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sábado, 19 de abril de 2014

Onde registrávamos o conhecimento da humanidade antes da era digital?

Onde e como está registrado o conhecimento da humanidade?  Hoje podemos falar em zilhões de terabytes, em servidores superpotentes que buscam comprimir cada vez mais o conhecimento humano em nuvens virtuais.

Mas as histórias contadas neste novo lançamento da MBooks volta um pouco atrás e vale a leitura. O livro é bem escrito, bem ilustrado e com um tema que desperta o interesse das crianças e adolescentes.

A temática da história da escrita no papel e da revolução que ela possibilitou para a humanidade nesse novo suporte, antes da era digital.
 4 PEQUENAS HISTÓRIAS QUE JUNTAS MUDARAM O MUNDO

Livro conta a trajetória da escrita do papel e da gravura em uma narrativa surpreendente
“O conhecimento da história enriquece a criança em seu aprendizado e fortalece o adulto em suas ações. Todos se beneficiam igualmente do conhecimento, pois é ele que proporciona o progresso da civilização e dos indivíduos que a compõe”.
Fabio Mestriner e a editora M Books lançam o livro 4 pequenas histórias que mudaram o mundo, uma surpreendente narrativa que  conta a trajetória da escrita do papel e da gravura e seu importante papel na evolução da humanidade.
Afinal, a maioria das pessoas que recebem uma formação educacional conhece a história da escrita e das letras. Muitas conhecem também a história do papel, material tão presente na vida atual e onde são impressos os livros que possibilitam conhecimento, estudo e cultura.
Já a história da gravura, é conhecida apenas e principalmente por aqueles que trabalham com alguma forma de impressão. Estes sabem que a gravura é a mãe das artes gráficas e de todas as formas de impressão dela derivadas.
O que quase ninguém conhece e a história de como a escrita, surgida na Mesopotâmia em 3300 antes de Cristo, o papel que surgiu na China no ano 105 e a gravura, criada no século VII pelos monges budistas, se espalharam pelo mundo, indo se fundir na prensa de Gutemberg na cidadezinha de Mainz na Alemanha no ano de 1455.
 Para escrever o livro Fabio estudou e pesquisou exaustivamente a jornada da escrita, do papel e da gravura, partindo da Mesopotâmia e da China imperial em anos remotos, cruzando caminhos difíceis e perigosos onde não faltaram batalhas, personagens heroicos e acontecimentos extraordinários. 
Para Fabio, está é uma saga que merece ser conhecida, pois quando estas histórias se fundiram na prensa de Gutemberg deram início a uma grande revolução. 
Segundo o Professor,"estas são realmente as “4 pequenas Histórias que juntas mudaram o mundo” pois quando a escrita, o papel e a gravura se fundiram na prensa de Gutemberg, criaram a plataforma e a ponte por onde passou a maior parte do conhecimento da humanidade".

Ficha técnica
4 pequenas histórias que mudaram o mundo
Editora: M Books
Autor: Fabio Mestriner
Páginas:144
Formato:21 x 27cm
Preço sugerido: 68,00
Lançamento: novembro de 2013
ISBN:978857680228-0
Venda on-line e mais informações:www.mbooks.com.br/
http://www.4historia.com.br
Site: http://www.mbooks.com.br/
Facebook: https://www.facebook.com/mbookseditora

Sobre o autor: Fabio Mestriner
Um dos mais renomados profissionais de design do país, Fabio Mestriner é professor Coordenador do Núcleo de Estudos da Embalagem da ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing e professor do MBA de Marketing da Fundace USP.
Com 39 anos de experiência profissional, Mestriner é responsável por alguns cases icônicos do design de embalagem brasileiro. Entre eles está o formato curvilíneo da lata do Leite Moça, que chegou a ser patenteado pela Nestlé devido ao sucesso que causou.
Foi também curador setorial de embalagem na 1º Bienal de Design, Presidente da ABRE Associação Brasileira de Embalagem e representante do Brasil no Board da WPO World PackagingOrganization entre 2002 e 2006. Como designer de embalagem, conquistou vários prêmios internacionais.
Como autor publicou importantes livros sobre design de embalagem como Design de Embalagem – Curso Básico, Design de Embalagem – Curso Avançado e Gestão Estratégica de Embalagem.
SEGUNDA GUERRA MUNDIAL VITÓRIA NO PACÍFICO

Lançamento para os professores.

O livro é  indicado ao ensino médio ou para o público não especialista que tem interesse no tema da Segunda Guerra Mundial.
Ele aborda aspectos dessa temática que não costuma ser muito detalhado nos livros didáticos.


Do Ataque a Pearl Harbor à Vitória em Okinawa 



O lançamento da M.books deste mês conta como a tentativa de conquista japonesa foi frustrada e como os Aliados lutaram por toda a Birmânia, ilha por ilha, rumo à vitória final no Oriente.
Em 7 de dezembro de 1941, a marinha japonesa atacou Pearl Harbor. Simultaneamente, o exército japonês lançou ataques maciços na Malásia, Hong Kong e nas Filipinas.
A esfera de influência dos japoneses se espalhou num ritmo fenomenal. À medida que as nações da Ásia caíam uma a uma e as tropas britânicas e americanas na região eram rapidamente subjugadas, parecia que o sonho do império japonês estava para se tornar realidade.
Da luta selvagem pelas ilhas do Pacífico à reconquista da Birmânia, contra todas as chances, pelo “esquecido” 14º Exército, Vitória no Pacífico conta toda a história de como a guerra contra os japoneses no Extremo Oriente foi finalmente vencida.
SOBRE A AUTORA: Karen Farrington - é escritora e ex-jornalista do Fleet Street, que se especializou no estudo de conflitos ao longo do século XX.
Ela marcou o 50º aniversário do final da Segunda Guerra Mundial com a publicação de Eyewitness to World War II, compilado de várias entrevistas com veteranos ao redor do mundo, sendo que muitos deles contribuíram para a Vitória no Pacífico.
Onde adquirir:
M. Books do Brasil Editora Ltda.
 Atendimento ao Cliente: 11 3645-0409 / 0410 - Fax: 11 3832-0335 Emails:
marketing@mbooks.com.br/
divulgação@mbooks.com.br
mkt@mbooks.com.br
Site da editora: http://www.mbooks.com.br
Twitter: @mbooks_
Facebook: facebook/mbookseditora

sexta-feira, 21 de março de 2014

Da necessidade de manter a cabeça fria

Por Luiz Carlos Azenha, Viomundo

27/05/2011

Temos tido uma temporada de intensos debates entre os comentaristas, neste e em outros espaços digitais. Evidencia de que temos muitas opiniões e que, quase sempre, elas são divergentes. Em defesa da cabeça fria, ainda que discordemos, ofereço a vocês um interessante texto, traduzido do capítulo 9 do livro Africa, A Biography of the Continent, de John Reader, o melhor livro generalista que já li sobre a África. Divirtam-se:

Cool Systems

A forma humana é sólida e suficientemente substancial para projetar uma longa sombra por toda a face da Terra, mas as pessoas — como a superfície do próprio planeta — são mais de 70% líquidas. A água é o maior componente estrutural do corpo humano; os ‘encanamentos’ constituem a maior porção da carcaça humana: no total, as veias sanguíneas e os sistemas urinário e linfático de um único ser humano são suficientemente longos para dar a volta ao mundo — duas vezes. O conteúdo de água de um humano saudável de 65 quilos é de 50 litros — o suficiente para encher 150 latinhas de Coca Cola. Tanta água, mas não mais que o essencial para o transporte de nutrientes e a eliminação dos detritos.

A pessoa média, em condições de temperatura médias, precisa consumir e excretar cerca de dois litros e meio de líquido por dia (uma taxa de substituição de cerca de 5% do conteúdo total de água), e seja qual for o consumo o conteúdo total de água no corpo permanece consistente, se desviando menos de 1% da norma. A pele e os pulmões são responsáveis por uma proporção da perda de água, mas o conteúdo total é mantido em um nível consistente primariamente pelos rins — a urina se torna mais diluída quando o consumo de água é alto, e mais concentrada quando o consumo é baixo. Mas há limites. Uma descarga diária de urina de cerca de meio litro é essencial, já que menos que isso não será suficiente para descartar todos os produtos potencialmente tóxicos do corpo.
Na verdade, manter o conteúdo de água do corpo em níveis adequados é tão crítico que desvios relativamente pequenos da norma podem se tornar extremamente perigosos. Um perda absoluta de perto de 5% do conteúdo total de água afetará muitas funções, inclusive a capacidade do cérebro de processar informação; a morte quase certamente resultará de uma perda de mais de 5%. Para a pessoa média, em condições de temperatura médias, 5% do conteúdo total de água equivale ao consumo líquido médio de um dia: 2,5 litros, o equivalente a 7,5 latas de Coca. As pessoas podem viver semanas sem comer, mas sem beber morreriam em alguns dias.
Em condições tropicais, os requisitos de água são maiores, já que os humanos precisam suar para manter a temperatura. Aqui naturalmente é a manutenção da temperatura do corpo que é crítica — tão crítica quanto a manutenção do conteúdo de água no corpo. O corpo humano mantém uma temperatura básica de 37 graus centígrados, e enquanto a maior parte dos tecidos do corpo é relativamente tolerante de pequenas variações da norma, o sistema nervoso central é particularmente sensível ao aumento da temperatura. O funcionamento normal do cérebro se torna progressivamente prejudicado por elevações da temperatura acima dos 37 graus e mesmo uma temperatura de 40,5 graus centígrados pode ser fatal.
O simples fato de estar vivo queima energia e, assim, gera calor. Uma pessoa descansando, lendo este livro por exemplo, equivale a um motor ou uma lâmpada de cerca de 75 watts. Quando a temperatura ambiente está abaixo da temperatura básica do corpo, o calor produzido pelo motor humano é perdido no ambiente, mas mecanismos adicionais de resfriamento são necessários em ambientes com temperaturas mais altas que as do corpo. Nós coramos e suamos. A evaporação tira o calor do sangue bombado através das veias capilares da superfície da pele, o sangue resfriado corre de volta para o centro do corpo, e uma temperatura estável de 37 graus centígrados é mantida.
A eficiência do sistema de resfriamento do corpo humano (sem mencionar sua necessidade) foi demonstrada a mais de 200 anos pelo Dr. Charles Blagden, então secretário da Sociedade Real. Acompanhado por um grupo de amigos e um pedaço de carne, Blagden passou 45 minutos em um quarto que tinha sido aquecido a uma temperatura de 126 graus centígrados. Blagden e os amigos emergiram suados do quarto, mas fora disso não foram afetados. A carne saiu de lá cozida. Os dados não registram quanto líquido aqueles senhores beberam antes que o conteúdo de água de seus corpos fosse restaurado aos níveis normais, mas as quantidades devem ter sido consideráveis. Estudos modernos de campo anotaram taxas de suor de até 4 litros por hora entre pessoas que passaram pequenos períodos de tempo em temperaturas extremas. Um homem jovem e em forma caminhando 5 quilômetros em temperaturas de cerca de 40 graus perde 1,5 litro de suor por hora, e vários estudos demonstraram uma perda de água de 8 litros por dia, em média, para jovens que tenham atividade moderada em desertos.
Num clima quente e seco a evaporação de um litro de suor pode na teoria dissipar 2.500 kJ de calor (o que é energia suficiente para tocar um refrigerador padrão por três horas e meia), deixando clara a eficácia do suor como mecanismo de resfriamento. Mas o custo também fica aparente. Toda gota precisa ser reposta. O fracasso em repor as perdas de água em um ciclo de 24 horas produz desidratação séria e incapacitação; a morte é inevitável caso um segundo dia de grande carga de calor for experimentado.
Nas savanas abertas da África Oriental, onde as condições se aproximam daquelas experimentadas pelo ancestral humano 200 mil anos atrás, um estudo do fisiologista Pete Wheeler marcou temperaturas do ar próximas do solo regularmente excedendo 35 graus centígrados para sete das doze horas do dia. Elas atingiram 30 graus pouco depois das 9 da manhã e subiram a um pico de 45 graus à uma da tarde. O período mais quente do dia foi das 11 da manhã às 4 da tarde. Mesmo no cair do sol, às seis da tarde, as temperaturas do ar excediam os 30 graus.
Manter o frescor em tais regimes de temperatura pede pródigas quantidades de suor. Uma pessoa pesando 65 quilos suaria (e precisaria repor) pelo menos 7 litros por dia, se ativa sob tais condições. Os ancestrais humanos, 200 mil anos atrás, devem ter pesado menos e provavelmente estavam melhor adaptados às condições da savana, tanto em termos físicos quanto de comportamento. Eles provavelmente requeriam menos água. Ainda assim, precisariam beber água todos os dias e apenas este fato imporia limites estritos na distância que poderiam se distanciar de fontes conhecidas de água. Assim sendo, acesso regular à água deve ter sido uma determinante primária da evolução e do comportamento humanos; mais fundamentalmente que acesso à comida.
Os humanos não foram, naturalmente, os únicos mamíferos a confrontar os problemas do stress do calor nas savanas da África Oriental durante sua história de evolução. Animais de pasto passam os dias expostos ao impacto total do sol tropical. Em algumas espécies de antílope, a temperatura básica do corpo chega aos 45 graus centígrados durante as horas mais quentes do dia.  Eles sobrevivem apenas porque desenvolveram formas elaboradas de manter o cérebro resfriado, ao mesmo tempo em que os corpos se tornam muito quentes.
Os focinhos longos são chave para a estratégia de sobrevivência dos mamíferos da savana. Nos focinhos compridos, o calor se perde na evaporação da água a partir da superfície úmida das cavidades nasais. Essa evaporação remove calor do sangue que flui sob as membranas nasais, e o sangue resfriado segue para perto da base do crânio, numa seção expandida da veia jugular, chamada seio nasal. O sangue relativamente resfriado do seio nasal retira algum calor diretamente do cérebro; mais importante, também age como resfriador do sangue que abastece o cérebro. O cérebro é abastecido pelas artérias carótidas, que passam pelo seio nasal, onde elas se abrem numa rede de veias finas. Quando o sangue arterial passa através dessa rede, o calor excessivo é transferido para o sangue venoso resfriado do seio nasal, e o cérebro recebe sangue na temperatura certa.
Com um “radiador” no nariz e um “resfriador” no crânio, a maioria dos mamíferos consegue manter os cérebros resfriados mesmo quando os tecidos do corpo estão muito quentes. Quando o rosto se alargou e a mandíbula encolheu no curso da evolução dos primatas (como consequência de mudanças na dieta), o focinho da espécie encolheu a ponto de não funcionar mais como radiador. Os humanos nem mesmo resfolegam quando sentem calor. Além disso, os primatas (incluindo os humanos) não dispõem de um “resfriador” de sangue equivalente ao dos antílopes. Esses fatores entregam nossa ancestralidade em ambiente de floresta, frio e sombreado, onde nossos primos mais próximos ainda são encontrados. Os chimpanzés, por exemplo, são muito mal equipados para o superaquecimento. Mesmo na sombra, sem receber sol direto, temperaturas ambientais de mais de 40 graus causam stress considerável nos chimpanzés. Eles suam e respiram pesadamente quando as temperaturas sobem, mas sem efeito. Somente o frescor das noites traz alívio.
Se os ancestrais imediatos dos hominídeos tiveram semelhança com os modernos chimpanzés, enfrentaram considerável pressão para manter a temperatura [do cérebro] quando se aventuraram das florestas em direção às planícies abertas da África tropical. As planícies ofereciam um espectro mais amplo de oportunidades — tubérculos, sementes, nozes, carniça — mas essas comidas usualmente estavam espalhadas, não distribuídas uniformemente; os forrageadores bem sucedidos precisavam buscar num espaço amplo durante o dia e precisavam se manter ativos mesmo quando o sol estava a pino. Este foi o nicho ecológico que os hominídeos ancestrais exploraram.
Obviamente que não fizeram isso da noite para o dia; as adaptações que mantiveram os corpos hidratados e os cérebros resfriados em condições quentes e secas evoluiram com o tempo, e nossa própria fisiologia é testamento vivo de nosso sucesso. Os humanos são extremamente bem adaptados à atividade energética durante o dia em ambientes quentes e secos. Nós temos o sistema mais eficaz de resfriamento do corpo de todos os mamíferos.
As evidências fósseis conclusivamente demonstram que os ancestrais da linhagem do hominídeo existiram apenas na África; assim sendo, nosso sistema de resfriamento foi uma resposta de adaptação ao stress ambiental da África tropical. E assim o fato fisiológico moderno está indisputavelmente ligado às evidências fósseis antigas. A significância dessa conjunção foi explorada por Pete Wheeler em pesquisa para uma tese de doutorado.
Wheeler investigou os aspectos fisiológicos da evolução humana de um ponto-de-vista funcional, avaliando as capacidades básicas e os requerimentos essenciais dos ancestrais dos hominídeos, numa tentativa de definir as pressões seletivas e as adaptações que moldaram as características ancestrais na forma humana moderna. A pesquisa dele levou a uma série de publicações que demonstraram que a termorregulação está na base de todas as coisas humanas.
Ele começou com avaliações dos atributos fisiológicos básicos — mesmo quando óbvios — da forma humana. Por exemplo, já que os passos de um bípede são pouco vantajosos em termos de locomoção eficaz, será que a postura ereta é funcionalmente vantajosa em termos de carga de calor e resfriamento do corpo? Claramente, um animal que anda ereto expõe menos da superfície do corpo aos raios do sol que um animal que anda sobre quatro patas, mas que diferença isso faz?
Wheeler fez modelos de hominídeos que poderiam ser colocados em modo bípede ou quadrúpede e mediu a área da superfície do corpo que ficaria exposta diretamente à radiação solar ao longo de um dia na África tropical. Os resultados demonstraram que enquanto o quadrúpede teria cerca de 20% da superfície do corpo exposta ao sol durante todo o dia, o bípede começava com 20% mas isso declinava rapidamente, acompanhando o ‘movimento’ do sol. Ao meio-dia, quando o sol está diretamente sobre a cabeça e a radiação é mais intensa, apenas 7% da superfície do corpo de um bípede fica exposta. Isso significa que pelo mero fato de ficar em pé, os hominídeos bípedes evitaram 60% da radiação solar direta aos quais ficariam expostos se fossem quadrúpedes.
Além disso, como a velocidade do vento sobe e as temperaturas caem com a distância do solo, a posição bípede expõe uma maior proporção do corpo a condições sob as quais fica mais fácil remover calor da pele. Wheeler mediu os efeitos resfriadores da elevação em relação ao solo e descobriu que um bípede parado em uma planície perde calor 33% mais rapidamente que um quadrúpede no mesmo lugar. E este benefício é turbinado pelo fato de que o ar mais próximo do solo é mais úmido, por causa da água liberada pela vegetação transpirante. Consequentemente, mesmo que o quadrúpede  sue tanto quando o bípede, o suor não evapora tão rapidamente e seu efeito resfriador, portanto, fica diminuído.
Então há o fator da pele descoberta dos humanos a ser considerado. Os pelos servem aos quadrúpedes da savana como um escudo, refletindo e diminuindo o calor antes que ele chegue à pele. Se os quadrúpedes tivessem perdido o pelo, a melanina os teria protegido da radiação UV-B, mas isso teria diminuído a reflexividade da pele, causando ganho maior de calor. Juntos, esses fatores evitaram a evolução de grandes superfícies peladas em quadrúpedes da savana, mas um bípede poderia dispensar a maior parte do escudo, retendo cabelo apenas na cabeça e nos ombros, mas tirando benefício do resfriamento causado pela transpiração mais farta no resto do corpo. As vantagens, em termos de termorregulação, são consideráveis.
Os humanos tem tantos pelos por centímetro quadrado quanto os chimpanzés, mas são cabelos mais curtos e finos. Essa nudez funcional, em conjunto com glândulas sudoríparas bem desenvolvidas, permite a nós perder calor na taxa pródiga de 700 watts por metro quadrado de pele, uma taxa da qual não se aproxima nenhum outro mamífero existente. Outras espécies da savana tem glândulas sudoríparas, mas a pelagem inibe a livre circulação de ar sobre a pele molhada e o suor evapora, em vez disso, da pelagem, dependendo do calor do ar para a vaporização.  Nas pessoas, quase toda a energia necessária para evaporar o suor vem do próprio corpo, tornando todo o processo mais eficiente.
Wheeler avaliou todos estes fatores e publicou resultados que convicentemente demonstraram que a posição ereta e a pele descoberta permitiram a um hominídeo bípede permanecer ativo sob temperaturas que levariam um primo quadrúpede à beira de um colapso. Mas o almoço nunca foi de graça; e o preço para esta habilidade única de buscar comida sob o sol tropical era uma fonte segura de água — algo que nem sempre se encontra nas savanas da África. Desidratação é um problema sério, com risco de incapacitação mesmo em níveis baixos, por isso deve ter havido sempre um ponto em que os efeitos debilitantes da perda de água pesavam mais que os benefícios de estender a procura por comida.
Os dados reunidos por Wheeler mostram que se o hominídeo ancestral (Lucy, por exemplo, que tinha 1,2 metro e pesava 30 quilos) pudesse tolerar desidratação de até 4% do total da massa corporal (que é próximo do limite de segurança para humanos modernos), poderia viajar apenas 11,5 quilômetros entre fontes de água para procurar comida durante um dia. Os hominídeos se tornaram maiores com o passar do tempo.  Hominídeos maiores precisam de mais água, mas as vantagens de uma relação menor entre superfície-volume significam que eles desidratam mais vagarosamente que indivíduos menores e podem viajar relativamente mais longe. Na verdade, como Wheeler demonstrou, dobrando a massa (daquela de Lucy) para os humanos modernos (70 quilos) mais que dobrou a distância para buscar comida, para 25 quilômetros entre as fontes de água,  multiplicando o potencial de encontrar comida por um fator de 4,73.
Embora a postura ereta e a pele nua tenham permitido aos hominídeos forragear nas savanas abertas e tropicais da África sob temperaturas mais altas e por distâncias mais longas que virtualmente qualquer outro mamífero, em termos de fisiologia básica eles eram apenas elementos funcionais de um sistema de resfriamento do corpo que protegia o cérebro do stress do calor. O sistema mantinha um extraordinário grau de estabilidade da temperatura do corpo. Evoluiu enquanto o cérebro humano era ainda relativamente pequeno, e assim coincidentemente estabeleceu as condições precisas para a característica humana mais definitiva: o grande cérebro cognitivo. Isso não é o mesmo que dizer que as estratégias de controle de temperatura causaram a evolução de um cérebro grande, meramente que removeram certas barreiras fisiológicas e, assim, tornaram o crescimento do cérebro possível.
As barreiras fisiológicas em questão, presentes em todos os outros mamíferos que evoluiram para viver na savana aberta da África, são o “radiador” e o “resfriador”; ou seja, o longo focinho e o sistema interno de resfriamento do sangue que abastece o cérebro, por exemplo, dos antílopes. Eles permitiram que os animais da savana resfriassem o sangue seletivamente, mantendo o cérebro resfriado mas o corpo quente. Mas o resfriamento seletivo tem os seus limites. A estratégia depende da quantidade de sangue que o sistema pode manter em temperatura adequada para abastecer o cérebro. Cérebros maiores dependem de um maior abastecimento de sangue resfriado e, assim, o sistema interno precisa ser maior. No entanto, como o sistema depende de bombear sangue através de uma rede de finos vasos sanguíneos, o tamanho máximo dele é determinado pela pressão e volume de sangue que precisa ser acomodado.
Os cálculos de Wheeler mostram que se a quantidade de sangue que abastece o moderno cérebro humano fosse resfriada por um sistema interno como o dos quadrúpedes da savana, o sistema de resfriamento teria, no homem, o mesmo diâmetro do pescoço. Claramente, o sistema de resfriamento do corpo apoiado na postura ereta e na pele descoberta foi uma estratégia muito mais adequada.
Mas enquanto as estratégias de termorregulação que evoluiram nos hominídeos removeram barreiras fisiológicas ao alargamento do cérebro, a evolução de um cérebro maior criou em si demandas físicas de magnitude considerável.
O cérebro é um ‘tecido caro’. O cérebro humano moderno é seis vezes maior que o de um mamífero de tamanho comparável e embora, na pessoa média, represente apenas 2% do peso, consome cerca de 16% do orçamento de energia. Por comparação, os músculos, onde a energia é obviamente gasta, consomem 15% do orçamento, apesar de constituirem 41,5% do peso do corpo humano.
Além disso, o cérebro usa energia nove vezes mais rapidamente que a média para o resto do corpo, e como não tem formas de estocar energia para uso futuro, precisa ser abastecido continuamente por altos níveis de combustível e oxigênio. A evolução de um sistema de resfriamento excepcionalmente eficaz facilitou a evolução do grande cérebro nos hominídeos, mas logo abastecer o cérebro se tornou tão importante quanto mantê-lo resfriado. Em termos fisiológicos, o consumo de comida teve de aumentar para acompanhar o crescimento do cérebro e, logo,  o estômago e o trato digestivo também, relativamente ao tamanho do corpo. Mas, na verdade, o tamanho da barriga humana é quase exatamente a metade do que se previa para acompanhar o cérebro maior, uma deficiência fisiológica que a evolução equilibrou com algumas características de comportamento.
Os hominídeos aprenderam a buscar comidas nutritivas que precisavam ser consumidas apenas em pequenas quantidades. Não eram para nós as grandes barrigas através das quais outros primatas processam grandes quantidades de folhas ou grama, com o consumo apenas ocasional de algo mais nutritivo. Nossa pequena barriga funciona exclusivamente com alimentos de alta qualidade, principalmente o rico núcleo reprodutivo de outros organismos — sementes, nozes, tubérculos e ovos — acrescidos de quantidades significativas de proteína na forma de carne.
Paradoxalmente, satisfazer as demandas dietéticas de um cérebro grande pediu um esforço cognitivo da parte do próprio cérebro. O sucesso dessa relação interativa é evidente; está sob todas as conquistas e comportamentos humanos: tecnologia, linguagem e cultura. As características fundamentais da humanidade evoluiram para manter o cérebro funcionando e o cérebro grande só surgiu quando adaptações aos ambientes quentes e secos retiraram as barreiras que limitaram o potencial de crescimento do cérebro em todos os outros mamíferos terrestres. “Provavelmente não é coincidência”, Wheeler concluiu, “que o mamífero com o cérebro e o comportamento social mais desenvolvidos é da espécie que possui o sistema de resfriamento mais elaborado”.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Para além do oficialismo e do esquerdismo no movimento anti-racista

Por Dennis Oliveira, Revista Fórum

20/05/2013

No sábado, dia 18 de maio, foi realizado na Universidade de São Paulo, o seminário “10 anos da Lei 10639/03 – Balanço e Perspectivas”. Participaram do evento cerca de 120 pessoas, a esmagadora maioria profissionais de educação. O seminário compôs-se de mesas redondas e ateliês de práticas pedagógicas nas áreas de literatura, artes, história, gestão de conflitos, entre outros.

Mas o que chamou a atenção nos debates de sábado foi a presença de uma questão de fundo que permeia os movimentos sociais no momento em que vivemos. Como se deve dar a relação entre movimentos sociais e governo, principalmente quando se trata de governos com um cunho mais progressista. Discussão semelhante ocorreu na sexta-feira, durante um outro seminário que participei como expositor sobre “movimentos sociais na contemporaneidade”, organizado pelo IEA (Instituto de Estudos Avançados) e a EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades) na USP campus zona Leste.

Na questão específica do movimento anti-racista, um autor citado na mesa redonda de sábado foi o sociólogo Clóvis Moura (autor de “Dialética radical do Brasil negro” e “Rebeliões da senzala”). Moura é, constantemente, desqualificado na academia e até por alguns dirigentes do movimento negro. Cobram dele uma “maior precisão nas informações e nos dados” (uma pessoa em uma banca de qualificação da qual participei na FFLCH-USP questionou, por exemplo, a ênfase dada por Moura para o Quilombo dos Palmares dizendo que se ele foi tão importante porque hoje não há “remanescentes como de outros quilombos”, esquecendo ou fingindo desconhecer que Palmares foi massacrado).

A qualificação de Moura não está, necessariamente, na precisão ou não das informações e dados. Isto é uma leitura superficial da obra dele. Quando Moura fala que a abolição que se faz em 13 de maio de 1888 tem um caráter inconcluso por não prever medidas de inclusão dos ex-escravizados e escravizadas no sistema social porque a luta “saiu dos quilombos e foi para a dimensão parlamentar” quis enfatizar os limites da ação institucional.

Outro pensador importante brasileiro, Jacob Gorender, defende que o escravismo colonial existente no Brasil era um modo de produção original, porque a utilização de mão de obra escravizada de africanos produzia valores que eram incorporados no sistema capitalista mercantil de então. Isto significa que há uma articulação na formação social capitalista nascente do modo de produção do escravismo colonial brasileiro.
Fazendo uma interpretação marxiana destas posições, tem-se que o Estado brasileiro foi formatado para possibilitar a vigência desta tipologia de acumulação de riquezas e de relações sociais de classe. As modulações do aparelho de Estado nos diversos momentos conjunturais não significam uma mudança estrutural na sua lógica, até porque se manteve o modo de produção local e sua articulação com a formação social capitalista global.

É exatamente este o raciocínio de Clóvis Moura quando identifica a opção de passagem do sistema escravista para o capitalista dependente (ver em “Sociologia do negro brasileiro” e “Dialética radical do Brasil negro”) como os limites estruturais de ação por dentro do aparelho institucional. Em outras palavras, a forma de abolição obtida em 13 de maio de 1888 foi o limite possibilitado pelo aparelho de Estado brasileiro voltado para a manutenção daquela ordem – patrimonialista, capitalista dependente e racista. E é também o aspecto que diferencia do projeto abolicionista dos movimentos abolicionistas radicais, como a Revolta dos Alfaiates, em que se desenhava uma outra perspectiva de sociedade e também de Estado.

Por isto, os eventuais espaços de participação nos aparelhos de Estado que tem crescido no Brasil nos últimos anos tem que ser observados dentro dos seus limites institucionais. O professor Juarez Tadeu de Paula Xavier, da Unesp, lembrou na sua fala no dia 18 de maio, da lógica do falecido pensador negro Milton Santos: os processo sociais tem a dimensão da fábula, da perversidade e da possibilidade. O que se percebe é que há uma ilusão com a fábula na perspectiva institucional de parcela da militância ou da repetição estéril da perversidade por parte de uma frustração esquerdista. Ambas, embora aparentemente opostas, se aproximam por partirem da ilusão das possibilidades da ação institucional (só se frusta quem um dia se iludiu). Ora, uma ação política pela transformação se situa na dimensão das possibilidades.
A contribuição epistêmica de Clóvis Moura é fundamental para se entender os limites e possibilidades de transformação com a aprovação de diversas leis importantes para o movimento anti-racista, como a Lei 10639/03. O diagnóstico da presença desta lei não é dos mais animadores. Problemas vários acontecem nas escolas e muitas vezes são identificados unica e exclusivamente como decorrentes de má formação ou incompreensão dos profissionais da educação. Esquece-se da natureza do Estado brasileiro – que vai além dos ocupantes pontuais dos cargos de governo, pois se espraia nas tradições e formatações institucionais consolidadas – já dito por vários pensadores: patrimonialista, excludente e racista.
Historiador critica projeto de lei que garante exclusividade para o exercício da profissão

Por: Francisco Marshall*, no Zero Hora

03/08/2013

'O teor do projeto em discussão vai produzir uma casta cartorial e tecnocrática para controlar a produção livre do conhecimento'
  Historiador critica projeto de lei que garante exclusividade para o exercício da profissão Marie-Lan Nguyen/Wikimedia Commons
Heródoto, o pai da História, em relevo esculpido por Jean-Guillaume Moitte em uma das paredes do Museu do Louvre. Foto: Marie-Lan Nguyen / Wikimedia Commons

Ora tramita em regime de urgência no Congresso Nacional o PL 4.699/2012, do senador Paulo Paim (PT), que trata da profissionalização do historiador. O projeto assegura aos historiadores diplomados prerrogativas exclusivas e interdições que atingirão a pesquisa e a difusão do conhecimento histórico. O privilégio pretendido encaminha conflitos com os historiadores temáticos, que tratam da História da Arte, das Ciências ou da Literatura, entre muitas especialidades de consistente tradição e relevância. Estes conflitos, decorrentes da luta corporativa por reserva de mercado, já motivaram protestos até da Academia Brasileira de Ciências e da SBPC, e abrem questões de interesse amplo e grave: há benefício social na regulamentação da profissão de historiador, e riscos reais em sua inexistência? Caso existam, estes riscos são tais que justifiquem os transtornos prometidos pelo exclusivismo? Deve a memória histórica ser atribuição exclusiva de certo segmento técnico? Com que vantagens e desvantagens? Qual a cientificidade da História, e quais os usos deste saber? Eis, portanto, ocasião para discutirmos a relação entre História, historiador e sociedade, e para pensarmos algo sobre trabalho, ciência e liberdade.

A questão central é sobre a natureza e a potência do conhecimento histórico. Há um método que se aprende apenas tirando diploma? A posse deste método assegura grau superior e exclusivo para o exame do passado? Esta exclusividade resulta em bem social? Pode o desenvolvimento da investigação histórica ser tolhido de toda a parcela da sociedade não diplomada, e confiada a uma guilda de fornecedores do conhecimento? 

 Os gregos inventaram a História e logo suas pretensões de cientificidade e de utilidade. Heródoto (484 a.C.? – 425 a.C.) usou o termo historíe (história) para designar as enquetes que fez junto aos povos que visitou, sobre mito, memória, fatos e costumes. Uma geração após, Tucídides (460 a.C.? – 395 a.C.) descreveu metodologia rigorosa para a obtenção do conhecimento sobre os eventos recentes e as causas da guerra; reagindo a Heródoto, Tucídides não adotou a palavra “história”, mas foi neste gênero de pesquisa e narrativa que se situou; o historiador quis legar à humanidade um “tesouro para sempre” (ktêma eis aei): o conhecimento das razões que levam à guerra e, logo, referências para que a prudência política evite este flagelo. A humanidade, porém, seguiu guerreando, pois, como anotou G.W.F. Hegel (1770 – 1831) no prefácio à Filosofia do Direito (1820), “a coruja de Minerva começa a voar apenas quando cai o crepúsculo”, e a História segue tão inútil quanto o voo tardio da coruja. Sofisticada, apurada, pretensiosa e inútil. 

 A escrita da História aprimorou-se na erudição de autores como Giambattista Vico (1668 – 1744) e Edward Gibbon (1737 – 1794), e no rigorismo cientificista do século 19. Leitor de Hegel, Karl Marx (1818 – 1883) quis converter a História em ciência prospectiva e identificou nas tensões das relações de produção a real causa da dialética; esta ciência até hoje ilumina a compreensão histórica, mas sua principal utilidade foi justificar dezenas de milhões de assassinatos, obra dos regimes totalitários socialistas que, nutridos por “ciência” histórica, aceitavam quaisquer meios pelo fim maior de redimir o proletariado rumo ao comunismo e, sobretudo, preservar o poder. Pouco antes, um tirano austríaco quase destruiu a Europa, nutrido por várias ciências, entre as quais a História, alma do nacionalismo suprematista. Quando a História vira autoridade, com o nome usurpado de ciência, a opinião torna-se verdade, cegueira e violência. Não pode um indivíduo, partido ou corporação deter o monopólio da verdade, da memória ou da narrativa histórica, sob risco de perder-se a liberdade e a ciência da complexidade do mundo. 

No século 20, com os aportes da Antropologia, da Arqueologia, das Ciências Econômicas, da Ciência Política, da Filosofia, da História da Arte, da Linguística, da Psicologia, da Semiótica, da Sociologia, e de outras disciplinas, a História transformou-se e por fim superou a pretensão de hegemonia de um certo tipo de explicação histórica, materialista. Hoje, o historiador tem ao seu dispor um bom repertório de teorias e vocabulários; não há o menor consenso metodológico, e é bom que assim seja. Talvez o núcleo metodológico da disciplina siga sendo aquele herdado de Tucídides e aperfeiçoado em 1898 por Langlois e Seignobos: a crítica documental rigorosa e a determinação das fontes e fatos, princípios compartilhados com o Jornalismo e outras ciências, pouco ensinados nos cursos de História atuais. A História é uma expressão das Ciências Humanas, em diálogo com áreas correlatas e aberta à sociedade, que deve ser capaz de historiar, como cada um de nós deve ter memória; a pretensão de monopólio é um insulto à sua natureza interdisciplinar, bem como ao convívio harmônico com as demais disciplinas e a sociedade. 

Chegamos, pois, ao ponto: a quem e para que serve a pretensão de monopólio corporativo que pauta esta regulamentação profissional? Além da finalidade medíocre e insustentável de garantir reserva de mercado, vai-se produzir outra casta cartorial, controlando um ofício livre e inofensivo, dando ilusão de poder a tecnocratas improdutivos, burocratizando o ofício, perturbando e ofendendo profissionais dignos, inibindo a evolução acadêmica, sem qualquer ganho social. A sociedade, caso conceda esta reserva de mercado, abrirá mão de parte importante da liberdade e fomentará litígios desnecessários nas ciências patrimoniais, hoje, aliás, muito mais complexas do que o imaginam os arautos do oficialismo historiográfico. A ABC e a SBPC, em carta de 10 de julho deste ano, em que pedem a imediata suspensão da tramitação do projeto de lei 4.699/2012, argumentam, corretamente, que “existem diversas áreas de pesquisa e ensino cujo nome inclui “História” e que, no Brasil e no exterior, são atividades que podem ser desenvolvidas por profissionais de outras áreas que não tenham diploma em História.” Isto inclui todas as histórias temáticas, que não são ensinadas nem como assunto nem como metodologia de pesquisa nos cursos de História no Brasil, e, especialmente, a área de História da Arte, em franco desenvolvimento e titular de tradição acadêmica própria e importante. A ANPUH (Associação Nacional de História), em documento dirigido à Sesu/MEC, postulou que as áreas de “História da Arte e História, Teoria e Crítica da Arte devam convergir para a denominação História – Bacharelado e História – Licenciatura”, mas estes assuntos, todavia, não compõem os currículos de ensino universitário de História no Brasil; eis indício preocupante dos fins a que pode se prestar esta regulamentação, provocando conflitos ilegítimos com outras áreas acadêmicas e com ameaças ao sentido de liberdade necessário à vida social e ao progresso da humanidade.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

História de Palmares ganha nova cronologia com análise de fontes originais


 Pesquisadora da Unicamp se debruça sobre documentos históricos que permaneciam inéditos desde o século XVII para entender as formas de dominação no período colonial

 História de Palmares ganha nova cronologia com análise de fontes originais

Por Frances Jones, Agência FAPESP 01/08/2013

Em 1678, o então rei dos Palmares firmou um acordo de paz com o governador de Pernambuco, a autoridade máxima sobre um território que englobava os atuais estados da Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte, além de Pernambucano.

A negociação durou alguns meses e envolveu intérpretes, envio de embaixadas, presentes e libertação de prisioneiros. De um lado, Ganazumba (ou Gangazumba), tio de Zumbi, séculos depois apontado como símbolo da resistência contra a escravidão; de outro, dom Pedro de Almeida, governador prestes a voltar para Portugal.

Até agora pouco estudado e comentado pela historiografia, o episódio vem ganhando contornos mais definidos sob a luz de documentos originais, boa parte deles inéditos. O material, manuscrito, inclui cartas, despachos de conselheiros do regente português, crônicas e até rascunhos encontrados em Portugal pela historiadora Silvia Hunold Lara, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em pesquisa realizada no âmbito do Projeto Temático“Trabalhadores no Brasil: identidades, direitos e política (séculos XVII a XX)”.

A documentação tem permitido que Lara e outros historiadores tracem uma nova cronologia sobre Palmares. “Em geral, a historiografia periodizou a história palmarina a partir das guerras feitas contra eles. Procuro me concentrar na formação dos mocambos [os assentamentos de fugitivos] e entender como eles se organizavam em termos políticos e militares”, disse Lara àAgência FAPESP.

“A década de 1670 é importante porque marca o reconhecimento por parte das autoridades portuguesas e coloniais desse sobado (estado africano) em Palmares.

Os termos do acordo negociado em 1678 constituem a maior evidência disso”, disse a historiadora.

Em seus estudos, Lara retoma teses de uma vertente da historiografia que dá ênfase às raízes africanas de Palmares, na qual se incluem os brasileiros Nina Rodrigues (1862-1906) e Edison Carneiro (1912-1972) e os norte-americanos Raymond Kent (1929-2008), Stuart B. Schwartz e John Thornton.

De acordo com Lara, um documento-chave para entender Palmares é uma crônica anônima, com data atribuída a 1678, escrita logo depois do acordo de paz selado entre Ganazumba e o governo de Pernambuco, quando d. Pedro de Almeida volta a Portugal e vai mostrar seus feitos às autoridades portuguesas.

“É uma crônica extensa, que faz uma história de Palmares, desde o seu início até 1678. Dá nome aos mocambos, descreve as relações entre os chefes militares e os chefes dos mocambos, conta as expedições feitas e equipara a uma conquista militar a vitória [parcial] obtida em 1677 por uma expedição que destrói os mocambos e está na origem do acordo de paz”, disse.

O grande ponto, segundo a professora titular do Departamento de História da Unicamp, é que essa crônica sempre havia sido lida pelos estudiosos a partir de uma publicação na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro de 1859 – feita quase 200 anos após ser redigida.

“As pessoas não viram o original, que estava perdido nos arquivos. Quando você olha o original, pode ver que houve transcrições incorretas”, disse Lara. Um bom exemplo é o dos nomes das lideranças palmarinas e dos principais mocambos ali descritos – com diferenças em relação aos consagrados pela historiografia.

“A maior parte de quem lidou com Palmares trabalhou com uma documentação impressa. E quem transcreveu e publicou fez uma seleção. Ao ir às fontes e aos arquivos, localizei uma quantidade muito grande de fontes ao redor desses documentos transcritos, muitas nunca publicadas”, disse.

Os achados estavam no Arquivo Histórico Ultramarino e no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, e na biblioteca pública da cidade de Évora, interior de Portugal.

Saindo da trilha dos Imbangala
Lara também parte de um trabalho publicado em 2007 por Thornton e pela historiadora Linda Heywood, da Boston University, nos Estados Unidos, sobre a história das guerras na África Central para estudar quem eram os africanos escravizados e trazidos para o Brasil que fugiram e acabaram se organizando em agrupamentos em vários pontos de uma extensa região nordestina ao norte do Rio São Francisco, caracterizada por matas de palmeiras.

“Hoje conseguimos saber com um pouco mais de precisão quem eram as pessoas trazidas para cá: muito provavelmente eram falantes de kimbundu, língua africana da região do então reino de Ndongo, que ocupava o que hoje é uma região de Angola”, disse.

Dos vários assentamentos de fugitivos – todos conhecidos nessa época como palmares –, um deles em especial se consolidou durante o período da ocupação holandesa (entre 1630 e 1654), formando uma rede de mocambos que se tornou conhecida depois como Palmares. Nove mocambos chegaram a abrigar no total cerca de 11 mil habitantes, de acordo com algumas fontes.

“Todo mundo diz quilombo dos palmares, mas a palavra ‘quilombo’ é empregada deslocadamente nesse contexto e é anacrônica para designar Palmares. A palavra empregada naquele período para designar ‘assentamentos de fugitivos’ é mocambo”, afirmou Lara.

Segundo a historiadora, “kilombo” é uma palavra africana que significa “acampamento de guerra”, usada pelos grupos nômades guerreiros Imbangala, da África Central. Historiadores como o norte-americano Stuart Schwartz, da Yale University, consideraram que a formação dos quilombos nas Américas estava relacionada a esses acampamentos guerreiros – daí a origem do termo.

“Mas acho que essa não é uma matriz da formação dos assentamentos dos fugitivos no Brasil. Os kilombos Imbangala tinham rituais específicos, com morte de crianças, serragem de dentes e canibalismo. Como eram nômades, não tinham uma ligação territorial nem as linhagens que davam a legitimidade do poder, diferentemente do que ocorreu nos mocambos do interior de Pernambuco, onde se formou um reino linhageiro”, disse Lara.

Os mocambos se organizavam segundo uma gramática política centro-africana, explicou a pesquisadora. Como nos sobados centro-africanos (os potentados locais da África), os chefes políticos dos mocambos do Nordeste mantinham relações de parentesco entre si e todos estavam subordinados a Ganazumba, conhecido como rei dos Palmares. “Esse sobado que se formou no interior de Pernambuco foi reconhecido pelas autoridades coloniais como um poder político independente, com o qual se podia negociar”, disse.

Mudança para Cucaú
A pesquisadora conta que a ideia de as autoridades coloniais fazerem acordos com fugitivos sempre existiu – e não apenas no Brasil. O de 1678, porém, foi o que mais progrediu. Boa parte dos habitantes dos mocambos de Palmares mudou-se para uma aldeia criada especialmente para recebê-los, Cucaú, e eles foram considerados livres.

A paz, no entanto, não durou mais do que dois anos. Uma parte dos mocambos, liderada por Zumbi, rejeitou o acordo e ficou em Palmares. Seguidores de Ganazumba, como seu irmão Ganazona, participaram de buscas para trazer os que haviam permanecido no mato. Ganazumba termina assassinado e Cucaú, destruída, provavelmente por tropas coloniais. As pessoas que moravam lá voltaram à condição de escravos.

“A história contada até hoje sobre Palmares é uma história militante e toda ela converge para o enaltecimento da figura de Zumbi como a grande liderança que jamais se curvou e resistiu à escravidão até ser morto em 1695; as pessoas reiteram e usaram a mesma documentação para dizer mais ou menos a mesma coisa”, ressaltou Lara. “Essa história passa muito rápido pelo acordo de paz. Tão rápido que os termos do acordo nunca foram publicados nas coletâneas de documentos feitas sobre Palmares.”

Interessada em discutir as formas de dominação nesse período e o modo como africanos e indígenas lidaram com o domínio colonial, Lara recupera de todas as formas o acordo. “A história de Palmares, da maneira como a estamos estudando, ajuda a entender como a dominação colonial foi enfrentada e modificada pela ação dos índios e dos africanos na África e no Brasil.”

Com o auxílio do Projeto Temático FAPESP, Lara e sua equipe montaram uma base de dados sobre Palmares, organizada de forma a ser disponibilizada para consulta pública on-line. Cerca de 2 mil documentos foram digitalizados e aos poucos estão sendo transcritos. “Espero que, dentro de dois anos, tudo esteja aberto para o público”, disse.

Diversos bolsistas também produziram trabalhos relacionados à produção da base de dados. Um deles foi a monografia de graduação "Guerras contra Palmares: um estudo das expedições realizadas entre 1654 e 1695", de Laura Peraza Mendes, que ganhou prêmio de melhor monografia de graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp em 2011.

Mendes defenderá sua dissertação de mestrado, que contou com Bolsa FAPESP ( Expedições contra os mocambos de Palmares e os dilemas do governo colonial de Pernambuco, 1654-1695), em agosto de 2013.

Lara agora trabalha para transformar em livro a tese  “Palmares; Cucaú: o aprendizado da dominação”, com a qual se tornou professora titular.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Política indigenista no Brasil

Dia do Índio
Ricardo Barros Sayeg, texto enviado pelo autor por mail
19/04/2011

Estima-se que na época da descoberta do Brasil pelos portugueses, existiam cerca de cinco milhões de índios no território nacional, divididos em mil povos diferentes. Hoje em dia, são apenas 227 povos e sua população está em torno de 400 mil. As razões do extermínio dos povos nativos são muitas e estão ligadas às doenças trazidas pelos colonizadores, ao uso de armas a fim de conquistar seus territórios, à dominação cultural, entre tantas outras formas de dominação.
No século XIX, com os avanços da biologia, em especial da epidemiologia, foi comum o homem branco utilizar-se de doenças como ferramenta de conquista de território. Um caso clássico se deu no Maranhão, na vila de Caxias. De acordo com o antropólogo Mércio Pereira Gomes, em 1816 fazendeiros da região, com o objetivo de apossarem-se de mais terras, resolveram “presentear” os índios locais com roupas de pessoas infectadas com a varíola (geralmente essas peças eram queimadas para se evitar a transmissão da doença). Os indígenas levaram essas roupas para suas aldeias e muitos acabaram morrendo, deixando muitas áreas livres para que os fazendeiros pudessem criar gado. Casos semelhantes ocorreram na região Amazônica e em toda América do Sul.

A fim de se redimir do extermínio causado aos povos nativos, o Brasil nomeou o Dia do Índio, comemorado em 19 de abril. A data foi instituída pelo presidente Getúlio Vargas por meio do Decreto-Lei 5540 de 1943 e celebra a mesma data em que, em 1940, várias lideranças indígenas do continente organizaram o Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, realizado no México. Muitos representantes das nações indígenas não participaram do Congresso temendo não serem ouvidas pelos homens brancos. Durante esse encontro foi criado o Instituto Indigenista Interamericano. O organismo, também com sede no México, tem como objetivo principal defender os interesses dos povos nativos da América em todo o continente.

O Brasil só aderiu à nova instituição devido à intervenção do Marechal Rondon. O militar foi um ardoroso defensor dos povos indígenas. Ele nasceu na cidade de Mimoso, no interior do estado do Mato Grosso. Seu pai era descendente de portugueses e sua mãe, de índios Bororós. Inicialmente foi professor e, em 1881, matriculou-se na Escola Militar do Rio de Janeiro. Foi indicado componente da Comissão Construtora das Linhas Telegráficas, explorando os sertões do Mato Grosso, no ano de 1892. Sua tese era: “matar nunca, morrer se necessário”. Foi ele o criador da primeira instituição de cuidados com os índios: o Serviço de Proteção ao Índio. Em 1967, foi então criada a FUNAI - Fundação Nacional do Índio. Esse organismo, vinculado ao Ministério da Justiça, tem como objetivo principal promover políticas de desenvolvimento sustentável das populações indígenas, aliar a sustentabilidade econômica à sócio-ambiental e implementar medidas de vigilância, fiscalização e de prevenção de conflitos em terras indígenas.

Nesse 19 de abril devemos refletir, e muito, sobre o futuro dos povos indígenas no Brasil e no mundo. Afinal, temos muito a aprender com eles e devemos respeitá-los em sua cultura e suas características.

*Ricardo Barros Sayeg é Professor de História do Colégio Paulista, Mestre em Educação pela Universidade de são Paulo, formado em História e Pedagogia pela mesma universidade.

dia do índio: quem é mesmo o selvagem?

Dia do Índio. Qual sociedade é composta por selvagens?

Por Leonardo Sakamoto, em seu Blog

19/04/2011

Criança branca pintada de índio em escola de classe média alta é hype. Criança índia desterrada esmolando no semáforo é kitsch. Índio só é fofo se vem embalado para consumo.

Hoje, 19 de abril, é Dia do Índio. Data boa para lembrar qual sociedade é, de fato, composta por selvagens. Vamos celebrar:

Dia do Índio se tornar escravo em fazenda de cana no Mato Grosso do Sul

Dia do Índio ser convencido que precisa dar sua cota de sacrifício pelo PAC e não questionar quando chega a nota de despejo em nome de hidrelétricas com estudo de impacto ambiental meia-boca

Dia do Índio armar um barraco de lona na beira da estrada porque foi expulso de sua terra por um grileiro

Dia do Índio ver seus filhos desnutridos passarem fome porque a área em que seu povo produziria alimentos foi entregue a um fazendeiro amigo do rei

Dia do Índio ser queimado em banco de ponto de ônibus porque foi confundido com um mendigo

Dia do Índio ser chamado de indolente

Dia do Índio ter ignorado o direito sobre seu território porque não produz para exportação

Dia do Índio ter negado o corpo de filhos assassinados em conflitos pela terra porque o Estado não faz seu trabalho

Dia do Índio se tornar exposição no Zoológico da maior cidade do país como se fosse bichinho

Dia do Índio ser retratado como praga em outdoor no Sul da Bahia por atravancar o progresso

Dia do Índio tomar porrada na Bolívia, no Paraguai, na Colômbia, no Peru, no Equador, no Chile, na Argentina, na Venezuela porque é índio

Dia do Índio ser motivo de medo de atriz de TV, que acha que um direito de propriedade fraudulento está acima de qualquer coisa

Dia do Índio entender que a invasão de nossas fronteiras é iminente e, por isso, ele precisa deixar suas terras para dar lugar a fazendas

Dia do Índio sofrer preconceito por seus olhos amendoados, sua pele morena, sua cultura, suas crenças e tradições

Enfim, Dia do Índio se lembrar quem manda e quem obedece e parar com esses protestos idiotas que pipocam aqui e ali. Ou será que nós, os homens de bem, vamos precisar de outros 511 anos para catequisar e amansar esse povo?

domingo, 30 de janeiro de 2011

O QUE ACONTECE NO EGITO? MELHOR NÃO PERGUNTAR PARA A VEJA.

Por Francisco Bicudo, do blog do Chico
30/01/2011

Pode ser que eu seja o problema, muito chato, crica ou exigente. Mas as revistas semanais de informação brasileiras parecem definitivamente ter perdido pé da realidade e revelam-se cada vez mais distantes e desinteressadas de acontecimentos importantíssimos e que estão ajudando a recontar a história contemporânea. Neste final de semana, quem aguardava análises e relatos de fôlego sobre Tunísia, Egito e afins deu com os burros n'água.


Enquanto as ditaduras árabes no norte da África e no Oriente Médio são tensionadas, chacoalhadas e algumas até derrubadas por gigantescas manifestações de rua e revoltas populares, sabem qual a capa da Veja que está nas bancas? Uma instigante e imperdível "matéria" sobre a "renovação do bom-mocismo", estrelando os globais Angélica e Luciano Huck (segundo a revista, formam "um casal celebridade perfeito para um mundo politicamente correto"). Durma-se com um barulho desses.

Outras duas não ficam muito atrás. Na Época, destaque para "O guia essencial dos imóveis"... Isto É abriu espaço principal para "O novo astro da fé", contando a trajetória de um ex-lavrador que agora comanda a igreja evangélica que mais cresce no país. Apenas Carta Capital, honrando os bons critérios jornalísticos e sintonizada com o interesse público, trouxe na capa "A convulsão árabe".

Esse descaso ajuda a explicar ao menos em parte o nosso profundo desconhecimento a respeito do que se passa em uma região estratégica e mais do que relevante do planeta. Estamos considerando não apenas sua dimensão histórica (berço das grandes civilizações antigas), mas também interesses e disputas políticas atuais (apoio dos Estados Unidos às ditaduras como forma de combater o que norte-americanos chamam de "eixo do mal", Irã e Hamas incluídos na lista, além do intuito de estabelecer um cinturão de proteção a Israel), variáveis econômicas (comércio, petróleo e área de passagem entre ocidente e oriente) e religiosas (presenças representativas das três grandes crenças monoteístas, com óbvio destaque para o islamismo). Mais recentemente, é preciso registrar ainda a cobiça pela água, bem raro e portanto valiosíssimo na região, que deve inclusive ser protagonista, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), de boa parte dos conflitos e guerras que darão o tom da segunda metade do século XXI.

Apenas essas razões - e, reconheço, o alcance da análise é limitado - já seriam suficientes para exigir uma cobertura midiática mais próxima, atenta e periódica da região. Mas como não é assim que acontece (o espelho do próspero colonizado lança olhares respeitosíssimos e de reverência ao norte desenvolvido, mas se recusa a focar o sul pobre, não raro abandonado e ignorado), somos invariavelmente pegos de surpresa. Estamos agora nos perguntando: o que está acontecendo no Egito?

É honesto admitir também que não sou especialista no assunto - muito longe disso, minha postura é muito mais de um curioso jornalista, professor e cidadão do mundo - e que não tenho assim a pretensão de pautar o debate ou de formular ou construir análises originais. Nada disso. O que procuro fazer neste post é muito mais sistematizar uma espécie de guia de leituras, a partir das pesquisas que fiz, trazendo à tona a contribuição de alguns textos e autores que, estes sim, me foram muito úteis e podem oferecer respostas bem mais precisas e profundas à questão acima colocada.

Jovens, desemprego, corrupção e liberdades
Tomo a liberdade de recomendar que esse percurso comece com a reportagem de capa de Carta Capital (versão impressa, nas bancas, não disponível na internet). O jornalista Antonio Luiz Costa desenvolve uma espécie de viagem panorâmica mais aberta sobre o tema, analisando as diferentes manifestações de inquietações sociais nos países árabes (Tunísia, Argélia, negociatas da Autoridade Palestina com o governo de Israel) até pousar a lente de análise no Egito. Escreve ele que "afirma-se que o exército egípcio é mais poderoso que o da Tunísia e está ao lado do regime, mas mais poderosos e leais eram, supostamente, os do xá do Irã e da União Soviética. Diz-se também que há menos participação da classe média nos protestos, mas se isso for verdade, pode significar apenas que a reviravolta, se vier, será mais drástica e violenta".

Em texto publicado no blog Viomundo, Luiz Carlos Azenha ressalta que os principais agentes mobilizadores das manifestações no Egito são os jovens desempregados, que não conseguem sequer se aproximar dos padrões de consumo que lhes são apresentados diariamente, pelas emissoras de televisão a cabo e via satélite. Para ele, "democracia nos países árabes resultaria em governos menos submissos aos Estados Unidos, mais 'antenados com as ruas' e, portanto, muito mais agressivos em defesa dos direitos e dos interesses dos palestinos".

Para além do desemprego, jovens lutam também por liberdades e contra uma ditadura corrupta e sanguinária, encastelada no poder há 30 anos (Hosni Mubarak foi "eleito" presidente pela primeira vez em 1981). O jornalista britânico Robert Fisk, profundo conhecedor da realidade do mundo árabe, destaca em artigo originalmente publicado pelo The Independent e reproduzido pelo Viomundo que "a sujeira das ruas e das favelas, os esgotos a céu aberto e a corrupção de todos os funcionários do Estado, as prisões sobrecarregadas, as eleições risíveis, o vasto, esclerosado edifício do poder, tudo isso, afinal, arrastou os egípcios para as ruas das cidades". Fisk afirma que o levante no Egito ainda não representa uma revolta islâmica, embora não descarte essa possibilidade. O jornalista, aliás, manifesta preocupação justamente com o vácuo de poder que pode surgir com uma eventual queda de Mubarak, já que a oposição organizada no Egito foi destroçada. "Onde estão as vozes de liderança?", pergunta.


A hipocrisia dos EUA e o silêncio da mídia
Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), nos brinda com dois textos riquíssimos. No primeiro, mais precisamente uma entrevista publicada pelo portal Terra, o especialista lembra que por enquanto as manifestações concentram-se nas grandes cidades e que o medo de Estados Unidos e Israel é justamente que se espalhem como rastilho de pólvora por todo o país, a exemplo da Revolução Iraniana de 1979. Para Nasser, ainda falta apoio internacional aos jovens egípcios que tomam conta das ruas. Ele critica duramente o papel hipócrita desempenhados pelos Estados Unidos, duros nas críticas dirigidas ao Irã, mas condescendentes com as violações de direitos cometidas pelo regime tirano de Mubarak. "O Egito é a grande peça do tabuleiro de xadrez do Oriente Médio, uma garantia contra os movimentos chamados radicais".

No segundo texto, artigo publicado pela Agência Carta Maior, o professor da PUC/SP resgata indicadores demográficos e socioeconômicos do país. Atualmente, 80 milhões de pessoas vivem no Egito. Dois terços são jovens com menos de 30 anos - e 90% deles estão desempregados. 40% da população vive com menos de dois dólares por dia. E o país ocupa a trágica 101ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU. "As mobilizações populares na Tunísia, no Egito, no Iêmen e em outros lugares são um alerta para o chamado mundo desenvolvido e seria um grande avanço para a democracia se esta região que permanece imersa na violência, em fraudes eleitorais e miséria crescente da população recebesse o devido apoio internacional nesse momento", reforça.

Diferenças importantes entre os levantes na Tunísia e no Egito são apontadas pelo articulista Gilles Lapouge, no jornal O Estado de São Paulo. Segundo ele, a primeira nação pretendia-se moderna, laica e tolerante; por lá, a educação é notável, com jovens muito cultos. "Na Tunísia, são os jovens universitários que estão na origem dos tumultos. No Egito, quase não se veem estudantes. Estão lá, mas na espera". Mesmo reconhecendo afastamentos, no entanto, Lapouge admite as semelhanças entre os dois processos históricos. "Tanto no Cairo quanto na Tunísia, as ações são conduzidas por jovens e o fundamentalismo islâmico se mantém discreto".

O jornalista Raphael Tsavkko Garcia pondera, em texto postado no blog dele, que um governo, ainda que uma ditadura, só consegue mesmo se sustentar enquanto o povo o considera legítimo. "Somente a legitimidade popular garante a sobrevivência de um regime. Chega um momento em que a pressão da população, a desobediência civil e o descontrole causado pelo não funcionamento das estruturas mais básicas do Estado acabam por destruir as bases desse mesmo Estado".

Com duras críticas ao silêncio da nossa mídia, que acaba por transformar o Egito quase em um ilustre desconhecido para todos nós, o também jornalista e blogueiro Eduardo Guimarães avalia, em seu Blog da Cidadania, que "os choques entre população egípcia e as forças de repressão da ditadura estão sendo de um grande didatismo para a humanidade, ao deixarem claras as hipocrisias americana e midiática, que mantêm regimes contrários aos EUA sob fogo cerrado, enquanto silenciam sobre os regimes simpáticos à potência decadente do Norte, por mais criminosos que sejam". Pelas razões acima apontadas por Nasser, a mão que bate no Irã é a mesma que acaricia o Egito...

Redes sociais
Termino o post sugerindo algumas reflexões e saudáveis provocações sobre o papel que as redes sociais estão desempenhando nas revoltas que se alastram pelo mundo árabe. Não são poucos os que afirmam que "as revoluções estão sendo tuitadas". (aliás, sobre o tema, sugiro a leitura de artigo escrito por Malcolm Gladweel e recentemente publicado pelo caderno Ilustríssima da Folha de São Paulo).

Reconheço a enorme importância e o caráter libertário dos blogues, do twitter, do facebook e de outras tantas ferramentas e a contribuição de todas para o desenrolar dos acontecimentos. Mas penso que é preciso relativizar o protagonismo a elas atribuído. Há uma certa sensação de "salvadores da pátria" no ar, quando, penso, a rede aparece fundamentalmente em dois momentos que, sim, são cruciais e estão diretamente conectados: comunicação (saber o que está acontecendo) e mobilização (capacidade de juntar as pessoas).

Mas, se o povo não estivesse nas ruas, o que afinal poderia ser tuitado? Será que se os manifestantes apenas permanecessem acomodados diante das telas de seus computadores e celulares, disparando fotos e mensagens, o governo da Tunísia teria de fato caído? Mubarak, todo-poderoso, estaria seriamente ameaçado?

Revolução ainda se faz na rua. Foi assim na França de 1789, na Rússia de 1917. Está sendo assim na Tunísia e no Egito de 2011. Ditadores têm mesmo é medo do povo gritando, enfrentando os tanques e as forças de repressão e chacoalhando os portões e as grades dos palácios. Tiranos tremem quando o povo assume sua condição de protagonista da História, ocupando espaços públicos. É nesse momento - quando o "extraordinário se torna cotidiano", como bem definiu Ernesto Che Guevara - que as revoluções acontecem. E, insisto, o extraordinário se concretiza nas ruas.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Conheça a história da participação feminina no processo eleitoral brasileiro

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Descrição do vídeo em destaque:

Da década de 30 para cá, quando a mulher exerceu pela primeira vez o voto diante das urnas, a participação feminina na vida política do país vem ganhando espaço paulatinamente. Celina Guimarães Viana, a primeira eleitora, deu o passo inicial para alavancar de vez a democracia brasileira: atualmente há cinco milhões a mais de eleitoras, se comparado ao número do eleitorado masculino. Passados 80 anos, desde a participação feminina nas urnas, o Brasil elege a primeira mulher a ocupar o cargo de Presidente da República. Acompanhe na reportagem de Sônia Campos a evolução das mulheres no processo eleitoral brasileiro.
Informações sobre o vídeo:

Categoria : Reportagens ( 553 vídeos )
Data: 16 de dezembro de 2010
Duração: 03:02 min
Tamanho: 8.6 MB
Produzido por: TSE