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terça-feira, 31 de março de 2009

Olhos azuis, olhos castanhos poder e etnicidade em jogo

Semana passada o presidente Lula ao falar dos países que com suas políticas irresponsáveis arrastaram o mundo para uma crise global, na qual mais uma vez os países pobres são os mais vitimados usou a metáfora étnica, atribuindo a responsabilidade da crise aos banqueiros brancos (anglo-saxônicos de olhos azuis, dizendo que não conhecia banqueiros negros e indígenas/indianos que determinassem a política econômica global).

Aqui no Brasil, rapidamente a elite branca com ou sem olhos azuis se indignou, o jornalista barrigueiro Noblat, mais conhecido como Noblabát abriu logo um post pra criticar o "presidente sem noção", mal sabia ele que a imprensa mundial, aquela que esses jornalistazinhos da imprensa tupiniquim querem tanto imitar deu uma trela danada ao presidente Lula e vários jornais noticiaram de modo simpático e com abordagens que reafirmam a metáfora do presidente ex-metalúrgico. Segue dois textos nesta linha.
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Cobiça de olhos azuis?*

por MAUREEN DOWD, no New York Times, 29/03/2009

WASHINGTON -- Quando se fala em eventos lunáticos internacionais, é duro bater o papa que disse que camisinhas espalham AIDS. Mas o presidente do Brasil, conhecido simplesmente por Lula, tentou. Numa entrevista coletiva quinta-feira com o primeiro-ministro britânico Gordon Brown -- que tem talento para se colocar em situações difíceis -- Lula começou por engasgar com um pão de queijo que havia engulido. Então ele se tornou acusador. "Essa crise foi causada pelo comportamento irracional de gente branca de olhos azuis, que antes da crise parecia saber de tudo e agora demonstra que não sabe de nada", acusou o presidente socialista, barbudo e de olhos castanhos.

Enquanto Brown, de olhos castanhos, assumia um novo tom de palidez, Lula martelou o ponto óbvio de que os pobres do mundo estão sofrendo no crash global por causa dos ricos. "Eu não conheço nenhum banqueiro negro ou indígena", disse Lula. [Nota do site: Lula falou em indiano, "indian", não em indígena]. Ele também disse à CNN que trataria deste assunto na reunião do G-20 em Londres nessa semana. Ele disse que seu passado como pobre, faminto e desempregado dá a ele uma visão especial. "Vivi em casas que sofriam enchentes", ele disse, acrescentando, "algumas vezes, eu precisava lutar por espaço com ratos e baratas e lixo entrava em casa quando enchia".

O "lulu de Lula", pelo "nut do Brasil" [doido brasileiro], como batizou o New York Post, se tornou notícia importante justamente quando o presidente Obama se encontrava na Casa Branca com Vikram Pandit e uma turma de banqueiros que aceitaram o resgate -- alguns dos quais, como Jamie Dimon, tem distintos olhos azuis. E é verdade, naturalmente, que os líderes anglo-saxões da casta superior que permitiram que os mercados financeiros americanos se tornassem um cassino, George W. Bush e Dick Cheney, eram homens brancos, bem brancos, de olhos azuis. Como o Who cantava: "Ninguem sabe o que é ser um homem mau, ser o homem triste por trás dos olhos azuis. Ninguem sabe o que é ser odiado, o que é ter como destino contar apenas mentiras".

Todas as vezes que Cheney olha para uma câmera com aqueles olhos azuis gelados e diz que o presidente Obama está nos tornando menos seguros, soa como se ele secretamente estivesse desejando um novo ataque contra os Estados Unidos apenas para provar que Obama é fraco, mesmo que no processo ele também vire fumaça. (Quando fui checar a cor dos olhos de Cheney, a filha dele, Liz Cheney, de gozação me mandou um e-mail de volta, "Desculpe, mas essa informação é confidencial").

Antes do presidente Obama, cujos olhos castanhos são opacos se você olhar diretamente neles, os presidentes ficaram mais conhecidos por ter olhos azuis. Aqueles que tinham olhos castanhos, Richard Nixon e LBJ, foram um punhado. Através da história, seja na imagem de Cristo que não parece originário do Oriente Médio ou nas Barbies que não são étnicas, olhos azuis e pele branca serem foram pintados como ideais. Paul Newman com seus olhos celestiais certa vez predisse seu epitáfio: "Aqui jaz Paul Newman, que morreu fracassado porque seus olhos se tornaram castanhos".

Pesquisas mostram que pessoas de olhos azuis são mais inteligentes, atraentes e sociáveis. Um estudo de 2007 da Universidade de Louisville concluiu que pessoas de olhos azuis são melhores planejadores e pensadores estratégicos -- superiores em coisas como golfe, corrida cross-country e na preparação para exames --, enquanto as pessoas de olhos castanhos tem melhores reflexos e são bons em hóquei e futebol americano.

A fala de Lula reflete uma rivalidade antiga. Quando eu era pequena, crescendo numa casa onde eram mostrados de forma proeminente um Jesus de olhos azuis e um JFK de olhos azuis, eu sentia que meus olhos castanhos eram muito menos atraentes que os olhos azuis de meu irmão. Eu fui tão obcecada por isso que recortei a foto de um modelo de olhos castanhos e colei em meu caderno, levando minha mãe a finalmente garantir: "Você olha para olhos azuis. Você olha dentro de olhos castanhos". Mais tarde, naturalmente, houve o excitação de ouvir o Van Morrison cantando para a "Menina de olhos castanhos".

Antes de Barack Obama, quando eu entrevistei filhos de imigrantes que estavam pensando em concorrer à presidência, Mario Cuomo e Colin Powell, eles pareciam em dúvida quanto a se atirar na campanha, dado que já tinham avançado muito em relação aos próprios pais. Eu perguntei ao governador Cuomo se ele estava deixando o campo aberto "para os privilegiados anglo-saxões de olhos azuis" como Bush pai e Dan Quayle, que achavam que tinham direito natural a isso e nunca se preocuparam com seu próprio valor. Barack Obama e sua família já tiveram um profundo efeito na cultura em termos do que é a beleza. Rostos negros estão aparecendo em todo tipo de propaganda agora -- vestindo roupas chiques em anúncios da Ralph Lauren. Com Michelle pedindo aos estudantes que busquem tirar 10 e Obama prometendo que vai tornar as escolas "cool", os olhos castanhos podem finalmente -- e com todo direito -- ultrapassar os azuis como as "janelas dos vencedores".

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A reputação manchada dos Estados Unidos*

PAUL KRUGMAN, no New York Times, 29/03/2009

Dez anos atrás a capa da revista Time mostrou Robert Rubin, então secretário do Tesouro, Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve e Lawrence Summers, então subsecretário do Tesouro. A Time os definiu como "o comitê para salvar o mundo", dando a eles crédito por liderar o sistema financeiro global através de uma crise que parecia terrível na época, embora um pequeno abalo comparada com a que estamos atravessando agora.

Os três homens naquela capa eram norte-americanos, mas ninguem considerou aquilo estranho. É que em 1999 os Estados Unidos eram inquestionavelmente líderes na resposta global à crise. Aquele papel de liderança era apenas parcialmente baseado na riqueza norte-americana; era também, num grau importante, reflexo do papel dos Estados Unidos como modelo. Os Estados Unidos, todos pensavam, eram o país que sabia como fazer "finanças" corretamente.

Como os tempos mudaram.

Deixemos de lado o fato de que dois membros daquele comitê desde então sucumbiram à maldição da capa, a perda de reputação que geralmente sucede àqueles bajulados pela mídia. (O sr. Summers, agora chefe do Conselho Econômico Nacional, ainda está forte). Muito mais importante é como nossas alegações de estabilidade financeira -- normalmente invocadas quando cobravamos mudanças em outros países -- se provaram ocas.

De fato, nos dias de hoje, os Estados Unidos parecem o Bernie Madoff das economias: por muitos anos tiveram respeito, mesmo admiração, mas agora se revelam uma fraude.

É doloroso ler agora uma palestra que o sr. Summers deu no início de 2000, quando a crise econômica dos anos 90 estava terminando. Discutindo as causas da crise, o sr. Summers apontou coisas que os países em crise não tinham -- e, por implicação, que os Estados Unidos tinham. Essas coisas incluíam "bancos bem capitalizados e supervisionados" e contabilidade corporativa transparente e confiável. Quem diria.

Um dos analistas citados pelo sr. Summers na palestra, aliás, é o economista Simon Johnson. Em um artigo na edição atual da revista The Atlantic, o sr. Johnson, que foi economista-chefe do FMI e agora é professor do MIT, declara que as atuais dificuldades dos Estados Unidos são "chocantemente reminiscentes" das crises em lugares como a Rússia e a Argentina -- inclusive o papel-chave de capitalistas embusteiros.

Nos Estados Unidos, como no terceiro mundo, ele escreve, "interesses de negócios da elite -- financeira, no caso dos Estados Unidos -- tiveram um papel central na criação da crise, fazendo jogadas cada vez maiores, com apoio implícito do governo, até o inevitável colapso. Mais alarmante, eles agora usam sua influência para evitar precisamente o tipo de reformas necessárias, rapidamente, para tirar a economia de seu mergulho".

Não admira, assim, que num artigo de ontem do Times sobre o tipo de resposta que o presidente Obama receberá na Europa o título era "Capitalismo-que fala-inglês em julgamento".

Para fazer justiça, devemos dizer que os Estados Unidos estão longe de ser a única nação em que os bancos endoidaram. Muitos líderes europeus se negam a admitir os problemas econômicos e financeiros do continente, tão profundos quanto os nossos -- embora a rede de seguridade social muito mais forte lá significa que vamos experimentar muito mais sofrimento humano. De qualquer forma, é um fato que a crise custou aos Estados Unidos muito da sua credibilidade, e com isso muito de sua capacidade de liderar.

E isso é muito ruim.

Como muitos outros economistas, tenho revisitado a Grande Depressão procurando lições que podem nos ajudar a evitar uma repetição de performance. E uma coisa que chama a atenção na história do início dos anos 30 é como a resposta do mundo foi abalada pela inabilidade das maiores economias do mundo de cooperar.

Os detalhes de nossa crise atual são muito diferentes, mas a necessidade de cooperação não é menor. O presidente Obama acertou na semana passada quando declarou: "Todos nós temos de dar passos para levantar a economia. Não queremos uma situação em que alguns países fazem esforço extraordinário e outros não".

Ainda assim esta é a situação em que estamos. Não acredito que mesmo os esforços econômicos dos Estados Unidos são adequados, mas são muito maiores que os que outros países ricos estão dispostos a fazer. E, por direito, essa cúpula do G-20 é a ocasião para que o sr. Obama cobre de líderes europeus, em particular, que usem todo seu peso.

Mas nos dias de hoje os líderes estrangeiros não estão dispostos a aceitar lições de autoridades americanas, mesmo quando -- como é o caso -- elas estão certas.

A crise financeira teve muitos custos. E um destes custos é o dano à reputação dos Estados Unidos, um bem que perdemos justamente quando nós e o mundo mais precisamos dele.

*A tradução para o português de ambos os textos foi publicada no Vi o Mundo


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