Por Paulo Henrique Amorim
9/março/2010 20:10
Trata-se do depoimento histórico do professor Luiz Felipe de Alencastro no Supremo Tribunal Federal, no dia quatro deste mês, no quadro dos pronunciamentos que antecedem o julgamento das cotas.
Alencastro é o responsável pela cadeira de História do Brasil na Sorbonne e autor do livro clássico “Trato dos Viventes”, Editora Companhia das Letras, sobre o tráfico negreiro – um “Casa Grande” contemporâneo.
Alencastro lembra:
Em 2010, os afrodescendentes, os que se dizem pretos e pardos, são a maioria da população brasileira.
Nenhum país foi tão escravista quanto o Brasil.
Dos 11 milhões de escravos vivos que chegaram às Américas, entre 1550 e 1886, 44% vieram para o Brasil, ou seja, 5 milhões.
Eles vieram sob tortura, trazidos por negreiros lusos e brasileiros e, depois, por traficantes brasileiros.
Vinham acorrentados, como descrevia Castro Alves, que sabia disso, porque o padrasto era negreiro.
Das 35 mil viagens através do Atlântico, nenhum barco africano esteve envolvido no tráfico.
Alô, alô, Senador DEM-óstenes (clique aqui para ler “DEM-óstenes põe a culpa nos africanos pela escravidão” )
No Século XIX, o Brasil foi a ÚNICA nação independente que traficava escravos.
A Lei estabeleceu que, em 1831, os negros que chegassem a uma praia brasileira eram considerados livres.
Porém, a Lei e as instituições fizeram vista grossa e foi possível re-escravizar por sequestro.
Era o sequestro de homens livres.
Assim, desde 1831, 760 mil negros e seus descendentes foram mantidos ilegalmente na escravidão, até 1888.
Eles não eram escravos.
Eram sequestrados.
Esse pacto entre sequestradores de homens livres para torná-los escravos e as instituições brasileiras é, segundo Alencastro, o “pecado original” da democracia brasileira.
E, por isso, não só os negros pagam pela escravidão.
A violência contra o escravo contaminou tudo.
A violência policial surge como subproduto da escravidão.
Como punir o escravo delinquente, sem privar seu proprietário do trabalho do encarcerado ?
Desde 1824 tinham sido extintas, formalmente, as punições físicas a presos.
Mas, pesou sobre toda a população negra E LIVRE o temor de ser açoitado, como substituto do encarceramento.
O terror, a tortura, o açoite intimidavam o escravo – e todos os outros cidadãos pobres.
O proprietário preferia punir com o açoite a prender.
Os pobres também pagaram o preço da herança escravista e sua violência.
Eles também eram vítimas da violência corriqueira.
Além disso, a Lei Saraiva, de 1881, impediu o voto do analfabeto e, portanto, bloqueou o acesso de libertos e futuros libertos à cidadania.
Isso permaneceu até 1985, quando a Lei autorizou o voto do analfabeto.
Mas a exclusão permaneceu, sobretudo na população negra, onde o analfabetismo é maior.
As taras do Século XIX contaminaram o país inteiro – negros e braços.
Só a redução da discriminação consolidará nossa democracia.
A política afirmativa e a adoção das cotas aperfeiçoam a democracia.
Não tem sentido fazer alarmismo e dizer que as cotas vão transformar o Brasil numa Ruanda, um país em que a independência ocorreu em 1962.
As cotas já existem !, – enfatizou Alencastro.
Dezenas de milhares de brasileiros entraram na universidade através do ProUni.
52 mil estudantes de universidades públicas entraram através de cotas e não se tem notícia de violência – nada que se compare aos trotes.
O acesso à universidade é o estrangulamento essencial à democracia brasileira.
Essa discussão não deve ser ideológica ou partidária, como lembrou o Senador Paulo Paim – lembrou Alencastro.
As primeiras medidas para reduzir a discriminação foram tomadas pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.
O presidente do IPEA – instituição de onde Alencastro tirou informações para o pronunciamento – no Governo Fernando Henrique, Roberto Martins, é a favor das cotas.
O presidente do IPEA no Governo Lula é Marcio Pochman, a favor das cotas.
(A reprodução não é literal e foi feita por PHA)
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