem posições na hierarquia da empresa. É importante rememorar as posições da Rede Globo em alguns casos da história recente, de modo a temperar a visão algo idealizada de Maggie. Temos por exemplo, o caso da eleição de Brizola para o governo do Rio de Janeiro em 1982, em que as pesquisas de opinião divulgadas pela emissora davam a vitória a outro candidato, criando condições para uma fraude eleitoral que não se realizou, afinal. Podemos citar também: a ocultação do movimento das Diretas Já nos programas jornalísticos da emissora até quando não foi mais possível pela evidência dos movimentos de massa; a edição do debate do 2º. turno da eleição presidencial de 1989, favorável o candidato Collor e desfavorecendo o candidato Lula; a gafe da entrevista do então ministro Rubens Ricupero, expondo os favores da emissora à propaganda eleitoral de Fernando Henrique Cardoso em 1994, sem saber que toda a conversa estava sendo transmitida; mais recentemente, pode-se destacar a ação da emissora para forçar o 2º. turno das eleições presidenciais em 2006, expondo ilegalmente a foto de uma pilha de dinheiro apreendida pela Polícia Federal, supostamente para o pagamento, pelo Partido dos Trabalhadores, de um dossiê contra o candidato presidencial Geraldo Alckmim, que contou com a ativa participação política de Kamel, não apenas noticiando mas, como o cidadão Kane, criando a história. Esse acontecimento gerou um amplo debate sobre o papel da mídia, da Globo e de Kamel, nas revistas Carta Capital e Caros Amigos na época. Por fim, Kamel envolveu-se nos debates sobre a compra, pelo Programa Nacional do Livro Didático do Governo Federal, do livro “socialista” de Mário Schmidt, da editora Nova Geração. Isso foi feito no bojo de uma crítica ao governo Lula, como se o mesmo através disso estivesse procurando doutrinar estudantes, embora o livro tenha sido adotado durante o governo FHC e eliminado durante o governo Lula. O executivo consolida-se, portanto, como uma voz relevante na defesa dos interesses dos grandes conglomerados de comunicação e suas posturas político-ideológicas de longa data.
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