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quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Noam Chomsky critica os EUA e elogia o papel do Brasil na crise de Honduras

Vários jornais internacionais, dentre eles El Clarin (leia a tradução aqui), Time elogiaram a postura do governo Brasileiro, especialmente da embaixada brasileira em Honduras. Entretanto, a mídia brasileira, com raríssimas exceções, emitiu diferentes julgamentos que, na maioria deles, condenaram a postura do governo brasileiro. Alguns jornais como a Folha e O Globo revistas como a Veja e jornais televisivos como a Band chegaram mesmo a dizer que Honduras ameaçava o Brasil.

Ao ler as matérias, se elas não representassem algo que falseia completamente a verdade, poderíamos nos divertir com o apelo retórico, pensando no papel do Brasil hoje na economia global, as dimensões de nosso país e especialmente, no respeito e na tradição diplomática do Brasil, no restante do mundo eu me perguntava: qual ameaça, ameaça em relação a quê?

Para além dos eufemismos utilizado pela imprensa conservadora que demorou para usar o termo golpe, alguns ainda insiste em dizer que o golpe é constitucional ou que vê o regime de exceção de Micheleti que instituiu a censura , a repressão violenta e a tortura como 'restrições'

Bem, para quem deseja boa informação ouçam na rede a Radio Globo de Honduras que foi tirada do ar pelo governo golpista e, depois de grandes protestos internacionais, voltou a operar pela internet, aqui

Leia o site do Vi o mundo, Luiz Carlos Azenha está fazendo uma boa cobertura, publicando artigos próprios e de outros veículos. E, por último, a própria imprensa conservadora diante do desenrolar dos fatos teve de reconhecer que o papel do governo brasileiro não foi nenhuma ação megalomaníaca como a matéria de capa de má-fé da Veja desta semana tentou convencer os brasileiros que ainda lêem este exemplo de anti-jornalismo. Segue a entrevista do Chomsky publicada em O Globo.


Brasil ficou acima das expectativas; EUA não usaram 'todas as armas'.
Linguista e professor do MIT falou ao G1 em entrevista exclusiva.

Giovana Sanchez Do G1, em São Paulo

Ter apoiado o presidente deposto de Honduras e ter dado abrigo a ele em sua Embaixada, fez com que o Brasil assumisse uma posição de destaque no confronto de Manuel Zelaya com o governo interino hondurenho. "Um papel admirável", avaliou o linguista e teórico Noam Chomsky, em entrevista exclusiva ao G1, por telefone.

O professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT) criticou a "fraca" ação norte-americana na crise da América Central.

Honduras passa por um conflito diplomático e político após um golpe de Estado que retirou do poder o presidente eleito, Manuel Zelaya, em 28 de junho. No dia 21 de setembro, ele voltou ao país de surpresa e se abrigou na Embaixada Brasileira, criando um impasse que dura até esta quarta-feira (30).

Chomsky publicou mais de 80 obras e desenvolveu uma teoria que revolucionou o estudo da linguística. Ele foi um dos ferozes críticos da Guerra do Vietnã, entre 1959 e 1975, e tem extensos trabalhos que criticam a política externa norte-americana. Após os atentados do 11 de Setembro, fez em seu bestseller "9-11" uma análise polêmica dos ataques, condenando tanto os seus autores como os EUA, a quem chamou de "principal nação terrorista" do mundo.

G1 - O senhor acredita que os Estados Unidos apoiaram o golpe em Honduras? Qual tem sido o papel do país nessa crise?

Chomsky - Esse golpe foi incomum, e os Estados Unidos não o apoiaram abertamente. O país se juntou à Organização dos Estados Americanos (OEA) e a outras potências na crítica, mas fez isso de uma maneira fraca - não retiraram seu embaixador, como outras nações fizeram, por exemplo. Também se recusaram a chamar de golpe, o que envolveria cortar muitas ajudas, e não usaram nada de sua capacidade para restaurar a democracia.

Os militares de Honduras são muito ligados aos EUA. Aliás, os americanos usam uma base no país. Após a volta de Zelaya, os Estados Unidos passaram a criticar abertamente Zelaya, e seu embaixador na OEA o chamou de irresponsável. Não diria que o país apoia o golpe, mas, com certeza, não está fazendo algo para se opor. Há fortes segmentos dos Estados Unidos que até são a favor do golpe. A história de que Zelaya queria mudar a Constituição é um pretexto, Zelaya estava aumentando o salário mínimo, introduzindo programas que beneficiariam os pobres, e a pequena elite rica do país não gostou nada daquilo.

G1 - Como o senhor analisa a atitude do Brasil e da Venezuela em relação a Honduras hoje?

Chomsky - Acho que a atitude do Brasil tem sido muito admirável. Ao acolher Zelaya, o país se colocou numa posição a favor da democracia, e é claro que o que o Brasil faz é extremamente importante, pois é o principal país da América Latina.

O caso da Venezuela não é surpreendente, já que Zelaya já era um aliado de Chávez (o presidente Hugo Chávez), então o país se definiu fortemente contrário ao golpe, o que acho que é a posição correta.

G1 - O senhor acha que a volta de Zelaya mudou alguma coisa na dinâmica da organização diplomática na América Latina?

Chomsky - Acho que mudou muito. Os golpistas estão enfrentando uma pressão internacional, da OEA e de maneira mais fraca dos EUA, e agora eles estão caminhando para um confronto direto com o Brasil. Acredito que eles irão recuar. E é uma vergonha que os Estados Unidos não estejam tomando uma atitude mais forte nesse sentido, pois acredito que, se isso acontecesse, o golpe já teria acabado.

A questão crucial vai aparecer em novembro. Porque o que os golpistas estão tentando fazer é manter a situação até as eleições para tentar convencer o mundo de que a eleição é legítima e que isso deveria acabar com a questão. Mas claro que ela não será legítima, não com um governo que foi ao poder por um golpe militar. E a questão crucial vem depois: os EUA irão aceitar o resultado de uma eleição feita por um governo golpista?

G1 - E o que o senhor acha que acontecerá?

Chomsky - Espero que os Estados Unidos recusem, mas não tenho certeza. Acho que os EUA têm simpatia pelo golpe, eles não gostavam dos passos que Zelaya estava dando. Acho que os EUA estão vendo isso como um conflito entre dois grupos opositores que têm diferentes interpretações da lei, e não como um golpe que retirou um presidente eleito do país e o expulsou do país.

G1 - Ainda falando de América Latina, mas sobre a Colômbia. Recentemente tivemos um grande debate sobre a possibilidade do uso de bases militares da Colômbia pelos Estados Unidos, o que foi rechaçado pelos vizinhos sul-americanos. O senhor acha que a Colômbia precisa de ajuda para conter o narcotráfico ou isso seria uma desculpa para a entrada dos Estados Unidos no continente?

Chomsky - Não acredito que seja, quero dizer, o narcotráfico é um pretexto. Há alguns dias, o Panamá permitiu que bases sejam usadas pelos EUA em seu território. Mas isso é uma das coisas que têm acontecido - o treinamento de oficiais militares na América Latina aumentou consideravelmente.

No caso da Colômbia, se você analisar os documentos, especialmente um de abril passado, eles descrevem a base como um sistema geral de vigilância e controle da América Latina, que faz parte de um sistema instalado em outras partes do mundo. Ou seja, é muito maior do que qualquer coisa relacionada ao narcotráfico.

O controle americano sobre a América Latina tem diminuído. Os métodos tradicionais de controle, violência e estrangulamento econômico têm perdido eficácia. Eles ainda existem, mas não como antes. Os EUA estão sendo expulsos de muitos lugares, o Equador foi o último.

Por muitos anos, os americanos têm tentado restabelecer sua dominação. Relembrando, existe uma posição tradicional do país que relembra sua fundação e que diz que os EUA precisam controlar a América Latina.

Sobre o narcotráfico, é interessante como a questão está até sendo discutida! Vamos supor que a China, por exemplo, coloque bases militares no México para conduzir uma guerra química contra Kentucky, Tennessee e Carolina do Norte e envie oficiais para garantir que os Estados Unidos acabem com a produção de tabaco. Nós iríamos rir disso, não iríamos nem discutir. Isso existe pela lógica imperialista que nós nem discutimos.

Além disso, uma comissão de estudos composta por países latino-americano concluiu que a briga contra as drogas é falida. Estudos nos EUA mostraram que oferecer tratamento é bem mais efetivo do que fazer essas operações fora dos países. Apesar de saber disso, o governo continua ano após ano investindo dinheiro. Só há duas opções: eles são loucos ou têm outras intenções.

G1 - Como o senhor avalia a criação da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e de que forma ela mudou as relações da América Latina com os Estados Unidos?

Chomsky - A Unasul é um desenvolvimento muito importante. Pela primeira vez desde a conquista europeia, a América Latina começou a se mover rumo a uma integração. Essas instituições, além de aumentar as relações entre os países, são importantes porque as nações nunca serão capazes de se defender sozinhas. Na reunião em Santiago, no ano passado, Evo Morales agradeceu o apoio após um referendo que confirmou seu poder (e teve grande oposição por parte de governantes que realizaram consultas para se separar do país) e disse que aquela era a primeira vez que a América Latina tomou seus assuntos nas suas próprias mãos sem a interferência dos EUA.

G1 - Até hoje, os movimentos esquerdistas da América Latina foram estabelecidos seguindo as bases democráticas - presidentes foram eleitos ou mantidos no poder por referendos. Por que o senhor acha que esses governos assustam tanto as grandes potências?

Chomsky - A democracia é muito desapreciada pelas potências por muito boas razões, e a principal é porque a democracia neutraliza o poder, e as potências querem o poder em suas mãos. Os EUA derrubaram governos democráticos de muitos países, e o Brasil é um dos vários exemplos. Os governos democráticos são vistos como ameaças.

A administração Obama pune dois países na America Latina, Bolívia e Venezuela, argumentando que eles não fazem nada contra o narcotráfico. Mas o México, na fronteira americana, é um dos principais centros de narcotráfico! Isso são só armas contra governos democráticos de quem os EUA não gostam.


domingo, 27 de setembro de 2009

PNAD mostra que a desigualdade no Brasil cai sistematicamente

O IBGE liberou o resultado do novo Pnad, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, que analisa a vida dos brasileiros. Ricardo Paes de Barros, economista do IPEA analisa os resultados.
Vários dados recolhidos mostram que a desigualdade no Brasil caiu muito e velozmente nos últimos anos, um reflexo de políticas públicas e desenvolvimento da economia brasileira.


segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Luiz Carlos Azenha, diretor de Nova África fala sobre a série

Nova África: série da TV Brasil dá voz aos africanos e retrata diversidade do continente

Publicado em 18 de setembro de 2009

A série Nova África, incluída na nova programação da TV Brasil, mostra imagens e histórias do continente africano que pouca gente viu ou ouviu. “Falar em África como um todo é tão impróprio quanto falar em América Latina desconhecendo que ela inclui desde o Uruguai até Barbados. Por isso o nome: Nova África. Uma nova forma de ver a África”, define Luiz Carlos Azenha, jornalista responsável pela série de 26 episódios que será exibida toda sexta-feira a partir de 25 de setembro, às 22h, na TV Brasil. “A cada semana, uma surpresa”, promete o jornalista, para acrescentar: “ Tentamos romper com o tom condescendente ou folclórico que é comum nas reportagens de brasileiros sobre a África”.

Confira a entrevista que Azenha concedeu à equipe da TV Brasil.

TV Brasil - A ideia do Nova África é mostrar uma África diferente. O que isso quer dizer?
Luiz Carlos Azenha - A África que conhecemos foi "inventada" pelos europeus. A ocupação física do continente se deu num quadro de disputa entre as potências européias e da expansão da evangelização cristã. "Comércio, cristianismo e civilização" eram os 3 cês conjugados pelos colonizadores. Nasceu daí a idéia da África "bárbara", "selvagem", do "continente negro" como lugar da perdição. Foi preciso apagar a história da África para inventar um continente à imagem e semelhança da Europa, mas para poucos. Muito embora essa visão racista da África tenha desaparecido do discurso oficial, os preconceitos persistem em pleno século 21. A África "não dá certo", é vista como símbolo do atraso, da decadência e da corrupção. Nós pretendemos romper com esse paradigma de ver a África através de lentes européias. Em primeiro lugar, deixando que os próprios africanos falem sobre si, não "especialistas" que nunca puseram o pé no continente. Em segundo lugar mostrando que o continente é bastante complexo e que falar em África como um todo é tão impróprio quanto falar em América Latina desconhecendo que ela inclui desde o Uruguai até Barbados. Por isso o nome: Nova África. Uma nova forma de ver a África.


TVB - Como será a estrutura do programa?
LCA - Cada programa tem 26 minutos, grosseiramente divididos em dois blocos. Fazemos roteiros terrestres, viagens de descoberta, especialmente por regiões remotas dos países que visitamos. Começamos em Moçambique, passamos pela África do Sul, Botsuana e Namíbia. Em seguida, Ruanda e Congo. Existem fios condutores em cada um dos programas. Em Moçambique, mostramos a força da cultura dos macua, que mantiveram suas tradições apesar da escravidão, do colonialismo e da guerra civil. Na África do Sul, mostramos como pouco mudou no campo desde o fim do apartheid: as terras continuam concentradas na mão de 60 mil fazendeiros brancos e os negros que migraram para as cidades entram em conflito com imigrantes negros que vem de países da região.Em Botsuana mostramos a disputa entre homens e elefantes pelo uso da água e das terras.

TVB - Quais temas serão tratados nos episódios?
LCA - Nos programas temáticos falaremos, por exemplo, de como o português do Brasil - que chega pela TV, especialmente pelas novelas - foi incorporado ao cotidiano dos países de língua portuguesa; da disputa pelos recursos naturais à qual se incorporaram mais recentemente chineses, indianos e brasileiros; discutiremos até que ponto a "ajuda externa" à África é, de fato, ajuda.

TVB - Que histórias dos programas já gravados você destacaria?
LCA - Fomos ao famoso Grande Hotel da Beira, em Moçambique, que já foi um símbolo do império colonial português na África, hoje ocupado por cerca de 800 famílias. Fomos ao parque nacional do Chobe, em Botsuana, onde a maior concentração de elefantes no planeta disputa terras com os fazendeiros. Fomos às cachoeiras de Epupa, no rio Cunene, fronteira de Angola e Namíbia, mostrar a tradição ameaçada do povo himba. Apenas na primeira viagem fizemos 6 mil km de jipe atravessando quatro países, o que resultou num material riquíssimo. A segunda viagem começamos em Bruxelas, na Bélgica, país que enriqueceu graças à borracha extraída do Congo. Ou seja, fazemos reportagens historicamente contextualizadas, que estamos certos terão grande serventia para estudantes e professores que quiserem ensinar sobre a África.

TVB - O que o telespectador da TV Brasil pode esperar do Nova África?
LCA - Estamos prometendo uma surpresa por semana. Os programas estão bem diferentes uns dos outros. Não é por acaso. Tentamos romper com o tom condescendente ou folclórico que é comum nas reportagens de brasileiros sobre a África. Os montadores fazem um trabalho muito mais próximo do cinema que da TV. E a repórter Aline Midlej faz uma viagem de descoberta pessoal em busca das raízes da família dela no continente. A gente espera que o telespectador se surpreenda tanto quanto a Aline se surpreendeu até agora.

Nova África estreia no dia 25 de setembro, às 22h.

domingo, 20 de setembro de 2009

Maurício Caleiro: analisa a série Nova África

Abaixo, reproduzo a leitura acurada do jornalista, cineasta e professor da UFF (Universidade Federal Fluminense) Maurício Caleiro sobre a série Nova África.

Tomei a liberdade de 'roubar' seu post inteiro para cá.

Visitem o blog do Caleiro é uma viagem à parte: Cinema e outras artes

E deixo aqui meus agradecimento ao Maurício pela sensibilidade e delicadeza ao analisar o nosso trabalho, grande abraço.

Conceição Oliveira

Domingo, 20 de Setembro de 2009

"Nova África" mostra excelência da TV pública

Internacionalmente, a imagem da África oscila entre estereótipos como “o continente perdido” e metáforas como o “coração das trevas” de que fala Joseph Conrad – uma região alijada do chamado desenvolvimento capitalista, devastada pela peste, miséria e demais efeitos dos séculos de exploração colonial, habitada por populações cuja sobrevivência dependeria de campanhas humanitárias.

Para o Brasil, apesar de toda a imensa herança que, como elemento formador - e a partir do legado cruel da escravidão -, nos deixou, ela continua sendo um grande enigma. É precisamente esse enigma que a série Nova África, em exibição a partir do próximo dia 25, todas as sextas-feiras, às 22hs, na TV Brasil, tenta desvelar.

Dirigida pelo jornalista e blogueiro Luiz Carlos Azenha e por Henry Daniel Ajl, a série se propõe a empreender uma “jornada de descoberta”, inédita na TV brasileira, pelo continente africano, revelando-o em sua diversidade, para além dos tais estereótipos imperialistas, com uma atenção especial a seus povos e culturas e à capilaridade de suas relações com o Brasil.


Primeiro programa enfoca Moçambique

Essa jornada começa em pleno mar, que a um tempo une e separa Brasil e África e ocupa um lugar central no imaginário artístico de boa parte da produção desses dois gigantes periféricos tão perto e tão longe entre si. Um barco navega no Oceano índico, que separa o continente africano da ilha de Moçambique, tema do primeiro programa da série de 26 episódios produzida pela Baboon Filmes, que venceu edital público da TV Brasil.

A estratégia narrativa desenhada pelo roteiro permite, a um tempo, retratar a África a partir da perspectiva dos africanos – evitando abordagens condicionadas por um vício imperialista que, como aponta o escritor moçambicano Mia Couto, tem produzido uma imagem falsa do continente – e garimpar os veios de ligação da cultura africana com a brasileira. A primeira operação é propiciada não apenas por entrevistas que evitam as fontes oficiais e interagem da forma mais espontânea possível com o interlocutor, mas por um olhar atento, cúmplice (imerso, e não de fora) ao modo de vida nos países percorridos.

Já a ligação do continente com o Brasil é uma teia tecida de forma sutil e intermitente, num primeiro nível através da repórter Aline Midlej, que já no episódio inicial, em solo africano, declara: “Como muitos brasileiros, tenho dúvidas sobre minhas raízes. Sei que alguns de meus antepassados familiares saíram daqui, e é tudo. É como se minha história familiar se perdesse na imensidão do continente”. E, enquanto imagens em sucessão mostram cenas de um cotidiano que bem poderíamos reconhecer como o de muitas pessoas no Brasil – mas que não deixam de ter um quê especial - a ligação com o continente deixa de se dar a partir da subjetividade da repórter e se anuncia coletiva: “mas qualquer um é capaz de reconhecer esse ritmo, esses sorrisos, esse jeito de ser”.

Num segundo e mais explícito nível, a ligação África-Brasil é objetivamente tematizada pela abordagem narrativa. No primeiro episódio, por exemplo, isso se dá tanto através de uma reconstituição "subjetiva" da chegada à Ilha de Moçambique do navio Nossa Senhora da Conceição, que em 1792 levou sete dos "inconfidentes" mineiros - cujas penas capitais foram comutadas por degredo em colônias portuguesas. Entre eles, Tomás Antônio Gonzaga, o autor de Marília de Dirceu, que prosperaria em terras africanas. Por vezes, o dualismo África-Brasil é superado pela evidência de uma cultura pan-portuguesa, como na ligação entre Camões (que morou em Moçambique, numa casa semi-arruinada visitada pelo documentário) e a poética luso-brasileira. Mas o momento climático do primeiro episódio se dá através do relato emocionado de uma moçambicana de sua relação com as novelas brasileiras.

Assim, evidencia-se que mais do que o continente em si, são as mulheres e os homens africanos e a cultura – na acepção ampla do termo – que produzem o centro do interesse de Nova África. O documentário, desse modo, não apenas possibilita o contato com uma realidade sócio-cultural da qual a grande mídia nos mantém afastados, mas o faz em grande estilo: com imagens belas mas jamais folclóricas, conteúdo rico em sua diversidade e curiosidade antropológica. Como o demonstra o relato de Conceição Oliveira, que prestou consultora de História à produção:

“No segundo programa, no interior de Moçambique, encontramos a professora Diamantina embaixo de um cajueiro. Era sábado, dia de entrega de material. A cena é fabulosa, passávamos pela estrada e vimos uma roda imensa de crianças ao redor do cajueiro, protegidas do sol pela copa da árvore. Ela dá aula sozinha para 360 alunos em condições distantes da ideal - e não precisa dar um grito para ter atenção. Foi uma lição de vida para todos... Você vai se emocionar, as crianças cantaram lindamente para nós, chorei. Aliás, as crianças de Moçambique me emocionaram sempre”.

Excelência técnica e imersão emocional

A direção de fotografia da série (Markus Bruno) não pode ser considerada menos do que primorosa: gravações tecnicamente bem-resolvidas, mas feitas no calor da hora, no melhor estilo jornalístico, combinam-se a tomadas que evidenciam um cuidado extremo não apenas com angulações, movimentos de câmera e composições de quadro, mas em trabalhar a luz – no mais das vezes intensa e natural – de modo a realçar o universo multicolorido do continente sem folclorizá-lo.

Tais imagens são trabalhadas por uma montagem que é ágil sem jamais ser neurótica e “videoclipada”, como ora em voga: respira, tem ritmo; não se furta a compor mosaicos com imagens em profusão, mas respeita a relação com o objeto retratado, não hesitando em se deter em determinada tomada por um tempo mais longo, se conveniente. E, embora a ficha técnica não elenque sound design ou montagem de som entre seus quesitos, o som é tratado com especial atenção, seja em relação à imagem, como elemento de condução da narrativa ou exercendo a função de realçar à riqueza musical da África. Trata-se de um aspecto técnico tratado com um apuro raro de se observar em produções jornalístico/documentais da TV brasileira.

Desnecessário dizer que as manifestações sonoras retratadas são, literalmente, um show à parte – valorizado, no caso, pela trilha sonora e pela mixagem de Rafael Gallo. É na música e na dança, mais do que em qualquer outra arte, que a excepcional aptidão artística dos africanos se evidencializa, como manifestação de uma alegria que não sem frequência contrasta com a escassez material em volta:

“Voltei com a sensação de que se há um continente onde seus povos são sinônimo de resistência é o africano. Foi uma das experiências mais marcantes da minha vida como pessoa, estudiosa do assunto, como mulher – afirma Conceição, que promete postar em seu blog algumas histórias sobre a empreitada e “pôr no ar algumas fotos dos sorrisos mais lindos que vi na vida” (o primeiro texto já esta lá, confira).
Um tema tão raras vezes visto nas telas brasileiras, tratado com tamanha sensibilidade e alto grau de excelência técnica, prova a que veio uma TV pública que foi injusta e impiedosamente combatida por certos setores da mídia e pelas penas de aluguel a seu serviço. Pois, caro(a) leitor(a), não se deixe iludir: nenhum canal comercial ousaria produzir uma série com tamanha qualidade, que se estendesse por tanto tempo e sobre um assunto sem apelo comercial para os grandes anunciantes - porém, como a própria série demonstra, essencial para uma melhor compreensão não apenas da África e dos africanos, mas, através dela, do que somos nós: é a TV pública brasileira dizendo a que veio.

Alisando nossos cabelos II

As conquistas dos negros nos Estados Unidos são muitas, incluindo o fato de brancos e negros elegerem um negro ao cargo máximo da Nação. E isso não é pouco diante de uma história de grande segregação e uma luta acirrada pelos direitos civis.

Mas negros e brancos não conseguiram ainda se livrar da imposição cultural que atinge mulheres homens e crianças e que afeta inclusive a saúde física, além de todas as implicações para a construção da identidade da pessoa. Falo de uma verdadeira obsessão que é a de seguir o modelo padronizado dos cabelos lisos, equivocadamente denominado de 'bons' em oposição aos cabelos crespos, denominados de 'ruins'. Alguma relação desta denominação com a longa história do racismo nos EUA e no Brasil?

Visitando o blog do Tony Goes vejo a chamada para o novo filme do comediante Chris Rock: Good Hair. O comediante estadunidense se surpreendeu com a pergunta de uma de suas filhas pequenas: "papai, porque eu não tenho cabelo bom?" e resolveu fazer um documentário para discutir a questão.

Surpreendeu-me o fato de ser um homem a fazer tais reflexões, lembrando que Bell Hooks vem discutindo o tema do alisamento há décadas, veja aqui: 'Alisando o nosso cabelo'.

Segundo informa Tony Goes: "Good Hair" estreia em breve nos EUA, mas já vem causando espécie. Afinal, por mais poderosas que sejam Oprah Winfrey ou Michelle Obama, elas também se renderam ao alisamento, cedendo de alguma forma, assim como alguns homens, a um modelo padronizado e secularmente instituído.

O que me parece faltar à discussão e esperarei ansiosa para ver o documentário é observar as relações que Chris Rock traçará entre a busca deste padrão inatingível e o racismo.
Aguardemos!

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

NOVA ÁFRICA: Com pés, olhos, mentes e corações na África

Sexta-feira, 25 de setembro, às 22 hs estréia na TV Brasil a série Nova África

por: Conceição Oliveira


Compreender a África é sumamente um exercício crítico. Uma das suas metas aponta para o desvendamento de realidades encobertas por mitos, ficções e imagens fantasiosas. Indiscutivelmente, ainda que existam visões estereotipadas cultivadas contra outros povos e regiões, a África, mais do que qualquer outro continente, terminou encoberta por um véu de preconceitos que ainda hoje marcam a percepção da sua realidade. (Maurício Waldman, 2006)



Na minha África moçambicana a esperança nos olhos dos pequeninos: crianças de Beira, província de Sofala, Moçambique, voltando da escola, junho de 2009.


Desde a graduação, estimulada e sob orientação da professora Maria Odila e depois da professora Siívia Lara, professor Bob Slenes, professor Sidney Chalhoub, professora Clementina Cunha e, mais recentemente, professor Carlos Serrano, professora Anita Morais, professora Rejane Vecchia a importância dos negros na história de nosso território, assim como a história do continente africano despertaram e ainda muito me interessam.

Ao longo desses mais de 20 anos, às reflexões acadêmicas somaram-se o ativismo na luta contra o racismo e na luta pela inclusão plena à cidadania da população negra brasileira. Por meio do trabalho de formação dos professores, do trabalho de pesquisa e escrita das coleções didáticas de história, por meio dos blogs sempre focando a educação pautada na igualdade étnico-racial e, principalmente para que a 10639/03 se torne realidade em nossas academias e na Educação Básica.

Por isso, foi com imenso prazer e, ao mesmo tempo, ciente do enorme desafio que nos cabia que aceitei o convite do meu amigo, mas antes de tudo, do jornalista sério e responsável que é Luiz Carlos Azenha, para compor esta pequena equipe, formada pela produtora Baboon Filmes, para disputar o Edital da TV Brasil (leia-o aqui e aqui veja a apresentação da equipe no site do Vi o mundo).

Meninas Macua da Ilha de Moçambique fazem graça, chamam a atenção e posam para as minhas lentes. Deixei a ilha chorando. Um misto de emoção, saudades, encantamento e solidariedade invadiu-me.


Não é um trabalho fácil desconstruir inúmeros estereótipos sobre o continente africano reafirmados ao longo de séculos e vencer os inúmeros silêncios aos quais os próprios africanos foram submetidos. Nossa tarefa será dar conta em 26 programas de 26 minutos cada, divididos em dois blocos, de alguns aspectos que nos foram revelados durante as viagens.

Nova África é acima de tudo uma série jornalística que dá voz e vez aos africanos para que eles próprios falem de seus problemas e soluções. Tocaremos em feridas, problemas de diferentes ordens serão tratados ao longo da série, mas sem perdermos a perspectiva de que os africanos são sujeitos da história, não formam um bloco único e homogêneo nem em termos étnico-culturais, nem políticos, nem econômicos.

Acredito que ao conhecer um pouco mais sobre os diferentes países que visitamos e ainda iremos visitar, o público brasileiro também se impressionará com a enorme capacidade de resistência dos povos africanos.

Na ilha de Moçambique eu, a jovem Maconde Ana com suas irmãs menores e a repórter da série Nova África, Aline Midlej.

Aos ver os programas da série vocês conhecerão diferentes atores sociais deste continente: homens e mulheres trabalhadores, ativistas, artistas plásticos, políticos, escritores, cantores etc.

Em minha opinião, temos muito a aprender com a professora Diamantina que vive no Alto Ligonha, na província da Zambézia, Moçambique. Ela dá aulas, em salas rurais com teto de palha e bancos de madeira quase na altura do chão e, muitas vezes, debaixo do cajueiro para 360 alunos! Ela consegue ensiná-los com uma doçura que nos comove.


Alunos da professora Diamantina, Alto Ligonha, Zambézia, Moçambique, junho 2009.

Temos muito a aprender com a adolescente Belquiça, uma garota Macua da Ilha de Moçambique, que além de ótima aluna, neta carinhosa, dedica parte de seu tempo a tocar um projeto de rádio comunitária e educativa falando dos principais problemas que afetam a população da Ilha.

Seu Germano de Quelimane, cidade nascida em um dos braços do delta do rio Zambeze, por onde passou Vasco da Gama a caminho para as Índias, lembra-me a famosa frase de Euclides da Cunha, mas revisitada: “O africano é antes de tudo um forte”. É preciso ser portador de uma resistência hercúlea para tocar a vida em um país que foi sangrado por séculos por um colonialismo predador, depois achacado por 16 anos de guerra civil violenta e ainda assim tocar a vida, fazendo a diferença.

Nesta nova série eu espero que você aprenda o tanto que aprendi ao visitar e conhecer de perto homens e mulheres como eu e você, crianças e adolescentes como nossos filhos e alunos que, na “África Contemporânea, independentemente da frágil legitimidade de muitos Estados africanos, das suas subvalorizadas economias formais e dos seus simulacros de autoridade institucional, agarram-se à vida e à esperança, ignorando prognósticos negativos e sobrevivendo à margem de instituições, organismos e poderes que procuram acorrentá-los.” (Serrano, 2007:35)

Beleza teu nome é infância. Crianças Macua da Ilha de Moçambique, indo para a escola, junho 2009.

Espero que a série Nova África consiga despertar em você a vontade de ler, estudar e conhecer mais sobre este continente que nos é tão próximo, mas ao mesmo tempo tão desconhecido. Lembrando ainda o cuidado que devemos tomar neste esforço de conhecimento/reconhecimento do continente africano, como nos alerta o professor angolano Carlos Serrano: “para além de mero ato de vontade, a desconstrução das imagens negativas do continente faz-se com estudo, conhecimento e compreensão atentos à sua personalidade histórica, geográfica e cultural específica. (Serrano, idem, ibidem)


Assista o clip do programa de abertura da série e aqui conheça a equipe que faz a Nova África.



Veja a chamada da TV-Brasil para a série:

terça-feira, 8 de setembro de 2009

7 de setembro e o Pré-sal

Pronunciamento à nação do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em cadeia nacional de rádio e televisão, por ocasião do 187º aniversário da Independência do Brasil



Brasília-DF, 06 de setembro de 2009


Queridas Brasileiras e Queridos Brasileiros,

É comum que o 7 de setembro sirva para a gente enaltecer o passado e pensar o presente. Desta vez é diferente: este é o 7 de setembro do Brasil festejar o futuro. De celebrar uma nova independência.

Esta nova independência tem nome, forma e conteúdo. Seu nome é pré-sal; seu conteúdo são as gigantescas jazidas de petróleo e gás descobertas nas profundezas do nosso mar; sua forma é o conjunto de projetos de lei que enviamos, há poucos dias, ao Congresso Nacional. E que vai garantir que esta riqueza seja corretamente utilizada para o bem do Brasil e de todos os brasileiros.

Peço a cada um de vocês que acompanhe passo a passo as discussões destas leis no Congresso. Que se informe, reflita, e entre de corpo e alma nesse debate tão importante para os destinos do Brasil e para o futuro de nossos filhos e netos.

Posso resumir em duas frases a proposta do governo: de um lado, ela garante que a maior parte da riqueza do pré-sal fique nas mãos dos brasileiros; de outro, ela impede que qualquer governante gaste de forma irresponsável estes recursos. E mais: obriga que este dinheiro seja aplicado em educação, ciência e tecnologia, cultura, defesa do meio-ambiente e combate à pobreza.

Minhas amigas e meus amigos,

O pré-sal é uma das maiores descobertas de todos os tempos. Ainda não se pode dizer, com exatidão, quantos bilhões de barris de petróleo existem nele. Mas já se pode garantir, com toda segurança, que ele colocará o Brasil entre os países com maiores reservas de petróleo e gás do mundo.
Elas se espalham por uma área de 149 mil quilômetros quadrados, que começa no litoral do Espírito Santo e termina no de Santa Catarina. É uma área do tamanho do estado do Ceará.

As jazidas ficam debaixo de uma lâmina de água e de camada de sal, que, em alguns pontos, correspondem a dez morros do corcovado empilhados.

Minhas amigas e meus amigos,

O que deve fazer um povo livre, responsável e soberano ao receber tamanha dádiva de Deus? Garantir que esta riqueza não escape de suas mãos, buscar os meios mais eficientes de explorá-la e modernizar suas leis para não repetir os erros de outros países.

A história tem mostrado que a riqueza do petróleo é uma faca de dois gumes. Quando bem explorada, traz progresso para o povo. Quando mal explorada, ela traz conflitos, desperdícios, agressão ao meio-ambiente, desorganização da economia e privilégios para uns poucos. Assim, alguns países pobres, ricos em petróleo, não conseguiram jamais sair da miséria.

Por isso, dei orientações bem claras aos ministros. Primeira: o petróleo e o gás pertencem ao povo brasileiro. Como no pré-sal, os possíveis sócios terão poucos riscos, eles não podem ficar com a parte da renda. Ela tem que ser do povo. Segunda orientação: o Brasil não pode ser um mero exportador de óleo cru. Vamos agregar valor aqui dentro, exportando derivados, como gasolina, diesel e produtos petroquímicos, que valem muito mais. Vamos construir uma poderosa indústria de equipamentos e serviços e gerar milhares e milhares de empregos brasileiros. Terceira orientação: não vamos nos deslumbrar e sair por aí, como novos ricos, torrando dinheiro em bobagens. O pré-sal é um passaporte para o futuro. Vamos investir seus recursos naquilo que temos de mais precioso e promissor: nossos filhos, nossos netos, nosso futuro.

Minhas amigas e meus amigos,

Os ministros seguiram estas diretrizes e honraram o compromisso com o povo brasileiro. A principal mudança que estamos propondo é que, nas áreas ainda não exploradas do pré-sal, passe a vigorar o modelo de partilha. Quase todos os países que têm grandes reservas e baixo risco de exploração adotam este sistema. Ele garante que o estado e o povo continuem donos da maior parte do óleo e do gás mesmo depois de sua extração.

O modelo de concessão, que foi adotado em 97, não se adapta a nova situação. Seria um erro mantê-lo no pré-sal. Um erro grave. Ele foi implantado quando não sabíamos da existência de grandes reservas e o País não tinha recursos para explorar seu petróleo.

Estamos propondo, também, que a Petrobras seja a operadora de toda área. Ou seja, exerça atividades de exploração e produção, com uma participação mínima de 30% em todos os blocos.

Não podia ser diferente. Afinal, temos dentro de casa uma das maiores, melhores e mais respeitadas empresas de petróleo do mundo. Assim saberemos tudo sobre as reservas, aperfeiçoaremos nossa tecnologia e faremos da Petrobras uma empresa ainda mais forte.

Este trabalho será complementado pela Petro-sal, uma nova empresa estatal, enxuta e altamente qualificada, que vai gerir os contratos de partilha e os de comercialização. Ela não vai concorrer com a Petrobras. Sua função é outra - a de ser o olho do povo na fiscalização de toda operação.

Minhas amigas e meus amigos,

Hoje o Brasil tem todas as condições políticas, econômicas e tecnológicas para enfrentar este desafio. A economia do Brasil vive um novo momento. De 2003 a 2008, crescemos em média, 4,1% ao ano. Nos últimos dois anos, mais que 5%. O país gerou cerca de onze milhões de empregos com carteira assinada. O desemprego caiu fortemente, de 11,7% em 2003, para 8% hoje. As taxas de juros são as menores das últimas décadas.

Não só pagamos a dívida externa, como acumulamos reservas de 215 bilhões de dólares. E mais: reduzimos a miséria e as desigualdades. Mais de 30 milhões de brasileiros saíram da linha da pobreza. E destes, 20 milhões ingressaram na nova classe média, fortalecendo o mercado interno e dando vigoroso impulso à nossa economia.

O fato é que hoje temos uma economia organizada e em crescimento, que foi testada na mais grave crise internacional desde 29 e saiu-se muito bem. Não só não quebramos, como fomos um dos últimos países a entrar na crise e estamos sendo um dos primeiros a sair dela. Antes, éramos alvo de chacotas e de imposições. Hoje, nossa voz é ouvida lá fora com atenção e respeito.

A Petrobras de hoje é a cara deste novo Brasil. É a oitava maior empresa do mundo. Não existe nenhuma empresa, na Europa, do tamanho dela. Nas Américas, fica atrás apenas de três gigantes norte-americanas. E é a segunda empresa em lucratividade. E, entre as petroleiras, a segunda em valor de mercado no mundo.

A Petrobras chegou aí, entre outros motivos, porque este governo acreditou e investiu, dando condições para que ela aumentasse a produção, encomendasse plataformas, sondas, modernizasse e ampliasse refinarias, treinasse e contratasse funcionários. Além de construir uma grande infra-estrutura de gás natural e entrar na área de biocombustíveis.

O coroamento deste esforço foi exatamente a descoberta, pela própria Petrobras, das reservas do pré-sal. Um feito extraordinário, que encheu de admiração o mundo e de orgulho os brasileiros.

Minhas amigas e meus amigos,

Este é um governo que acredita no Brasil e no que ele tem de mais rico: o seu povo.

É por isso que propomos que os recursos do pré-sal sejam colocados em um fundo social, controlado pela sociedade, e que será aplicado, majoritariamente, em desenvolvimento humano. De um lado, o novo fundo será uma mega-poupança, um passaporte para o futuro, que nos ajudará, entre outras coisas, a pagar a imensa dívida que o País tem com a educação e a pobreza.

De outro lado, funcionará, também, como um dique contra a entrada desordenada de dinheiro externo, evitando seus efeitos nocivos e garantindo que nossa economia siga saudável, forte e baseada no trabalho e no talento de nossa gente.

Todos estes temas estão agora em discussão no Congresso Nacional e eu sei que contaremos, mais uma vez, com o apoio livre e soberano do Legislativo na construção deste novo Brasil.

Uma ação desta amplitude só pode ocorrer, de forma saudável, em um ambiente democrático. A democracia é o ambiente mais saudável para o crescimento.

O embate e a paixão política fazem parte do universo democrático, mas não podemos deixar que interesses menores retardem ou desviem a marcha do futuro.

Uma democracia só se fortalece com a participação da sociedade. Por isso se mobilize, converse com seus amigos, escreva pra seu deputado, seu senador, pra que eles apoiem o que é melhor para o Brasil.

O Brasil não tem medo de crescer, nem de buscar os melhores caminhos. Não vai ficar preso a dogmas, a modelos fechados ou a falsas verdades.

O Brasil acredita no livre mercado mas também no papel do estado como indutor do desenvolvimento. E saberá sempre buscar o equilíbrio que garanta o melhor para seu povo.

Queridas brasileiras e queridos brasileiros,

É tempo de ampliarmos, ainda mais, a nossa esperança no Brasil. A independência não é um quadro na parede nem um grito congelado na história. A independência é uma construção do dia-a-dia. A reinvenção permanente de uma nação. A caminhada segura e soberana para o futuro.

Viva o 7 de setembro! Boa noite!

Fonte: Blog do Planalto

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Sonhos do avesso

Por: MARIA RITA KEHL


"Quem vai olhar para um modelo fora de linha como eu?" "Como promover a otimização de meus finais de semana?" "Fiz as contas: com o que gastei na análise de meu filho já poderia ter trocado de carro duas vezes"



A psicanalista Maria Rita Kehl afirma que a clínica tem sido "contaminada" por critérios de mercado e que o universo familiar gerador de valores está "totalmente atravessado pela linguagem da eficiência comercial"


O aparente apagamento da dívida simbólica não nos tornou menos culpados; ao contrário: hoje escutamos pessoas que se dizem culpadas de tudo

Dizem que Karl Marx descobriu o inconsciente três décadas antes de Freud. Se a afirmação não é rigorosamente exata, não deixa de fazer sentido desde que Marx, no capítulo de "O Capital" sobre o fetiche da mercadoria, estabeleceu dois parâmetros conceituais imprescindíveis para explicar a transformação que o capitalismo produziu na subjetividade.

São eles os conceitos de fetichismo e alienação, ambos tributários da descoberta da mais-valia -ou do inconsciente, como queiram. A rigor, não há grande diferença entre o emprego dessas duas palavras na psicanálise e no materialismo histórico. Em Freud, o fetiche organiza a gestão perversa do desejo sexual e, de forma menos evidente, de todo o desejo humano; já a alienação não passa de efeito da divisão do sujeito, ou seja, da existência do inconsciente. Em Marx, o fetiche da mercadoria, fruto da expropriação alienada do trabalho, tem um papel decisivo na produção "inconsciente" da mais-valia. O sujeito das duas teorias é um só: aquele que sofre e se indaga sobre a origem inconsciente de seus sintomas é o mesmo que desconhece, por efeito dessa mesma inconsciência, que o poder encantatório das mercadorias é condição não de sua riqueza, mas de sua miséria material e espiritual.

Se a sociedade em que vivemos se diz "de mercado" é porque a mercadoria é o grande organizador do laço social.

Não seria necessário recorrer a Marx e Freud para defender o caráter político das formações do inconsciente. Bastaria citar a frase "o inconsciente é a política", proferida por Lacan, que convocou os psicanalistas a se empenharem por "alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época". Mas insisto em recorrer aos clássicos para lembrar aos lacanianos extremados que a verdade não nasceu por geração espontânea da cabeça de Lacan.

Crise do sujeito
Se Freud fundou a psicanálise ao vislumbrar, no horizonte de sua época, as razões da insatisfação histérica, é nossa vez de tentar escutar o que mudou desde então, à medida que a norma produtiva/repressiva foi sendo substituída pela norma do gozo e do consumo.

Alguns sintomas, na atualidade, têm se tornado mais frequentes e mais incômodos do que as formas consagradas das neuroses e das psicoses no século passado. Hoje as drogadições, os transtornos alimentares, os quadros delinquenciais e as depressões graves desafiam os analistas a repensar a subjetividade. Isso não implica necessariamente que as antigas estruturas clínicas tenham se tornado obsoletas.

O que encontramos hoje nos consultórios psicanalíticos é um novo sujeito? Ou são novas expressões sintomáticas que buscam responder ao velho conflito entre as pulsões e o supereu -este representante das interdições e das moções de gozo, no psiquismo? O sujeito contemporâneo está mais próximo do perverso, que sabe driblar a falta pelo uso do fetiche? Ou é ainda o neurótico comum que, em vez de tentar seguir à risca a norma repressiva, tenta obedecer a um mestre fetichista que lhe ordena a transgredir e gozar além da medida?
Por enquanto, tenho escutado, em média, neuróticos mais ou menos estruturados tentando corresponder à suposta normalidade vigente, a qual -esta sim- já não é mais a mesma nem do tempo de Freud, nem do de Lacan.

A "crise do sujeito", outra face da chamada "crise da referência paterna", corresponde, a meu ver, ao deslocamento e à pulverização das referências que sustentavam, até meados do século passado, a transmissão da lei. Não se trata da ausência da lei na atualidade, mas da fragilidade das formações imaginárias que davam sentido e consistência à interdição do incesto -a qual, desde Freud, é considerada condição universal de inclusão dos sujeitos na chamada vida civilizada, seja ela qual for.

Se o homem contemporâneo sofre do que [o psicanalista francês] Charles Melman chamou de falta de um centro de gravidade, é porque as referências tradicionais -Deus, pátria, família, trabalho, pai- pulverizaram-se em milhares de referências optativas, para uso privado do freguês.

Culpa e frustração

O "self-made man" dos primórdios do capitalismo deixou de ser o trabalhador esforçado e econômico para se tornar o gestor de seu próprio "perfil do consumidor" a partir de modelos em oferta no mercado. Cada um tem o direito e o dever de compor a seu gosto um campo próprio de referências, de estilo, de ideais. Aparentemente, não devemos mais nada ao pai e ao grupo social a que pertencemos, dos quais imaginamos prescindir para saber quem somos.

Este aparente apagamento da dívida simbólica não nos tornou menos culpados; ao contrário: hoje escutamos pessoas que se dizem culpadas de tudo. Não citarei, em hipótese alguma, falas dos que se analisam comigo: daí o caráter ligeiramente caricato dos exemplos que se seguem, como expressões genéricas da transformação que o mercado produziu nos discursos.

A antiga donzela angustiada com as manifestações involuntárias de sua sexualidade reprimida -lembrem-se de que Freud relacionou o tabu da virgindade e a moral sexual entre as causas do mal-estar, no início do século 20- hoje se sente culpada por não usufruir tanto do sexo, das drogas e do "rock and funk" quanto deveria. O obsessivo escrupuloso, acossado por fantasias perversas, agora se queixa de seu bom comportamento: queria ser um predador sem escrúpulos, eliminar os rivais, abusar sem pudor das mulheres.

As pessoas vivem culpadas por não conseguirem gozar tanto quanto lhes é exigido. Culpadas por não alcançar o sucesso e a popularidade instantâneos, por perderem tempo em sessões de análise -culpados por sofrer. O sofrimento não tem mais o prestígio que lhe conferia o cristianismo. Sofrer não redime a dívida; ao contrário, reduplica os juros.

Sem recurso à referência a autoridades repressivas que faziam obstáculo aos prazeres, as pessoas têm dificuldades em justificar seus sintomas. Não encontram a quem endereçar suas queixas ou apoiar seus ideais.

"Meus pais são amigos, meus professores são legais, ninguém me impõe ou me impede nada: eu sou um otário porque não consigo ser feliz". O sentimento de culpa, como escreve [o sociólogo francês Alain] Ehrenberg, tomou a forma de sentimento de insuficiência. Assim, a resposta à dor psíquica não é buscada pela via da palavra, mas pelo consumo abusivo dos psicofármacos que prometem adicionar a substância faltante ao psiquismo deficitário. O remédio age em lugar do sujeito, que não se vê responsável por seu desejo e por suas escolhas.

Não se concebe a vida como um percurso de risco que inclui altos e baixos, incertezas, acertos, dúvida, sorte, acaso. A vida é um empreendimento cujos resultados devem ser garantidos desde os primeiros anos -daí o surgimento de uma geração de crianças de agenda cheia de atividades preparatórias para a futura competição por uma vaga promissora no mercado de trabalho.
Não por acaso, essas mesmas crianças estarão mais predispostas à depressão na adolescência, esvaziadas de imaginação, de vida interior, de capacidade criativa. O universo amoroso ou familiar que substitui o espaço público como gerador de valores está totalmente atravessado pela linguagem da eficiência comercial. "Quem vai olhar para um modelo fora de linha como eu?" "Como promover a otimização de meus finais de semana?" "Fiz as contas: com o que gastei na análise de meu filho já poderia ter trocado de carro duas vezes" (nesse caso, o analista sente-se tentado a sugerir que, de fato, ficaria mais em conta trocar de filho).

Vale ainda mencionar o estranho silêncio, nos consultórios dos analistas, em torno do eterno mistério do desejo e da diferença sexual. A falta de objeto que caracteriza a atração erótica parece ter sido ofuscada pela onipresença de imagens sexuais nos outdoors, na televisão, nas lojas, nas revistas -por onde olhe, o sujeito se depara com o sexual desvelado que se oferece e o convida.

As fantasias sexuais são todas prêt-à-porter. Seria ok, se o suposto desvelamento do mistério não produzisse sintomas paradoxais. O tédio, em primeiro lugar, entre jovens que se esforçam desde cedo para dar mostras de grande eficiência e voracidade sexuais. As intervenções cirúrgicas no corpo, de consequências por vezes bizarras, em rapazes e moças que pensam que a imagem corporal perfeita seja a solução para o mistério que mobiliza o desejo.
A reificação do sujeito identificado como mais uma mercadoria se revela no medo generalizado de não agradar. O mistério do desejo persiste, assim como não deixa de existir o inconsciente: mas é como se suas manifestações não interrogassem mais os sujeitos.

MARIA RITA KEHL é psicanalista e ensaísta, autora de "O Tempo e o Cão" (ed. Boitempo).

Fonte:
FOLHA DE SÃO PAULO