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quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Para além do oficialismo e do esquerdismo no movimento anti-racista

Por Dennis Oliveira, Revista Fórum

20/05/2013

No sábado, dia 18 de maio, foi realizado na Universidade de São Paulo, o seminário “10 anos da Lei 10639/03 – Balanço e Perspectivas”. Participaram do evento cerca de 120 pessoas, a esmagadora maioria profissionais de educação. O seminário compôs-se de mesas redondas e ateliês de práticas pedagógicas nas áreas de literatura, artes, história, gestão de conflitos, entre outros.

Mas o que chamou a atenção nos debates de sábado foi a presença de uma questão de fundo que permeia os movimentos sociais no momento em que vivemos. Como se deve dar a relação entre movimentos sociais e governo, principalmente quando se trata de governos com um cunho mais progressista. Discussão semelhante ocorreu na sexta-feira, durante um outro seminário que participei como expositor sobre “movimentos sociais na contemporaneidade”, organizado pelo IEA (Instituto de Estudos Avançados) e a EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades) na USP campus zona Leste.

Na questão específica do movimento anti-racista, um autor citado na mesa redonda de sábado foi o sociólogo Clóvis Moura (autor de “Dialética radical do Brasil negro” e “Rebeliões da senzala”). Moura é, constantemente, desqualificado na academia e até por alguns dirigentes do movimento negro. Cobram dele uma “maior precisão nas informações e nos dados” (uma pessoa em uma banca de qualificação da qual participei na FFLCH-USP questionou, por exemplo, a ênfase dada por Moura para o Quilombo dos Palmares dizendo que se ele foi tão importante porque hoje não há “remanescentes como de outros quilombos”, esquecendo ou fingindo desconhecer que Palmares foi massacrado).

A qualificação de Moura não está, necessariamente, na precisão ou não das informações e dados. Isto é uma leitura superficial da obra dele. Quando Moura fala que a abolição que se faz em 13 de maio de 1888 tem um caráter inconcluso por não prever medidas de inclusão dos ex-escravizados e escravizadas no sistema social porque a luta “saiu dos quilombos e foi para a dimensão parlamentar” quis enfatizar os limites da ação institucional.

Outro pensador importante brasileiro, Jacob Gorender, defende que o escravismo colonial existente no Brasil era um modo de produção original, porque a utilização de mão de obra escravizada de africanos produzia valores que eram incorporados no sistema capitalista mercantil de então. Isto significa que há uma articulação na formação social capitalista nascente do modo de produção do escravismo colonial brasileiro.
Fazendo uma interpretação marxiana destas posições, tem-se que o Estado brasileiro foi formatado para possibilitar a vigência desta tipologia de acumulação de riquezas e de relações sociais de classe. As modulações do aparelho de Estado nos diversos momentos conjunturais não significam uma mudança estrutural na sua lógica, até porque se manteve o modo de produção local e sua articulação com a formação social capitalista global.

É exatamente este o raciocínio de Clóvis Moura quando identifica a opção de passagem do sistema escravista para o capitalista dependente (ver em “Sociologia do negro brasileiro” e “Dialética radical do Brasil negro”) como os limites estruturais de ação por dentro do aparelho institucional. Em outras palavras, a forma de abolição obtida em 13 de maio de 1888 foi o limite possibilitado pelo aparelho de Estado brasileiro voltado para a manutenção daquela ordem – patrimonialista, capitalista dependente e racista. E é também o aspecto que diferencia do projeto abolicionista dos movimentos abolicionistas radicais, como a Revolta dos Alfaiates, em que se desenhava uma outra perspectiva de sociedade e também de Estado.

Por isto, os eventuais espaços de participação nos aparelhos de Estado que tem crescido no Brasil nos últimos anos tem que ser observados dentro dos seus limites institucionais. O professor Juarez Tadeu de Paula Xavier, da Unesp, lembrou na sua fala no dia 18 de maio, da lógica do falecido pensador negro Milton Santos: os processo sociais tem a dimensão da fábula, da perversidade e da possibilidade. O que se percebe é que há uma ilusão com a fábula na perspectiva institucional de parcela da militância ou da repetição estéril da perversidade por parte de uma frustração esquerdista. Ambas, embora aparentemente opostas, se aproximam por partirem da ilusão das possibilidades da ação institucional (só se frusta quem um dia se iludiu). Ora, uma ação política pela transformação se situa na dimensão das possibilidades.
A contribuição epistêmica de Clóvis Moura é fundamental para se entender os limites e possibilidades de transformação com a aprovação de diversas leis importantes para o movimento anti-racista, como a Lei 10639/03. O diagnóstico da presença desta lei não é dos mais animadores. Problemas vários acontecem nas escolas e muitas vezes são identificados unica e exclusivamente como decorrentes de má formação ou incompreensão dos profissionais da educação. Esquece-se da natureza do Estado brasileiro – que vai além dos ocupantes pontuais dos cargos de governo, pois se espraia nas tradições e formatações institucionais consolidadas – já dito por vários pensadores: patrimonialista, excludente e racista.
Historiador critica projeto de lei que garante exclusividade para o exercício da profissão

Por: Francisco Marshall*, no Zero Hora

03/08/2013

'O teor do projeto em discussão vai produzir uma casta cartorial e tecnocrática para controlar a produção livre do conhecimento'
  Historiador critica projeto de lei que garante exclusividade para o exercício da profissão Marie-Lan Nguyen/Wikimedia Commons
Heródoto, o pai da História, em relevo esculpido por Jean-Guillaume Moitte em uma das paredes do Museu do Louvre. Foto: Marie-Lan Nguyen / Wikimedia Commons

Ora tramita em regime de urgência no Congresso Nacional o PL 4.699/2012, do senador Paulo Paim (PT), que trata da profissionalização do historiador. O projeto assegura aos historiadores diplomados prerrogativas exclusivas e interdições que atingirão a pesquisa e a difusão do conhecimento histórico. O privilégio pretendido encaminha conflitos com os historiadores temáticos, que tratam da História da Arte, das Ciências ou da Literatura, entre muitas especialidades de consistente tradição e relevância. Estes conflitos, decorrentes da luta corporativa por reserva de mercado, já motivaram protestos até da Academia Brasileira de Ciências e da SBPC, e abrem questões de interesse amplo e grave: há benefício social na regulamentação da profissão de historiador, e riscos reais em sua inexistência? Caso existam, estes riscos são tais que justifiquem os transtornos prometidos pelo exclusivismo? Deve a memória histórica ser atribuição exclusiva de certo segmento técnico? Com que vantagens e desvantagens? Qual a cientificidade da História, e quais os usos deste saber? Eis, portanto, ocasião para discutirmos a relação entre História, historiador e sociedade, e para pensarmos algo sobre trabalho, ciência e liberdade.

A questão central é sobre a natureza e a potência do conhecimento histórico. Há um método que se aprende apenas tirando diploma? A posse deste método assegura grau superior e exclusivo para o exame do passado? Esta exclusividade resulta em bem social? Pode o desenvolvimento da investigação histórica ser tolhido de toda a parcela da sociedade não diplomada, e confiada a uma guilda de fornecedores do conhecimento? 

 Os gregos inventaram a História e logo suas pretensões de cientificidade e de utilidade. Heródoto (484 a.C.? – 425 a.C.) usou o termo historíe (história) para designar as enquetes que fez junto aos povos que visitou, sobre mito, memória, fatos e costumes. Uma geração após, Tucídides (460 a.C.? – 395 a.C.) descreveu metodologia rigorosa para a obtenção do conhecimento sobre os eventos recentes e as causas da guerra; reagindo a Heródoto, Tucídides não adotou a palavra “história”, mas foi neste gênero de pesquisa e narrativa que se situou; o historiador quis legar à humanidade um “tesouro para sempre” (ktêma eis aei): o conhecimento das razões que levam à guerra e, logo, referências para que a prudência política evite este flagelo. A humanidade, porém, seguiu guerreando, pois, como anotou G.W.F. Hegel (1770 – 1831) no prefácio à Filosofia do Direito (1820), “a coruja de Minerva começa a voar apenas quando cai o crepúsculo”, e a História segue tão inútil quanto o voo tardio da coruja. Sofisticada, apurada, pretensiosa e inútil. 

 A escrita da História aprimorou-se na erudição de autores como Giambattista Vico (1668 – 1744) e Edward Gibbon (1737 – 1794), e no rigorismo cientificista do século 19. Leitor de Hegel, Karl Marx (1818 – 1883) quis converter a História em ciência prospectiva e identificou nas tensões das relações de produção a real causa da dialética; esta ciência até hoje ilumina a compreensão histórica, mas sua principal utilidade foi justificar dezenas de milhões de assassinatos, obra dos regimes totalitários socialistas que, nutridos por “ciência” histórica, aceitavam quaisquer meios pelo fim maior de redimir o proletariado rumo ao comunismo e, sobretudo, preservar o poder. Pouco antes, um tirano austríaco quase destruiu a Europa, nutrido por várias ciências, entre as quais a História, alma do nacionalismo suprematista. Quando a História vira autoridade, com o nome usurpado de ciência, a opinião torna-se verdade, cegueira e violência. Não pode um indivíduo, partido ou corporação deter o monopólio da verdade, da memória ou da narrativa histórica, sob risco de perder-se a liberdade e a ciência da complexidade do mundo. 

No século 20, com os aportes da Antropologia, da Arqueologia, das Ciências Econômicas, da Ciência Política, da Filosofia, da História da Arte, da Linguística, da Psicologia, da Semiótica, da Sociologia, e de outras disciplinas, a História transformou-se e por fim superou a pretensão de hegemonia de um certo tipo de explicação histórica, materialista. Hoje, o historiador tem ao seu dispor um bom repertório de teorias e vocabulários; não há o menor consenso metodológico, e é bom que assim seja. Talvez o núcleo metodológico da disciplina siga sendo aquele herdado de Tucídides e aperfeiçoado em 1898 por Langlois e Seignobos: a crítica documental rigorosa e a determinação das fontes e fatos, princípios compartilhados com o Jornalismo e outras ciências, pouco ensinados nos cursos de História atuais. A História é uma expressão das Ciências Humanas, em diálogo com áreas correlatas e aberta à sociedade, que deve ser capaz de historiar, como cada um de nós deve ter memória; a pretensão de monopólio é um insulto à sua natureza interdisciplinar, bem como ao convívio harmônico com as demais disciplinas e a sociedade. 

Chegamos, pois, ao ponto: a quem e para que serve a pretensão de monopólio corporativo que pauta esta regulamentação profissional? Além da finalidade medíocre e insustentável de garantir reserva de mercado, vai-se produzir outra casta cartorial, controlando um ofício livre e inofensivo, dando ilusão de poder a tecnocratas improdutivos, burocratizando o ofício, perturbando e ofendendo profissionais dignos, inibindo a evolução acadêmica, sem qualquer ganho social. A sociedade, caso conceda esta reserva de mercado, abrirá mão de parte importante da liberdade e fomentará litígios desnecessários nas ciências patrimoniais, hoje, aliás, muito mais complexas do que o imaginam os arautos do oficialismo historiográfico. A ABC e a SBPC, em carta de 10 de julho deste ano, em que pedem a imediata suspensão da tramitação do projeto de lei 4.699/2012, argumentam, corretamente, que “existem diversas áreas de pesquisa e ensino cujo nome inclui “História” e que, no Brasil e no exterior, são atividades que podem ser desenvolvidas por profissionais de outras áreas que não tenham diploma em História.” Isto inclui todas as histórias temáticas, que não são ensinadas nem como assunto nem como metodologia de pesquisa nos cursos de História no Brasil, e, especialmente, a área de História da Arte, em franco desenvolvimento e titular de tradição acadêmica própria e importante. A ANPUH (Associação Nacional de História), em documento dirigido à Sesu/MEC, postulou que as áreas de “História da Arte e História, Teoria e Crítica da Arte devam convergir para a denominação História – Bacharelado e História – Licenciatura”, mas estes assuntos, todavia, não compõem os currículos de ensino universitário de História no Brasil; eis indício preocupante dos fins a que pode se prestar esta regulamentação, provocando conflitos ilegítimos com outras áreas acadêmicas e com ameaças ao sentido de liberdade necessário à vida social e ao progresso da humanidade.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

História de Palmares ganha nova cronologia com análise de fontes originais


 Pesquisadora da Unicamp se debruça sobre documentos históricos que permaneciam inéditos desde o século XVII para entender as formas de dominação no período colonial

 História de Palmares ganha nova cronologia com análise de fontes originais

Por Frances Jones, Agência FAPESP 01/08/2013

Em 1678, o então rei dos Palmares firmou um acordo de paz com o governador de Pernambuco, a autoridade máxima sobre um território que englobava os atuais estados da Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte, além de Pernambucano.

A negociação durou alguns meses e envolveu intérpretes, envio de embaixadas, presentes e libertação de prisioneiros. De um lado, Ganazumba (ou Gangazumba), tio de Zumbi, séculos depois apontado como símbolo da resistência contra a escravidão; de outro, dom Pedro de Almeida, governador prestes a voltar para Portugal.

Até agora pouco estudado e comentado pela historiografia, o episódio vem ganhando contornos mais definidos sob a luz de documentos originais, boa parte deles inéditos. O material, manuscrito, inclui cartas, despachos de conselheiros do regente português, crônicas e até rascunhos encontrados em Portugal pela historiadora Silvia Hunold Lara, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em pesquisa realizada no âmbito do Projeto Temático“Trabalhadores no Brasil: identidades, direitos e política (séculos XVII a XX)”.

A documentação tem permitido que Lara e outros historiadores tracem uma nova cronologia sobre Palmares. “Em geral, a historiografia periodizou a história palmarina a partir das guerras feitas contra eles. Procuro me concentrar na formação dos mocambos [os assentamentos de fugitivos] e entender como eles se organizavam em termos políticos e militares”, disse Lara àAgência FAPESP.

“A década de 1670 é importante porque marca o reconhecimento por parte das autoridades portuguesas e coloniais desse sobado (estado africano) em Palmares.

Os termos do acordo negociado em 1678 constituem a maior evidência disso”, disse a historiadora.

Em seus estudos, Lara retoma teses de uma vertente da historiografia que dá ênfase às raízes africanas de Palmares, na qual se incluem os brasileiros Nina Rodrigues (1862-1906) e Edison Carneiro (1912-1972) e os norte-americanos Raymond Kent (1929-2008), Stuart B. Schwartz e John Thornton.

De acordo com Lara, um documento-chave para entender Palmares é uma crônica anônima, com data atribuída a 1678, escrita logo depois do acordo de paz selado entre Ganazumba e o governo de Pernambuco, quando d. Pedro de Almeida volta a Portugal e vai mostrar seus feitos às autoridades portuguesas.

“É uma crônica extensa, que faz uma história de Palmares, desde o seu início até 1678. Dá nome aos mocambos, descreve as relações entre os chefes militares e os chefes dos mocambos, conta as expedições feitas e equipara a uma conquista militar a vitória [parcial] obtida em 1677 por uma expedição que destrói os mocambos e está na origem do acordo de paz”, disse.

O grande ponto, segundo a professora titular do Departamento de História da Unicamp, é que essa crônica sempre havia sido lida pelos estudiosos a partir de uma publicação na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro de 1859 – feita quase 200 anos após ser redigida.

“As pessoas não viram o original, que estava perdido nos arquivos. Quando você olha o original, pode ver que houve transcrições incorretas”, disse Lara. Um bom exemplo é o dos nomes das lideranças palmarinas e dos principais mocambos ali descritos – com diferenças em relação aos consagrados pela historiografia.

“A maior parte de quem lidou com Palmares trabalhou com uma documentação impressa. E quem transcreveu e publicou fez uma seleção. Ao ir às fontes e aos arquivos, localizei uma quantidade muito grande de fontes ao redor desses documentos transcritos, muitas nunca publicadas”, disse.

Os achados estavam no Arquivo Histórico Ultramarino e no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, e na biblioteca pública da cidade de Évora, interior de Portugal.

Saindo da trilha dos Imbangala
Lara também parte de um trabalho publicado em 2007 por Thornton e pela historiadora Linda Heywood, da Boston University, nos Estados Unidos, sobre a história das guerras na África Central para estudar quem eram os africanos escravizados e trazidos para o Brasil que fugiram e acabaram se organizando em agrupamentos em vários pontos de uma extensa região nordestina ao norte do Rio São Francisco, caracterizada por matas de palmeiras.

“Hoje conseguimos saber com um pouco mais de precisão quem eram as pessoas trazidas para cá: muito provavelmente eram falantes de kimbundu, língua africana da região do então reino de Ndongo, que ocupava o que hoje é uma região de Angola”, disse.

Dos vários assentamentos de fugitivos – todos conhecidos nessa época como palmares –, um deles em especial se consolidou durante o período da ocupação holandesa (entre 1630 e 1654), formando uma rede de mocambos que se tornou conhecida depois como Palmares. Nove mocambos chegaram a abrigar no total cerca de 11 mil habitantes, de acordo com algumas fontes.

“Todo mundo diz quilombo dos palmares, mas a palavra ‘quilombo’ é empregada deslocadamente nesse contexto e é anacrônica para designar Palmares. A palavra empregada naquele período para designar ‘assentamentos de fugitivos’ é mocambo”, afirmou Lara.

Segundo a historiadora, “kilombo” é uma palavra africana que significa “acampamento de guerra”, usada pelos grupos nômades guerreiros Imbangala, da África Central. Historiadores como o norte-americano Stuart Schwartz, da Yale University, consideraram que a formação dos quilombos nas Américas estava relacionada a esses acampamentos guerreiros – daí a origem do termo.

“Mas acho que essa não é uma matriz da formação dos assentamentos dos fugitivos no Brasil. Os kilombos Imbangala tinham rituais específicos, com morte de crianças, serragem de dentes e canibalismo. Como eram nômades, não tinham uma ligação territorial nem as linhagens que davam a legitimidade do poder, diferentemente do que ocorreu nos mocambos do interior de Pernambuco, onde se formou um reino linhageiro”, disse Lara.

Os mocambos se organizavam segundo uma gramática política centro-africana, explicou a pesquisadora. Como nos sobados centro-africanos (os potentados locais da África), os chefes políticos dos mocambos do Nordeste mantinham relações de parentesco entre si e todos estavam subordinados a Ganazumba, conhecido como rei dos Palmares. “Esse sobado que se formou no interior de Pernambuco foi reconhecido pelas autoridades coloniais como um poder político independente, com o qual se podia negociar”, disse.

Mudança para Cucaú
A pesquisadora conta que a ideia de as autoridades coloniais fazerem acordos com fugitivos sempre existiu – e não apenas no Brasil. O de 1678, porém, foi o que mais progrediu. Boa parte dos habitantes dos mocambos de Palmares mudou-se para uma aldeia criada especialmente para recebê-los, Cucaú, e eles foram considerados livres.

A paz, no entanto, não durou mais do que dois anos. Uma parte dos mocambos, liderada por Zumbi, rejeitou o acordo e ficou em Palmares. Seguidores de Ganazumba, como seu irmão Ganazona, participaram de buscas para trazer os que haviam permanecido no mato. Ganazumba termina assassinado e Cucaú, destruída, provavelmente por tropas coloniais. As pessoas que moravam lá voltaram à condição de escravos.

“A história contada até hoje sobre Palmares é uma história militante e toda ela converge para o enaltecimento da figura de Zumbi como a grande liderança que jamais se curvou e resistiu à escravidão até ser morto em 1695; as pessoas reiteram e usaram a mesma documentação para dizer mais ou menos a mesma coisa”, ressaltou Lara. “Essa história passa muito rápido pelo acordo de paz. Tão rápido que os termos do acordo nunca foram publicados nas coletâneas de documentos feitas sobre Palmares.”

Interessada em discutir as formas de dominação nesse período e o modo como africanos e indígenas lidaram com o domínio colonial, Lara recupera de todas as formas o acordo. “A história de Palmares, da maneira como a estamos estudando, ajuda a entender como a dominação colonial foi enfrentada e modificada pela ação dos índios e dos africanos na África e no Brasil.”

Com o auxílio do Projeto Temático FAPESP, Lara e sua equipe montaram uma base de dados sobre Palmares, organizada de forma a ser disponibilizada para consulta pública on-line. Cerca de 2 mil documentos foram digitalizados e aos poucos estão sendo transcritos. “Espero que, dentro de dois anos, tudo esteja aberto para o público”, disse.

Diversos bolsistas também produziram trabalhos relacionados à produção da base de dados. Um deles foi a monografia de graduação "Guerras contra Palmares: um estudo das expedições realizadas entre 1654 e 1695", de Laura Peraza Mendes, que ganhou prêmio de melhor monografia de graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp em 2011.

Mendes defenderá sua dissertação de mestrado, que contou com Bolsa FAPESP ( Expedições contra os mocambos de Palmares e os dilemas do governo colonial de Pernambuco, 1654-1695), em agosto de 2013.

Lara agora trabalha para transformar em livro a tese  “Palmares; Cucaú: o aprendizado da dominação”, com a qual se tornou professora titular.