Se há algo que precisa ser destacado como elemento central na vitória de Barack Obama é justamente o reconhecimento dos movimentos sociais como atores de enorme importância para a revitalização da esfera pública.
Dois equívocos devem ser evitados quando analisamos a chegada de Barack Obama à Presidência dos Estados Unidos: o triunfalismo pueril e o ceticismo fatalista. Se o primeiro ignora os enormes desafios que esperam o próximo ocupante da Casa Branca, caindo em um voluntarismo inconseqüente, o segundo, aquele que prima pelo discurso do “nada muda, o imperialismo estadunidense continuará da mesma forma", renega a prática política como fator de transformação. Ambos desconhecem a práxis como critério de verdade e caem em um perigoso vazio.
Obama não é “um raio num dia de céu azul". A inflexão ética que representa sua eleição não pode ser vista como algo sem importância. Estamos tratando de um processo eleitoral. E uma eleição nunca deixa de revelar novas subjetividades que se expressam como adesão ao universo simbólico do candidato eleito. Desconsiderar esse ponto é o mesmo que renunciar à compreensão de características que definem os mecanismos de poder existentes em quaisquer sociedades.
Sem dúvida, a crise econômica favoreceu a vitória do candidato democrata, mas terá sido ela o fator decisivo? Há oito anos, o historiador Nicolau Sevcenko afirmava que "esses movimentos que a gente viu tomar as ruas de uma maneira teatral, fortemente simbólica, em Seattle, Toronto, Washington e Praga, são a projeção na praça pública desse grande nexo de pessoas de todo o mundo que convergem para uma crítica que pretende recolocar o homem no centro do processo histórico". As palavras de Sevcenko eram uma correta reflexão sobre o lugar da política no contexto da globalização neoliberal.
Há quem atribua ao ex-presidente Lyndon Johnson, quando assinou a lei dos direitos civis em 1964, a origem mais remota da vitória de Obama. Mas cremos ser mais preciso atribuí-la à massa crítica acumulada desde as manifestações de Seatlle.
O real sentido de seu êxito aponta para uma mudança de ênfase, tons e prioridades da sociedade estadunidense. E, dependendo da agenda que adote, o novo governo pode significar a revalorização da democracia, o desmentido da crença de que os agentes de mercado possuíam uma força econômica tão esmagadora que eram capazes de eliminar a ação política.
Se, de um lado, os fundamentalistas do livre mercado estavam convencidos de que a mundialização do capitalismo era o experimento mais bem-sucedido da humanidade, a ponto de tornar obsoleta a dimensão política, de outro, o discurso da esquerda não conseguia ultrapassar o nível da denúncia contra os estragos provocados nas economias e culturas nacionais. Ou seja, não lograva articular uma narrativa que demonstrasse, com eficácia, que as tendências globalizantes, supostamente criadoras de uma “sociedade mundial", controlada pelo mercado e impermeável a intervenções políticas nacionais, nada mais eram que uma quimera ideológica.
De fato, se há algo que precisa ser destacado como elemento central na vitória de Barack Obama é justamente o reconhecimento dos movimentos sociais como atores de enorme importância para a revitalização da esfera pública. É necessário apreendê-los como formas de organização que reconhecem novos direitos. As lágrimas do pastor Jesse Jackson não evocam apenas o passado, mas, sinuosamente, escorrem para o futuro.
A mesma crise econômica que limita a margem de manobra de Obama, dialeticamente, abre espaço para a imaginação criadora. Há os desafios impostos pelo endividamento das famílias norte-americanas, pelo aumento do desemprego, da desigualdade, e pela pilhagem do meio-ambiente sob o comando das corporações.
A ofensiva internacional de Bush II, formulada antes mesmo da chegada dos republicanos ao poder, precisa ser interrompida o mais rápido possível. A sociedade americana já se deu conta de que o "imperialismo democrático" das lideranças neoconservadoras não é sequer factível. A política externa de George W. Bush foi um desastre sem tamanho. É hora de elaborar nova agenda que contemple um multilateralismo efetivo. Os termos do novo cenário estão contidos em “Nossa Carta a Obama", publicada em Carta Maior.
O presidente que começou vencendo a máquina de seu próprio partido tem que estar ciente que o tempo corre contra ele. A direita já está se articulando com vistas às eleições parlamentares de 2010. E, paradoxalmente, aposta na crise que a apeou do poder. Nesse caso, mantém uma estreita sincronia com sua congênere brasileira. Sem falar da sintonia ética.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.
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