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terça-feira, 1 de julho de 2008

Um caminho para Guantánamo

Publicada em 01/07- Atualizada em 02/07

Assisti ontem ao documentário Caminho para Guantánamo (The Road to Guantanamo) de Michael Winterbottom, Inglaterra, 2006. Seu diretor trabalha com depoimentos de três jovens britânicos que ficaram anos presos, acusados de terrorismo pelos EUA, quando esses em represália ao 11 de setembro atacaram o Afeganistão.

A ida dos jovens para o Paquistão foi motivada pelo casamento de um deles e os amigos o seguiram para a cerimônia. Ao chegarem ao Paquistão, estimulados por um líder religioso, decidiram ir até o Afeganistão para prestarem ajuda humanitária, quando foram presos.

É um filme imperdível. Após assistirmos passamos a nos questionar como é possível o imenso silêncio que se faz desse tema no nosso país.

Em outubro de 2006 Mariana Vidal escreveu sobre sua experiência ao ver este documentário:


O CAMINHO PARA GUANTÁNAMO

Por Mariana Vidal - vidal@fazendomedia.com 17.10.2006

"Temos que fazer alguma coisa pra mudar. Não acredito que isto existe". Foram essas as primeiras palavras que ouvi de uma moça sentada na fileira de trás, assim que acabou o filme. Mas foi só acenderem as primeiras luzes do Estação Paissandu e via-se que o sentimento era geral. A sala estava cheia e ninguém saiu de lá imune.

Uns paravam no meio do caminho para tomar fôlego, outros se juntavam em grupos para comentar aquele absurdo, mas a vontade era mesmo de denunciar, de parar os carros na Rua Senador Vergueiro e avisar às pessoas que não estavam naquele cinema, que campo de concentração ainda existe e não é fruto de uma Alemanha nazista, é do atual governo dos EUA.

O filme "O Caminho para Guantánamo" é belíssimo, é vivo; daqueles que você não consegue se desvencilhar da tela um minuto. Não por acaso os ingleses Michael Winterbottom e Mat Whitecross ganharam o Urso de Prata de melhor direção no Festival de Berlim deste ano.

Trata-se da história real de quatro amigos britânicos de origem paquistanesa que decidem sair da Inglaterra e voltar ao Paquistão para celebrarem o casamento de um deles. Numa mesquita do Paquistão, eles são convencidos pelo líder religioso de que deveriam ir ao Afeganistão prestar ajuda humanitária aos irmãos muçulmanos. No Afeganistão são feitos reféns pelo regime talibã e, posteriormente, três deles são capturados pelas tropas estadunidenses, que os mandam para Guantánamo, onde são torturados por dois anos.

Mas apesar da sensação de impotência que se segue à vontade de "fazer alguma coisa pra mudar" e do choque que muitos levaram ao ver "O Caminho para Guantánamo", felizes são aqueles que viram este filme, pois muitos ali sequer sabiam da existência dessas bases militares que os EUA mantém em Cuba.

Nossa mídia não divulga quase nada sobre Guantánamo ou sobre outro crime de guerra dos EUA (e exemplo é o que não falta). Livros como "Guantánamo - Prisionero 325, Campo Delta" (Editora EDAF), testemunho escrito pelo ex-prisioneiro Nizar Sassi, chegam em Porto Rico, Chile, Argentina, Espanha e México, mas não são lançados no Brasil.

E até mesmo esse filme só foi possível ser visto no Festival do Rio 2006 (já que ele não tem previsão de chegar às telas do grande circuito), com poucas sessões, sem direito ao "última chance" (espécie de repescagem, quando alguns filmes são selecionados para exibição após o término do Festival) e sem figurar na lista dos mais vistos no Festival.

Depois de reclamar sobre a ausência na mídia brasileira sobre as torturas em Guantánamo,, vejo publicada hoje esta tradução do The New York Times

02/07/2008
EUA usaram métodos chineses de tortura em interrogatórios de Guantánamo
Scott Shane
Em Washington


Os instrutores militares que seguiram para a Baía de Guantánamo em dezembro de 2002 basearam uma aula inteira sobre interrogatórios em uma cartilha que mostrava os efeitos das "Técnicas de Gerenciamento Coercivo" para uma possível utilização em prisioneiros, incluindo "Privação de Sono", "Imobilização Prolongada" e "Exposição ao Frio".

O que os instrutores não disseram - e pode ser que não soubessem - foi que a cartilha era uma cópia literal de um estudo feito pela Força Aérea dos Estados Unidos, em 1957, sobre as técnicas comunistas chinesas utilizadas durante a Guerra da Coréia para obter confissões, muitas delas falsas, de prisioneiros norte-americanos.

A cartilha reciclada é a última e a mais vívida evidência da forma como os métodos comunistas de interrogatório que os Estados Unidos descreveram por muito tempo como sendo tortura tornaram-se a base dos interrogatórios realizados tanto pelas forças armadas em Guantánamo quanto pela Agência Central de Inteligência (CIA).

Alguns métodos foram aplicados em um pequeno número de prisioneiros de Guantánamo antes de 2005, quando o Congresso proibiu o uso da coerção pelas forças armadas. A CIA ainda conta com a autorização do presidente Bush para utilizar vários métodos secretos "alternativos" de interrogatório. Diversos documentos de Guantánamo, incluindo a cartilha que descreve os métodos coercivos, foram divulgados em uma audiência do Comitê do Senado Sobre as Forças Armadas em 17 de junho, que analisou como foi que tais táticas passaram a ser empregadas.

Mas os investigadores do comitê não sabiam que a origem da cartilha estava no artigo publicado há meio século em um periódico militar, uma conexão que foi divulgada ao "New York Times" por um especialista em interrogatórios independente, que falou sob a condição de que o seu nome não fosse revelado.

O artigo de 1957 do qual a cartilha foi copiada tem o título "Communist Attempts to Elicit False Confessions From the Air Force Prisoners of War" ("Tentativas Comunistas de Obter Falsas Confissões de Prisioneiros de Guerra Membros da Força Aérea"), e foi escrito por Alfred D.

Biderman, um sociólogo que servia na Força Aérea, e que morreu em 2003.

Biderman entrevistou ex-prisioneiros norte-americanos que retornaram da Coréia do Norte, alguns dos quais foram filmados pelos seus interrogadores chineses confessando ter praticado guerra bacteriológica e outras atrocidades.

Essas confissões orquestradas geraram alegações de que os prisioneiros norte-americanos tinham sofrido "lavagem cerebral", e motivaram as forças armadas a intensificar o seu treinamento no sentido de proporcionar a alguns dos seus membros um sabor dos métodos duros dos inimigos, a fim de evitar que eles capitulassem rapidamente caso fossem capturados.

Em 2002, o programa de treinamento, conhecido como SERE (acrônimo em inglês para Sobrevivência, Evasão, Resistência e Fuga), transformou-se em uma fonte de métodos de interrogatório tanto para a CIA quanto para as forças armadas. Naquilo que os críticos descrevem como um caso notável de amnésia histórica, as autoridades que recorreram ao programa SERE parecem não ter tido consciência de que ele foi criado como resultado da preocupação quanto às falsas confissões feitas pelos prisioneiros norte-americanos.

O senador Carl Levin, democrata pelo Estado de Michigan, presidente do Comitê do Senado Sobre as Forças Armadas, disse, após examinar o artigo de 1957, que "todo norte-americano ficaria chocado" com a origem do documento de treinamento.

"O que faz com que este documento seja duplamente chocante é o fato de que essas eram técnicas usadas para a obtenção de falsas confissões", afirma Levin. "As pessoas dizem que precisamos de informações de inteligência, e elas estão certas. Mas não necessitamos de falsas informações de inteligência".

O tenente-coronel Patrick Ryder, um porta-voz do Departamento de Defesa, disse que não poderia fazer comentários a respeito da cartilha de treinamento utilizada em Guantánamo. "Não posso especular a respeito de decisões anteriores que podem ter sido tomadas antes da atual política do Departamento de Defesa para interrogatórios", disse Ryder. "Posso afirmar a vocês que a atual política do Departamento de Defesa é clara - nós tratamos todos os detentos humanamente".

O artigo escrito por Biderman em 1957 descrevia "uma forma de tortura" usada pelos chineses que consistia em obrigar os prisioneiros norte-americanos a "ficar de pé por períodos excessivamente longos", às vezes em condições de "frio extremo". Ele escreveu que tais métodos passivos eram mais comuns do que a violência física direta. Obrigar os prisioneiros a ficar de pé por longos períodos e expô-los ao frio foram técnicas utilizadas pelos interrogadores norte-americanos militares e da CIA contra os suspeitos de serem terroristas.

A cartilha também descreve outras técnicas utilizadas pelos chineses, incluindo "fome parcial", "exploração de ferimentos" e "ambientes sujos e infestados", bem como os efeitos provocados por tais métodos: "Tornam a vítima dependente do interrogador", "Enfraquecem a Capacidade de Resistência Mental e Física" e "Reduzem o Prisioneiro a Preocupações de 'Nível Animal'".

A única modificação feita na cartilha apresentada em Guantánamo foi a retirada do título original: "Métodos Coercivos Comunistas para Gerar a Colaboração Individual".

Os documentos divulgados no mês passado incluem uma mensagem de e-mail de dois instrutores de SERE, relatando o período que passaram em Guantánamo, de 29 de dezembro de 2002 a 4 de janeiro de 2003. Segundo a mensagem, o objetivo era apresentar aos interrogadores "a teoria e a aplicação das pressões físicas utilizadas durante o nosso treinamento".

De acordo com a mensagem, as sessões incluíram "uma aula profunda sobre os Princípios Biderman", em uma referência à cartilha baseada no artigo de Biderman publicado em 1957. Versões da mesma cartilha, identificada com freqüência como "Cartilha de Coerção de Biderman", circulam em sites na Internet contrários às seitas baseadas no fanatismo religioso. Os métodos da cartilha são utilizados por esses sites para demonstrar como tais seitas controlam os seus membros.

O psiquiatra Robert Jay Lifton, que estudou prisioneiros que retornaram de guerras, e escreveu um artigo na mesma edição de 1957 do periódico "The Bulletin of the New York Academy of Medicine", disse em uma entrevista que ficou perturbado ao saber que os métodos chineses foram reciclados e ensinados em Guantánamo.

"Isso me entristece", afirmou Lifton, que em 1961 escreveu um livro sobre aquilo que os chineses chamavam de "reforma do pensamento", e que se tornou conhecido na linguagem popular norte-americana como lavagem cerebral. Ele classificou a utilização de técnicas chinesas por interrogadores norte-americanos em Guantánamo de "uma virada de 180º".

O interrogatório mais brutal ocorrido em Guantánamo do qual se tem conhecimento foi o de Mohammed al-Qahtani, um membro da Al Qaeda suspeito de ser o "20º seqüestrador" nos ataques de 11 de setembro de 2001. Os interrogatórios de Al Qahtani envolveram privação de sono, posições estressantes, exposição ao frio e outros métodos também usados pelos chineses.

As acusações de terrorismo contra al-Qahtani foram retiradas inesperadamente em maio deste ano. As autoridades informaram que as acusações poderiam ser feitas novamente mais tarde, e recusaram-se a dizer se a decisão foi influenciada por preocupações quanto ao tratamento a que al-Qahtani foi submetido.

Bush defendeu o uso de métodos brutais, alegando que estes ajudam a fornecer informações críticas de inteligência e a prevenir novos ataques terroristas. Mas a questão continua a complicar os processos há muito atrasados, que agora estão em andamento em Guantánamo.

Abd al-Rahim al-Nashiri, um membro da Al Qaeda acusado de desempenhar um papel importante no ataque a bomba contra o destróier norte-americano "Cole" no Iêmen, em 2000, foi acusado na segunda-feira de assassinato e outros crimes. Em audiências anteriores, al-Nashiri, que foi submetido ao "waterboarding" (técnica de tortura conhecida como "afogamento"), afirmou ter confessado falsamente a sua participação no ataque porque estava sendo torturado.



Relações: a Guerra e a Mídia estadunidense

O IMPACTO DAS MENTIRAS DA MÍDIA
(Luiz Carlos Azenha)

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Rupert Murdoch ajudou George W. Bush a tomar de assalto a mídia americana, depois da eleição do republicano em 2000. O magnata da mídia australiano, maior publisher em língua inglesa do mundo, fez isso usando suas emissoras de tevê americanas, principalmente a Fox News, concorrente da CNN. Fez isso abrindo espaço para uma campanha de intimidação contra jornalistas que não concordavam com a política externa de Bush, especialmente depois dos ataques de 11 de setembro de 2001.

Antes que a ocupação americana do Iraque se tornasse um inferno, os neocons haviam conseguido implantar o pensamento único na grande mídia. Roger Ailes, um publicitário historicamente ligado a políticos republicanos, foi o encarregado de "repaginar" a Fox no formato que serviu a Bush. "Nós divulgamos, você decide" foi um dos bordões usados pela emissora. O domínio do governo Bush sobre a grande mídia foi tamanho que acabou resultando numa revolução silenciosa, com o surgimento de meios alternativos de comunicação, notadamente na internet. Surgiram dezenas de documentários, livros-reportagem, sites e centenas de grupos de pressão. Um deles recorreu à FCC (Federal Comission of Communications) para impedir que a Fox use o slogan "equilibrada e justa". Também foram organizados boicotes aos patrocinadores da Fox.

Ainda hoje a cobertura do desembarque dos corpos dos soldados americanos mortos no Iraque é banida pelo Pentágono. A cobertura da mídia americana sobre a guerra teve um impacto impressionante na opinião pública, especialmente nos meses seguintes à ocupação. O apoio ao presidente Bush para que ele mantivesse sua política externa agressiva diminuiu gradativamente, resultando na perda do controle das duas casas do Congresso pelos republicanos nas eleições do início de novembro de 2006.

Um resumo editado do que escreveu Jim Lobe, da Inter Press Service, sobre as pesquisas que mediram o impacto da mídia na opinião pública, feitas alguns meses depois da ocupação do Iraque (o que aparece entre colchetes é meu):

"Quanto mais tevê comercial você assiste, maior é o risco de ter informações errôneas sobre questões-chave ligadas à invasão do Iraque e à ocupação americana, mostra um estudo divulgado em Washington. Quanto mais você assiste ao canal Fox News, de Rupert Murdoch, maior é a chance de ter percepções errôneas sobre a guerra, acrescenta o relatório do Programa de Opinião sobre Política Internacional, PIPA, da Universidade de Maryland.

Baseada em várias pesquisas de opinião nacionais, conduzidas pela Rede do Conhecimento, da Califórnia, a PIPA revelou que 48% dos entrevistados acreditam que tropas americanas descobriram ligações sólidas entre o governo de Saddam Hussein e a rede terrorista Alcáida, 22 por cento acreditam que foram encontradas armas de destruição em massa no Iraque e 25% acreditam que a opinião pública mundial apoiou a invasão americana. [As três afirmações são falsas]

O estudo pode incentivar o debate público e profissional sobre as razões que levaram a grande mídia americana, especialmente as emissoras de rádio e tevê, a não avaliarem com cuidado as alegações do governo Bush, feitas antes da guerra, especialmente sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque e sobre as ligações do país com a Alcáida.

Um de cada cinco entrevistados disse acreditar que os iraquianos usaram armas químicas ou biológicas contra tropas americanas, durante a ocupação. Para cada uma das percepções errôneas, o estudo descobriu grande diferença entre os telespectadores da Fox e os da Rádio Pública Nacional (NPR) e Sistema Público de Televisão (PBS).

Oitenta por cento dos telespectadores da Fox tinham pelo menos uma percepção errônea sobre a guerra, comparado com 23% dos ouvintes e telespectadores da NPR/PBS. Dos consumidores da mídia impressa, 47% tinham pelo menos uma percepção errônea.

Quarenta e cinco por cento dos telespectadores da Fox tinham as três percepções errôneas [que o Iraque tinha ligações com a Alcáida, que tinha armas de destruição em massa e que a opinião pública mundial apoiou os Estados Unidos]. Enquanto isso, entre os telespectadores das três redes [CBS, ABC e NBC] o número ficou entre 12 e 16%. Apenas 9% dos leitores de jornal acreditam nas três falsidades, enquanto só 4% dos ouvintes e telespectadores da NPR/PBS estão triplamente enganados.

Dos eleitores de George Bush, 78% dos que assistem a Fox acreditam na existência de ligações diretas entre o Iraque e a Alcáida, número que caiu para 50% entre os eleitores do presidente que se informaram pela NPR/PBS. Dados da pesquisa demonstram que as percepções errôneas sobre a guerra foram maiores justamente entre aqueles que tiveram maior acesso à mídia".

(Luiz Carlos Azenha) Publicado originalmente em 22 de novembro de 2006, atualizado em 11 de abril de 2008.

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