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segunda-feira, 20 de abril de 2009

País ganha primeiro quilombo urbano

A Associação Quilombo da Família Silva, em Porto Alegre, primeiro quilombo urbano a ser reconhecido no País, pode receber ainda este ano a titulação definitiva de uma área de 6,5 mil metros quadrados e confirmar a sua condição de referência para outras comunidades negras que lutam pelo mesmo direito.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) já tem a posse formal de parte do terreno e aguarda o encerramento da discussão sobre os valores depositados para os proprietários da outra parte para transferir a titularidade aos quilombolas. Os desapropriados reivindicam na Justiça a atualização de alguns valores da indenização e juros.

A associação busca agora seu CNPJ para se habilitar ao título e, conforme uma de suas integrantes, Lígia Maria da Silva, 51 anos, nascida e criada no quilombo, sonha em receber o documento das mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda neste ano. "O título é coletivo, com cláusulas que o tornam imprescritível, impenhorável e inalienável", ressalta o coordenador de projetos especiais da superintendência do Incra no Rio Grande do Sul, José Rui Tagliapietra.

Com 15 casas de madeira, nas quais moram 15 famílias e 70 pessoas, o Quilombo Silva é um enclave em meio a mansões e condomínios de luxo no bairro Três Figueiras, um dos mais valorizados da capital gaúcha. Cada passo que o grupo deu para conquistar sua terra acabou chamando a atenção e, pelo sucesso, incentivando a luta de outros que já trilhavam ou que optaram por seguir o mesmo caminho.

"O Quilombo Silva é um divisor de águas", afirma o advogado Onir de Araújo, participante da equipe de coordenação do Movimento Negro Unificado no Rio Grande do Sul. "O fato de o grupo assumir identidade étnica para garantir seu espaço físico e de ter sido vitorioso em sua luta provocou impactos em todo o País", avalia. "O pessoal nos procura para saber como conseguir avançar na luta deles", conta, orgulhoso, o quilombola Lorivaldino da Silva, 49 anos.

História
A história do Quilombo Silva começa nos anos 40 do século passado, quando quatro antepassados das famílias atuais migraram de São Francisco de Paula, no interior, para Porto Alegre. Na capital, se instalaram num terreno distante do centro, onde cultivavam frutas, hortaliças e ervas medicinais e de onde saiam eventualmente para vender seus produtos ou prestar serviços nos bairros. A expansão da cidade acabaria por cercar os Silvas, sobretudo nos anos 80, quando o bairro em que vivem se valorizou, atraindo famílias abastadas. Desde os anos 60 havia disputas judiciais entre proprietários, que reivindicavam a posse e estiveram a ponto de conseguir o despejo dos Silvas por pelo menos duas vezes, e moradores do terreno, que moviam ações de usucapião.

Em 2003, depois do decreto presidencial que estabeleceu que podem ser definidas como quilombos as comunidades portadoras de uma tradição de resistência da população negra, os Silvas se fortaleceram. Em 2004, a Fundação Cultural Palmares incluiu a comunidade no Cadastro de Remanescente de Quilombos, primeiro passo para o reconhecimento. Na sequência, o Incra elaborou o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) e em dezembro de 2006 o Ministério do Desenvolvimento Agrário publicou portaria reconhecendo a povoação como primeiro quilombo urbano do País. Isso abriu caminho para a posterior desapropriação da área.

O progressivo reconhecimento já mudou parcialmente as condições do quilombo. Antes o esgoto corria sob os pés de crianças e adultos, água potável era artigo de luxo e a população contava com apenas um sanitário comunitário. Por dificuldades cadastrais, os moradores também sofriam para ter acesso a atendimento médico e remédios da rede pública. Entre 2002 e 2003, duas irmãs, Zeneide e Ana Cristina, morreram de tuberculose. Agora, as famílias contam com rede de saneamento básico e banheiros particulares, dentro das residências, construídos pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Além disso, por intervenção do Ministério Público, foram cadastrados e passaram a ser atendidos pelo Posto de Saúde da Vila Jardim. "Nunca mais morreu ninguém", diz, aliviada, Lígia. Na nova condição, com terra, posse, documentos e reconhecimento, os quilombolas estão se preparando para buscar ajuda de outros programas sociais, como os que incentivam a construção de moradias. "Falta melhorar as casas", constata Lígia. "A chuva inunda tudo, entra água pelo telhado e até pelas paredes", emenda Ângela Maria da Silva.

"Alunos da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) já fizeram um projeto voluntariamente e esse é nosso próximo sonho", completa Lorivaldino, referindo-se a um plano esboçado por estudantes de engenharia que prevê a construção de casas com três dormitórios, galpão, creche e calçadas.

Os moradores do Quilombo Silva queixam-se do custo da alimentação, mas reconhecem que, na localização em que estão, têm vantagens como proximidade de escolas para as crianças e oferta de trabalho em áreas como serviços domésticos, jardinagem, pintura e consertos diversos nas mansões das redondezas. A comunidade cresceu. Em 2003, tinha 9 famílias e 37 pessoas. Hoje, por casamentos de jovens e nascimento de crianças, conta com 15 famílias e 70 pessoas.

A reportagem é de Elder Ogliari e publicado pelo jornal O Estado de S.Paulo, 12-04-2009.

E em 2007 o Brasil de Fato publicou esta aqui:


Quilombo urbano tem terra regularizada

Família garante posse do primeiro quilombo urbano no Brasil

5 de fevereiro de 2007

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária entregou a imissão de posse do Quilombo Silva, em Porto Alegre, o primeiro quilombo em área urbana reconhecido no Brasil. Para que a Família Silva tenha a posse definitiva da área em que vive há quase um século, só falta a assinatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Uma das mais antigas moradoras do quilombo, Lígia Maria da Silva está no local há 50 anos. Ela conta que quando seus avós chegaram na área existiam pouquíssimas casas, com muito mato ao redor. Hoje, o terreno fica no luxuoso bairro Três Figueiras, em Porto Alegre, e está cercado por condomínios de alta classe.

'Aqui era tudo mato quando a gente chegou. Não tinha nada, só o prédio do Colégio Anchieta, um pavilhão velho. A avenida Nilo Peçanha ia só até o colégio, hoje ela corta a cidade', diz.

Lígia relata que as famílias já possuem água e saneamento básico no terreno. O desafio, agora, é fazer um projeto de moradia já como uma comunidade quilombola. Para Lígia, a conquista da área, depois de 60 anos de luta, tem um significado que vai além do ganho pessoal.

'Hoje em dia, com cinco anos, já tem direito pelas terras. E aqui nós estamos há mais de 50 anos e nunca tivemos direito. É uma coisa muito boa para nós. Como negro, como quilombola, para que sirva de exemplo para todos os quilombolas que estão lutando por suas terras mundo afora. Que eles não desistam, porque a luta é grande, a luta é difícil, a gente vai encontrando empecilhos pelo caminho, mas a gente vai levando como dá', afirma.

A emissão de posse da área foi concedida ao Incra pela Justiça Federal do Rio Grande do Sul. O local, de 6,5 mil metros quadrados, foi reconhecido como comunidade quilombola no ano passado. O Incra já depositou em juízo R$ 2,4 milhões como indenização a outras quatro pessoas que se dizem proprietárias da área.

Um comentário:

Hélio Sassen Paz disse...

Oi, Conceição! ;)

O quilombdo da Família Silva é motivo de uma série de reportagens produzidas pelos meus queridos amigos Guga türck (almadageral.blogspot.com), sua esposa Têmis Nicolaidis e seu sócio Jefferson do Coletivo Catarse de Comunicação (coletivocatarse.blogspot.com), que são free-lancers de atuação crescente na programação da TV Brasil.

Besos,
Hélio