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sexta-feira, 24 de abril de 2009

Governo israelense prossegue com sua prática de terror

Desta vez, as táticas de humilhação ao povo palestino foram empregadas na região de Jerusalém Oriental, para onde se dirigiram colonos israelenses que foram retirados de Gaza. Agora eles constroem casa em Jerusalém Oriental, desrespeitando acordos internacionais. Para que isso ocorra a prefeitura de Israel destrói oliveiras centenárias dos palestinos, asim como suas casas.

Israel é o principal obstáculo ao processo de paz na região por desenvolver, manter e ampliar sua política sionista, desrespeitosa aos direitos do povo palestino.
Veja a seguir texto e vídeo extraído hoje da BBC-Brasil





Centenas de Palestinos tiveram suas casas destruídas por escavadeiras israelenses em Jerusalém Oriental nos últimos anos.
Segundo autoridades israelenses, essas casas têm sido demolidas por que foram construídas ilegalmente.
Mas moradores palestinos afirmam que é praticamente impossível para eles conseguir permissão para construir em Jerusalém Oriental.
Segundo ONGs israelenses, até 2 mil pessoas poderão perder suas casas nos próximos meses.
Palestinos dizem que é possível que a situação em Jerusalém Oriental possa gerar violência.
Jerusalém é uma cidade dividida. A cidade está no centro da disputa entre israelenses e palestinos. Ambos os lados reivindicam o direito de estabelecer ali sua capital.
O status de Jerusalém continua indefinido para a ONU e a comunidade internacional.
Fonte: BBC-Brasil 24/04/2009

terça-feira, 21 de abril de 2009

O que você sabe sobre o primeiro deputado negro republicano?


Ana Flávia Magalhães Pinto, Jornalista e mestre em História (UnB).
anaflavia@irohin.org.br
Rio de Janeiro, 1909. Diante da ameaça de mais uma vez não ser empossado como deputado federal pelo fato de ser negro e defender os direitos dos trabalhadores, o advogado Manoel da Mota Monteiro Lopes alcançou uma ampla mobilização popular negra não apenas na capital federal, mas também em estados como São Paulo, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco, Ceará, entre outros. Sob o lema Viva a república sem o preconceito de cor!, foi essa pressão que garantiu o que já estava formalmente previsto na Constituição republicana.

Monteiro Lopes nasceu livre, em 1867, na cidade do Recife, numa família de cinco irmãos. Uma vez doutor em Direito, trilhou seu caminho por várias cidades do país, ganhando a cena nacional no início do século XX em defesa da igualdade e da democracia.

No ano em que se comemora o centenário do mandato de Monteiro Lopes, o Ìrohìn entrevista a historiadora Carolina Vianna Dantas, que, com o apoio da Fundação Biblioteca Nacional, realizou uma pequena biografia desse líder negro pouco lembrado nos dias atuais. A partir de vários episódios da vida de Monteiro Lopes, Carolina Dantas destaca seu compromisso pela promoção efetiva da cidadania dos negros e outros trabalhadores.


Ìrohìn - " De onde partiu seu interesse por Manoel da Mota Monteiro Lopes, o primeiro deputado negro republicano?

Carolina Vianna Dantas – Durante o meu doutorado em História na Universidade Federal Fluminense, estudei como intelectuais menos valorizados pela historiografia atual e menos conhecidos por nós, mas muito atuantes em sua época, lidaram com a questão da mestiçagem, do legado cultural e histórico dos negros e do preconceito de cor. Utilizei como fontes jornais e revistas publicados no Rio de Janeiro entre 1903 e 1914. Esbarrei várias vezes com menções a Monteiro Lopes, sobre quem procurei saber um pouco mais naquela época. A princípio apurei pouca coisa, continuei a minha pesquisa e defendi a tese. Mas continuei com a curiosidade de saber mais sobre aquele homem negro, tão citado na imprensa em seu tempo, quase como uma celebridade, embora muitas dessas menções tivessem cunho racialista ou racista. Descobri, então, a monografia de uma aluna da Universidade Federal de Pelotas, Viviani dos Santos Tavares, sobre alguns aspectos da mobilização em prol da diplomação de Monteiro Lopes em 1909. Depois de lê-la, comecei a desconfiar que, assim como outros homens negros, como Hemetério dos Santos, José do Patrocínio, Cruz e Souza, Eduardo das Neves, Monteiro Lopes tivesse dedicado boa parte de sua existência à ocupação de importantes espaços naquela sociedade, modificando o destino que lhe tentaram impor. Comecei a pesquisa e percebi que Monteiro Lopes realmente apareceu muito na imprensa da época, foi citado em pelo menos duas peças de teatro, tema de marchinha de carnaval e de alguns memorialistas. Com essas indicações preliminares aproveitei o edital de pesquisa da Biblioteca Nacional e resolvi mandar o projeto sobre a trajetória de Monteiro Lopes. Já terminei a pesquisa e agora estou redigindo um estudo exploratório, cujo título é Manuel da Motta Monteiro Lopes: a vida e o tempo de um deputado negro na I República.

Ìrohìn " É possível fazer uma síntese dessa síntese? Onde ele nasceu? Quem foram seus pais? Estudou o quê? Morreu de quê? É possível falar em momentos decisivos da vida de Monteiro Lopes?

Carolina Dantas – Ele nasceu no Recife em 25 de dezembro 1867, filho de um operário chamado Jerônimo Monteiro Lopes e da dona de casa Maria Paula Lopes; tinha dois irmãos (José Elias e João Clodoaldo) e duas irmãs (Maria Julia e Taciana). Seus pais, ainda que pobres, conseguiram formar quatro de seus filhos, incluindo Monteiro Lopes. Monteiro Lopes formou-se na Faculdade de Direito do Recife e doutorou-se em seguida. Desde os tempos da juventude, aderiu aos ideais republicanos e participou ativamente do movimento abolicionista. Até 1892 atuou como advogado, quando foi convidado para exercer o cargo de chefe de polícia do Estado do Amazonas. Em razão de discordâncias com a "política estadual" da região, não chegou a assumir o posto. Ainda em 1892, foi nomeado promotor público de Manaus, ocupando depois o cargo de juiz de direito na mesma cidade. Deixou o Amazonas em direção ao Rio de Janeiro em 1894. Estabeleceu-se na então capital federal advogando até 1903, quando foi eleito e reconhecido intendente municipal pela capital federal " o equivalente ao cargo atual de vereador. Destacou-se pela defesa de alguns benefícios para os trabalhadores. Em 1904, ao término do seu mandato, candidatou-se novamente ao cargo e, ainda que tenha tido uma boa votação, não foi reconhecido, acabando por ser excluído da legislatura seguinte do Conselho Municipal. Em 1905, ao concorrer a uma cadeira de deputado pelo distrito federal, foi eleito, mas não reconhecido novamente. Mas, mesmo depois de ser eleito e não ser reconhecido por duas vezes, não desistiu. No ano de 1909, candidatou-se novamente ao cargo de deputado federal, saindo vencedor. Porém, surgiram boatos de que não seria reconhecido mais uma vez, sob um conjunto de alegações: por ser negro, por defender os direitos dos trabalhadores e porque quereriam colocar em seu lugar um político da situação. A polêmica ganhou os principais jornais e revistas da capital: alguns dirigiram ofensas e troças racistas a Monteiro Lopes e outros o defenderam. Em fevereiro daquele mesmo ano, diante da ameaça do não-reconhecimento, Monteiro Lopes reuniu-se com um grande grupo de homens negros no Centro Internacional Operário no Rio para tratar da sua possível exclusão da Câmara de Deputados. Deliberaram pedir apoio às corporações, aos sindicatos, à imprensa, às organizações compostas por negros em todos os estados e convocar um estrondoso comício. Viva a república sem o preconceito de cor!, este foi o lema da recém-formada Comissão Permanente pela Diplomação de Monteiro Lopes.

Ìrohìn " E o que veio depois disso?

Carolina Dantas – Desencadeou-se, então, uma grande mobilização de entidades constituídas por negros na cidade do Rio, em Campinas e arredores, em várias cidades do Sul do país, na Bahia e em Pernambuco e um amplo debate sobre a participação dos negros na vida nacional e sobre o preconceito de cor. Esse movimento resultou em vários telegramas enviados a jornais, em cartas e manifestos encaminhados a vários políticos, como Rui Barbosa, Pinheiro Machado, Venceslau Brás etc. O objetivo era denunciar a injustiça e pedir apoio para que não impedissem a diplomação de Monteiro Lopes, já que viviam em uma república, regime no qual ninguém deveria ser excluído da Câmara ou de qualquer outra coisa por sua cor ou raça. Em abril de 1909, Monteiro Lopes foi finalmente reconhecido e diplomado como deputado federal, ocasião de intensas manifestações populares no plenário da Câmara e congratulações na imprensa de várias partes do país.

Ìrohìn " Uma vez empossado, o que ocorreu?

Carolina Dantas – De sua atuação na Câmara destacam-se as intervenções em favor do operariado, como a sugestão da criação de um Ministério do Trabalho; a proposição da lei sobre os acidentes de trabalho e outros benefícios aos trabalhadores, como aposentadorias, pensões, regulamentação da hora de trabalho, aumento dos vencimentos e a implantação de fato de uma república democrática. Monteiro Lopes também chamou a atenção para a necessidade de se legislar e fiscalizar as condições precárias em que trabalhavam os menores, sujeitos a mutilações e acidentes. Outro de seus projetos era erguer, na cidade do Rio, uma estátua em homenagem ao abolicionista negro José do Patrocínio – um dos homens que mais admirava. Em 1910, o "deputado negro", como era conhecido, viajou a várias cidades do Brasil e até para o exterior para agradecer o apoio em prol de sua diplomação. O auto-intitulado "republicano", "socialista", "deputado do povo" e "defensor do operariado" foi recebido por multidões de homens, mulheres e crianças negros (mas também saudado por muitos brancos) com festas, bandas de música, banquetes, comícios, cortejos, presentes e com os abraços emocionados de velhos ex-escravos. Seus discursos nessas viagens possibilitam entrever noções de cidadania, República e liberdade e do que era ser negro e encarar o preconceito racial naquela jovem República e na voz de um negro. No dia 22 de janeiro de 1910, por exemplo, em um discurso feito em Porto Alegre, Monteiro Lopes inflamou uma multidão ao dizer que os negros não deveriam ter vergonha de ser negros, que deveriam instruir e educar seus filhos para que pudessem ocupar as mais altas posições no país, já que a Constituição republicana, em seu artigo 79, lhes garantia a igualdade perante a lei. Segundo ele, o ódio e a distinção de raças deveriam ser sistematicamente rechaçados nas escolas, na imprensa, no parlamento e em comícios populares a serem promovidos pelo país afora. E os cidadãos negros que se sentissem discriminados por sua cor/raça deveriam recorrer aos poderes públicos para acabar com tal abuso. Acredito que uma afirmação dessas para multidões naquele momento não tenha significado pouca coisa, muito pelo contrário.

Ìrohìn
" A atuação de Monteiro Lopes vinha num crescendo...

Carolina Dantas
– Porém, ele faleceu em 13 de dezembro de 1910 na cidade do Rio, sem completar o seu mandato, em função de uma forte uremia (problema renal). Foi casado com Anna Zulmira Monteiro Lopes. Há jornais que disseram que teve vários filhos. Outros afirmaram ter tido somente um: Aristides Gomes Monteiro Lopes, estudante do Colégio Militar, que aparece em várias outras fontes, o que me faz crer ser essa a informação mais segura. Monteiro Lopes publicou um romance em fascículos durante o tempo em que viveu no Recife, chamado A dama e o sangue. Ironicamente era admirador de Tolstoi e Lombroso.

Ìrohìn " Pensando nas tensões do pós-abolição e do cenário republicano do início do século XX, como foi que um candidato negro pôde furar a barreira das oligarquias que dominavam o sistema eleitoral?

Carolina Dantas- Cada vez mais pesquisas sobre o período têm evidenciado que a I República foi um momento de muitas propostas e não só um período no qual o racismo científico e a rejeição a tudo que estivesse relacionado aos negros e mestiços vigoraram absolutamente. A crença no fundamento científico dessas teorias continuava latente, daí a própria difusão da ideologia do branqueamento, mas começava-se a avaliar de forma mais sistemática a presença ativa de índios e negros na história e cultura, que estavam sendo forjadas naquele momento como nacionais. Não se trata de minimizar o peso das teorias raciais, nem seus desdobramentos em termos das políticas voltadas para o branqueamento, a repressão e o controle dos afrodescendentes na primeira década do século XX; nem tampouco exaltar a eugenia e seus adeptos. Trata-se de trazer à tona outras mediações, fundamentais para se compreender a pluralidade das avaliações acerca do papel dos afrodescendentes na sociedade naquele momento.

Paralelamente às teorias raciais, que previam a inferioridade dos afrodescendentes e a degeneração dos mestiços, às quais intelectuais, políticos, cientistas, médicos e juristas aderiram naquele período, é possível identificar defesas de que o preconceito de cor não só não deveria existir, mas que deveria ser extinto no Brasil. Alguns até denunciaram o preconceito de cor, firmando publicamente a posição de que não se devia apagar o negro da nossa história, cultura e política. Posso citar alguns como Manoel Bomfim, Alberto Torres, Eduardo das Neves, Juliano Moreira, Hemetério dos Santos, Olavo Bilac, José do Patrocínio, Mario Behring, que publicamente defenderam princípios desse tipo e que até hoje foram pouco estudados e/ou valorizados pela historiografia. Isso sem falar no teatro de revista e da nascente indústria musical que cada vez mais se apropriavam de temáticas relacionadas aos negros e mestiços. Assim, Monteiro Lopes pôde romper com o esquema da chamada "política estadual", pressionando sistematicamente por sua legitimação como deputado.

Creio que se não fosse a pressão dos negros e de seus aliados por todo país " algumas vezes até em tom de ameaça de um levante generalizado dos "homens de cor" ", Monteiro Lopes não seria reconhecido mais uma vez. Já tendo vivido isso antes, passou o dia das eleições correndo as urnas de todo o primeiro distrito, divulgando fraudes na imprensa e brigando por cada voto. Talvez nem mesmo Monteiro Lopes tivesse idéia de que fosse possível mobilizar tão rapidamente e de forma tão sistemática homens e mulheres negros por todo país. Pelo que foi debatido nos jornais, havia certo medo desse poder de mobilização demonstrado pelos negros em prol de Monteiro Lopes e, por outro lado, muitas pessoas que se posicionaram contra atitudes discriminatórias baseadas na raça ou origem.

Ìrohìn " Seja como for, indiscutivelmente, houve resistência à sua candidatura e à sua posse...

Carolina Dantas – Durante a campanha eleitoral de 1909, muitos jornais e revistas faziam troça de sua candidatura e propostas, em parte por ser negro, mas também por ser próximo aos trabalhadores e defender seus direitos e por sua capacidade de mobilizar a população negra. Um dos periódicos que mais dedicou espaço às troças racistas sobre Monteiro Lopes foi a revista Fon Fon, enquanto outros jornais como O paiz e a A tribuna deram espaço para expor suas idéias e divulgar suas propostas. Quanto à posse, houve boatos de que tentariam impedi-la. Foram citados o Barão do Rio Branco, o jornalista Alcindo Guanabara e o Centro Industrial como os possíveis articuladores para que não fosse diplomado deputado por ser negro. Mas o fato é que dois candidatos entraram com recursos denunciando fraudes e contestando os votos recebidos por Monteiro Lopes, que a essa altura já tinha mobilizado negros por todo país, bem como parte da imprensa. Havia muita expectativa para ver se Monteiro Lopes conseguiria mesmo entrar para a Câmara dos Deputados. Alguns jornais chegaram a acusar Monteiro Lopes de inflamar os negros contra a Câmara dos Deputados para conseguir à força ou sem legitimidade a sua cadeira. Mas, finalmente, Monteiro Lopes conseguiu receber seu diploma e sentar na cadeira de deputado federal.

Ìrohìn " E o que dizer, então, dessa mobilização negra nacional em defesa do seu mandato?

Carolina Dantas – Não sei se podemos chamar ainda e com todas as letras de "mobilização nacional", sobretudo porque fiz essa pesquisa baseada no Rio de Janeiro. Para afirmar isso com segurança teria que pesquisar a imprensa de grande e pequeno porte em outros estados. De todo modo, identifiquei grandes mobilizações em prol do reconhecimento de Monteiro Lopes em cidades importantes naquele momento: na própria capital federal, em Campinas e cidades próximas, em Porto Alegre, Pelotas e outras cidades da Região Sul, na Bahia, em Pernambuco e no Ceará. Isso se deu por meio de reuniões de associações de homens negros e trabalhadores, na elaboração e no envio de cartas, telegramas e manifestos à imprensa e a vários políticos e na realização de comícios. Na Região Sul, foram fundadas, até mesmo, associações de negros e um clube de futebol com o nome de Monteiro Lopes, que continuaram funcionando por muito tempo após a sua morte. Alguns jornais dão notícia de que Monteiro Lopes também foi recebido com grande simpatia na Região Norte. Aliás, essa mobilização cruzou as fronteiras do país: Monteiro Lopes recebeu apoio de jornais e operários em Montevidéu e Buenos Aires e, ao que tudo indica, foi a esses lugares agradecer o apoio posteriormente. Tratava-se de uma eleição de caráter local, afinal Monteiro Lopes candidatou-se pelo Distrito Federal. Mas a possível exclusão de um negro do parlamento mobilizou outras partes do país.

Ìrohìn " Nos discursos há uma nítida preocupação com os direitos dos trabalhadores. É possível dar mais detalhes sobre essa proximidade? Houve setores aos quais Monteiro Lopes mais se dedicou?

Carolina Dantas – Não identifiquei uma categoria específica de trabalhadores aos quais a Monteiro Lopes estivesse diretamente ligado, se é que sua ligação com os trabalhadores era assim tão específica, posto que em sua maioria as fontes falam em operariado das fábricas e em trabalhadores municipais do baixo escalão. Essa é uma das questões que preciso investigar mais. No entanto, tenho algumas pistas coletadas a partir das homenagens que recebeu quando morreu. Posso destacar a presença de militares de baixa patente e alferes, operários do Arsenal da Marinha, mestres da locomoção, operários da fábrica de cartuchos de Realengo, bagaceiros da Estrada de Ferro Central do Brasil, operários do Engenho de Dentro, operários da Imprensa Nacional, trabalhadores do serviço de prevenção à febre amarela, trabalhadores das capatazias da Alfândega e estivadores do porto. Por outro lado, encontrei operários anarquistas " entre os quais negros " que criticaram bastante a atuação de Monteiro Lopes por estar "dentro do Estado", conseguir apenas "migalhas" para os operários e não a transformação social. De todo modo, há indícios de que muitos trabalhadores negros tenham nutrido identificação por Monteiro Lopes por afinidades raciais, sobrepondo aproximações por ofício ou tendência ideológica.

Ìrohìn " De que maneira os contemporâneas de Monteiro Lopes, em geral, reagiram à sua trajetória de vida? Em termos de memória, Nei Lopes, por exemplo, fala que seu pai fazia referência a Monteiro Lopes associando-o a um "guindaste enorme, preto, poderoso, rebocador de vagões"...
Carolina Dantas – Monteiro Lopes foi alvo constante de ataques racialistas/racistas na imprensa carioca, do mesmo modo que outros homens negros que manifestavam publicamente orgulho de sua cor/ raça, como José do Patrocínio e Hemetério dos Santos. Nesses ataques faziam troça de sua origem e de sua atuação em prol dos trabalhadores. Associado a isso também o qualificavam algumas vezes como bajulador, vira casaca, metido a intelectual, amante do poder, pretensioso... Mas quando morreu, a maioria dos jornais destacou sua determinação em vencer as adversidades de uma vida humilde e em lutar contra preconceito de cor. Identifiquei também relações próximas entre ele e figuras importantes naquele momento, como Silva Jardim, Lopes Trovão, Oswaldo Aranha, Pedro Couto, Evaristo de Moraes, Quintino Bocaiúva, membros das irmandades de São Benedito, Nossa Senhora do Rosário, Santa Ifigênia e São Elesbão, vários grupos de operários de diferentes ofícios, alguns veteranos da Guerra do Paraguai e por multidões de homens, mulheres e crianças negras em várias partes do país. Quanto à memória, encontrei escritos de alguns memorialistas cariocas mencionando Monteiro Lopes como líder dos negros, representante dos trabalhadores, homem influente, triunfador e de grande popularidade, orador incurável, pioneiro na proposta de leis trabalhistas e constante alvo de injúrias raciais. Em geral, essas memórias têm um teor positivo.

Ìrohìn " O que a trajetória de Monteiro Lopes tem a dizer sobre a experiência política brasileira?
Carolina Dantas – Diz que, embora não tenha havido na I República impedimentos legais à ocupação de cargos públicos por negros, havia resistências à presença de negros em altos cargos. De todo modo, Monteiro Lopes soube identificar brechas e furar o bloqueio, rompendo com o que lhe tentaram impor. Infelizmente para os historiadores da I República, o Estado Novo forjou uma cultura histórica e uma cultura política que "enterrou" quase tudo o que havia antes. Muitas vezes é até difícil encontrar informações sobre intelectuais e políticos que em sua época eram célebres. Acredito que o esquecimento de Monteiro Lopes tenha relação com isso, mas também com certa avaliação que rotulou a atuação política dos negros nesse período como "assimilacionista", "assistencialista", sem cunho político-ideológico e sem programa definido, numa perspectiva um tanto evolucionista que considera mais importante um determinado modelo de organização política em detrimento de outros. A idéia de que a então jovem República não assegurou espaços e ganhos para a população negra não pode ser confundida com os espaços que a população negra de fato (ou parte dela) conquistou no período, a despeito do que lhes tentaram negar ou impor. As inúmeras experiências de luta contra o preconceito racial e pela ampliação dos espaços de participação dos negros na I República, seja na cultura ou na política, foram fundamentais para os negros naquele momento e para os que vieram depois. Tudo isso merece ser investigado.

Ìrohìn " Para além da vida parlamentar, que outros momentos emblemáticos da vida de Monteiro Lopes poderiam ser ressaltados?
Carolina Dantas – Creio que as comemorações pela abolição em 1909 organizadas por Monteiro Lopes à época de sua diplomação foi bastante emblemática para os negros (e para brancos ou poderosos) naquele momento. A conquista por um negro de uma cadeira no parlamento depois de inesperada mobilização foi considerada parte daquele movimento pela liberdade dos negros iniciado ainda no século XIX. Tanto que o cortejo organizado por ele arrastou uma multidão de pessoas ao túmulo de José do Patrocínio, com bandas de música, festas, bondes gratuitos, discursos, etc.

Ìrohín " Haveria algo mais a destacar sobre a experiência de Monteiro Lopes?
Carolina Dantas – No momento em que professores, educadores e ativistas ainda debatem e tentam implantar as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino das Relações Étnico-Raciais e de História e Cultura Afro-Brasileira, conhecer mais e melhor a história de negros como Monteiro Lopes é muito importante. Até porque as Diretrizes sugerem o trabalho com biografias de personalidades negras. Isso traz a possibilidade de abordar trajetórias individuais de forma crítica, contextualizando, a partir de elementos concretos, as diversas formas de ser negro e de lidar com o racismo em diferentes tempos e situações. Incluindo também a abordagem das especificidades da manifestação do preconceito racial no Brasil, como indicaram Martha Abreu e Hebe Mattos. São experiências de vida que, como a de Monteiro Lopes, contribuíram para o alargamento e para a diversificação das opções, estratégias e possibilidades dos afrodescendentes.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

País ganha primeiro quilombo urbano

A Associação Quilombo da Família Silva, em Porto Alegre, primeiro quilombo urbano a ser reconhecido no País, pode receber ainda este ano a titulação definitiva de uma área de 6,5 mil metros quadrados e confirmar a sua condição de referência para outras comunidades negras que lutam pelo mesmo direito.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) já tem a posse formal de parte do terreno e aguarda o encerramento da discussão sobre os valores depositados para os proprietários da outra parte para transferir a titularidade aos quilombolas. Os desapropriados reivindicam na Justiça a atualização de alguns valores da indenização e juros.

A associação busca agora seu CNPJ para se habilitar ao título e, conforme uma de suas integrantes, Lígia Maria da Silva, 51 anos, nascida e criada no quilombo, sonha em receber o documento das mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda neste ano. "O título é coletivo, com cláusulas que o tornam imprescritível, impenhorável e inalienável", ressalta o coordenador de projetos especiais da superintendência do Incra no Rio Grande do Sul, José Rui Tagliapietra.

Com 15 casas de madeira, nas quais moram 15 famílias e 70 pessoas, o Quilombo Silva é um enclave em meio a mansões e condomínios de luxo no bairro Três Figueiras, um dos mais valorizados da capital gaúcha. Cada passo que o grupo deu para conquistar sua terra acabou chamando a atenção e, pelo sucesso, incentivando a luta de outros que já trilhavam ou que optaram por seguir o mesmo caminho.

"O Quilombo Silva é um divisor de águas", afirma o advogado Onir de Araújo, participante da equipe de coordenação do Movimento Negro Unificado no Rio Grande do Sul. "O fato de o grupo assumir identidade étnica para garantir seu espaço físico e de ter sido vitorioso em sua luta provocou impactos em todo o País", avalia. "O pessoal nos procura para saber como conseguir avançar na luta deles", conta, orgulhoso, o quilombola Lorivaldino da Silva, 49 anos.

História
A história do Quilombo Silva começa nos anos 40 do século passado, quando quatro antepassados das famílias atuais migraram de São Francisco de Paula, no interior, para Porto Alegre. Na capital, se instalaram num terreno distante do centro, onde cultivavam frutas, hortaliças e ervas medicinais e de onde saiam eventualmente para vender seus produtos ou prestar serviços nos bairros. A expansão da cidade acabaria por cercar os Silvas, sobretudo nos anos 80, quando o bairro em que vivem se valorizou, atraindo famílias abastadas. Desde os anos 60 havia disputas judiciais entre proprietários, que reivindicavam a posse e estiveram a ponto de conseguir o despejo dos Silvas por pelo menos duas vezes, e moradores do terreno, que moviam ações de usucapião.

Em 2003, depois do decreto presidencial que estabeleceu que podem ser definidas como quilombos as comunidades portadoras de uma tradição de resistência da população negra, os Silvas se fortaleceram. Em 2004, a Fundação Cultural Palmares incluiu a comunidade no Cadastro de Remanescente de Quilombos, primeiro passo para o reconhecimento. Na sequência, o Incra elaborou o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) e em dezembro de 2006 o Ministério do Desenvolvimento Agrário publicou portaria reconhecendo a povoação como primeiro quilombo urbano do País. Isso abriu caminho para a posterior desapropriação da área.

O progressivo reconhecimento já mudou parcialmente as condições do quilombo. Antes o esgoto corria sob os pés de crianças e adultos, água potável era artigo de luxo e a população contava com apenas um sanitário comunitário. Por dificuldades cadastrais, os moradores também sofriam para ter acesso a atendimento médico e remédios da rede pública. Entre 2002 e 2003, duas irmãs, Zeneide e Ana Cristina, morreram de tuberculose. Agora, as famílias contam com rede de saneamento básico e banheiros particulares, dentro das residências, construídos pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Além disso, por intervenção do Ministério Público, foram cadastrados e passaram a ser atendidos pelo Posto de Saúde da Vila Jardim. "Nunca mais morreu ninguém", diz, aliviada, Lígia. Na nova condição, com terra, posse, documentos e reconhecimento, os quilombolas estão se preparando para buscar ajuda de outros programas sociais, como os que incentivam a construção de moradias. "Falta melhorar as casas", constata Lígia. "A chuva inunda tudo, entra água pelo telhado e até pelas paredes", emenda Ângela Maria da Silva.

"Alunos da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) já fizeram um projeto voluntariamente e esse é nosso próximo sonho", completa Lorivaldino, referindo-se a um plano esboçado por estudantes de engenharia que prevê a construção de casas com três dormitórios, galpão, creche e calçadas.

Os moradores do Quilombo Silva queixam-se do custo da alimentação, mas reconhecem que, na localização em que estão, têm vantagens como proximidade de escolas para as crianças e oferta de trabalho em áreas como serviços domésticos, jardinagem, pintura e consertos diversos nas mansões das redondezas. A comunidade cresceu. Em 2003, tinha 9 famílias e 37 pessoas. Hoje, por casamentos de jovens e nascimento de crianças, conta com 15 famílias e 70 pessoas.

A reportagem é de Elder Ogliari e publicado pelo jornal O Estado de S.Paulo, 12-04-2009.

E em 2007 o Brasil de Fato publicou esta aqui:


Quilombo urbano tem terra regularizada

Família garante posse do primeiro quilombo urbano no Brasil

5 de fevereiro de 2007

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária entregou a imissão de posse do Quilombo Silva, em Porto Alegre, o primeiro quilombo em área urbana reconhecido no Brasil. Para que a Família Silva tenha a posse definitiva da área em que vive há quase um século, só falta a assinatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Uma das mais antigas moradoras do quilombo, Lígia Maria da Silva está no local há 50 anos. Ela conta que quando seus avós chegaram na área existiam pouquíssimas casas, com muito mato ao redor. Hoje, o terreno fica no luxuoso bairro Três Figueiras, em Porto Alegre, e está cercado por condomínios de alta classe.

'Aqui era tudo mato quando a gente chegou. Não tinha nada, só o prédio do Colégio Anchieta, um pavilhão velho. A avenida Nilo Peçanha ia só até o colégio, hoje ela corta a cidade', diz.

Lígia relata que as famílias já possuem água e saneamento básico no terreno. O desafio, agora, é fazer um projeto de moradia já como uma comunidade quilombola. Para Lígia, a conquista da área, depois de 60 anos de luta, tem um significado que vai além do ganho pessoal.

'Hoje em dia, com cinco anos, já tem direito pelas terras. E aqui nós estamos há mais de 50 anos e nunca tivemos direito. É uma coisa muito boa para nós. Como negro, como quilombola, para que sirva de exemplo para todos os quilombolas que estão lutando por suas terras mundo afora. Que eles não desistam, porque a luta é grande, a luta é difícil, a gente vai encontrando empecilhos pelo caminho, mas a gente vai levando como dá', afirma.

A emissão de posse da área foi concedida ao Incra pela Justiça Federal do Rio Grande do Sul. O local, de 6,5 mil metros quadrados, foi reconhecido como comunidade quilombola no ano passado. O Incra já depositou em juízo R$ 2,4 milhões como indenização a outras quatro pessoas que se dizem proprietárias da área.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

O imaginário sobre o futuro para os franceses de 1910

A dica deste post é do Blog Obutecodanet, assim como as legendas. A fonte das imagens é a Biblioteca Nacional da França (BNF). Achei interessantes as percepções sobre o futuro (ano 2000) imaginadas pelos franceses em princípio do século XX (1910), antes da deflagração da Primeira Guerra Mundial.

Curioso que, apesar das invenções mirabolantes, (algumas nos remetem ao sonho socialista de o trabalho ser feito por máquinas para libertar o homem para enriquecer o espírito e a mente) o estilo Belle Epoque permanece nos hábitos e nas vestimentas.


Os bombeiros voariam…

Os sapatos teriam motor…

Os barbeiros seriam robôs…

Os carros voariam…

As mensagens seriam fonográficas…

Existiriam drive-in para “carros voadores”…

Os jornais seriam escutados ao invés de lidos…

Existiriam videoconferências…

Não existiriam funcionários nas obras, somente robôs…

Os alunos não usariam livros, eles iriam ouvi-los, de acordo com a vontade do professor
(observe a animação do auxiliar)…

Fabricar roupas nunca seria tão fácil.

Queridos leitores o blog Maria Frô e também o blog História em Projetos andam abandonados devido a minha imensa correria e mergulho em um novo e decisivo projeto. Nos próximos 12 meses as postagens serão mais ao estilo slow blogging, ou seja, bem mais comedidas para que eu possa continuar postando e ao mesmo tempo possa desenvolver o meu trabalho que muito está me absorvendo.

Virei aqui e no blog da HP para informar ou discutir eventos importantes, mas longe do que de fato eu gostaria de produzir. Continuo conectada em todas as outras vias de acesso virtua msn, talk, skype, mail e twitter. Qualquer coisa gritem :)

Abaixo segue um informativo da ADUSP- Associação dos Docentes da USP- sobre o lançamento do novo número de sua revista que ocorrerá juntamente com uma mesa-redonda com a presença ilustre do professor Fábio Konder Comparato e da professora Maria Victoria Benevides. Estarei lá!


Lançamento da Revista ADUSP 44, sobre a ditadura militar e Mesa-redonda: "A Ditadura Militar morreu?"

ditadura


DATA: 16/04/09;

HORÁRIO: 18 hs.

LOCAL: Auditório Abrahão de Moraes do Instituto de Física, Rua do Matão, Travessa R, 187 - Cidade Universitária - São Paulo/SP

Entidade responsável: ADUSP - Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo


COMO CHEGAR:

Debatedores:

Fábio Konder Comparato (Faculdade de Direito/USP)
Gerhard Malnic (Instituto de Ciências Biomédicas/USP)
Maria Victória Benevides (Faculdade de Educação/USP)
Moderador: João Zanetic (Instituto de Física/USP)

A edição 44 da Revista Adusp será lançada no dia 16/4, às 18 horas, no auditório Abrahão de Moraes do Instituto de Física, com debate sobre o tema A Ditadura militar morreu? Os professores Fábio Konder Comparato (FD/USP), Gerhard Malnic (ICB/USP) e Maria Victoria Benevides (FE/USP) serão os debatedores, cabendo a coordenação ao professor João Zanetic (IF/USP).

O título do debate é o mesmo da revista, que aponta, em diversas reportagens artigos, uma série de legados problemáticos da Ditadura militar (1964-1985), desde a impunidade dos agentes da repressão política até a mentalidade da cúpula das Forças Armadas, a qual não hesita em colocar-se acima da socie­dade, ignorando decisões judiciais, resistindo ao poder civil e insistindo em manter sob tutela partes do Estado brasileiro, como assinala o editorial da edição 44.

A reportagem sobre a perseguição da Aeronáutica aos controladores militares de vôo que realizaram uma greve de zelo em 2007, perseguição que se traduziu em prisões, condenações e expulsões, é um dos pontos fortes da edição. Outros destaques: o reencontro de ex-alunos da USP, quarenta anos após a invasão do Crusp por tropas do Exército e da Força Pública; a homenagem da Faculdade de Medicina a oito professores que foram exonerados ou perseguidos pelo regime militar; a entrevista com o ministro Paulo Vannucchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH).

Outras matérias da revista registram a movimentação existente na sociedade brasileira, nos dias de hoje, realizada por ex-presos políticos e por familiares de mortos e desaparecidos (e que encontra acolhida em alguns setores do Estado), em busca de punição para torturadores e assassinos; de reparações para as vítimas; e do direito à memória, para que se conheça a realidade do período ditatorial.

Debatedores

O professor Comparato é ativo protagonista desse movimento por justiça e verdade, entre outros motivos por atuar como um dos advogados da família de Luis Eduardo Merlino (jovem jornalista assassinado pelo DOI-CODI em 1971), em processo judicial para que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra seja declarado torturador.

A professora Maria Victória, por sua vez, é uma ativista da educação em direitos humanos. Integra o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, ligado à SEDH, e faz parte da diretoria da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Direitos Humanos.

Recentemente, ao contestarem editorial da Folha de S. Paulo que qualificava o regime militar brasileiro como ditabranda, os professores Comparato e Maria Victoria foram alvo de ofensas do jornal. Ao atacar docentes de grande

prestígio acadêmico e reconhecida dedicação à luta democrática, a Folha deu um mau passo que mais tarde tentou desfazer, ao admitir parcialmente seu erro, após manifestação de protesto à sua porta.

O professor Malnic não se envolveu diretamente com política nos chamados anos de chumbo, mas foi esse distanciamento que lhe permitiu ajudar pessoas que eram caçadas pela repressão política. Entre elas, o então estudante de medicina Paulo Vannuchi.

Espera-se, assim, que o debate de 16/4 traga variadas contribuições, não só a partir da rica experiência pessoal de Comparato, Maria Victória e Malnic, mas também do público.

Data: 16 de abril de 2009 (quinta-feira)
Horário: 18h
Local: Anfiteatro Abrahão de Moraes - Instituto de Física/USP - Rua do Matão, Travessa R, 187 - Cidade Universitária - São Paulo/SP
Entidade responsável: ADUSP - Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo
Fones: (11) 3813-5573 / (11) 3091-4465 / (11) 3091-4466
E-mail: adusp@adusp.org.br

quinta-feira, 2 de abril de 2009

"O Vandré que eu conheci"

No texto abaixo, Celso Lungaretti dá um testemunho sobre o músico e compositor Geraldo Vandré trazendo à tona memórias pessoais dos anos de chumbo. Recomendo a leitura.

"O Vandré que eu conheci"
Por Celso Lungaretti*



Geraldo Vandré

“O que foi que fizeram com ele? Não sei
Só sei que esse trapo, esse homem, foi um rei”

(Tributo a um Rei Esquecido, Benito Di Paula)


Eu era um adolescente começando a me interessar pela política quando uma música me atingiu em cheio:
Canção Nordestina, do Geraldo Vandré, com aquele seu grito lancinante ("...e essa dor no coração/ aaaaaaaAAAAAAAAIIII!!!!, quando é que vai acabar?") reverberando em todo o meu ser.

Foi meu primeiro ídolo. Acompanhei a consagração da Disparada no Festival da Record de 1966, amaldiçoando o Jair Rodrigues por abrir um sorriso bocó no trecho mais dramático ("...porque gado a gente marca,/ tange, ferra, engorda e mata,/ mas com gente é diferente").

Depois, nos estertores d'O Fino, o programa passou a ser conduzido, uma em cada quatro semanas, pelo Vandré (nas outras, se bem me lembro, os apresentadores eram Chico Buarque/Nara Leão, Elis Regina/Jair Rodrigues e Gilberto Gil/Caetano Veloso).

Num de seus programas, o Vandré declamou o Poema da Disparada, sobre a modorrenta mansidão da boiada, até que um simples mosquito, picando um boi, provoca o estouro, e nada volta a ser como antes. Belíssimo.

Aí o Vandré brigou com a TV Record e saiu da emissora, alegando que um desses seus programas havia sido censurado pelos patrões, por temerem os milicos.

Veio o Festival da Record de 1967 e Vandré, com sua De Como Um Homem Perdeu o Seu Cavalo e Continuou Andando (Ventania) , virou alvo de críticas e maledicências ininterruptas nas emissoras da Rede Record. Diziam até que ele havia contratado uma turba para vaiar Roberto Carlos. Ventania não era mesmo uma segunda Disparada, mas, sem toda essa campanha adversa, certamente teria obtido classificação melhor do que o 10º lugar.

Aconteceu então aquele 1º de Maio esquisito, em 1968, quando o PCB garantiu ao governador Abreu Sodré que ele poderia discursar tranqüilamente na Praça da Sé. O ingênuo acreditou e, mal tomou a palavra, recebeu uma nuvem de pedradas dos trabalhadores do ABC e de Osasco, organizados pela esquerda autêntica. Sodré correu para se refugiar na Catedral... e Vandré foi fotografado ajudando Sua Excelência a escafeder-se! A foto saiu na capa da Folha da Tarde e fez com que muito esquerdista virasse as costas ao Vandré.

No final de junho/68, os operários de Osasco tomaram pela primeira vez fábricas no Brasil (em plena ditadura!). A reação foi fulminante, com a ocupação militar da cidade. Os estudantes, por sua vez, ocuparam a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, na rua Maria Antônia, para mantê-la aberta durante as férias de julho, prestando apoio à greve de Osasco. O Vandré apareceu lá numa noite em que estava marcada uma assembléia para tratar desse apoio estudantil à greve. Foi hostilizado pelos universitários. Lembro-me de uma fulaninha gritando sem parar: "traidor!", "traidor!".

Eu estava lá com companheiros secundaristas da Zona Leste, todos admiradores do Vandré. Então, nós nos apresentamos e fizemos o convite para vir conosco ao bar da esquina, oferecendo-lhe a oportunidade para retirar-se de lá com dignidade, e não como um cão escorraçado. Bebemos, papeamos horas a fio, apareceu um violão e rolaram algumas músicas.

Lá pelas tantas, o Vandré mostrou uma letra rascunhada e cheia de correções, que ele escrevera numa daquelas folhas brancas de embrulhar bengalas (pão). Era a “Caminhando", que tivemos o privilégio de conhecer ainda em gestação.

É importante notar que ele fez a "Caminhando" exatamente para responder aos esquerdistas que o estavam hostilizando. Quis lhes dizer que continuava acreditando nos mesmos valores, que nada havia mudado. Perguntamos por que ele havia socorrido o Sodré. A resposta: "Nem sei. Estava tão bêbado que não me lembro de nada que aconteceu".

Na verdade havia amizade entre ambos, tanto que o Vandré, meses mais tarde, encontraria abrigo no Palácio dos Bandeirantes, onde o próprio Sodré o escondeu quando a repressão estava no seu encalço. Mas, não ficava bem para um artista de esquerda admitir publicamente que mantinha relações perigosas com um governador da Arena, partido de apoio à ditadura.


“Há soldados armados, amados ou não”


Naquele Festival Internacional da Canção da Rede Globo, "Caminhando" foi uma das cinco classificadas de São Paulo para a final nacional no Rio. O que chamou mais a atenção por aqui foi a não-classificação de Questão de Ordem, do Gil, e o desabafo de Caetano Veloso, que acabou retirando sua “É Proibido Proibir” do festival em solidariedade ao amigo (depois de detonar o júri “simpático, mas incompetente” com um discurso célebre, que acabou sendo lançado em disco com o nome de Ambiente de Festival).

No Rio, entretanto, o clima era outro. Numa manifestação de rua, a repressão acabara de submeter estudantes a terríveis indignidades (os soldados chegaram a urinar sobre os jovens rendidos e a bolinar as moças). Isto despertou indignação generalizada na cordialíssima cidade maravilhosa.

O III FIC aconteceu logo depois e os cariocas adotaram "Caminhando" como desagravo. Vandré teve muito mais torcida lá do que em São Paulo. Quando ele reapresentou a música, já como segunda colocada, os moradores de Copacabana abriram as janelas de seus apartamentos e colocaram a TV no volume máximo. Cantaram juntos, expressando toda sua raiva da ditadura.

Reencontrei Vandré por volta de 1980, quando eu estava colaborando com várias revistas de música. Propus-lhe uma entrevista, que ele não quis dar: "Não tenho disco nenhum para lançar, para que falar à imprensa?". Acabamos indo (eu e minha companheira de então) ao apartamento do Vandré na rua Martins Fontes e papeando durante horas – mas em off, ou seja, com o compromisso de nada publicar.

Reparei que ele continuava lúcido, ao contrário das versões de que teria ficado xarope por causa das torturas. Mas, perdera a concisão e clareza. Seus raciocínios faziam sentido, mas davam voltas e voltas até chegarem ao ponto. Para entender a lógica do que ele dizia, eu precisava ficar prestando enorme atenção. Era exaustivo.

O mais importante que ele disse: estaria na mira de organizações de extrema-direita, inconformadas com o gradual abrandamento do regime.

A censura finalmente liberara “Caminhando”, que fazia sucesso na voz de Simone. Vandré explicou que tinha de passar-se por louco pois, se ele tentasse voltar ao estrelato junto com a música, seria assassinado.

Insistiu muito em que não se apresentaria no Brasil enquanto o país não oferecesse garantias legais aos seus cidadãos. Realmente, algum tempo depois, soube que ele marcara um show para uma cidade paraguaia fronteiriça com o Brasil. Quem foi lá vê-lo? Brasileiros, claro...

Quando estudava na ECA/USP, eu fiz um trabalho de teleteatro de meia hora baseado nos personagens e no clima da música Das Terras de Benvirá – sobre uma comunidade de refugiados brasileiros decidindo se já era hora de voltar para a patriamada ou não. Minha pequena contribuição àquele momento (1979) da anistia.

Conheço quase toda a obra do Vandré. E considero o LP francês, Das Terras de Benvirá, uma pungente obra-prima.


“Sem ter na chegada que morrer, amada”


Quanto à promiscuidade com milicos depois de sua volta do exílio, a canção composta em homenagem à FAB e as declarações negando ter sido torturado, a minha opinião é que ele não conseguiu suportar a realidade de que não se comportara heroicamente.

Em várias músicas (como Terra Plana, Despedida de Maria e Bonita), o personagem central era um guerrilheiro. As canções, narradas sempre na primeira pessoa. Ou seja, saltava aos olhos tratar-se do papel que sonhava ele mesmo vir a representar na vida real.

Mas, claro, o Vandré não foi para a guerrilha nem parece ter passado pela prova de fogo nos porões da ditadura com o destemor desejado. Além disto, não aguentou viver muito tempo fora do Brasil e voltou com o rabo entre as pernas. Com certeza, negociou com os militares para poder desembarcar “sem ter na chegada/ que morrer, amada,/ ou de amor matar” (Canção Primeira).

A minha impressão é que, nordestino e machista, ele não suportou admitir que fora quebrado pela tortura e pelos rigores do exílio. Então, preferiu desconversar, embaralhar as cartas, descaracterizar-se como ícone da resistência. Enfim, um caso que só Freud conseguiria explicar (e esgotar).

De qualquer forma, aquele artista que tanto admiramos foi assassinado pelos déspotas, da mesma forma que Victor Jara e Garcia Lorca. Sobrou um homem sofredor, que merece nossa compreensão.

28/3/2009

Fonte: ViaPolítica/O autor

Celso Lungaretti é jornalista, escritor e ex-preso político.
Mantém os blogs:
O Rebate

O Náufrago


Texto original de Celso Lungaretti divulgado em 27/2/2008

Sobre o mesmo assunto, leia e ouça entrevista com o músico e compositor Geraldo Vandré no Correio Brasiliense

30.03.2009