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terça-feira, 19 de abril de 2011

Política indigenista no Brasil

Dia do Índio
Ricardo Barros Sayeg, texto enviado pelo autor por mail
19/04/2011

Estima-se que na época da descoberta do Brasil pelos portugueses, existiam cerca de cinco milhões de índios no território nacional, divididos em mil povos diferentes. Hoje em dia, são apenas 227 povos e sua população está em torno de 400 mil. As razões do extermínio dos povos nativos são muitas e estão ligadas às doenças trazidas pelos colonizadores, ao uso de armas a fim de conquistar seus territórios, à dominação cultural, entre tantas outras formas de dominação.
No século XIX, com os avanços da biologia, em especial da epidemiologia, foi comum o homem branco utilizar-se de doenças como ferramenta de conquista de território. Um caso clássico se deu no Maranhão, na vila de Caxias. De acordo com o antropólogo Mércio Pereira Gomes, em 1816 fazendeiros da região, com o objetivo de apossarem-se de mais terras, resolveram “presentear” os índios locais com roupas de pessoas infectadas com a varíola (geralmente essas peças eram queimadas para se evitar a transmissão da doença). Os indígenas levaram essas roupas para suas aldeias e muitos acabaram morrendo, deixando muitas áreas livres para que os fazendeiros pudessem criar gado. Casos semelhantes ocorreram na região Amazônica e em toda América do Sul.

A fim de se redimir do extermínio causado aos povos nativos, o Brasil nomeou o Dia do Índio, comemorado em 19 de abril. A data foi instituída pelo presidente Getúlio Vargas por meio do Decreto-Lei 5540 de 1943 e celebra a mesma data em que, em 1940, várias lideranças indígenas do continente organizaram o Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, realizado no México. Muitos representantes das nações indígenas não participaram do Congresso temendo não serem ouvidas pelos homens brancos. Durante esse encontro foi criado o Instituto Indigenista Interamericano. O organismo, também com sede no México, tem como objetivo principal defender os interesses dos povos nativos da América em todo o continente.

O Brasil só aderiu à nova instituição devido à intervenção do Marechal Rondon. O militar foi um ardoroso defensor dos povos indígenas. Ele nasceu na cidade de Mimoso, no interior do estado do Mato Grosso. Seu pai era descendente de portugueses e sua mãe, de índios Bororós. Inicialmente foi professor e, em 1881, matriculou-se na Escola Militar do Rio de Janeiro. Foi indicado componente da Comissão Construtora das Linhas Telegráficas, explorando os sertões do Mato Grosso, no ano de 1892. Sua tese era: “matar nunca, morrer se necessário”. Foi ele o criador da primeira instituição de cuidados com os índios: o Serviço de Proteção ao Índio. Em 1967, foi então criada a FUNAI - Fundação Nacional do Índio. Esse organismo, vinculado ao Ministério da Justiça, tem como objetivo principal promover políticas de desenvolvimento sustentável das populações indígenas, aliar a sustentabilidade econômica à sócio-ambiental e implementar medidas de vigilância, fiscalização e de prevenção de conflitos em terras indígenas.

Nesse 19 de abril devemos refletir, e muito, sobre o futuro dos povos indígenas no Brasil e no mundo. Afinal, temos muito a aprender com eles e devemos respeitá-los em sua cultura e suas características.

*Ricardo Barros Sayeg é Professor de História do Colégio Paulista, Mestre em Educação pela Universidade de são Paulo, formado em História e Pedagogia pela mesma universidade.

dia do índio: quem é mesmo o selvagem?

Dia do Índio. Qual sociedade é composta por selvagens?

Por Leonardo Sakamoto, em seu Blog

19/04/2011

Criança branca pintada de índio em escola de classe média alta é hype. Criança índia desterrada esmolando no semáforo é kitsch. Índio só é fofo se vem embalado para consumo.

Hoje, 19 de abril, é Dia do Índio. Data boa para lembrar qual sociedade é, de fato, composta por selvagens. Vamos celebrar:

Dia do Índio se tornar escravo em fazenda de cana no Mato Grosso do Sul

Dia do Índio ser convencido que precisa dar sua cota de sacrifício pelo PAC e não questionar quando chega a nota de despejo em nome de hidrelétricas com estudo de impacto ambiental meia-boca

Dia do Índio armar um barraco de lona na beira da estrada porque foi expulso de sua terra por um grileiro

Dia do Índio ver seus filhos desnutridos passarem fome porque a área em que seu povo produziria alimentos foi entregue a um fazendeiro amigo do rei

Dia do Índio ser queimado em banco de ponto de ônibus porque foi confundido com um mendigo

Dia do Índio ser chamado de indolente

Dia do Índio ter ignorado o direito sobre seu território porque não produz para exportação

Dia do Índio ter negado o corpo de filhos assassinados em conflitos pela terra porque o Estado não faz seu trabalho

Dia do Índio se tornar exposição no Zoológico da maior cidade do país como se fosse bichinho

Dia do Índio ser retratado como praga em outdoor no Sul da Bahia por atravancar o progresso

Dia do Índio tomar porrada na Bolívia, no Paraguai, na Colômbia, no Peru, no Equador, no Chile, na Argentina, na Venezuela porque é índio

Dia do Índio ser motivo de medo de atriz de TV, que acha que um direito de propriedade fraudulento está acima de qualquer coisa

Dia do Índio entender que a invasão de nossas fronteiras é iminente e, por isso, ele precisa deixar suas terras para dar lugar a fazendas

Dia do Índio sofrer preconceito por seus olhos amendoados, sua pele morena, sua cultura, suas crenças e tradições

Enfim, Dia do Índio se lembrar quem manda e quem obedece e parar com esses protestos idiotas que pipocam aqui e ali. Ou será que nós, os homens de bem, vamos precisar de outros 511 anos para catequisar e amansar esse povo?

domingo, 30 de janeiro de 2011

O QUE ACONTECE NO EGITO? MELHOR NÃO PERGUNTAR PARA A VEJA.

Por Francisco Bicudo, do blog do Chico
30/01/2011

Pode ser que eu seja o problema, muito chato, crica ou exigente. Mas as revistas semanais de informação brasileiras parecem definitivamente ter perdido pé da realidade e revelam-se cada vez mais distantes e desinteressadas de acontecimentos importantíssimos e que estão ajudando a recontar a história contemporânea. Neste final de semana, quem aguardava análises e relatos de fôlego sobre Tunísia, Egito e afins deu com os burros n'água.


Enquanto as ditaduras árabes no norte da África e no Oriente Médio são tensionadas, chacoalhadas e algumas até derrubadas por gigantescas manifestações de rua e revoltas populares, sabem qual a capa da Veja que está nas bancas? Uma instigante e imperdível "matéria" sobre a "renovação do bom-mocismo", estrelando os globais Angélica e Luciano Huck (segundo a revista, formam "um casal celebridade perfeito para um mundo politicamente correto"). Durma-se com um barulho desses.

Outras duas não ficam muito atrás. Na Época, destaque para "O guia essencial dos imóveis"... Isto É abriu espaço principal para "O novo astro da fé", contando a trajetória de um ex-lavrador que agora comanda a igreja evangélica que mais cresce no país. Apenas Carta Capital, honrando os bons critérios jornalísticos e sintonizada com o interesse público, trouxe na capa "A convulsão árabe".

Esse descaso ajuda a explicar ao menos em parte o nosso profundo desconhecimento a respeito do que se passa em uma região estratégica e mais do que relevante do planeta. Estamos considerando não apenas sua dimensão histórica (berço das grandes civilizações antigas), mas também interesses e disputas políticas atuais (apoio dos Estados Unidos às ditaduras como forma de combater o que norte-americanos chamam de "eixo do mal", Irã e Hamas incluídos na lista, além do intuito de estabelecer um cinturão de proteção a Israel), variáveis econômicas (comércio, petróleo e área de passagem entre ocidente e oriente) e religiosas (presenças representativas das três grandes crenças monoteístas, com óbvio destaque para o islamismo). Mais recentemente, é preciso registrar ainda a cobiça pela água, bem raro e portanto valiosíssimo na região, que deve inclusive ser protagonista, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), de boa parte dos conflitos e guerras que darão o tom da segunda metade do século XXI.

Apenas essas razões - e, reconheço, o alcance da análise é limitado - já seriam suficientes para exigir uma cobertura midiática mais próxima, atenta e periódica da região. Mas como não é assim que acontece (o espelho do próspero colonizado lança olhares respeitosíssimos e de reverência ao norte desenvolvido, mas se recusa a focar o sul pobre, não raro abandonado e ignorado), somos invariavelmente pegos de surpresa. Estamos agora nos perguntando: o que está acontecendo no Egito?

É honesto admitir também que não sou especialista no assunto - muito longe disso, minha postura é muito mais de um curioso jornalista, professor e cidadão do mundo - e que não tenho assim a pretensão de pautar o debate ou de formular ou construir análises originais. Nada disso. O que procuro fazer neste post é muito mais sistematizar uma espécie de guia de leituras, a partir das pesquisas que fiz, trazendo à tona a contribuição de alguns textos e autores que, estes sim, me foram muito úteis e podem oferecer respostas bem mais precisas e profundas à questão acima colocada.

Jovens, desemprego, corrupção e liberdades
Tomo a liberdade de recomendar que esse percurso comece com a reportagem de capa de Carta Capital (versão impressa, nas bancas, não disponível na internet). O jornalista Antonio Luiz Costa desenvolve uma espécie de viagem panorâmica mais aberta sobre o tema, analisando as diferentes manifestações de inquietações sociais nos países árabes (Tunísia, Argélia, negociatas da Autoridade Palestina com o governo de Israel) até pousar a lente de análise no Egito. Escreve ele que "afirma-se que o exército egípcio é mais poderoso que o da Tunísia e está ao lado do regime, mas mais poderosos e leais eram, supostamente, os do xá do Irã e da União Soviética. Diz-se também que há menos participação da classe média nos protestos, mas se isso for verdade, pode significar apenas que a reviravolta, se vier, será mais drástica e violenta".

Em texto publicado no blog Viomundo, Luiz Carlos Azenha ressalta que os principais agentes mobilizadores das manifestações no Egito são os jovens desempregados, que não conseguem sequer se aproximar dos padrões de consumo que lhes são apresentados diariamente, pelas emissoras de televisão a cabo e via satélite. Para ele, "democracia nos países árabes resultaria em governos menos submissos aos Estados Unidos, mais 'antenados com as ruas' e, portanto, muito mais agressivos em defesa dos direitos e dos interesses dos palestinos".

Para além do desemprego, jovens lutam também por liberdades e contra uma ditadura corrupta e sanguinária, encastelada no poder há 30 anos (Hosni Mubarak foi "eleito" presidente pela primeira vez em 1981). O jornalista britânico Robert Fisk, profundo conhecedor da realidade do mundo árabe, destaca em artigo originalmente publicado pelo The Independent e reproduzido pelo Viomundo que "a sujeira das ruas e das favelas, os esgotos a céu aberto e a corrupção de todos os funcionários do Estado, as prisões sobrecarregadas, as eleições risíveis, o vasto, esclerosado edifício do poder, tudo isso, afinal, arrastou os egípcios para as ruas das cidades". Fisk afirma que o levante no Egito ainda não representa uma revolta islâmica, embora não descarte essa possibilidade. O jornalista, aliás, manifesta preocupação justamente com o vácuo de poder que pode surgir com uma eventual queda de Mubarak, já que a oposição organizada no Egito foi destroçada. "Onde estão as vozes de liderança?", pergunta.


A hipocrisia dos EUA e o silêncio da mídia
Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), nos brinda com dois textos riquíssimos. No primeiro, mais precisamente uma entrevista publicada pelo portal Terra, o especialista lembra que por enquanto as manifestações concentram-se nas grandes cidades e que o medo de Estados Unidos e Israel é justamente que se espalhem como rastilho de pólvora por todo o país, a exemplo da Revolução Iraniana de 1979. Para Nasser, ainda falta apoio internacional aos jovens egípcios que tomam conta das ruas. Ele critica duramente o papel hipócrita desempenhados pelos Estados Unidos, duros nas críticas dirigidas ao Irã, mas condescendentes com as violações de direitos cometidas pelo regime tirano de Mubarak. "O Egito é a grande peça do tabuleiro de xadrez do Oriente Médio, uma garantia contra os movimentos chamados radicais".

No segundo texto, artigo publicado pela Agência Carta Maior, o professor da PUC/SP resgata indicadores demográficos e socioeconômicos do país. Atualmente, 80 milhões de pessoas vivem no Egito. Dois terços são jovens com menos de 30 anos - e 90% deles estão desempregados. 40% da população vive com menos de dois dólares por dia. E o país ocupa a trágica 101ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU. "As mobilizações populares na Tunísia, no Egito, no Iêmen e em outros lugares são um alerta para o chamado mundo desenvolvido e seria um grande avanço para a democracia se esta região que permanece imersa na violência, em fraudes eleitorais e miséria crescente da população recebesse o devido apoio internacional nesse momento", reforça.

Diferenças importantes entre os levantes na Tunísia e no Egito são apontadas pelo articulista Gilles Lapouge, no jornal O Estado de São Paulo. Segundo ele, a primeira nação pretendia-se moderna, laica e tolerante; por lá, a educação é notável, com jovens muito cultos. "Na Tunísia, são os jovens universitários que estão na origem dos tumultos. No Egito, quase não se veem estudantes. Estão lá, mas na espera". Mesmo reconhecendo afastamentos, no entanto, Lapouge admite as semelhanças entre os dois processos históricos. "Tanto no Cairo quanto na Tunísia, as ações são conduzidas por jovens e o fundamentalismo islâmico se mantém discreto".

O jornalista Raphael Tsavkko Garcia pondera, em texto postado no blog dele, que um governo, ainda que uma ditadura, só consegue mesmo se sustentar enquanto o povo o considera legítimo. "Somente a legitimidade popular garante a sobrevivência de um regime. Chega um momento em que a pressão da população, a desobediência civil e o descontrole causado pelo não funcionamento das estruturas mais básicas do Estado acabam por destruir as bases desse mesmo Estado".

Com duras críticas ao silêncio da nossa mídia, que acaba por transformar o Egito quase em um ilustre desconhecido para todos nós, o também jornalista e blogueiro Eduardo Guimarães avalia, em seu Blog da Cidadania, que "os choques entre população egípcia e as forças de repressão da ditadura estão sendo de um grande didatismo para a humanidade, ao deixarem claras as hipocrisias americana e midiática, que mantêm regimes contrários aos EUA sob fogo cerrado, enquanto silenciam sobre os regimes simpáticos à potência decadente do Norte, por mais criminosos que sejam". Pelas razões acima apontadas por Nasser, a mão que bate no Irã é a mesma que acaricia o Egito...

Redes sociais
Termino o post sugerindo algumas reflexões e saudáveis provocações sobre o papel que as redes sociais estão desempenhando nas revoltas que se alastram pelo mundo árabe. Não são poucos os que afirmam que "as revoluções estão sendo tuitadas". (aliás, sobre o tema, sugiro a leitura de artigo escrito por Malcolm Gladweel e recentemente publicado pelo caderno Ilustríssima da Folha de São Paulo).

Reconheço a enorme importância e o caráter libertário dos blogues, do twitter, do facebook e de outras tantas ferramentas e a contribuição de todas para o desenrolar dos acontecimentos. Mas penso que é preciso relativizar o protagonismo a elas atribuído. Há uma certa sensação de "salvadores da pátria" no ar, quando, penso, a rede aparece fundamentalmente em dois momentos que, sim, são cruciais e estão diretamente conectados: comunicação (saber o que está acontecendo) e mobilização (capacidade de juntar as pessoas).

Mas, se o povo não estivesse nas ruas, o que afinal poderia ser tuitado? Será que se os manifestantes apenas permanecessem acomodados diante das telas de seus computadores e celulares, disparando fotos e mensagens, o governo da Tunísia teria de fato caído? Mubarak, todo-poderoso, estaria seriamente ameaçado?

Revolução ainda se faz na rua. Foi assim na França de 1789, na Rússia de 1917. Está sendo assim na Tunísia e no Egito de 2011. Ditadores têm mesmo é medo do povo gritando, enfrentando os tanques e as forças de repressão e chacoalhando os portões e as grades dos palácios. Tiranos tremem quando o povo assume sua condição de protagonista da História, ocupando espaços públicos. É nesse momento - quando o "extraordinário se torna cotidiano", como bem definiu Ernesto Che Guevara - que as revoluções acontecem. E, insisto, o extraordinário se concretiza nas ruas.