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quinta-feira, 6 de agosto de 2009

HONDURAS: a economia de um golpe

Reproduzido de Agência Carta Maior

Internacional 03/08/2009

Os interesses econômicos que sustentam o golpe em Honduras

Por Frida Modak*

Honduras tem muito petróleo, conforme mostraram as prospecções feitas por uma empresa norueguesa há um ano, a pedido do presidente Zelaya. O presidente deposto acionou judicialmente as empresas estadunidenses que vendiam petróleo caro a seu país e se juntou ao grupo Petrocaribe, criado pela Venezuela. O projeto de Zelaya para a nova Constituição previa que os recursos naturais de Honduras não poderiam ser entregues para outros países. O artigo é de Frida Modak, ex-secretária de imprensa do presidente Salvador Allende.

Completou-se um mês do golpe de Estado em Honduras e, como em toda a ditadura, se mantém o Estado de Sítio, as garantias individuais existem só no papel e os poderes Legislativo e Judiciário são um apêndice do regime de fato. Os hondurenhos, assim como a quase totalidade dos povos latinoamericanos, já viveram essa realidade antes e a rechaçam.

A comunidade internacional também rechaçou o golpe de 28 de junho e adotou acordos claros de condenação aos golpistas, demandando a restituição em seu cargo do presidente constitucional Manuel Zelaya. Mas as coisas já não são tão claras nem categóricas e os motivos são alheios aos interesses do povo hondurenho e dos latinoamericanos em geral. Da mesma maneira, as justificações dadas pelos golpistas não são verdadeiras porque o golpe serve aos interesses do grupo de poder encabeçado pelo ex-vice-presidente dos EUA, Dick Cheney, cujos operadores há tempo pululam pela região e buscam infiltrar-se nos governos.

O grupo de Cheney, do qual são parte também os Bush, se interessa fundamentalmente no petróleo, por isso invadiram o Iraque e o Afeganistão, avançaram contra o Irã e tentam derrubar o presidente Hugo Chávez, fazem o mesmo com Evo Morales, atacam o presidente equatoriano Rafael Correa e desejam o petróleo cubano da zona do golfo do México.

Honduras tem muito petróleo, como disse Gerardo Yong no dia 19 de julho. As prospecções foram feitas por uma empresa norueguesa há um ano, convocada pelo presidente Zelaya que, como já foi informado, acionou judicialmente as empresas estadunidenses que vendiam petróleo caro a seu país e se juntou ao grupo Petrocaribe, criado pela Venezuela.


A empresa norueguesa que fez as prospecções e as financiou, entregou um relatório ao governo de Zelaya e ficou com uma cópia que pode negociar com empresas que estejam interessadas na informação sobre essas reservas. Para além disso, porém, e isso se sabia, se fosse aprovada a consulta destinada a determinar se deveria ser instalada a quarta urna nas eleições de novembro, na qual se votaria sim ou não à convocação de uma Assembléia Constituinte, o projeto de Zelaya na eventual nova Constituição era estabelecer que os recursos naturais do país não poderiam ser entregues para outros países.

Em conseqüência, o pretexto para o golpe de Estado foi a consulta sobre a quarta urna, mas o objetivo foi evitar que se pudesse ditar uma Constituição que impedisse apoderar-se do petróleo hondurenho. Nessa conspiração, estiveram Otto Reich e sua “fundação” Arcadia, e o embaixador estadunidense em Honduras, Hugo Llores, nomeado pelo governo de Bush e Cheney. Mas também participaram do complô os donos dos meios de comunicação, porque se estimava que a nova Constituição deveria promover uma distribuição igualitária do espectro radioelétrico, garantindo a participação dos grupos comunitários. Daí a desinformação que sai hoje de Tegucigalpa.

As mediações

Na reunião da Assembléia Geral da OEA, realizada em São Pedro Sula, Honduras, viu-se que a secretária de Estado dos EUA não gostou da intervenção do presidente Zelaya em defesa da revogação da expulsão de Cuba desse organismo. Dado o escasso conhecimento da sra. Clinton sobre a América Latina e estando ela rodeada de funcionários do “establhisment” e de outros mais perigosos, como John Negroponte, sua reação ao golpe hondurenho foi superficial, assim como foram vagos os comentários iniciais feitos pelo presidente Obama.

Quando toda a América Latina e o Caribe, a Assembléia Geral das Nações Unidas e a União Européia já tinham condenado categoricamente o golpe e pediam a restituição de Zelaya, os EUA modificaram seu discurso e o Departamento de Estado propôs a mediação do presidente da Costa Rica, Oscar Arias, em um contexto que pedia, na verdade, o cumprimento dos acordos das entidades internacionais. Arias, que não foi “o” pacificador da América Central, porque foram muitos, e que recebeu um prêmio Nobel da Paz destinado originalmente a Costa Rica por ser um país sem exército, aceitou a mediação e entregou uma proposta que foi rechaçada pelos golpistas porque defendia a restituição de Zelaya na presidência. Então, elaborou outra fórmula, que satisfaz melhor os interesses estadunidenses, na medida em que converte Zelaya em uma figura decorativa e antecipa as eleições de novembro, com o que se passa um borrão, zera-se a conta, e o golpe de Estado desaparece em um passe de mágica.

Esta segunda proposta tropeça no mesmo obstáculo; o regime de fato sequer aceitou a restituição de Zelaya no cargo de presidente e deu início a uma farsa mediante a qual “consultarão” os outros poderes. O Legislativo se reuniu e tratou de vários pontos da proposta, menos o relativo à restituição do presidente. O poder Judiciário tampouco aceitou esse ponto, sobretudo pelo fato de que o presidente da Corte Suprema já reconheceu que ele também poderia ocupar a presidência de acordo com a “Constituição”, justificando o golpe como “um caso de necessidade”.

Neste contexto, o secretário geral da OEA buscou outros mediadores: os ex-presidentes Ricardo Lagos, do Chile, e Julio Maria Sanguinetti, do Uruguai, aos quais se somaria o peruano Rafael Pérez de Cuellar, ex-secretário geral da ONU. Ao escrever estas linhas ainda não havia sido formulada a idéia, mas outra equipe mediadora implica dar mais tempo ao regime de fato e, com isso, pode-se terminar avalizando a trapaça para chegar às eleições de novembro ou antecipá-las, deixando o golpe de Estado no limbo.

Os golpistas

Como se tornou visível, os golpistas vivem em um passado muito passado. Quando se reuniram no Congresso para “substituir constitucionalmente” a Zelaya, a sessão parecia com a de uma confraria de séculos atrás, com todo um cerimonial que já não é empregado em parte alguma. Seus chanceleres dão uma idéia do segmento social que representam. Ortez, o primeiro deles, retratou a todos quando disse a respeito de Barack Obama: “esse negrinho não sabe onde fica Tegucigalpa”. Mudaram-no de lugar, mas quando foi falar do secretário geral da ONU, repetiu a dose: “esse chinesinho que não me recordo como se chama”.

Ortez já está em sua casa, mas por ser imprudente e não porque suas palavras não representem o pensamento da soberba oligarquia hondurenha que tomou o poder, entre os quais há muitos com aparência de “negrinhos” e “chinesinhos” que não se vêm a sim mesmo como tais, mas sim ao povo que desprezam. Portanto, o desafio que representa a reação popular ao golpe é intolerável.

O grupo golpista é liderado por Roberto Micheletti, um empresário do setor de transporte que fez fortuna. Nunca conseguiu que seu partido, o Liberal, o nomeasse candidato à presidência; perdeu em todas as oportunidades que tentou e tem a fama de homem bruto. Na Secretaria de Defesa dos Direitos da Mulher há três denúncias contra ele, sendo que nenhuma delas foi levada adiante pelo órgão.

Um dos incidentes ocorreu na reunião de seu partido que definiu o candidato presidencial do Partido Liberal para as eleições de novembro. Micheletti não só perdeu, como foi vaiado pelos assistentes. Como prêmio de consolação, deram a ele a presidência do Congresso e quando ia subir no palanque do encontro, uma jovem do grupo de protocolo, chamada Suyapa, pediu que ele esperasse um momento porque não tinham terminado de colocar as cadeiras. Irritado pelas vaias que havia levado, Micheletti desferiu um tapa na cara de Suyapa, causando-lhe um corte na boca.

Um mês de protesto popular

Desde o momento em que os hondurenhos se inteiraram do golpe de Estado, é preciso recordar que os meios de comunicação foram censurados, e os protestos têm sido permanentes. Os manifestantes estão na rua todos os dias e não estão dispostos a ceder. A imprensa dos EUA reconheceu isso e realizou pesquisas rápidas junto aos manifestantes. Eles responderam que Zelaya foi o primeiro presidente que havia se preocupado com eles e que com quem podiam falar sem termos sobre seus problemas e aspirações. O resultado dessas pesquisas foi publicado pelo Washington Post.

Em Honduras, que tem um pouco mais de 7 milhões de habitantes, a maioria é pobre, mas há cerca de 1,5 milhão que são absolutamente pobres. O governo de Zelaya começou a se ocupar dessa parcela da população através do programa Rede Solidária, coordenado pela esposa do mandatário. Para determinar o grau de pobreza, tiveram que fazer uma medição baseada em averiguar se comiam. E se a resposta fosse afirmativa, perguntar o quê e quantas vezes ao dia.

Também foi preciso estabelecer onde e como viviam, se era em casas, se essas casas tinham portas e janelas, se tinham algum serviço, porque não tinham trabalho nem endereço fixo. Cerca de 200 mil famílias já tinha sido incorporadas ao programa e, desde o início do golpe, não recebem ajuda alguma. Inclusive é possível que não alguns nem saibam o que ocorreu; outros saberão por causa da repressão.

No entanto, apesar do Estado de Sítio e do toque de recolher, aumenta a cada dia o número dos que chegam a El Ocotal, na Nicarágua, para somar-se ao acampamento daqueles que apóiam o presidente Zelaya, que se encontra ali, depois de ter ingressado em território hondurenho (e retornado). O presidente solicitou às Nações Unidas o status de refugiado e a ajuda correspondente a todos os que estão ali para acompanhá-lo, porque se regressarem a Honduras estão ameaçados com uma condenação a seis anos de prisão por “traição à pátria”, a qual, pelo visto, só pertence aos golpistas.

Ao longo desta semana, estão convocadas greves e muitas outras manifestações de protesto. A pergunta que fica é até que aponto podem seguir sendo ignoradas e reprimidas em defesa de interesses alheios e de um governo ilegítimo. Ainda mais quando essa manipulação aponta também para toda a América Latina e para as instituições criadas recentemente: Unasul, Mercosul, Alba, Petrocaribe, Banco do Sul, Grupo do Rio e alguma outra que me escapa agora, na medida em que priorizam os interesses da região.

*Frida Modak é jornalista, foi secretária de imprensa do presidente Salvador Allende, no Chile.

Tradução: Katarina Peixoto

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