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quarta-feira, 10 de março de 2010

Parecer sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF/186, apresentada ao Supremo Tribunal Federal

Luiz Felipe de Alencastro

Cientista Político e Historiador

Professor titular da cátedra de História do Brasil da Universidade de Paris IV Sorbonne


No presente ano de 2010, os brasileiros afro-descendentes, os cidadãos que se auto-definem como pretos e pardos no recenseamento nacional, passam a formar a maioria da população do país. A partir de agora -, na conceituação consolidada em décadas de pesquisas e de análises metodológicas do IBGE -, mais da metade dos brasileiros são negros.

Esta mudança vai muito além da demografia. Ela traz ensinamentos sobre o nosso passado, sobre quem somos e de onde viemos, e traz também desafios para o nosso futuro.

Minha fala tentará juntar os dois aspectos do problema, partindo de um resumo histórico para chegar à atualidade e ao julgamento que nos ocupa. Os ensinamentos sobre nosso passado, referem-se à densa presença da população negra na formação do povo brasileiro. Todos nós sabemos que esta presença originou-se e desenvolveu-se na violência. Contudo, a extensão e o impacto do escravismo não tem sido suficientemente sublinhada. A petição inicial de ADPF apresentada pelo DEM a esta Corte fala genéricamente sobre “o racismo e a opção pela escravidão negra » (pp. 37-40), sem considerar a especificidade do escravismo em nosso país.

Na realidade, nenhum país americano praticou a escravidão em tão larga escala como o Brasil. Do total de cerca de 11 milhões de africanos deportados e chegados vivos nas Américas, 44% (perto de 5 milhões) vieram para o território brasileiro num período de três séculos (1550-1856). O outro grande país escravista do continente, os Estados Unidos, praticou o tráfico negreiro por pouco mais de um século (entre 1675 e 1808) e recebeu uma proporção muito menor -, perto de 560.000 africanos -, ou seja, 5,5% do total do tráfico transatlantico.[1] No final das contas, o Brasil se apresenta como o agregado político americano que captou o maior número de africanos e que manteve durante mais tempo a escravidão.

Durante estes três séculos, vieram para este lado do Atlântico milhões de africanos que, em meio à miséria e ao sofrimento, tiveram coragem e esperança para constituir as famílias e as culturas formadoras de uma parte essencial do povo brasileiro. Arrancados para sempre de suas famílias, de sua aldeia, de seu continente, eles foram deportados por negreiros luso-brasileiros e, em seguida, por traficantes genuinamente brasileiros que os trouxeram acorrentados em navios arvorando o auriverde pendão de nossa terra, como narram estrofes menos lembradas do poema de Castro Alves.

No século XIX, o Império do Brasil aparece ainda como a única nação independente que praticava o tráfico negreiro em larga escala. Alvo da pressão diplomática e naval britânica, o comércio oceânico de africanos passou a ser proscrito por uma rede de tratados internacionais que a Inglaterra teceu no Atlântico. [2]

O tratado anglo-português de 1818 vetava o tráfico no norte do equador. Na sequência do tratado anglo-brasileiro de 1826, a lei de 7 de novembro de 1831, proibiu a totalidade do comércio atlântico de africanos no Brasil.

Entretanto, 50.000 africanos oriundos do norte do Equador são ilegalmente desembarcados entre 1818 e 1831, e 710.000 indivíduos, vindos de todas as partes da África, são trazidos entre 1831 e 1856, num circuito de tráfico clandestino. Ora, da mesma forma que o tratado de 1818, a lei de 1831 assegurava plena liberdade aos africanos introduzidos no país após a proibição. Em conseqüência, os alegados proprietários desses indivíduos livres eram considerados sequestradores, incorrendo nas sanções do artigo 179 do «Código Criminal», de 1830, que punia o ato de reduzir à escravidão a pessoa livre que se achar em posse de sua liberdade ». A lei de 7 de novembro 1831 impunha aos infratores uma pena pecuniária e o reembôlso das despesas com o reenvio do africano sequestrado para qualquer porto da África. Tais penalidades são reiteradas no artigo 4° da Lei de 4 de setembro de 1850, a lei Eusébio de Queirós que acabou definitivamente com o tráfico negreiro.

Porém, na década de 1850, o governo imperial anistiou, na prática, os senhores culpados do crime de seqüestro, mas deixou livre curso ao crime correlato, a escravização de pessoas livres.[3] De golpe, os 760.000 africanos desembarcados até 1856 -, e a totalidade de seus descendentes -, continuaram sendo mantidos ilegalmente na escravidão até 1888[4]. Para que não estourassem rebeliões de escravos e de gente ilegalmente escravizada, para que a ilegalidade da posse de cada senhor, de cada seqüestrador, não se transformasse em insegurança coletiva dos proprietários, de seus sócios e credores -, abalando todo o país -, era preciso que vigorasse um conluio geral, um pacto implícito em favor da violação da lei. Um pacto fundado nos interesses coletivos da sociedade, como sentenciou, em 1854, o ministro da Justiça, Nabuco de Araújo, pai de Joaquim Nabuco.

O tema subjaz aos debates da época. O próprio Joaquim Nabuco -, que está sendo homenageado neste ano do centenário de sua morte -, escrevia com todas as letras em O Abolicionismo (1883): Durante cinqüenta anos a grande maioria da propriedade escrava foi possuída ilegalmente. Nada seria mais difícil aos senhores, tomados coletivamente, do que justificar perante um tribunal escrupuloso a legalidade daquela propriedade, tomada também em massa[5].

Tal tribunal escrupuloso jamais instaurou-se nas cortes judiciárias, nem tampouco na historiografia do país. Tirante as ações impetradas por um certo número de advogados e magistrados abolicionistas, o assunto permaneceu encoberto na época e foi praticamente ignorado pelas gerações seguintes.

Resta que este crime coletivo guarda um significado dramático: ao arrepio da lei, a maioria dos africanos cativados no Brasil a partir de 1818 -, e todos os seus descendentes -, foram mantidos na escravidão até 1888. Ou seja, boa parte das duas últimas gerações de indivíduos escravizados no Brasil não era escrava. Moralmente ilegítima, a escravidão do Império era ainda -, primeiro e sobretudo -, ilegal. Como escreví, tenho para mim que este pacto dos sequestadores constitui o pecado original da sociedade e da ordem jurídica brasileira.[6]

Firmava-se duradouramente o princípio da impunidade e do casuísmo da lei que marca nossa história e permanece como um desafio constante aos tribunais e a esta Suprema Corte. Consequentemente, não são só os negros brasileiros que pagam o preço da herança escravista.

Outra deformidade gerada pelos males que a escravidão criou, para retomar uma expressão de Joaquim Nabuco, refere-se à violência policial.

Para expor o assunto, volto ao século XIX, abordando um ponto da história do direito penal que os ministros desta Corte conhecem bem e que peço a permissão para relembrar.

Depois da Independência, no Brasil, como no sul dos Estados Unidos, o escravismo passou a ser consubstancial ao State building, à organização das instituições nacionais. Houve, assim, uma modernização do escravismo para adequá-lo ao direito positivo e às novas normas ocidentais que regulavam a propriedade privada e as liberdades públicas. Entre as múltiplas contradições engendradas por esta situação, uma relevava do Código Penal: como punir o escravo delinqüente sem encarcerá-lo, sem privar o senhor do usufruto do trabalho do cativo que cumpria pena prisão?

Para solucionar o problema, o quadro legal foi definido em dois tempos. Primeiro, a Constituição de 1824 garantiu, em seu artigo 179, a extinção das punições físicas constantes nas aplicações penais portuguesas. “Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis”; a Constituição também prescrevia: “as cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza de seus crimes”.

Conforme os princípios do Iluminismo, ficavam assim preservadas as liberdades e a dignidade dos homens livres.

Num segundo tempo, o Código Criminal de 1830 tratou especificamente da prisão dos escravos, os quais representavam uma forte proporção de habitantes do Império. No seu artigo 60, o Código reatualiza a pena de tortura. “Se o réu for escravo e incorrer em pena que não seja a capital ou de galés, será condenado na de açoites, e depois de os sofrer, será entregue a seu senhor, que se obrigará a trazê-lo com um ferro pelo tempo e maneira que o juiz designar, o número de açoites será fixado na sentença e o escravo não poderá levar por dia mais de 50”. Com o açoite, com a tortura, podia-se punir sem encarcerar: estava resolvido o dilema.

Longe de restringir-se ao campo, a escravidão também se arraigava nas cidades. Em 1850, o Rio de Janeiro contava 110.000 escravos entre seus 266.000 habitantes, reunindo a maior concentração urbana de escravos da época moderna. Neste quadro social, a questão da segurança pública e da criminalidade assumia um viés específico.[7] De maneira mais eficaz que a prisão, o terror, a ameça do açoite em público, servia para intimidar os escravos.

Oficializada até o final do Império, esta prática punitiva estendeu-se às camadas desfavorecidas, aos negros em particular e aos pobres em geral. Junto com a privatização da justiça efetuada no campo pelos fazendeiros, tais procedimentos travaram o advento de uma política de segurança pública fundada nos princípios da liberdade individual e dos direitos humanos.

Enfim, uma terceira deformidade gerada pelo escravismo afeta diretamente o estatuto da cidadania.

É sabido que nas eleições censitárias de dois graus ocorrendo no Império, até a Lei Saraiva, de 1881, os analfabetos, incluindo negros e mulatos alforriados, podiam ser votantes, isto é, eleitores de primeiro grau, que elegiam eleitores de 2° grau (cerca de 20.000 homens em 1870), os quais podiam eleger e ser eleitos parlamentares. Depois de 1881, foram suprimidos os dois graus de eleitores e em 1882, o voto dos analfabetos foi vetado. Decidida no contexto pré-abolicionista, a proibição buscava criar um ferrolho que barrasse o acesso do corpo eleitoral à maioria dos libertos. Gerou-se um estatuto de infracidadania que perdurou até 1985, quando foi autorizado o voto do analfabeto. O conjunto dos analfabetos brasileiros, brancos e negros, foi atingido.[8] Mas a exclusão política foi mais impactante na população negra, onde o analfabetismo registrava, e continua registrando, taxas proporcionalmente bem mais altas do que entre os brancos.[9]

Pelos motivos apontados acima, os ensinamentos do passado ajudam a situar o atual julgamento sobre cotas universitárias na perspectiva da construção da nação e do sistema politico de nosso país. Nascidas no século XIX, a partir da impunidade garantida aos proprietários de indivíduos ilegalmente escravizados, da violência e das torturas infligidas aos escravos e da infracidadania reservada ao libertos, as arbitrariedades engendradas pelo escravismo submergiram o país inteiro.

Por isso, agindo em sentido inverso, a redução das discriminações que ainda pesam sobre os afrobrasileiros -, hoje majoritários no seio da população -, consolidará nossa democracia.

Portanto, não se trata aqui de uma simples lógica indenizatória, destinada a quitar dívidas da história e a garantir direitos usurpados de uma comunidade específica, como foi o caso, em boa medida, nos memoráveis julgamentos desta Corte sobre a demarcação das terras indígenas. No presente julgamento, trata-se, sobretudo, de inscrever a discussão sobre a política afirmativa no aperfeiçoamento da democracia, no vir a ser da nação. Tais são os desafios que as cotas raciais universitárias colocam ao nosso presente e ao nosso futuro.

Atacando as cotas universitárias, a ADPF do DEM, traz no seu ponto 3 o seguinte título « o perigo da importação de modelos : os exemplos de Ruanda e dos Estados Estados Unidos da América » (pps. 41-43). Trata-se de uma comparação absurda no primeiro caso e inepta no segundo.

Qual o paralelo entre o Brasil e Ruanda, que alcançou a independência apenas em 1962 e viu-se envolvido, desde 1990, numa conflagração generalizada que os especialistas denominam a « primeira guerra mundial africana », implicando também o Burundi, Uganda, Angola, o Congo Kinsasha e o Zimbabuê, e que culminou, em 1994, com o genocídio de quase 1 milhão de tutsis e milhares de hutus ruandenses ?

Na comparação com os Estados Unidos, a alegação é inepta por duas razões. Primeiro, os Estados Unidos são a mais antiga democracia do mundo e servem de exemplo a instituições que consolidaram o sistema político no Brasil. Nosso federalismo, nosso STF -, vosso STF – são calcados no modelo americano. Não há nada de “perigoso” na importação de práticas americanas que possam reforçar nossa democracia. A segunda razão da inépcia reside no fato de que o movimento negro e a defesa dos direitos dos ex-escravos e afrodescendentes tem, como ficou dito acima, raízes profundas na história nacional. Desde o século XIX, magistrados e advogados brancos e negros tem tido um papel fundamental nesta reinvidicações.

Assim, ao contrário do que se tem dito e escrito, a discussão relançada nos anos 1970-1980 sobre as desigualdades raciais é muito mais o resultado da atualização das estatísticas sociais brasileiras, num contexto de lutas democráticas contra a ditadura, do que uma propalada « americanização » do debate sobre a discriminação racial em nosso país. Aliás, foram estas mesmas circunstâncias que suscitaram, na mesma época, os questionamentos sobre a distribuição da renda no quadro do alegado « milagre econômico ». Havia, até a realização da primeira PNAD incluindo o critério cor, em 1976, um grande desconhecimento sobre a evolução demográfica e social dos afrodescendentes.

De fato, no Censo de 1950, as estatísticas sobre cor eram limitadas, no Censo de 1960, elas ficaram inutilizadas e no Censo de 1970 elas eram inexistentes. Este longo período de eclipse estatística facilitou a difusão da ideologia da “democracia racial brasileira”, que apregoava de inexistência de discriminação racial no país. Todavia, as PNADs de 1976, 1984, 1987, 1995, 1999 e os Censos de 1980, 1991 e 2000, incluíram o critério cor. Constatou-se, então, que no decurso de três décadas, a desigualdade racial permanecia no quadro de uma sociedade mais urbanizada, mais educada e com muito maior renda do que em 1940 e 1950. Ou seja, ficava provado que a desigualdade racial tinha um carácter estrutural que não se reduzia com progresso econômico e social do país. Daí o adensamento das reinvidicações da comunidade negra, apoiadas por vários partidos políticos e por boa parte dos movimentos sociais.

Nesta perspectiva, cabe lembrar que a democracia, a prática democrática, consiste num processo dinâmico, reformado e completado ao longo das décadas pelos legisladores brasileiros, em resposta às aspirações da sociedade e às iniciativas de países pioneiros. Foi somente em 1932 -, ainda assim com as conhecidas restrições suprimidas em 1946 -, que o voto feminino instaurou-se no Brasil. Na época, os setores tradicionalistas alegaram que a capacitação política das mulheres iria dividir as famílias e perturbar a tranquilidade de nação. Pouco a pouco, normas consensuais que impediam a plena cidadania e a realização profissional das mulheres foram sendo reduzidas, segundo o preceito -, aplicável também na questão racial -, de que se deve tratar de maneira desigual o problema gerado por uma situação desigual.

Para além do caso da política de cotas da UNB, o que está em pauta neste julgamento são, a meu ver, duas questões essenciais.

A primeira é a seguinte : malgrado a inexistência de um quadro legal discriminatório a população afrobrasileira é discriminada nos dias de hoje?

A resposta está retratada nas creches, nas ruas, nas escolas, nas universidades, nas cadeias, nos laudos dos IML de todo o Brasil. Não me cabe aqui entrar na análise de estatísticas raciais, sociais e econômicas que serão abordadas por diversos especialistas no âmbito desta Audiência Pública. Observo, entretanto, que a ADPF apresentada pelo DEM, na parte intitulada « A manipulação dos indicadores sociais envolvendo a raça » (pp. 54-59), alinha algumas cifras e cita como única fonte analítica, o livro do jornalista Ali Kamel, o qual, como é sabido, não é versado no estudo das estatísticas do IBGE, do IPEA, da ONU e das incontáveis pesquisas e teses brasileiras e estrangeiras que demonstram, maciçamente, a existência de discriminação racial no Brasil.

Dai decorre a segunda pergunta que pode ser formulada em dois tempos. O sistema de promoção social posto em prática desde o final da escravidão poderá eliminar as desigualdades que cercam os afrobrasileiros? A expansão do sistema de bolsas e de cotas pelo critério social provocará uma redução destas desigualdades ?

Os dados das PNAD organizados pelo IPEA mostram, ao contrário, que as disparidades se mantém ao longo da última década. Mais ainda, a entrada no ensino superior exacerba a desigualdade racial no Brasil.

Dessa forma, no ensino fundamental (de 7 a 14 anos), a diferença entre brancos e negros começou a diminuir a partir de 1999 e em 2008 a taxa de frequência entre os dois grupos é praticamente a mesma, em torno de 95% e 94% respectivamente. No ensino médio (de 15 a 17 anos) há uma diferença quase constante desde entre 1992 e 2008. Neste último ano, foram registrados 61,0% de alunos brancos e 42,0% de alunos negros desta mesma faixa etária. Porém, no ensino superior a diferença entre os dois grupos se escancara. Em 2008, nas faixas etárias de brancos maiores de 18 anos de idade, havia 20,5% de estudantes universitários e nas faixas etárias de negros maiores de 18 anos, só 7,7% de estudantes universitários.[10] Patenteia-se que o acesso ao ensino superior constitui um gargalo incontornável para a ascensão social dos negros brasileiros.

Por todas estas razões, reafirmo minha adesão ao sistema de cotas raciais aplicado pela Universidade de Brasília.

Penso que seria uma simplificação apresentar a discussão sobre as cotas raciais como um corte entre a esquerda e a direita, o governo e a oposição ou o PT e o PSDB. Como no caso do plebiscito de 1993, sobre o presidencialismo e o parlamentarismo, a clivagem atravessa as linhas partidárias e ideológicas. Aliàs, as primeiras medidas de política afirmativa relativas à população negra foram tomadas, como é conhecido, pelo governo Fernando Henrique Cardoso.

Como deixei claro, utilizei vários estudos do IPEA para embasar meus argumentos. Ora, tanto o presidente do IPEA no segundo governo Fernando Henrique Cardoso, o professor Roberto Borges Martins, como o presidente do IPEA no segundo governo Lula, o professor Márcio Porchman -, colegas por quem tenho respeito e admiração -, coordenaram vários estudos sobre a discriminação racial no Brasil nos dias de hoje e são ambos favoráveis às políticas afirmativas e às políticas de cotas raciais.

A existência de alianças transversais deve nos conduzir -, mesmo num ano de eleições -, a um debate menos ideologizado, onde os argumentos de uns e de outros possam ser analisados a fim de contribuir para a superação da desigualdade racial que pesa sobre os negros e a democracia brasileira.



[1].Ver o Database da Universidade de Harvard acessível no sítio http://www.slavevoyages.org/tast/index.faces

[2]. Demonstrando um grande desconhecimento da história pátria e supercialidade em sua argumentação, a petição do DEM afirma na página 35: “Por que não direcionamos a Portugal e à Inglaterra a indenização a ser devida aos afrodescendentes, já que foram os portugueses e os ingleses quem organizaram o tráfico de escravos e a escravidão no Brasil?”. Como é amplamente conhecido, os ingleses não tiveram participação no escravismo brasileiro, visto que o tráfico negreiro constituía-se como um monopólio português, com ativa participação brasileira no século XIX. Bem ao contrário, por razões que não cabe desenvolver neste texto, a Inglaterra teve um papel decisivo na extinção do tráfico negreiro para o Brasil

[3]. A. Perdigão Malheiro, A Escravidão no Brasil – Ensaio Histórico, Jurídico, Social (1867), Vozes, Petrópolis, R.J., 1976, 2 vols. , v. 1, pp. 201-222. Numa mensagem confidencial ao presidente da província de São Paulo, em 1854, Nabuco de Araújo, ministro da Justiça, invoca “os interesses coletivos da sociedade”, para não aplicar a lei de 1831, prevendo a liberdade dos africanos introduzidos após esta data, Joaquim Nabuco, Um Estadista do Império (1897-1899), Topbooks, Rio de Janeiro, 1997, 2 vols., v. 1, p. 229, n. 6

[4] . Beatriz G. Mamigonian, comunicação no seminário do Centre d’Études du Brésil et de l’Atlantique Sud, Université de Paris IV Sorbonne, 21/11/2006; D.Eltis, Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade, Oxford University Press, Oxford, U.K. 1989, appendix A, pp. 234-244.

[5] . Joaquim Nabuco, O Abolicionismo (1883), ed. Vozes, Petrópolis, R.J., 1977, pp 115-120, 189. Quinze anos depois, confirmando a importância primordial do tráfico de africanos -, e da na reprodução desterritorializada da produção escravista -, Nabuco afirma que foi mais fácil abolir a escravidão em 1888, do que fazer cumprir a lei de 1831, id., Um Estadista do Império (1897-1899), Rio de Janeiro, Topbooks,1997, 2 vols., v. 1, p. 228.

[6] . L.F. de Alencastro, “A desmemória e o recalque do crime na política brasileira”, in Adauto Novaes, O Esquecimento da Política, Agir Editora, Rio de Janeiro, 2007, pp. 321-334.

[7] . Luiz Felipe de Alencastro, “Proletários e Escravos: imigrantes portugueses e cativos africanos no Rio de Janeiro 1850-1870”, in Novos Estudos Cebrap, n. 21, 1988, pp. 30-56;

[8] . Elza Berquó e L.F. de Alencastro, “A Emergência do Voto Negro”, Novos Estudos Cebrap, São Paulo, nº33, 1992, pp.77-88.

[9] . O censo de 1980 mostrava que o índice de indivíduos maiores de cinco anos "sem instrução ou com menos de 1 ano de instrução" era de 47,3% entre os pretos, 47,6% entre os pardos e 25,1% entre os brancos. A desproporção reduziu-se em seguida, mas não tem se modificado nos últimos 20 anos. Segundo as PNADs, em 1992, verificava-se que na população maior de 15 anos, os brancos analfabetos representavam 4,0 % e os negros 6,1 %, em 2008 as taxas eram, respectivamente de 6,5% e 8,3%. O aumento das taxas de analfabetos provém, em boa parte, do fato que a partir de 2004, as PNADs passa a incorporar a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas,Roraima, Pará e Amapá. Dados extraídos das tabelas do IPEA.

[10] . Dados fornecidos pelo pesquisador do IPEA, Mario Lisboa Theodoro, que também participa desta Audiência Pública.

Entrevista: Boaventura de Sousa Santos

Boaventura de Sousa Santos

Por: José Maria Cançado, Juarez Guimarães, Leonardo Avritzer e Patrus Ananias*

O professor Boaventura de Sousa Santos dispensa apresentações: doutor em sociologia do direito pela Universidade Yale, professor titular da Universidade de Coimbra, é hoje conhecido como um dos principais, senão o principal intelectual da língua portuguesa na área de ciência sociais. Entre seus diversos livros, dois deles, publicados recentemente no Brasil, merecem destaque: Pela Mão de Alice e A Crítica da Razão Indolente. Nascido em Portugal, Boaventura teve a sua trajetória intelectual intimamente ligada ao Brasil. Desde a pesquisa sobre pluralismo legal feita nas favelas do Rio de Janeiro nos anos 70 às suas constantes visitas a Porto Alegre para estudar o orçamento participativo, o país sempre esteve associado às preocupações do autor. Atualmente, o professor Boaventura está envolvido em uma pesquisa sobre a reinvenção da emancipação social. Para ele, existe no mundo atual uma enorme dissociação entre a experiência e a expectativa. Cada vez temos experiências mais avançadas nas áreas de democracia participativa, produção alternativa e multiculturalismo, entre outras. No entanto, nessa última modernidade, os indivíduos desistiram de associar experiência com expectativa de mudança social. A grande sensação, nesse período pós-muro de Berlim, é a do desperdício da experiência. Boaventura acredita que é possível reconstruir a idéia de emancipação social justamente a partir de experiências bem-sucedidas em áreas como produção alternativa e democracia participativa. Para ele, essas experiências estão localizadas nos países do sul e precisam ter os seus elementos emancipatórios explicitados e conectados. Nessa entrevista à Teoria e Debate, o professor Boaventura explica a sua trajetória intelectual e trata da questão da reinvenção da emancipação social.


Como você descreveria a sua trajetória intelectual e o papel do Brasil e da política brasileira no seu desenvolvimento?

A minha trajetória, como a de muita gente da minha geração, é um bocado heterodoxa, à medida que nasci num período em que Portugal vivia sob uma ditadura. Aliás, uma grande parte da minha vida foi sob a ditadura. Eu militava no movimento católico progressista, que era extremamente reprimido. Fiz Direito em Coimbra, depois fui estudar Filosofia na Universidade de Berlim Ocidental. Regressei a Portugal e fui para o Estados Unidos em 1969. Aí, fiz uma viragem para a Sociologia. Especializei-me em Sociologia do Direito. Nesta altura, surgiu uma oportunidade de fazer um doutoramento na Universidade de Yale, por meio de um trabalho na América Latina e optei pelo Brasil. Os meus dois avós tinham imigrado para o Brasil. Conhecia desde pequenino o que era este país por meio de meu avô, que ajudou a instalar as linhas de bonde do Rio e que me falava sempre no grande presidente Vasigton Luís (risadas). Durante muitos anos, não sabia que era Washington Luís.

Vim para o Rio, disposto a viver numa favela e realizar minha pesquisa, uma tentativa de estabelecer uma alternativa à Antropologia, que, nesta época no Brasil, era basicamente americana e estava polarizada entre duas posições: a dos que achavam que os favelados eram todos bandidos, faziam parte de um sistema de ilegalidade, e a que romantizava as favelas como sendo uma grande alternativa habitacional e que achavam que devíamos promovê-las. Eu queria estabelecer uma outra explicação, mostrando que a favela não era o paraíso mas também não era o inferno, era uma sociedade em que as pessoas em situação de extrema pobreza procuravam uma vida digna. Era inimaginável nesta época para os brasileiros que um português viesse fazer pesquisa sociológica, porque pesquisa era feita por americanos. Português vem ao Brasil para fazer comércio, não é? E quando eu chegava na favela, perguntavam: "afinal, qual é o seu negócio? É secos e molhados, a gente ajuda, é sorvete?" Eu respondia: "não, eu quero mesmo é fazer uma pesquisa".

A minha formação teve aí o grande salto, a minha grande radicalização ocorreu nessa altura. Estudei em Yale quatro anos, no período da grande mobilização estudantil contra a guerra do Vietnã. Adquiri uma consciência marxista, como dizia José Martí, "nos intestinos do monstro". Foi nos EUA, com a Guerra do Vietnã e, depois, com as favelas do Rio. Essas foram para mim as grandes escolas de vida. Morei durante meio ano num barraco na favela do Jacarezinho porque queria ver como funcionava. Era 1970, estávamos sob ditadura, e havia nesta época a luta clandestina, o Partido Comunista, os grupos do Brizola, as associações de moradores. Todo o meu trabalho foi feito à volta dessas associações de moradores. Foi aí que eu conheci um pouco a realidade, o outro lado que eu não tinha visto, o lado da miséria, da exclusão, das condições horríveis em que se vivia. Fiz a tese e, para não identificar as pessoas e não causar nenhum problema aos meus amigos que tinham ajudado na pesquisa, pus um nome fictício, “Direito de Pasárgada”, título inspirado no poema de Manuel Bandeira. Durante muito tempo ninguém soube que era na favela Jacarezinho, havia alguma dúvida, uns diziam que era a Rocinha, outros, Jacarezinho.

Como foi a sua relação com o marxismo e com o processo político português? De que maneira eles influenciaram o seu pensamento?

Abandonei a minha ligação com o movimento católico já antes de ir para Berlim Ocidental, porque a Igreja Católica em Portugal, ao contrário da brasileira, era muito conservadora, muito reacionária. Havia um bispo, do Porto, que era razoavelmente progressista, mas Salazar o exilou para o Vaticano. Continuei a dar algum apoio a certas causas progressistas católicas que sempre me motivaram. Por exemplo, fui membro da Comissão Nacional da candidatura da Maria de Lourdes Pintassilgo, uma engenheira que foi ministra de um governo provisório em Portugal, depois da Revolução. Ela era ligada ao movimento católico e foi candidata à Presidência da República. Por ser mulher e católica progressista bastante avançada, apoiei sua candidatura. Tivemos 7% dos votos.

Quanto ao socialismo, tive a sorte, digamos, de ver um pouco o socialismo real na Alemanha Oriental. Este socialismo nos anos sessenta era extremamente punitivo. Eu próprio ajudei a fuga de estudantes de Berlim Oriental para Berlim Ocidental. Nós, que atravessávamos o muro quase todos os dias, às vezes acumulávamos pilhas de livros, que, por vezes, até serviam de estantes, de mesas. Éramos muito bombardeados com toda bibliografia marxista, que recebíamos gratuitamente: as obras completas de Lenin, de Marx, de modo nenhum Trotski, que do lado de lá nunca aparecia. Portanto, esta minha primeira experiência com o chamado socialismo real foi matricial para a minha compreensão do processo que viria acontecer depois.

Como, então, você viu o fim do comunismo?

Para nós, na Europa, foi uma morte um bocado anunciada. Em Portugal, tivemos outras vivências de socialismo que tiveram a ver com a descolonização, porque nas zonas de influência da língua portuguesa deu-se um grande ressurgimento do movimento socialista e do marxismo por meio dos movimentos de libertação nacional. Todos nós tínhamos amigos nos movimentos de libertação de Moçambique, Angola, Guiné Bissau, onde se fazia uma produção teórica notável. Estes movimentos trouxeram para o centro da revolução portuguesa um marxismo diferente, mais aberto, ligado às lutas de libertação. O marxismo acabou por ser muito importante em Portugal depois da revolução. Não apenas por via do Partido Comunista. O Partido Socialista já tinha abandonado o marxismo, mas tivemos outras organizações trotskistas, maoístas, muitas outras que se desenvolveram naquele período da revolução. E foi um período extremamente rico de debates, sobretudo em um grande movimento político no qual se localizaram quase todos os intelectuais portugueses da época, chamado Movimento de Esquerda Socialista (MES), com muitas influências de Rosa Luxemburgo, da tradição conselhista etc. A evolução desta esquerda foi muito interessante e são remanescentes desta tradição que hoje sustentam em Portugal uma política de esquerda. Na década de 80, houve a possibilidade de se unir várias tendências, a Democracia Proletária, que era maoísta, os trotskistas e aquilo que se chamava Política 21, que era o que talvez descendesse mais diretamente do MES. E estas tendências fundaram um grupo de esquerda que atualmente impulsiona o bloco parlamentar mais ativo, mais criativo da Europa.

Assim, a lógica do desenvolvimento político da esquerda em Portugal foi interna. Claro que a partir do final da década de oitenta tudo mudou. O comunismo da União Soviética estava a bloquear toda a criatividade marxista. Estava bloqueada de uma maneira político-doutrinária, à medida em que a primeira coisa que um marxista tinha que fazer era se posicionar em relação à União Soviética. O que era muito difícil, pois sabíamos que havia coisas positivas na URSS, que ninguém podia pôr em discussão, notadamente os chamados direitos econômicos e sociais, à saúde, à seguridade social. Os próprios russos, os ucranianos, os húngaros, os polacos já não ligavam muito para isso, porque achavam que aquilo era garantido para sempre pelo Estado. E, portanto, toda a lógica dos movimentos do Leste, desde o Solidariedade na Polônia, era por direitos cívicos e políticos. Claro, o que eles não sabiam era que o modelo de sociedade que passaram a adotar ia imediatamente questionar os direitos econômicos e sociais. Isso explica o fato de, poucos anos mais tarde, os partidos comunistas que tinham estado no poder voltarem por via eleitoral para o governo.

Em termos da construção das alternativas para o século 21, acho que o regime da União Soviética pertence ao século 20. A URSS nunca foi um país desenvolvido de fato, foi uma ilusão nossa pensarmos que estava em pé de igualdade com os EUA. Política e militarmente estava, mas economicamente não era a mesma coisa desde os anos 60. Claro que o colapso da URSS teve duas conseqüências contraditórias: por um lado, veio confirmar que o capitalismo era a única alternativa enquanto modo de produção para o mundo contemporâneo; por outro, veio libertar uma série de energias teóricas e políticas para novas utopias de emancipação social. Não imaginaríamos o Fórum Social de Porto Alegre no período da Guerra Fria. Não seria possível a congregação de pessoas e de movimentos que tivemos em Porto Alegre. porque realmente os campos estavam demarcados. Hoje, já começa a haver a possibilidade de se pensar em termos de alternativas ao próprio capitalismo. Não é ainda uma coisa muito mais que embrionária, mas está em curso e tem muita criatividade. Penso que isso só foi possível exatamente porque não há um modelo alternativo fixo. Há programas, há horizontes.

Leia a íntegra da entrevista aqui

Fonte: Direitos Humanos net

Alencastro defende cotas para negros e faz História.

Por Paulo Henrique Amorim

9/março/2010 20:10

Na foto, Castro Alves pouco antes de se pronunciar no Supremo

Na foto, Castro Alves pouco antes de se pronunciar no Supremo



Vídeo: jogue DEM-óstenes e DEM-métrio fora. Veja 0 vídeo, a partir do 52’.


Trata-se do depoimento histórico do professor Luiz Felipe de Alencastro no Supremo Tribunal Federal, no dia quatro deste mês, no quadro dos pronunciamentos que antecedem o julgamento das cotas.

Alencastro é o responsável pela cadeira de História do Brasil na Sorbonne e autor do livro clássico “Trato dos Viventes”, Editora Companhia das Letras, sobre o tráfico negreiro – um “Casa Grande” contemporâneo.

Alencastro lembra:

Em 2010, os afrodescendentes, os que se dizem pretos e pardos, são a maioria da população brasileira.

Nenhum país foi tão escravista quanto o Brasil.

Dos 11 milhões de escravos vivos que chegaram às Américas, entre 1550 e 1886, 44% vieram para o Brasil, ou seja, 5 milhões.

Eles vieram sob tortura, trazidos por negreiros lusos e brasileiros e, depois, por traficantes brasileiros.

Vinham acorrentados, como descrevia Castro Alves, que sabia disso, porque o padrasto era negreiro.

Das 35 mil viagens através do Atlântico, nenhum barco africano esteve envolvido no tráfico.

Alô, alô, Senador DEM-óstenes (clique aqui para ler “DEM-óstenes põe a culpa nos africanos pela escravidão” )

No Século XIX, o Brasil foi a ÚNICA nação independente que traficava escravos.

A Lei estabeleceu que, em 1831, os negros que chegassem a uma praia brasileira eram considerados livres.

Porém, a Lei e as instituições fizeram vista grossa e foi possível re-escravizar por sequestro.

Era o sequestro de homens livres.

Assim, desde 1831, 760 mil negros e seus descendentes foram mantidos ilegalmente na escravidão, até 1888.

Eles não eram escravos.

Eram sequestrados.

Esse pacto entre sequestradores de homens livres para torná-los escravos e as instituições brasileiras é, segundo Alencastro, o “pecado original” da democracia brasileira.

E, por isso, não só os negros pagam pela escravidão.

A violência contra o escravo contaminou tudo.

A violência policial surge como subproduto da escravidão.

Como punir o escravo delinquente, sem privar seu proprietário do trabalho do encarcerado ?

Desde 1824 tinham sido extintas, formalmente, as punições físicas a presos.

Mas, pesou sobre toda a população negra E LIVRE o temor de ser açoitado, como substituto do encarceramento.

O terror, a tortura, o açoite intimidavam o escravo – e todos os outros cidadãos pobres.

O proprietário preferia punir com o açoite a prender.

Os pobres também pagaram o preço da herança escravista e sua violência.

Eles também eram vítimas da violência corriqueira.

Além disso, a Lei Saraiva, de 1881, impediu o voto do analfabeto e, portanto, bloqueou o acesso de libertos e futuros libertos à cidadania.

Isso permaneceu até 1985, quando a Lei autorizou o voto do analfabeto.

Mas a exclusão permaneceu, sobretudo na população negra, onde o analfabetismo é maior.

As taras do Século XIX contaminaram o país inteiro – negros e braços.

Só a redução da discriminação consolidará nossa democracia.

A política afirmativa e a adoção das cotas aperfeiçoam a democracia.

Não tem sentido fazer alarmismo e dizer que as cotas vão transformar o Brasil numa Ruanda, um país em que a independência ocorreu em 1962.

As cotas já existem !, – enfatizou Alencastro.

Dezenas de milhares de brasileiros entraram na universidade através do ProUni.

52 mil estudantes de universidades públicas entraram através de cotas e não se tem notícia de violência – nada que se compare aos trotes.

O acesso à universidade é o estrangulamento essencial à democracia brasileira.

Essa discussão não deve ser ideológica ou partidária, como lembrou o Senador Paulo Paim – lembrou Alencastro.

As primeiras medidas para reduzir a discriminação foram tomadas pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.

O presidente do IPEA – instituição de onde Alencastro tirou informações para o pronunciamento – no Governo Fernando Henrique, Roberto Martins, é a favor das cotas.

O presidente do IPEA no Governo Lula é Marcio Pochman, a favor das cotas.

(A reprodução não é literal e foi feita por PHA)

segunda-feira, 8 de março de 2010

Sobre presidentes e ministros da fazenda

Por Luís Nassif

José Serra tenta retomar o discurso programático. Ontem, o discurso no centenário de Tancredo. Hoje, a antecipação de algumas ideias econômicas, especialmente o combate à apreciação cambial.

Seja quem for o presidente – Serra ou Dilma, provavelmente não com Aécio – a apreciação cambial será combatida. Quem é oposição pode ser mais explícito; que é governo, menos. Mas não há diferenças de posição nesse item.

O que compromete Serra não são suas ideias econômicas. É algo mais substantivo.

A gestão Lula mostrou um outro padrão de governabilidade, que vai além do econômico, e muito além do câmbio. Trata-se de reconstrução política e institucional brasileira, na qual a economia é uma perna importante – mas restrita.

Quem tiver boas ideias apenas nessa área, é candidato a Ministro da Fazenda, não a presidente.

A governabilidade pressupõe o exercício permanente da tolerância e da redução de pontos de fricção partidários, de classe ou regionais. Exige um olhar sistêmico sobre o país, a capacidade de ver todas as pontas, de identificar as linhas de menor resistência, de saber negociar no plano partidário e federativo, de somar, ouvir.

Mais: exige planejamento, gerenciamento, identificação dos fatores fundamentais de progresso. Sem esse arcabouço institucional novo, se ficará apenas no campo dos conceitos e do discurso vazio.

Quando o governo assumiu e se meteu em um sem-números de conselhos (CDES, conselhos sociais etc.) a visão dominante, tecnocrática, era a de que jamais sairia do assembleísmo.

Aos poucos – especialmente depois que o governo se reorganizou no pós-mensalão – começaram a emergir ideias e quadros de todos os lados, graças a esse modelo. O Bolsa Família ganhou consistência, o PAC retomou as tentativas de articulação do Brasil Em Ação – belíssima experiência do José Paulo Silveira, que falhou por falta de presidente da República -, corrigiu erros, permitiu avanços.

Tudo isso porque, paralelamente ao discurso político, havia um processo de reconstrução institucional feito com agentes vivos e atuantes, e não apenas em um pedaço de papel.

Construção institucional

Lula entrou com a sabedoria política: a ação federal só é eficaz quando há colaboração de estados e municípios; e só se consegue essa colaboração quando se repartem ganhos políticos igualmente.

Dado o princípio, havia a necessidade de montar o arcabouço institucional capaz de colocar as ideias em prática.

É aí que se sobressai a ação de Dilma Rousseff. A discussão boba sobre ter ou não ter diploma, sobre maior ou menor experiência administrativa, esconde o essencial: Dilma foi responsável por dois dos maiores feitos de reconstrução institucional brasileira. A biografia administrativa de Serra é o oposto: a total inação para grandes mudanças institucionais. Sua grande contribuição se deu no plano parlamentar. Foi um grande deputado, especialmente na Constituinte, graças à ação individual de um dos maiores nomes da economia brasileira: o economista José Roberto Afonso.

A velha mídia sempre teve um fascínio mítico pelas reformas no plano das leis. Jamais conseguiu entender as reformas no plano administrativo e institucional.

O primeiro feito institucional de Dilma foi o modelo elétrico que salvou o setor do desastre desregulamentório do governo FHC.

Sobre o modelo elétrico, escreverei amanhã.

O segundo feito foi a modelagem institucional dos programas federais – PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), saneamento, habitação.

Primeiro, definiu-se o papel de cada ente federativo. À União, caberia a regulamentação, os recursos e a fiscalização. Aos estados, as obras estaduais. Aos municípios, as municipais, trabalhando em conjunto com os estados.

Depois, conversas exaustivas para identificar problemas potenciais e – principalmente – o modelo de atuação mais eficiente, os instâncias de discussão, os modelos de acompanhamento do governo (para não perder o controle na ponta).

O modelo habitacional

O programa habitacional forneceu um exemplo graúdo da distância quilométrica entre esse novo modelo e o pensamento burocrático de Serra.

Montou-se o modelo e o governo federal disponibilizou recursos para um milhão de moradias populares. Mais: removeu fatores que poderiam inviabilizar o acesso da baixa renda às moradias.

Depois, disse a estados e municípios: organizem-se e venham buscar os recursos. Imediatamente, colocou em marcha uma movimentação nacional, descentralizada, de prefeitos, governadores, empresários locais ou nacionais.

Criou-se uma competição virtuosa, que permitirá atingir (ou não) as metas. Pelas informações, o primeiro milhão de casas populares será atingido em breve.

Qual foi a reação de Serra? Criticou o fato do governo não ter definido prazo para construir esse um milhão de casas. A CDHU, de São Paulo, disse ele, trabalha de forma centralizada e com prazos. Um varejinho para pequenos problemas, sem grandeza para encarar desafios da magnitude de se construir um milhão de moradias populares.

Mostrou incapacidade de analisar sequer modelos gerenciais; muito menos uma construção de alta complexidade, que é casar a gerência com as variáveis políticas de um país de um federalismo incompleto. É uma visão tecnocrática e não gerencial da administração pública.

O que se está vendo, no plano nacional, é o resultado desse modelo: inaugurações de obras em que aparecem presidente da República e governador do estado; prefeitos usando obras com recursos federais para suas campanhas políticas; governadores fazendo campanha com essas obras; até o infausto Sérgio Guerra atuando dessa maneira.

Esse modelo de articulação do PAC tornou-se padrão. Na primeira fase resultou em processos semelhantes no Ministério de Ciência e Tecnologia, Agricultura, Saúde, dentro da ideia de cada Ministério definir as ações do setor de forma interministerial, envolvendo outros ministérios e departamentos.

Percebeu-se que nenhum ministério conseguiria sozinho essa coordenação. Provavelmente um PAC 2 integrará todas essas ações em um PAC único.

Independentemente do resultados das eleições, quando baixar a poeira desse passionalismo, dessa exacerbação maluca a que a opinião pública foi levada pela velha mídia, emergirá a figura de uma das grandes ministras da história republicana.

Serra e o não exercício da gestão

Serra teve a maior vitrine que qualquer candidato a presidente poderia aspirar: o governo de São Paulo. Fazer uma revolução em São Paulo é imensamente mais fácil que no Brasil.

O Brasil é díspare; São Paulo é homogêneo. Pactos políticos são mais fáceis em São Paulo. Um governador com visão de futuro teria à sua disposição os melhores quadros do país para articular grandes movimentos de modernização: os melhores institutos, as melhores universidades, as maiores empresas nacionais, a melhor estrutura sindical (Fiesp/CIESP, centrais sindicais, Sebrae), as melhores associações empresariais, as melhores cidades médias, a melhor infra-estrutura, massa crítica de pensadores, organizações sociais, órgãos exemplares de financiamento da pesquisa.

Imagine essas forças sendo articuladas para um plano de disseminação de inovação nas empresas paulistas. Ou um plano de melhoria do valor agregado das exportações paulistas. Ou uma ação integrada, com todos os setores, visando reduzir a criminalidade ou melhorar a assistência social.

Nada se fez, nada. Um governante sem a menor gana de deixar uma herança para o futuro, de ambicionar a ser um Estadista.

Apenas se deu continuidade a obras, como um mero Maluf com apoio da mídia.

As melhores empresas de São Paulo insistiram em bancar, com recursos próprios, programas de qualidade. Serra só aceitou porque eram grandes empresas. Jamais acreditou em gestão e matou os programas por desinteresse.

No campo das articulações com forças sociais e econômicas, foi um governo que se isolou de tudo ou de todos.

Na crise de 2008, só aceitou receber associações empresariais seis meses depois do pedido de audiência, quando algumas delas se reuniram com centrais sindicais e ameaçaram manifestações na porta do Palácio.

Permitiu que a greve da Polícia Civil chegasse às vias do confronto e, depois, aceitou todas as reivindicações.

Administrando a mídia

Seu modelo de gestão consistia unicamente em tentar administrar o noticiário da mídia, com uma obsessão sem paralelo. Qualquer linha torta, qualquer pergunta não programada, tirava o governador de suas funções administrativas, para ligar para chefes de redação, não poucas vezes exigindo a cabeça dos jornalistas.

Em reuniões com secretários, chegou a admitir que gastava três horas por dia acompanhando o noticiário dos jornais.

Mais que isso. Junto com a velha mídia criou um clima de macartismo, de virulência, de baixarias que jamais havia presenciado em 40 anos de jornalismo.

A maneira como articulou jornalistas de esgoto para fuzilar companheiros, para atacar aliados e adversários, a ação deletéria de seu Secretário de Comunicação, ameaçando jornalistas nas redações da própria velha mídia, compõem um conjunto inédito de ameaças à liberdade de opinião.

É até piada considerar que a ameaça venha de conselhos populares.

Essa falta de empenho em criar modelos de atuação, gerou um paradoxo.

Em um modelo neoliberal, em que o governante não dispõe de estrutura de Estado para atuar, o caminho alternativo é o da coordenação dos agentes sociais e econômicos do Estado.

Em um modelo autárquico, o governo é centralizador e só sabe agir com ferramentas de Estado.

Em um modelo pragmático, casam-se estado e articulação.

Serra governou privatizando como um neoliberal e tentando gerenciar como um ente autárquico – sem estatais. Virou um samba maluco. Privatizou a Nossa Caixa para investir em obras viárias. Depois, descobriu que não sabia fazer nada que não fosse através de estatais. Toca criar uma Agência de Desenvolvimento para… emprestar dinheiro. Sem ter departamento de crédito ou estrutura de agências.

As indecisões produziram desastres. São Paulo perdeu um banco que poderia ter uma função relevante para políticas de desenvolvimento e esmagou as possibilidades da CESP. Enquanto a Cemig se tornava uma das grandes empresas nacionais, a indecisão do governador esmagou a CESP. Quatro anos pensando em privatizá-la. Não privatizou e matou quatro anos de planejamento e de expansão da empresa. Conseguiu a pior síntese: um governo centralizador e inerte.

Não é à toa que, na semana passada, fez um balanço parcial do que o governo de São Paulo fez contra a crise… antes de vender a Nossa Caixa. E mereceu uma emérita gozação de Lula que explicou que comprou a Nossa Caixa para utilizá-la para enfrentar a crise.

sábado, 6 de março de 2010

Sobre cotas e escravidão

Depois da triste figura do ataque às cotas do Demóstenes Torres, que deveria ter seu mandado cassado por racismo ou burrice, segue um texto incisivo do Sader, ao estilo do velho Galeano das Veias Abertas da América Latina, mas que, na base dos argumentos, não foge à verdade histórica:

28/05/2008

1808, 1822 e os negros

por Emir Sader, extraído do Blog do Emir

A forma que assumiu a independência política no Brasil constituiu no primeiro grande pacto de elite, que se reproduziu, sob distintas formas, ao longo de toda a nossa história. Enquanto a Espanha resistia à invasão napoleônica e, derrotada, favoreceu a cadeia de revoluções de independência de suas colônias na América Latina, a coroa portuguesa veio para o Brasil sem resistência, estreitando a dominação colonial, ao contrário da sua ruptura nos países de colonização espanhola. (Cuba e Porto Rico foram os únicos que não conseguiram obter sua independência naquela momento e, ao não fazê-lo, terminaram tendo os destinos mais radicais e contrapostos no continente: Cuba se tornou socialista, enquanto Porto Rico é um “estado livre associado” aos EUA.)

O Brasil tornou-se independente, mas a vinda da família real deu uma forma particular a essa transição: não passamos de colônia a república, mas de colônia a monarquia. E, pior ainda: não se terminou a escravidão, ao contrario do que ocorreu nos países que, sob a liderança de Bolivar, de San Martin, de O´Higins, de Sucre, de Artigas, entre outros realizaram verdadeiras revoluções de independência, terminaram com a colônia mediante a derrota final dos exércitos espanhóis na batalha de Ayacucho, expulsando aos colonizadores, fundando os Estados nacionais nos distintos, com um sistema republicano e terminaram com a escravidão.

Enquanto isso, no Brasil, como sempre acontece com os pactos de elite, são os mais pobres os que pagam o preço da conciliação, do “jeitinho”, dos pactos de elites. O Brasil tornou-se o país que mais tarde aboliu a escravidão, inclusive depois de Cuba. Nesse entretempo, promulgou-se a Lei de Terras, pela qual os velhos proprietários de terras, mediante os mecanismos da “grilagem” – o cocô do grilo faz com que um documento recém escrito apareça como se fosse velho, legalizando terras recém apropriadas como se tivessem sido herdadas a tempos -, legalizaram a apropriaram das terras no Brasil. Quando os escravos finalmente se tornaram “livres”, o eram no sentido que Marx também atribuiu aos servos da gleba: eram “livres” e “nus”, desprovidos de terras às quais acoplar sua força de trabalho.

Os negros, primeira geração do proletariado brasileiro, primeira geração de trabalhadores no Brasil, que criaram durante séculos as riquezas apropriadas pela nobreza européia e as elites brancas brasileiras, eram reciclados automaticamente para serem pobres e miseráveis, despossuídos das riquezas que tinham criado. Nesse momento o liberalismo já revelava todos os seus limites, quando conviveu com a escravidão, sem protagonizar a luta pelo seu fim.

Esse primeiro pacto de elite permitiu que as elites dominantes dificultassem o surgimento de uma revolução de independência que terminasse, ao mesmo tempo, com a colônia e a escravidão. Quando o monarca português colocou a coroa na cabeça do seu filho e disse: “Meu filho, ponha a coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça”, se referia aos brasileiros que poderiam liderar essa revolução, como Tiradentes e para que não surgisse aqui outro Bolivar, Sucre, Artigas, San Martin.

O capitalismo, que tinha chegado às Américas jorrando sangue, com os dois maiores massacres da história da humanidade – a destruição dos povos indígenas e a escravidão – fazia, no Brasil, pela modalidade de saída do colonialismo, que a questão colonial e a questão negra se desdobrassem na questão da terra, do latifúndio, condicionando fortemente o Brasil a ser o país de pior distribuição de renda do continente de maior desigualdade no mundo.

Quando se discutem políticas de reparação histórica, de discriminação positiva, de cotas, é preciso remontar a todo esse cenário histórico, para saber por que os negros sendo, em sua grande maioria, explorados, discriminados, excluídos, humilhados. É indispensável fazer toda essa trajetória, para nos darmos conta plenamente de por que os negros se tornaram automaticamente pobres, relegados, marginalizados na sociedade brasileira – situação que a política de cotas pretende minimizar.


Emir Sader: A miséria moral de ex-esquerdistas

Emir recupera uma idéia que já li em Paulo Freire sobre o caminho de ex-esquerdistas quando resolver volver à Direita e são bem pagos para isso, e com a maestria do grande educador, Emir esclarece de algum modo o que move esses arrivistas, cada vez mais amedrontados com a menor ameaça a seus privilégios.


por Emir Sader, no Blog do Emir

Alguns sentem satisfação quando alguém que foi de esquerda salta o muro, muda de campo e se torna de direita – como se dissessem: “Eu sabia, você nunca me enganou”, etc., etc. Outros sentem tristeza, pelo triste espetáculo de quem joga fora, com os valores, sua própria dignidade – em troca de um emprego, de um reconhecimento, de um espaçozinho na televisão.

O certo é que nos acostumamos a que grande parte dos direitistas de hoje tenham sido de esquerda ontem. O caminho inverso é muito menos comum. A direita sabe recompensar os que aderem a seus ideais – e salários. A adesão à esquerda costuma ser pelo convencimento dos seus ideais.

O ex-esquerdista ataca com especial fúria a esquerda, como quem ataca a si mesmo, a seu próprio passado. Não apenas renega as idéias que nortearam – às vezes o melhor período da sua vida -, mas precisa mostrar, o tempo todo, à direita e a todos os seus poderes, que odeia de tal maneira a esquerda, que já nunca mais recairá naquele “veneno” que o tinha viciado. Que agora podem contar com ele, na primeira fila, para combater o que ele foi, com um empenho de quem “conheceu o monstro por dentro”, sabe seu efeito corrosivo e se mostra combatente extremista contra a esquerda.

Não discute as idéias que teve ou as que outros têm. Não basta. Senão seria tratar interpretações possíveis, às quais aderiu e já não adere. Não. Precisa chamar a atenção dos incautos sobre a dependência que geram a “dialética”, a “luta de classes”, a promessa de uma “sociedade de igualdade, sem classes e sem Estado”. Denunciar, denunciar qualquer indicio de que o vício pode voltar, que qualquer vacilação em relação a temas aparentemente ingênuos, banais, corriqueiros, como as políticas de cotas nas universidades, uma política habitacional, o apoio a um presidente legalmente eleito de um país, podem esconder o veneno da víbora do “socialismo”, do “totalitarismo”, do “stalinismo”.

Viraram pobres diabos, que vagam pelos espaços que os Marinhos, os Civitas, os Frias, os Mesquitas lhes emprestam, para exibir seu passado de pecado, de devassidão moral, agora superado pela conduta de vigilantes escoteiros da direita. A redação de jornais, revistas, rádios e televisões está cheia de ex-trotskistas, de ex-comunistas, de ex-socialistas, de ex-esquerdistas arrependidos, usufruindo de espaços e salários, mostrando reiteradamente seu arrependimento, em um espetáculo moral deprimente.

Aderem à direita com a fúria dos desesperados, dos que defendem teses mais que nunca superadas, derrotadas, e daí o desespero. Atacam o governo Lula, o PT, como se fossem a reencarnação do bolchevismo, descobrem em cada ação estatal o “totalitarismo”, em cada política social a “mão corruptora do Estado”, do “chavismo”, do “populismo”.

Vagam, de entrevista a artigo, de blog à mesa redonda, expiando seu passado, aderidos com o mesmo ímpeto que um dia tiveram para atacar o capitalismo, agora para defender a “democracia” contra os seus detratores. Escrevem livros de denúncia, com suposto tempero acadêmico, em editoras de direita, gritam aos quatro ventos que o “perigo comunista” – sem o qual não seriam nada – está vivo, escondido detrás do PAC, do Minha casa, minha vida, da Conferência Nacional de Comunicação, da Dilma – “uma vez terrorista, sempre terrorista”.

Merecem nosso desprezo, nem sequer nossa comiseração, porque sabem o que fazem – e os salários no fim do mês não nos deixam mentir, alimentam suas mentiras – e ganham com isso. Saíram das bibliotecas, das salas de aula, das manifestações e panfletagens, para espaços na mídia, para abraços da direita, de empresários, de próceres da ditadura.

Vagam como almas penadas em órgãos de imprensa que se esfarelam, que vivem seus últimos sopros de vida, com os quais serão enterrados, sem pena, nem glória, esquecidos como serviçais do poder, a que foram reduzidos por sua subserviência aos que crêem que ainda mandam e seguirão mandado no mundo contra o qual, um dia, se rebelaram e pelo que agora pagam rastejando junto ao que de pior possui uma elite decadente e em vésperas de ser derrotada por muito tempo. Morrerão com ela, destino que escolheram em troca de pequenas glórias efêmeras e de uns tostões furados pela sua miséria moral. O povo nem sabe que existiram, embora participe ativamente do seu enterro.