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segunda-feira, 8 de março de 2010

Sobre presidentes e ministros da fazenda

Por Luís Nassif

José Serra tenta retomar o discurso programático. Ontem, o discurso no centenário de Tancredo. Hoje, a antecipação de algumas ideias econômicas, especialmente o combate à apreciação cambial.

Seja quem for o presidente – Serra ou Dilma, provavelmente não com Aécio – a apreciação cambial será combatida. Quem é oposição pode ser mais explícito; que é governo, menos. Mas não há diferenças de posição nesse item.

O que compromete Serra não são suas ideias econômicas. É algo mais substantivo.

A gestão Lula mostrou um outro padrão de governabilidade, que vai além do econômico, e muito além do câmbio. Trata-se de reconstrução política e institucional brasileira, na qual a economia é uma perna importante – mas restrita.

Quem tiver boas ideias apenas nessa área, é candidato a Ministro da Fazenda, não a presidente.

A governabilidade pressupõe o exercício permanente da tolerância e da redução de pontos de fricção partidários, de classe ou regionais. Exige um olhar sistêmico sobre o país, a capacidade de ver todas as pontas, de identificar as linhas de menor resistência, de saber negociar no plano partidário e federativo, de somar, ouvir.

Mais: exige planejamento, gerenciamento, identificação dos fatores fundamentais de progresso. Sem esse arcabouço institucional novo, se ficará apenas no campo dos conceitos e do discurso vazio.

Quando o governo assumiu e se meteu em um sem-números de conselhos (CDES, conselhos sociais etc.) a visão dominante, tecnocrática, era a de que jamais sairia do assembleísmo.

Aos poucos – especialmente depois que o governo se reorganizou no pós-mensalão – começaram a emergir ideias e quadros de todos os lados, graças a esse modelo. O Bolsa Família ganhou consistência, o PAC retomou as tentativas de articulação do Brasil Em Ação – belíssima experiência do José Paulo Silveira, que falhou por falta de presidente da República -, corrigiu erros, permitiu avanços.

Tudo isso porque, paralelamente ao discurso político, havia um processo de reconstrução institucional feito com agentes vivos e atuantes, e não apenas em um pedaço de papel.

Construção institucional

Lula entrou com a sabedoria política: a ação federal só é eficaz quando há colaboração de estados e municípios; e só se consegue essa colaboração quando se repartem ganhos políticos igualmente.

Dado o princípio, havia a necessidade de montar o arcabouço institucional capaz de colocar as ideias em prática.

É aí que se sobressai a ação de Dilma Rousseff. A discussão boba sobre ter ou não ter diploma, sobre maior ou menor experiência administrativa, esconde o essencial: Dilma foi responsável por dois dos maiores feitos de reconstrução institucional brasileira. A biografia administrativa de Serra é o oposto: a total inação para grandes mudanças institucionais. Sua grande contribuição se deu no plano parlamentar. Foi um grande deputado, especialmente na Constituinte, graças à ação individual de um dos maiores nomes da economia brasileira: o economista José Roberto Afonso.

A velha mídia sempre teve um fascínio mítico pelas reformas no plano das leis. Jamais conseguiu entender as reformas no plano administrativo e institucional.

O primeiro feito institucional de Dilma foi o modelo elétrico que salvou o setor do desastre desregulamentório do governo FHC.

Sobre o modelo elétrico, escreverei amanhã.

O segundo feito foi a modelagem institucional dos programas federais – PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), saneamento, habitação.

Primeiro, definiu-se o papel de cada ente federativo. À União, caberia a regulamentação, os recursos e a fiscalização. Aos estados, as obras estaduais. Aos municípios, as municipais, trabalhando em conjunto com os estados.

Depois, conversas exaustivas para identificar problemas potenciais e – principalmente – o modelo de atuação mais eficiente, os instâncias de discussão, os modelos de acompanhamento do governo (para não perder o controle na ponta).

O modelo habitacional

O programa habitacional forneceu um exemplo graúdo da distância quilométrica entre esse novo modelo e o pensamento burocrático de Serra.

Montou-se o modelo e o governo federal disponibilizou recursos para um milhão de moradias populares. Mais: removeu fatores que poderiam inviabilizar o acesso da baixa renda às moradias.

Depois, disse a estados e municípios: organizem-se e venham buscar os recursos. Imediatamente, colocou em marcha uma movimentação nacional, descentralizada, de prefeitos, governadores, empresários locais ou nacionais.

Criou-se uma competição virtuosa, que permitirá atingir (ou não) as metas. Pelas informações, o primeiro milhão de casas populares será atingido em breve.

Qual foi a reação de Serra? Criticou o fato do governo não ter definido prazo para construir esse um milhão de casas. A CDHU, de São Paulo, disse ele, trabalha de forma centralizada e com prazos. Um varejinho para pequenos problemas, sem grandeza para encarar desafios da magnitude de se construir um milhão de moradias populares.

Mostrou incapacidade de analisar sequer modelos gerenciais; muito menos uma construção de alta complexidade, que é casar a gerência com as variáveis políticas de um país de um federalismo incompleto. É uma visão tecnocrática e não gerencial da administração pública.

O que se está vendo, no plano nacional, é o resultado desse modelo: inaugurações de obras em que aparecem presidente da República e governador do estado; prefeitos usando obras com recursos federais para suas campanhas políticas; governadores fazendo campanha com essas obras; até o infausto Sérgio Guerra atuando dessa maneira.

Esse modelo de articulação do PAC tornou-se padrão. Na primeira fase resultou em processos semelhantes no Ministério de Ciência e Tecnologia, Agricultura, Saúde, dentro da ideia de cada Ministério definir as ações do setor de forma interministerial, envolvendo outros ministérios e departamentos.

Percebeu-se que nenhum ministério conseguiria sozinho essa coordenação. Provavelmente um PAC 2 integrará todas essas ações em um PAC único.

Independentemente do resultados das eleições, quando baixar a poeira desse passionalismo, dessa exacerbação maluca a que a opinião pública foi levada pela velha mídia, emergirá a figura de uma das grandes ministras da história republicana.

Serra e o não exercício da gestão

Serra teve a maior vitrine que qualquer candidato a presidente poderia aspirar: o governo de São Paulo. Fazer uma revolução em São Paulo é imensamente mais fácil que no Brasil.

O Brasil é díspare; São Paulo é homogêneo. Pactos políticos são mais fáceis em São Paulo. Um governador com visão de futuro teria à sua disposição os melhores quadros do país para articular grandes movimentos de modernização: os melhores institutos, as melhores universidades, as maiores empresas nacionais, a melhor estrutura sindical (Fiesp/CIESP, centrais sindicais, Sebrae), as melhores associações empresariais, as melhores cidades médias, a melhor infra-estrutura, massa crítica de pensadores, organizações sociais, órgãos exemplares de financiamento da pesquisa.

Imagine essas forças sendo articuladas para um plano de disseminação de inovação nas empresas paulistas. Ou um plano de melhoria do valor agregado das exportações paulistas. Ou uma ação integrada, com todos os setores, visando reduzir a criminalidade ou melhorar a assistência social.

Nada se fez, nada. Um governante sem a menor gana de deixar uma herança para o futuro, de ambicionar a ser um Estadista.

Apenas se deu continuidade a obras, como um mero Maluf com apoio da mídia.

As melhores empresas de São Paulo insistiram em bancar, com recursos próprios, programas de qualidade. Serra só aceitou porque eram grandes empresas. Jamais acreditou em gestão e matou os programas por desinteresse.

No campo das articulações com forças sociais e econômicas, foi um governo que se isolou de tudo ou de todos.

Na crise de 2008, só aceitou receber associações empresariais seis meses depois do pedido de audiência, quando algumas delas se reuniram com centrais sindicais e ameaçaram manifestações na porta do Palácio.

Permitiu que a greve da Polícia Civil chegasse às vias do confronto e, depois, aceitou todas as reivindicações.

Administrando a mídia

Seu modelo de gestão consistia unicamente em tentar administrar o noticiário da mídia, com uma obsessão sem paralelo. Qualquer linha torta, qualquer pergunta não programada, tirava o governador de suas funções administrativas, para ligar para chefes de redação, não poucas vezes exigindo a cabeça dos jornalistas.

Em reuniões com secretários, chegou a admitir que gastava três horas por dia acompanhando o noticiário dos jornais.

Mais que isso. Junto com a velha mídia criou um clima de macartismo, de virulência, de baixarias que jamais havia presenciado em 40 anos de jornalismo.

A maneira como articulou jornalistas de esgoto para fuzilar companheiros, para atacar aliados e adversários, a ação deletéria de seu Secretário de Comunicação, ameaçando jornalistas nas redações da própria velha mídia, compõem um conjunto inédito de ameaças à liberdade de opinião.

É até piada considerar que a ameaça venha de conselhos populares.

Essa falta de empenho em criar modelos de atuação, gerou um paradoxo.

Em um modelo neoliberal, em que o governante não dispõe de estrutura de Estado para atuar, o caminho alternativo é o da coordenação dos agentes sociais e econômicos do Estado.

Em um modelo autárquico, o governo é centralizador e só sabe agir com ferramentas de Estado.

Em um modelo pragmático, casam-se estado e articulação.

Serra governou privatizando como um neoliberal e tentando gerenciar como um ente autárquico – sem estatais. Virou um samba maluco. Privatizou a Nossa Caixa para investir em obras viárias. Depois, descobriu que não sabia fazer nada que não fosse através de estatais. Toca criar uma Agência de Desenvolvimento para… emprestar dinheiro. Sem ter departamento de crédito ou estrutura de agências.

As indecisões produziram desastres. São Paulo perdeu um banco que poderia ter uma função relevante para políticas de desenvolvimento e esmagou as possibilidades da CESP. Enquanto a Cemig se tornava uma das grandes empresas nacionais, a indecisão do governador esmagou a CESP. Quatro anos pensando em privatizá-la. Não privatizou e matou quatro anos de planejamento e de expansão da empresa. Conseguiu a pior síntese: um governo centralizador e inerte.

Não é à toa que, na semana passada, fez um balanço parcial do que o governo de São Paulo fez contra a crise… antes de vender a Nossa Caixa. E mereceu uma emérita gozação de Lula que explicou que comprou a Nossa Caixa para utilizá-la para enfrentar a crise.

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