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segunda-feira, 31 de março de 2008

biblioteca européia

Imagine um continente do globo com todos os arquivos nacionais, bibliotecas públicas e arquivos, bibliotecas e centros de documentação universitários todos reunidos em um único portal. Imaginou?



Pois este projeto foi iniciado em 2005 com o intuito de aumentar os conteúdos provenientes da Europa na Internet. Seu primeiro rosto é a Biblioteca Europeia, a gênese de um projeto que juntará recursos de bibliotecas, arquivos nacionais, universidades etc.

Ainda o Tibet, um pouco de História

Postagens correlacionadas:
Repressão do governo chinês aos tibetanos

Com a proximidade das olimpíadas que serão sediadas na China personalidades internacionais, petições online globalizadas, pronunciamento de lideranças globais ampliam a pressão sobre o governo chinês para que este dê explicações sobre Darfur e sobre o Tibet e abra espaço para o diálogo.

Selecionamos alguns materiais sobre o assunto: um artigo extraído do Le Monde outro da Folha, vídeos históricos sobre o Tibet.e um vídeo produzido por estudantes chineses que denunciam a montagem de imagens e desinformações da imprensa global sobre o que estaria de fato acontecendo no Tibet:

Aqui vídeo atual que faz contraponto à abordagem pró-Tibet e anti-China:


Assista aos vídeos:
Documentário da TV Francesa, parte 1


Documentário da TV Francesa, parte 2


Documentário da TV Francesa, parte 3


Documentário TV Francesa, parte 4


Documentário TV Francesa, parte 5


Documentário TV Francesa, final



A crise atual no Tibet, de acordo com uma reportagem da TV Al Jazeera



"GENOCÍDIO CULTURAL"

Tibete, ameaça à China?

A recusa de Pequim ao diálogo com o Dalai Lama não tem razões econômicas: está relacionada ao impulso nacionalista e ao temor de que a revolta agudize tensões hoje contidas na China. Mas tal postura tende a radicalizar a juventude tibetana e atiçar conflitos que outras potências desejam...

Roberto Cattani

Em seu livro ‘Bestas, Homens e Deuses’, F. Ossendowsky conta um episódio por ele testemunhado em 1920, quando fugia da Revolução Russa rumo ao Tibete. Na estepe do que hoje seria o Quirguistão, um monge budista a cavalo, com o crânio raspado e a tradicional túnica amarela e roxa tibetana, atacava a galope os acampamentos do exército bolchevique, cortando as cabeças com uma espada e semeando o terror entre os soldados russos (teoricamente comunistas, mas ainda muito supersticiosos). O monge misterioso nunca foi preso, nunca foi morto, e nunca se soube quem era de verdade; mas ele se tornou uma lenda da resistência dos povos da Ásia Central à maré vencedora do que para a cultura local era “a barbárie russa” e “a abominação bolchevique”, atéia e materialista.

Pensei no relato de Ossendowsky lendo a notícia que dias atrás alguns jovens tibetanos atacaram a cavalo, armados de espadas (!), os soldados chineses que sitiavam o mosteiro Bumying, no Sichuan (uma das quatro províncias chinesas que faziam parte do Tibete pré-1950, nas quais ainda vivem muitos tibetanos), um dos que hastearam a bandeira do Tibete livre. Não pode ser coincidência. Esses jovens decidiram reencarnar o lendário monge vingador. O passado não morreu no Tibete, ele está bem presente e vivo. Da mesma forma que o opressor contra o qual lutar é no fundo o mesmo, o imperialismo militar e cultural da Rússia e da China, os grandes vizinhos que cercam a Ásia Central. A ideologia (pelo menos teórica) que os russos usavam e os chineses ainda usam para justificar a invasão ainda é a mesma, a "ditadura do povo" (do povo dominante, do ponto de vista étnico, para usar as categorias gramscianas).

Também não é coincidência que a linguagem usada pelo governo chinês para atacar o Dalai Lama seja a mesma retórica de milênios atrás. “Um lobo vestido de monge”, “um monstro com cara humana, mas coração de fera”, parecem definições bastante improváveis e até ridículas para se referir ao Dalai Lama — mas é assim que o chamou Zhang Qingli, secretário comunista de Lhasa, em resposta aos apelos ao diálogo do líder espiritual em exílio. “As autoridades chinesas e tibetanas ligadas ao regime chinês precisam criar um inimigo transformando a imagem de um campeão de moderação, como o Dalai Lama, num ser mítico hediondo, sem nenhum nexo com a realidade", escreveu em Foreign Affairs Song Yongyi, professor de História da China moderna da universidade da Califórnia. Para conseguir fazer isso, avalia, "eles acabam utilizando o velho vocabulário maoísta, que por sua vez já era derivado de uma mistura de invectivas da tradição popular chinesa e de retórica do marxismo clássico. Parece até que voltaram para a época sombria da Revolução Cultural”.

Genocídio cultural quer dizer, hoje, hipermercados (chineses), bancos (chineses), eletrônica (chinesa), restaurantes e hotéis (para chineses) invadindo as cidades tibetanas

O Tibete deveria ter sido tombado por inteiro há décadas, pela Unesco, como Patrimônio da Humanidade. Seus mosteiros guardavam um imenso tesouro de fé, sabedoria e práticas religiosas que foi saqueado, dispersado e sistematicamente destruído pelos ocupantes maoístas durante décadas. O pouco que sobra hoje é minado pela modernização forçosa e sub-reptícia. Genocídio cultural quer dizer hoje as barulhentas comitivas de turistas chineses, vulgares e arrogantes, visitando como um lugar exótico o Palácio Potala, antigo mosteiro-mor e residência oficial do Dalai Lama e outros lugares sagrados do budismo tibetano. Quer dizer também hipermercados (chineses), bancos (chineses), eletrônica (chinesa), restaurantes e hotéis (para chineses) invadindo as cidades tibetanas. Quer dizer a ferrovia recém-inaugurada entre Pequim e Lhasa, na qual, além dos trens de carga, deverá viajar “o trem mais luxuoso do mundo”, segundo a propaganda, com “suítes cinco estrelas” para os turistas globais. Um detalhe: os vagões serão blindados, com vidros a prova de bala. Nunca se sabe...

Talvez só a Vaticano contenha um patrimônio cultural-religioso comparável aos tesouros guardados antigamente nas gigantescas lamaserias da Himalaia, onde milhares e milhares de monges produziam e conservavam obras-primas. A diferença é que o Tibete era − e só em parte ainda é − um país inteiro que vivia exclusivamente em função de seu sistema religioso, para sustentá-lo e eternizá-lo, sistema que proporcionava ao Tibete uma unidade fortíssima e identidade cultural milenária. Por isso mesmo, os chineses aplicaram-se, desde 1950, a destruir 70% dos mosteiros e matar metade dos monges tibetanos, obrigando finalmente o Dalai Lama ao exílio graças a uma fuga aventurosa, depois de muitas ameaças. Por isso, o Dalai Lama é a maior autoridade religiosa tibetana, e ao mesmo tempo seu único grande líder político.

O budismo, a cultura oriental e a cultura do mundo todo perderam no saque do Tibete. Mas a comunidade internacional não mexeu um dedo — assim como não nada fez na Armênia, em Biafra, Ruanda, e continua não fazendo no Darfur, etc. Vender Mercedes e Windows para os chineses é bem mais prioritário.

O paradoxo do risco que os chineses estão correndo diante da opinião pública internacional, às véspera dos Jogos Olímpicos, é que o Tibete é um país onde há pouquíssima gente, só montanhas e desertos, e praticamente nenhuma riqueza conhecida — a não ser o imenso patrimônio cultural-religioso. É puro imperialismo nacionalista. Os tibetanos são hoje 6 milhões, para um território do tamanho da Europa. Na época da ocupação chinesa, em 1950, eram 5 milhões: os chineses mataram 1,2 milhões, anexaram à China um terço do Tibete e ocuparam o resto, empossando um regime fantoche de comunistas tibetanos. Hoje, o Tibete representa 28% do território chinês, enquanto os tibetanos representam 0,5% da população.

Da brutalidade no Tibete transparece o temor do governo, de que a religião possa se tornar o estopim de reivindicações dentro da própria sociedade chinesa

Contudo, na China há, sem contar os tibetanos, 150 milhões de budistas maaiana devotos, que podem praticar seu culto com relativa liberdade, desde o fim oficial do maoismo. Da brutalidade no Tibete transparece o temor do governo chinês de que a religião possa se tornar o estopim de reivindicações dentro da própria sociedade chinesa. Como acontece cada vez mais em outras partes do mundo, a fé e o movimento político-religioso passariam a ser a base para uma demanda de alternativa social. É interessante lembrar que em 1979, no auge da abertura pós-maoista do regime chinês, Deng Xiaoping convidou para uma visita oficial no Tibete o irmão do Dalai Lama, para iniciar um diálogo. A chegada do irmão do líder bastou para desencadear um entusiasmo delirante na população tibetana. As manifestações de acolhida logo se transformaram em passeatas nacionalistas anti-chinesas, aos gritos de "Tibete independente" e "Fora os chineses".

O diálogo com o Dalai Lama congelado até hoje. Foi o atual presidente da República Popular da China, Hu Jintao, então governador justamente do Tibete, quem esmagou, em 1989, com um massacre, outro levante nacionalista, três meses antes dos protestos na praça Tienanmen. A incapacidade de qualquer abertura ao diálogo com o Dalai Lama e com a sociedade tibetana não-subserviente é um sinal de nervosismo − e, no fundo, de fraqueza − do regime chinês, amplificado pela proximidade dos Jogos Olímpicos.

“Há uma discriminação clara dentro do Tibete: em sua própria terra, os tibetanos são tratados como cidadãos de segunda classe. É uma situação muito negativa, que as autoridades locais endureceram mais ainda nos últimos tempos. Os monastérios são cerceados com restrições crescentes e os monges têm até que passar por uma reeducação política. Pelo que sabemos, através dos tibetanos que se refugiam no exterior, 95% da população tibetana está muito, muito ressentida e magoada”, afirmou há duas semanas o Dalai Lama.

Os tibetanos acompanharam os acontecimentos da revolta no Myanmar no ano passado com uma participação que beirava a identificação: as destemidas iniciativas dos monges budistas birmaneses serviram de choque despertador e depois de exemplo para a parte mais revoltada da sociedade tibetana. Há meses, justamente depois da revolta no Myanmar, a repressão chinesa foi intensificada, com prisões, torturas e deportações de monges fiéis ao Dalai Lama. Qualquer tomada de posição do líder budista, no sentido de um apelo à revolta − ou mesmo só à resistência social − repercutiria para muito além das fronteiras tibetanas, no interior da China, onde a religião tem de novo uma presença muito forte, depois de décadas de quase aniquilação. Mas o próprio Dalai Lama insiste em preferir o caminho da não-violência, tentando tratar com as autoridades chinesas que o desprezam publicamente.

Parte dos estudantes tibetanos escolheu claramente a resistência passiva, com passeatas e sit-in. Outra, radicalizada e materialista, não considera mais necessariamente o Dalai Lama como o guia

Não é impensável que justamente a moderação do Dalai Lama (em confortável exílio na Índia), perante os odiados Han [1] e sua humilhação como símbolo do Tibete tenham exacerbado, entre os mais revoltados jovens tibetanos, a tentação de lançar uma "intifada budista". Uma parte dos estudantes tibetanos escolheu claramente a resistência passiva, com passeatas e sit-in, em resposta aos apelos do Dalai Lama. Outra − uma porção importante, pelo que tudo indica − não considera mais necessariamente o Dalai Lama como o guia. As novas gerações, crescidas debaixo da opressão chinesa sem conhecer o período da independência, o vêem como uma voz longínqua e não uma presença atuante na realidade do Tibete. Os jovens tibetanos de hoje foram educados em escolas e faculdades onde a religião é constantemente criticada e negada: apesar do ódio contra os chineses, eles foram inevitavelmente influenciados pela mentalidade materialista e modernizadora imposta pelo regime regional pro-chinês liderado por Qiangba Puncog.

“Não nós revoltamos contra a ocupação por ordem do Dalai Lama. Somos a expressão da vontade popular. Esta é a luta dos tibetanos contra a ocupação ilegal chinesa, e essa luta nada tem a ver com as ofertas de paz e diálogo do Dalai Lama”, escreveu uma mão desconhecida numa mensagem discretamente entregue por um monge a um membro de uma ONG internacional expulso do Tibete. Poderia ser uma forma de preservar o Dalai Lama das acusações chinesas, mas é mais provável que seja mesmo o sinal de uma cisão dentro da sociedade tibetana, uma ‘guerra de gerações’ como já aconteceu na Palestina entre OLP e Hamas (com a diferença fundamental que os velhos são ligados à religião e os jovens são contra, ao oposto dos palestinos). É por isso que o próprio Dalai Lama se diz incapaz de impedir ou controlar os protestos atuais; essa impotência é um dos elementos novos da crise atual.

Críticas ao Dalai Lama, e principalmente ao seu programa de "autonomia limitada" do Tibete, sob a tutela armada chinesa, foram formuladas abertamente por Tsewang Rigzin, 37 anos, líder do Congresso Juvenil Tibetano (TYC), que prega a independência total da China, como antes de 1950. Rigzin ideou e lidera a marcha de protesto dos tibetanos em exílio na Índia rumo ao Tibete, que deve concluir-se dentro de três meses (logo antes das Olimpíadas), sem que ninguém saiba até onde poderá chegar e o que acontecerá com ela.

O perigo imediato é a deslegitimação da autoridade do Dalai Lama − deslegitimação interna mais do que internacional. O resultado (lembrando-se o início do artigo) poderia ser o nascimento de uma guerrilha urbana tipo Intifada, ou outra inspirada mais nos Talibãs, desfrutando o labirinto de montanhas, vales inacessíveis e cavernas da Himalaia. Uma possibilidade ainda remota, por falta de qualquer apoio internacional, pelo menos por enquanto. Se a crise perdurar, e os tibetanos se mostrarem capazes de sustentar sua rebelião durante alguns meses (digamos, até os Jogos Olímpicos), o apoio (clandestino e secreto) poderia surgir e crescer. Índia, Rússia e Estados Unidos adorariam ver os chineses embrenhados numa custosa e impopular luta anti-guerrilha, como eles próprios enfrentam na Cachemira, na Tchetchenia e no Afeganistão. Seria uma excelente ocasião para observar a força real das forças armadas chinesas. O povo tibetano e seu genocídio cultural são um mero detalhe no brave new world globalizado.

[1] Os Han são a etnia dominante na China. Chamar a todos de "chineses" é o mesmo tipo de generalização de quando se usava o termo "russos" para indicar os habitantes da União Soviética toda.


Folha de São Paulo (27/03/2008)

A lei do mais fraco

(Hélio Schwartsman)

Longe de mim justificar a ignominiosa ocupação chinesa do Tibete, mas, sempre que uma questão desponta como virtual unanimidade planetária --caso da independência tibetana--, é lícito supor que a história esteja mal contada. Não estou com essas poucas palavras dizendo que não existam opressores e oprimidos, certo e errado. Apenas afirmo que as relações internacionais são terreno tão movediço e repleto de nuanças e sutilezas hermenêuticas que, quando uma situação qualquer parece clara demais, o mais provável é que alguma versão tenha ficado de fora do relato.

É inegável que os chineses oprimem o povo tibetano e cometem toda sorte de violação aos direitos humanos. Também está fora de questão que o governo central de Pequim vem, ao longo das últimas décadas e por diversos meios, erodindo a base da cultura tradicional tibetana. Mas daí não se segue que os chineses sejam bandidos desalmados que apenas tiranizam os heróicos e pacíficos tibetanos, sempre a um pequeno passo da santidade.

É verdade que Tenzin Gyatso, o 14º dalai-lama, é uma figura simpática. Está sempre sorrindo e vem, há quase cinco décadas, liderando uma luta de independência nacional. Fê-lo sem recorrer ao terrorismo ou a outras formas de violência muito exacerbada. Defende com o que parece ser autêntica convicção o equilíbrio ambiental do planeta. E isso já bem antes de Al Gore. Ganhou o Prêmio Nobel da Paz (1989) e a medalha de ouro do Congresso dos EUA (2007), além da cidadania honorária canadense (2006).

O que não se menciona tanto é Tenzin Gyatso chegou a ser o monarca de uma teocracia absolutista que, até 1951, ainda mantinha o regime de servidão. Segundo o tibetólogo Melvyn Goldstein, com exceção de cerca de 300 famílias nobres, todos os tibetanos eram servos ("mi ser") ligados a terras pertencentes a aristocratas ou monastérios budistas.

Tampouco se alardeia que o 14º dalai-lama, que assumiu seu posto em 1950, tentou compor com os comunistas para preservar-se no poder nem que, uma vez destituído, após a revolta anticomunista de 1959, passou a receber mesada da CIA para levar adiante a partir do exílio a luta pela independência.

Também não é verdade que a China trata o Tibete como uma colônia, limitando-se a extrair suas riquezas sem dar a mínima para a população local. O PIB per capita dos tibetanos que habitam a República Autônoma do Tibete (RAT) cresceu 30 vezes quando comparado a 1950, enquanto a população mais do que dobrou, passando de 1,2 milhão para 3 milhões hoje. De acordo com o Birô de Estatísticas Chinês, a média dos salários pagos na RAT é a segunda do país, perdendo apenas para a região de Xangai, mas superando a de Pequim.

A China também criou toda a rede de ensino secular da Província (antes só havia educação religiosa), e instalou todos os 25 centros de pesquisa científica. Sob o domínio de Pequim, a mortalidade infantil caiu de 430 por mil nascidos vivos em 1950 para 35,3 por mil em 2000, sempre segundo dados oficiais. É uma melhora substancial, mesmo considerando que as taxas tibetanas são ainda bem maiores (mais ou menos o triplo) do que as verificadas para outras etnias. No mesmo período, a expectativa de vida saltou de 35,5 anos para 67.

Insisto em que não estou, com essas numeralha, querendo justificar barbaridades perpetradas pelos chineses. Nenhuma pujança econômica autoriza nem meia violação a direito, mas não parece muito exato afirmar que os tibetanos são coletivamente tratados como não-cidadãos. A realidade é mais matizada do que querem tanto o governo central chinês como a comunidade tibetana no exílio.

E, por falar em matizes, é difícil até afirmar com todas as letras que o Tibete já foi uma nação independente. Poupo o leitor dos meandros do debate, que pode adquirir caráter bastante técnico. De forma resumida, porém, podemos afirmar que as histórias do Tibete e da China estão fortemente imbricadas uma à outra. Os tibetanos chegaram a constituir um império, mas isso ocorreu entre os séculos 7º e 11. Do século 18 para cá, o Tibete esteve invariavelmente sob jugo chinês, ainda que gozando de períodos de maior autonomia. Foi num deles, entre 1914 e 1950, quando a China e as potências coloniais estavam mergulhadas em seus próprios e graves problemas (1ª Guerra Mundial, 2ª Guerra Mundial e Revolução Chinesa), que a província chegou a sentir o gostinho da independência. Mas, assim que Mao Tsetung, conseguiu estabilizar-se no poder, despachou seus soldados para reassumir o controle do platô. Pelo menos no mundo da diplomacia, o "statu quo" não é contestado. Nem a Índia, que serve de sede para o governo tibetano no exílio, reconhece o Tibete como país independente. O próprio dalai-lama já renunciou a esse pretensão, numa entrevista concedida em 2005.

Desconfio de que os chineses se obstinam tanto em recusar qualquer tipo de autonomia "de facto" por temor do precedente. Afinal, além da RAT e de três outras Províncias com expressivas populações tibetanas (Sichuan, Qinghai e Gansu), existem importantes minorias uigur, mongol e hui, cada qual com suas próprias Províncias. No total, 10% do 1,3 bilhão de chineses pertencem a um grupo étnico minoritário. E, mais importante, Pequim já foi escaldada pelo caso da Mongólia, que era, até o início do século 20, parte integrante da China, mas, depois de um período de turbulências, acabou declarando independência e a consolidando com apoio da então Rússia soviética. Por conta dessa rivalidade, a China e a URSS quase entraram em guerra.

Também a Índia, enquanto estava sob a batuta dos britânicos, aproveitou-se de confusões político-nacionalistas para "morder" um pedaço do Tibete, hoje parte do Estado de Arunachal Pradesh.

Mesmo a atual onda de protestos serve para desmistificar um pouco a idéia de que os pacíficos budistas se especializaram em levar safanões da polícia e do exército chineses. As manifestações descambaram para a violência depois que tibetanos saíram às ruas de Lhasa queimando lojas de chineses da etnia han (a predominante na China) e os perseguindo.

Por conta do bloqueio de informações imposto pelas autoridades chinesas é difícil saber o que está de fato ocorrendo por ali, mas, até o momento, tudo indica que os chineses vêm sendo relativamente contidos na repressão. Não por espírito humanitário ou respeito a direitos e prerrogativas, mas simplesmente porque temem que uma ação antimotim mais enfática possa comprometer os Jogos Olímpicos de Pequim, que terão lugar em meados do ano. Filotibetanos mais exaltados já falam em boicote à competição.

Se as coisas são menos mocinhos contra bandidos do que podem parecer à primeira vista, de onde então vem a torcida midiática pelo dalai-lama? De vários lugares. Como já indiquei, a China de fato é um poder tirânico que abusa dos tibetanos. Mas não só dos tibetanos. Faz o mesmo com membros de todas as outras etnias, sem poupar os han. Nenhuma surpresa aí. Afinal, estamos falando da maior ditadura do planeta.

No mais parece bastante razoável que os tibetanos, que compõem uma cultura distinta da chinesa, devem ter direito, senão a um país, pelo menos a maior autonomia administrativa, que lhes permita preservar sua identidade.

Só isso, entretanto, parece pouco. Se estivéssemos apenas diante de uma questão de respeito a direitos humanos ou de uma discussão sobre autonomia, acho difícil que o dalai-lama conseguisse mobilizar tantas simpatias. Desconfio de que opera aqui também a própria noção de justiça, um dos cinco núcleos de sentimentos morais a que já me referi em coluna

http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/helioschwartsman/ult510u374269.shtml

anterior. Apoiamos a causa tibetana porque ela é "justa". Pelo menos no plano instintivo, não nos damos ao trabalho de definir o que é justiça. Servimo-nos de aproximações. Vale até identificar o fraco a bom e o forte a ruim. Quantos de nós já não nos pegamos torcendo pela seleção de Camarões contra a poderosa Alemanha? Basicamente, temos uma vontade quase irrefreável de "equilibrar o jogo". Não é preciso quebrar muito a cabeça para vislumbrar a utilidade dessa característica. No passado evolutivo, cada vez que ajudávamos o fraco a enfrentar um forte livravamo-nos de um rival, ou pelo menos contribuíamos para enfraquecê-lo.

Em tempos modernos, contudo, precisamos de algo mais do que impulsos morais para justificar o apoio a causas como a autonomia tibetana. De minha parte, apóio-a, mas sem entusiasmo. Os chineses já cumpriram sua missão civilizatória ao quebrar o sistema teocrático e de servidão. A menos que equiparemos os tibetanos aos grupamentos ianomâmis remotos ou outras nações indígenas tão primitivas que é melhor mantê-las longe do contato com outras culturas, é forçoso reconhecer que tal ruptura era desejável. (Teria sido melhor que ocorresse sem tanta violência, mas isso são águas passadas).

Só que, realizada essa etapa, tudo o que os chineses têm oferecido aos tibetanos é muita cacetada e algum desenvolvimento. Uma autonomia real poderia preservar o desenvolvimento, eliminando ou pelo menos reduzindo o grau de cacetada. É possível encontrar uma fórmula que não fira os brios chineses nem sirva de precedente para revoltas nacionalistas.

Propaganda à parte, são raras as circunstâncias em que a história chancela interpretações muito maniqueístas. A lógica de mocinhos contra bandidos é boa para versões hollywoodianas, mas, quando aplicada à realidade, costuma apenas converter-nos em ignorantes históricos.

Hélio Schwartsman, 42, é editorialista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.

E-mail: helio@folhasp.com.br

Uma longa sinopse com vídeos e artigos que são bastante dissonantes do que vemos na mídia em geral: Aqui

Cidadania e produção da informação

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A cidadania e a produção de informação
Ivana Bentes - Publicada originalmente pela IHU On-Line
28.03.2008


Em 8 de março, a agência Carta Maior promoveu uma reunião para discutir a mídia nos nossos dias. Mais de quarenta jornalistas, professores de comunicação e ativistas da área de comunicação participaram do encontro que debateu a luta contra a hegemonia conservadora no âmbito da disseminação de informação no Brasil. Uma dessas pessoas é a professora Ivana Bentes Oliveira, doutora em comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde hoje é diretora da Escola de Comunicação.

Nesta entrevista, Ivana fala sobre as grandes corporações de mídia, do papel da imprensa alternativa, analisa os cursos de comunicação e a obrigatoriedade do diploma.

*

Como a senhora, que já atuou em importantes veículos de comunicação e hoje trabalha na área acadêmica da comunicação, analisa a grande imprensa brasileira, tanto televisiva e radiofônica quanto impressa e on-line?
Ivana Bentes Oliveira – A primeira coisa que percebemos é uma redundância muito grande de pauta. A impressão, quando se abre todos os jornais diários, é que se tem as mesmas manchetes. Claro que há sempre os fatos do dia, mas o perfil dos jornais é muito parecido, o que leva a uma homogeneidade muito grande. Eu penso que seja preciso uma diversidade maior na grande imprensa. E, mais do que uma proposta editorial, ela deve vir da participação de segmentos de pessoas de grupos distintos, com visões políticas e de mundo diferentes, para combater essa homogeneidade entre os jornais e as linhas editoriais.

Uma outra questão que penso ser decisiva está relacionada ao fato de que as mudanças só são possíveis a partir do momento em que você rompe um pouco com esse modelo do jornalismo tradicional da grande empresa corporativa e passa a utilizar uma tecnologia como a internet ou outras possibilidades eletrônicas. Tudo isso abre um panorama para uma nova diversidade. Qualquer sujeito, hoje, pode se tornar um produtor de mídia. Esse me parece o horizonte da universalização dessa atividade que já foi pensada como uma atividade de especialista. Hoje, é uma demanda de cidadania a produção de informação, análise, interpretação. Além da diversidade em relação ao que é produzido.


E como a senhora analisa o papel da chamada “imprensa alternativa” ou da “imprensa de esquerda” no Brasil?
Eu penso que ela se encontra num meio termo. Temos vários projetos interessantes de mídia independente hoje, principalmente em revistas e na própria internet. Então, a grande beneficiada com essa mudança de contexto tecnológico, e até econômico, com o barateamento dessas tecnologias, é a mídia independente. Ela sempre teve problemas históricos de sustentabilidade econômica, de visibilidade política, de mercado, mas sobreviveu, durante todo esse tempo, num trabalho de guerrilha: é singular e individual. Só foi a partir do próprio advento da internet que essa mídia independente passou a ter alguma visibilidade.

Então, agências como a Carta Maior, Carta Capital, Vermelho, e mesmo os sites de jornalistas, como os de Paulo Henrique Amorim – ligado a uma emissora, mas com uma marca de singularidade muito grande – e de Luís Nassif, que funcionam como formadores de opinião, com discurso de análise da própria mídia, fazendo uma espécie de não só observatório neutro da mídia, mas representando uma militância, um engajamento, trazem um trabalho um pouco parecido com os professores universitários que deveriam se debruçar ainda mais sobre essa mídia. Parece-me que estamos vivendo um momento de transição com essa possibilidade da explosão do que chamamos sempre de mídia independente – que sempre existiu, mas com extremas dificuldades.

Nós temos uma concentração não só econômica, mas alimentada pelo próprio campo público, com a má distribuição das verbas publicitárias que não incentiva a mídia independente. Esse é um quadro um pouco crítico, mas absolutamente produtivo, na medida em que essa crise tem produzido alternativas muito distintas de modos de produção de mídia que não têm relação simplesmente com essa mídia mainstreaming. Estamos num momento de transição de décadas de concentracionismo, de uma homogeneidade, de uma fórmula que está mais do que desgastada em termos de mídia, de produção de informação e uma descentralização. Além disso, temos uma fragmentação que, obviamente, precisa também ser analisada sob um olhar crítico, analítico, mas é extremamente interessante para todas as áreas. Essa transição de tecnologia e até de mentalidade amadureceu muito e deu alguns saltos nos últimos anos.


Alguns pesquisadores pensam a comunicação a partir dos processos midiáticos permitidos, principalmente a partir da década de 1990. Assim sendo, falam da importância de se pensar a comunicação, antes de tudo, para além do jornalismo. Qual é a sua análise dos cursos de comunicação brasileiros em relação não apenas ao fazer jornalístico, mas ao pensar jornalisticamente?
Ivana Bentes Oliveira – Eu acredito que ainda seja um pensamento muito tímido, porque dificilmente vimos algum curso de jornalismo ou de comunicação intervindo politicamente nos fatos enquanto eles acontecem. Há uma dificuldade de intervenção, de uma análise “a quente”. Há uma tendência, nos cursos de jornalismo e comunicação, àquilo que chamamos de Profeta do Dia Seguinte, ou seja, de esperar que os fatos aconteçam, passem e só depois sejam comentados. Não há, nesse caso, muita importância de quem traz, por exemplo, um questionamento político depois que o momento quente passou. Há analistas da mídia, por exemplo, esses que vão para os congressos como Intercom e Compôs, que fazem as análises já frias. Ou seja, eles não possuem nenhum poder de intervenção imediata no campo político.

Não que os pesquisadores precisem ser ativistas, mas é preciso haver uma relação mais orgânica de quem produz mídia com a realidade dos fatos. Deveria existir um trânsito maior com essa mídia independente, aliás com todos os tipos de produções midiáticas. E, sem dúvida, fazer a passagem da velha questão do jornalismo para a questão da comunicação, que é muito mais ampla. Hoje, de forma concreta, a experiência audiovisual desloca totalmente a função e o foco do jornalismo impresso, que continua sendo importantíssimo, mas precisa ser pensado nesse campo ampliado.

Temos grupos de mídias audiovisuais, de rádio comunitária, TV comunitária, blogs, sites, que são feitos inclusive por não jornalistas. Então, hoje eu defendo o seguinte: o campo jornalístico é importante demais para ficar só com os jornalistas, parafraseando um dito de que a guerra é importante demais para ser resolvida pelos senhores da guerra. Também penso que a comunicação seja importante demais para ficar só num nicho, num gueto de jornalismo. A comunicação sempre interveio na vida de todo mundo, mas hoje temos um consumidor de informação que virou, ao mesmo tempo, um produtor de mídia.

A questão da produção hoje, portanto, precisa ser pensada de forma ampliada. Os cursos de comunicação precisam mudar essa mentalidade. Precisamos sair da especificidade, pois, atualmente, a comunicação é um direito. Nós temos vários ativistas que trabalham com a questão do direito à informação. Desse modo, é preciso começar a pensar a informar esse produtor de mídia independente das formações. Parece-me que os cursos já estão pensando em seguir esse caminho, ou seja, apontar um trânsito maior entre as habilitações.

É preciso também repensar a formação. Por isso, alguns cursos já estão refazendo os seus currículos. No entanto, considero importante que essas reformulações de currículo sejam feitas por meio de um diálogo com quem está fora da universidade, sejam jornalistas, sejam movimentos sociais, seja o pessoal do midiativismo, porque me parece que a diversidade e o pensamento novo precisam ser elaborados em conjunto. Trata-se de uma discussão importante, mas que não pode ser feita só por professores. Assim, precisamos nos aproximar cada vez mais de quem está fora da universidade.

Possuímos uma quantidade enorme de produtores de mídia que não estão nas universidades e nem nas grandes empresas. É necessário incorporar essa produção, ajudar, qualificar e formar qualquer pessoa que vá trabalhar com mídia. Precisamos disputar esse novo produtor de mídia. É restritivo demais pensar só no jornalismo como centro da discussão midiática. Claro que ele tem suas especificidades, sobretudo o impresso. Entretanto, diante desse quadro, não é possível pensarmos em coisas mais instigantes sem ampliar seu campo.


Além dos cursos, algumas empresas jornalísticas estão incorporando aos seus meios de recursos humanos os métodos dos cursos de trainee para, de certa forma, ensinar e moldar o jornalista. Qual é a sua análise desse tipo de treinamento?

Há um avanço sobre a formação. Estou falando de diversificação, de incorporar metodologias. A partir do momento em que você tem uma entrada muito cedo do mercado na vida do estudante, isso interfere na formação e se corre o risco de adestrar, limitar essa formação. Penso que seja preciso demonizar experiências, mas é também é necessário haver algum tipo de acompanhamento ou, em alguns casos, não aceitar esse tipo de gerência na formação. Caso contrário, nos cursos universitários, que representariam o último lugar onde você ainda teria essa formação ampliada, valorizando os discursos políticos, existirá um fechamento, trazendo constrangimentos, limites e formatações para o aluno, antes mesmo de ele sair do curso.


Talvez fosse muito mais interessante que as experiências de estágio nas empresas tivessem um acompanhamento qualitativo maior. É complicado se descobrir que nossos alunos estão sendo utilizados para trabalhar com telemarketing, vendas, distribuição de folheto. A saída do estudante dos cursos é um momento difícil, de crise, de mudança de vida, um momento de transformação, e os cursos devem estar atentos a isso também.



Qual é a sua opinião sobre o diploma de jornalismo hoje?

Nesse item, a minha opinião é muito clara. Acredito que hoje o diploma represente uma reserva de legitimação dos sindicatos. É claro que os sindicatos tiveram uma importância histórica nas lutas políticas e vão continuar a ter, mas também considero que devemos passar por um momento de mudança dessa mentalidade, porque quem faz jornalismo hoje não é só jornalista. Nós temos vários outros grupos sociais produzindo jornalismo. A partir do momento em que os sindicatos exigem o diploma de jornalista, cuidam apenas daquele com carteira assinada e sindicalizado. Eles estão excluindo, deixando de prestar atenção num fenômeno global que é o cognitariado, que abrange as pessoas que trabalham com produção de conhecimento a partir da mídia, desse campo de comunicação, encontradas em diversas áreas.


Para mim, os sindicatos não podem cuidar apenas dos sindicalizados e dos que têm diploma de jornalista. Precisam é cuidar do freelancer, das pessoas com menos condições de inserção nas grandes mídias. Creio que o diploma já foi importante, mas não é mais. As escolas de comunicação precisam vender qualidade e não reserva de mercado para um determinado profissional.


Então, surge uma argumentação contrária, afirmando que isso é fazer o jogo das empresas. Vejamos que as empresas já burlam o diploma de todas as formas, como os colunistas. Sempre peço aos meus alunos para analisarem qual é o maior salário das redações e o resultado é sempre o mesmo: os colunistas. Quantos deles são formados em jornalismo? Quase nenhum! Os cronistas, os editores, os colunistas, isto é, os cargos mais nobres da redação são ocupados, geralmente, por não jornalistas. E isso há décadas! Eu considero muito saudável o fato de que sociólogos, antropólogos, filósofos, economistas e artistas escrevam nos jornais. O jornalista não tem mais aquele perfil fechado. Se a exigência do diploma acabasse amanhã, os cursos de comunicação continuariam iguais. Os cursos que fazem a diferença dentro da formação desse profissional continuam formando profissionais de qualidade. O que muda e o que acaba são os cursos que realmente vendiam apenas o diploma.



Recentemente, Luís Nassif, em seu blog, divulgou um dossiê sobre a Veja, que ele chama de o “maior fenômeno de antijornalismo dos últimos anos”. Qual é a sua opinião sobre o tipo de jornalismo que essa revista faz?

O jornalismo da Veja já virou motivo de piada nos cursos de Jornalismo e comunicação. E é ótimo para dar exemplo porque é de tal forma deformado, repensado, direcionado que acaba se tornando uma caricatura do antijornalismo. Não existia isso no Brasil. A Veja veio para explicitar um pensamento conservador reativo que existia sem visibilidade porque as pessoas tinham vergonha de se posicionar dessa forma. Ela apresenta um jogo forte sendo feito e para isso lança mão de manchetes sensacionalistas, de uma constante criação de pautas. O que Nassif faz, em sua análise, é indicar a explicitação de uma linha editorial que existia de uma forma velada. É claro que todo mundo que leu a Veja, porque muita gente deixou de lê-la, tinha essa impressão de uma linha editorial conservadora. No entanto, o Nassif veio explicitar uma constatação em vários meios. A revista é muito estudada nos cursos dentro da linha de um jornalismo construído. Desse modo, é importantíssimo o que o Nassif vem fazendo, além de muito corajoso, pois está sendo criminalizado, interpelado judicialmente.


Atualmente, inclusive, precisa responder por questões que estão na boca de todos e que ele materializou. É preciso haver um movimento de apoio a ele, de apoio a uma analista contra uma corporação. Levar essa questão às escolas de comunicação e às mídias independentes é muito importante, além da divulgação desse dossiê. E, veja você, o Nassif é um economista que escreve em jornais e conseguiu por meio de um blog uma repercussão enorme no meio comunicacional. Perceba só o poder que apenas um indivíduo, sem uma relação com nenhum meio da grande imprensa, tem contra uma grande corporação.



Ainda no campo dos blogs, com o advento da internet, as formas de comunicar ampliaram, assim como o mercado de trabalho. O que há de novo dentro do fazer jornalístico depois da internet? E o que podemos prever para o futuro?

É claro que há alguma crítica em relação à apuração, à falta da face a face. O que você descobre numa entrevista olhando no olho e criando um clima atmosférico pode ser bem diferente do que numa entrevista por e-mail, por exemplo, na qual as perguntas estão dadas e a interação não é tão grande. Sou a favor de sair para as ruas, do jornalista captador da atmosfera das ruas. No entanto, isso é circunstancial, porque há uma potencialização enorme desse fazer jornalístico nesse sentido, a começar pelo alcance que as tecnologias permitem. A internet acaba com a hierarquia da importância que precisa ser, em primeiro lugar, legitimada socialmente. Claro que as grandes corporações estão incorporando esses espaços, como os blogs, que são uma espécie de singularidade dentro daquele limite de espaço do horário nobre. Por outro lado, pensemos na eleição do Lula para o segundo mandato. Lembremos de toda aquela saraivada de denúncias feitas pelos meios de comunicação, uma campanha eleitoral por eles tentando intervir na eleição. Houve a reação, o contradiscurso, que surgiu nos blogs, nas listas de e-mails, dos sites, da mídia independente.


Tudo isso foi muito importante no momento em que aconteceu a difusão de uma contra-informação, com uma rapidez muito grande que seria impossível se não houvesse a internet. Essa possibilidade veloz de uma reação gera uma disputa midiática que não é possível não considerar relevante. O acesso à diversidade é absolutamente facilitada e, claro, a mídia independente precisa apostar nesses meios. No entanto, a tecnologia não faz milagre. Por isso, precisa haver um pensamento político por trás, além de políticas públicas e de se democratizar a internet no Brasil. É necessário existir um provedor público de graça para todos. Isso tudo aponta para uma mudança, para uma ruptura importante. É uma multiplicação da informação dentro de apenas um clique.

domingo, 23 de março de 2008

5 mil dólares por segundo é o custo de uma guerra que faz 5 anos

23/03/2008
Guerra do Iraque custa quase US$ 5 mil por segundo
Por Nicholas Kristof (New York Times)

A guerra do Iraque está indo melhor do que o esperado, para variar. A maioria dos críticos, inclusive eu, desdenhou o que estava acontecendo: não prevíamos a melhora na segurança que resultou, em parte, do "avanço" feito no ano passado.

A melhora é real, porém frágil e limitada. Eis aqui o que ela conseguiu: diminuímos o número de mortos para os mesmos índices inaceitáveis que nos assombraram em 2005, e ainda não temos nenhum plano de retirada para os próximos anos - tudo isso por um custo total que cresce quase US$ 5 mil por segundo.

Pior que isso, apesar de o número de mortos ter diminuído, passamos a ter baixas na Flórida e na Califórnia. Os Estados Unidos parecem ter escorregado para dentro de uma recessão; os americanos estão perdendo suas casas, empregos e seguros de saúde; os bancos estão enfrentando problemas - e a guerra do Iraque parece ter agravado todas as aflições domésticas.

"A atual bagunça econômica está bastante relacionada com a guerra do Iraque", diz Joseph Stiglitz, economista ganhador do prêmio Nobel. "No mínimo, a guerra contribuiu para o aumento dos preços do petróleo. Além disso, o dinheiro gasto no Iraque não estimulou a economia tanto quanto teria acontecido se esses mesmos dólares tivessem sido gastos no país. Para cobrir a fraqueza da economia americana, o Fed aprovou um fluxo de liquidez que, aliado a regulamentações frouxas, levou à bolha imobiliária e a um boom do consumo".

Nem todos concordam que a conexão entre o Iraque e os problemas econômicos seja tão forte. Robert Hormats, vice-presidente da Goldman Sachs International e autor de um livro sobre como os Estados Unidos financiam as guerras, argumenta que a Guerra do Iraque é negativa para a economia, mas ainda assim é um fator menor na crise atual.

"Se é uma causa significativa da recessão atual?", pergunta Hormats. "Eu diria que não. Mas o dinheiro poderia ter sido melhor utilizado para fortalecer nossa economia? A resposta é sim."

Apesar das discordâncias, parece haver no mínimo uma ligação modesta entre os gastos no Iraque e as dificuldades econômicas nos EUA. Assim, ao discutir se devemos retirar nossas tropas do Iraque, a questão central deveria ser se a guerra é de fato o melhor lugar para investir US$ 411 milhões por dia do atual orçamento.

Já argumentei que permanecer indefinidamente no Iraque enfraquece nossa segurança nacional por dar poder aos jihadis - assim como sabemos que nossa presença militar na Arábia Saudita nos anos 90 foi, de fato, contraproducente por ter fortalecido o início da Al-Qaeda. Por outro lado, os que apóiam a guerra argumentam que uma retirada do Iraque seria um sinal de fraqueza e deixaria um vácuo de poder que os extremistas iriam preencher, o que é uma preocupação legítima.

Mas se você acredita que permanecer no Iraque faz mais bem do que mal, responda à seguinte questão: essa presença é tão importante que vale o preço de enfraquecer a economia norte-americana?

Com certeza os custos estimados da guerra são variáveis e controversos, em parte por que os US$ 12,5 bilhões por mês que estamos pagando para o Iraque são apenas a entrada. Ainda estaremos pagando indenizações por invalidez para os veteranos da guerra do Iraque daqui a 50 anos.

Em um novo livro, escrito com Linda Bilmes da Universidade de Harvard, Stiglitz calcula que o custo total, incluindo as contas de longo prazo, chega a cerca de US$ 25 bilhões por mês. Isso equivale a US$ 330 por mês para uma família de quatro pessoas.

Um estudo do Congresso feito pelo Comitê Econômico Conjunto descobriu que o valor gasto por dia na guerra do Iraque poderia colocar mais 58 mil crianças no programa Head Start (que ajuda crianças a entrarem na escola) ou fornecer bolsas Pell para que 153 mil alunos cursem a universidade. Ou então, se quiséssemos de verdade investir em segurança, um dia de gastos no Iraque seria capaz de financiar 11 mil agentes de patrulha de fronteira ou 9 mil policiais.

Imagine as possibilidades. Poderíamos contratar mais policiais e patrulheiros de fronteira, expandir o programa Head Start e reabilitar a imagem dos Estados Unidos no mundo financiando uma iniciativa global para reduzir a mortalidade materna, para erradicar a malária ou os vermes de todas as crianças da África.

Tudo isso gastaria menos dinheiro do que um mês de guerra no Iraque.

Além disso, o governo Bush financiou essa guerra de uma forma que enfraquece a nossa segurança nacional - emprestando dinheiro. Cerca de 40% da dívida gigantesca será cobrada pela China e outros países estrangeiros.

"Esta é a primeira grande guerra da história americana em que todos os custos adicionais foram pagos com empréstimos", escreve Hormats. Se os que apóiam a guerra do Iraque acreditam que ela é tão essencial, deveriam então estar dispostos a pagar por ela em parte através de impostos, em vez de empréstimos.

De qualquer forma, agora ou mais tarde, teremos de pagar a conta. Stiglitz calcula que o custo total da guerra possivelmente ficará em torno de US$ 3 trilhões. Para uma família de cinco pessoas como a minha, isso representa uma conta de quase US$ 50 mil.

Não sinto que meu dinheiro esteja sendo bem empregado.

Tradução: Eloise De Vylder


CONTAGEM REGRESSIVA: NÚMERO DE SOLDADOS AMERICANOS MORTOS NO IRAQUE ATINGIRÁ QUATRO MIL

Luiz Carlos Azenha: Atualizado em 22 de março de 2008 às 22:31 | Publicado em 22 de março de 2008 às 21:06

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SÃO PAULO - Nos próximos minutos o número de soldados americanos mortos desde a invasão do Iraque atingirá 4 mil. É simbólico. É o número que interessa aos eleitores e contribuintes americanos. Quatro mil mortos em cinco anos. Mas não parece. Não parece porque o desembarque dos corpos nos Estados Unidos não pode ser filmado. Não parece porque os 30 mil feridos americanos não aparecem feridos em campo de batalha. É raro ver uma foto de um soldado ferido na capa de um jornal americano ou imagens de um fuzileiro naval morto no Iraque em alguma rede nacional de televisão. É atestado de competência do gerenciamento de imagens e da mídia feito pelo Pentágono e pela Casa Branca.

Qual é a diferença essencial entre o Vietnã e o Iraque? É que, durante a guerra do Vietnã, em que 50 mil sodados americanos morreram, o exército americano era de voluntários. Qualquer jovem de mais de 18 anos de idade podia ser convocado. No Iraque, os americanos colocaram um exército profissional. Os jovens são atraídos com promessas de emprego, educação e vários outros benefícios. Além disso, dessa vez a guerra foi terceirizada: bilhões e bilhões de dólares em dinheiro público foram transferidos para empresas privadas ligadas a integrantes do governo Bush que fazem de tudo, de transportar e alimentar os soldados a interrogatórios e serviços de segurança.

Quais as consequências políticas, esperadas ou inesperadas, da invasão e da ocupação?

1) Um governo majoritariamente xiita no Iraque;

2) Fortalecimento do Irã, que com isso projeta o seu poder regional através de aliados na região - do Hezbollah no Líbano ao Hamas nos territórios palestinos;

3) Instabilidade no norte do Iraque, com o aumento da tensão entre curdos e sunitas, que disputam o controle das reservas de petróleo na região; temendo a ascensão dos curdos, a Turquia promoveu sua própria guerra preventiva, com ataques a guerrilheiros no Iraque. A guerrilha do PKK quer reunir os curdos do Iraque, Irã, Turquia e Síria em um país independente;

4) Liberdade absoluta para Israel tomar as medidas que achou necessárias nos territórios palestinos, o que levou o ex-presidente Jimmy Carter a escrever em livro que os israelenses implantaram um regime de apartheid contra os palestinos, com muro e tudo;

5) Transformação do Iraque em campo de treinamento terrorista para o desenvolvimento dos chamadas IEDs, aparatos explosivos improvisados, acionados através de controle remoto ou telefone celular; e para que os Estados Unidos aplicassem novas técnicas de combate à insurgência, envolvendo a guerra psicológica, de informação e social. No Afeganistão, alguns antropólogos agora acompanham as tropas, participando de missões de "resolução de conflito."

Os democratas querem acabar com a guerra, levar as tropas de volta para casa e aplicar parte do dinheiro hoje investido no Iraque na economia doméstica. O orçamento militar não deverá sofrer cortes. Tanto Hillary Clinton quanto Barack Obama prometem manter os gastos militares, só que focados no combate ao terrorismo no Afeganistão.

Os republicanos acham que a vitória no Iraque está ao alcance das mãos. É obvio que os Estados Unidos já venceram, do ponto de vista militar. Mas perderam politicamente. Porém, a turma de Bush mira em interesses econômicos bastante claros: na manutenção de gastos militares que favorecem os amigos e no controle das reservas de petróleo do Iraque.

O republicano John McCain falou em até "um século" de presença americana no Iraque. Falou no modelo da Alemanha e do Japão, países em que até hoje os Estados Unidos mantém bases militares. Ao custo de 4 mil vidas a cada 5 anos, em mais dez anos o número de soldados mortos no Iraque chegaria a 12 mil.

O cálculo de McCain e dos republicanos é de que a população americana estaria disposta a topar esse "sacrifício" em nome de um triunfo completo. A contrapartida seria o acesso americano às maiores reservas de petróleo de qualidade do mundo. Petróleo de primeira, à flor da terra - se comparado com o que a Petrobras retira do mar - e que será essencial para tocar a economia americana pelos próximos 30 anos.

Os democratas parecem apostar na diplomacia com o Irã e a Venezuela para reduzir a pressão sobre o preço do petróleo. Enquanto isso, os Estados Unidos investiriam em energias alternativas.

Porém, as promessas de campanha podem trombar com interesses econômicos essenciais. Ainda hoje operam em território americano usinas de energia tocadas a carvão que são altamente poluentes e já deveriam ter sido aposentadas há duas décadas. Produzem energia baratíssima se comparada às alternativas. Alguém duvida que só serão fechadas quando estiverem no osso?

Em quase tudo um governo do republicano John McCain seria muito parecido com o de um dos dois pré-candidatos democratas - Barack Obama e Hillary Clinton. A diferença fundamental é na questão do Iraque.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Barack Obama e o racismo: o sonho de alguns não precisa ser conquistado às custas do sonho dos diferentes

O texto a seguir é longo, mas vale a pena dedicar algum tempo à leitura. Ele foi produzido em resposta do uso político que os opositores de Barack Obama fizeram do discurso de um pastor negro que defende a candidatura de Obama e de cuja congregação Obama faz parte.
Assista o vídeo polêmico aqui:

O discurso resposta de Obama ao uso político feito das declarações do pastor Jeremiah Wright inicia um novo paradigma nas campanhas políticas: a de um candidato encarar de frente acusações e problematizá-las, dando-lhe a devida importância.
O conteúdo do texto mostra uma perspectiva nova e democrática do que pode ser os Estados Unidos governado por uma candidato com esta clareza política e esta postura ética e, finalmente, tem referências muito próximas em relação às questões étnico-raciais que igualmente aqui são tratadas com grande dificuldades.

BARACK OBAMA E O RACISMO: O SONHO DE ALGUNS NÃO PRECISA SER CONQUISTADO À CUSTA DO SONHO DOS DIFERENTES

Tradução Luiz Carlos Azenha Publicado em 21 de março de 2008 às 00:21
(A versão postada no História em Projetos tem correções produzidas pela autora responsável do blog).

"Nós, o povo, com o objetivo de formar uma União mais perfeita.
Duzentos e vinte e um anos atrás, em um salão que ainda existe do outro lado da rua, um grupo de homens se reuniu e, com estas palavras simples, lançou a improvável experiência em democracia dos Estados Unidos. Agricultores e estudiosos; estadistas e patriotas que atravessaram um oceano para escapar da tirania e de perseguição religiosa finalmente leram sua verdadeira declaração de Independência numa convenção da Filadélfia que atravessou a primavera de 1787.
O documento que eles produziram eventualmente foi assinado, mas nunca concluído. Foi manchado pelo pecado original desta nação, a escravidão, uma questão que dividiu as colônias e levou a convenção a um impasse, até que os fundadores decidiram permitir que o comércio de escravos continuasse por mais vinte anos, deixando qualquer resolução final para as futuras gerações.
Naturalmente, a resposta para a questão da escravidão já estava contemplada em nossa Constituição - uma Constituição que tinha em seu núcleo a igualdade dos cidadãos diante da lei; uma Constituição que prometeu ao povo liberdade, justiça e uma união que poderia e deveria ser aperfeiçoada com a passagem do tempo.
E ainda assim palavras em um pergaminho não foram suficientes para livrar os escravos da servidão, ou garantir a homens e mulheres de todas as cores e credos seus direitos e obrigações como cidadãos dos Estados Unidos. Seriam necessárias gerações sucessivas de americanos dispostos a fazer sua parte - através de protestos e lutas, nas ruas e nos tribunais, em uma guerra civil e com desobediência civil e sempre correndo grande risco - para reduzir a distância entre a promessa de nossos ideais e a realidade de seu tempo.
Esse foi um dos objetivos estabelecidos no início desta campanha - continuar a longa marcha daqueles que vieram antes de nós, a marcha pelos Estados Unidos mais justos, mais iguais, mais livres, mais acolhedores e mais prósperos.
Eu decidi concorrer à presidência nesse momento da História porque acredito profundamente que não podemos enfrentar os desafios de nosso tempo a não ser que o façamos juntos - a não ser que aperfeiçoemos nossa União entendendo que podemos ter origens diferentes, mas temos também esperanças comuns; que não somos parecidos, nem viemos dos mesmos lugares, mas todos queremos ir na mesma direção - em busca de um futuro melhor para nossos filhos e netos.
Essa crença vem de minha fé indissolúvel na decência e na generosidade do povo americano. Mas também vem de minha própria história.
Sou filho de um homem negro do Quênia e de uma mulher branca do Kansas. Fui criado com a ajuda de um avô branco que sobreviveu à Depressão e lutou no exército de Patton durante a Segunda Guerra Mundial e de uma avó branca que trabalhou numa fábrica de bombardeiros em Fort Leavenworth enquanto o marido estava além-mar. Fui a algumas das melhores escolas dos Estados Unidos e vivi em uma das nações mais pobres do mundo. Sou casado com uma negra americana que carrega nela o sangue de escravos e donos de escravos - uma herança que passamos às nossas duas preciosas filhas. Eu tenho irmãos, irmãs, sobrinhas, sobrinhos, tios e primos de todas as raças e tons de pele, espalhados em três continentes e, enquanto viver, jamais vou esquecer de que em nenhum outro lugar da Terra minha história seria possível.
É uma história que não me tornou o candidato mais convencional. Mas é uma história que introduziu em minha herança genética a idéia de que esta Nação é mais do que a soma de suas partes - de todas as que existem, somos verdadeiramente únicos.
Ao longo do primeiro ano desta campanha, contra todas as previsões, vimos a fome do povo americano pela mensagem de unidade. Apesar da tentação de ver minha candidatura puramente através de lentes raciais, conseguimos grandes vitórias em estados com algumas das populações mais brancas do país. Na Carolina do Sul, onde a bandeira da Confederação ainda tremula, construímos uma poderosa coalizão de afro-americanos e americanos brancos.
Isso não significa negar que a questão racial não faz parte de nossa campanha. Em vários estágios, alguns comentaristas me chamaram ou de muito negro ou de não suficientemente negro. Vimos tensões raciais emergir durante a semana que antecedeu as prévias da Carolina do Sul. A mídia rastreou todas as pesquisas de boca-de-urna em busca de indícios de polarização racial, não apenas em termos de brancos e negros, mas negros e morenos também.
Ainda assim, apenas nas semanas mais recentes o debate racial tomou um caminho particularmente divisionista.
De um lado, ouvimos a sugestão de que minha candidatura de alguma forma é um exercício de política de ação afirmativa; que se baseia somente no desejo de liberais de comprar reconciliação racial pagando pouco. De outro lado ouvimos meu ex-pastor, o reverendo Jeremiah Wright, usar linguagem incendiária para expressar opiniões que têm o potencial não só de aumentar a divisão racial, mas de aviltar tanto a grandeza quanto a bondade de nossa Nação; e isso ofendeu tanto brancos quanto negros.
Já condenei, de forma inequívoca, as declarações do reverendo Wright que causaram tal controvérsia. Para alguns, algumas dúvidas persistem. Eu sabia que ele foi ocasionalmente um crítico feroz da política doméstica e exterior dos Estados Unidos? Naturalmente. Alguma vez ouvi declarações controversas dele enquanto estava na igreja? Sim. Discordei fortemente de muitas das opiniões políticas dele? Claramente - assim como muitos de vocês já ouviram declarações de seus pastores, padres ou rabinos das quais discordaram frontalmente.
Mas as declarações que causaram a recente tempestade não foram simplesmente controversas. Não foram apenas resultado da tentativa de um líder religioso de falar contra uma injustiça. Em vez disso, expressaram uma visão distorcida deste país - uma visão em que o racismo branco é endêmico, que eleva o que está errado com os Estados Unidos acima de tudo o que está certo; uma visão que vê os conflitos no Oriente Médio primariamente como resultado das ações de aliados como Israel, em vez de emanados da ideologia perversa e odiosa do islamismo radical.
Assim sendo, as declarações do reverendo Wright não foram apenas errôneas, mas divisivas, divisivas em um período em que precisamos de unidade; tingidas racialmente em um momento em que precisamos de união para confrontar uma série de problemas monumentais - duas guerras, a ameaça terrorista, uma economia decadente, uma crise de saúde pública e mudanças no clima potencialmente devastadoras; problemas que não são de negros, brancos, latinos ou asiáticos, mas problemas que desafiam a todos nós.
Dada minha origem, minha carreira política e meus valores e ideais, não há dúvida de que haverá aqueles para os quais minhas declarações e condenações não são suficientes. Por que me associei com o reverendo Wright? Por que não procurei outra igreja? Confesso que se tudo o que eu conhecesse do reverendo Wright fossem os trechos de sermões repetidos continuamente na televisão e no You Tube - ou se a Igreja Unida da Trindade fosse a caricatura vendida por alguns comentaristas - não há dúvida de que reagiria da mesma forma.
Mas a verdade é que isso não é tudo o que conheço do homem. O homem que encontrei há mais de vinte anos é o homem que me ajudou a adotar a fé cristã; o homem que falou de nossa obrigação de amar uns aos outros; de cuidar dos doentes e ajudar aos pobres. Ele é um homem que serviu a este país como fuzileiro naval; que estudou e deu palestras em algumas das mais importantes universidades e seminários e que por mais de trinta anos dirigiu uma igreja que serviu à comunidade fazendo na terra o trabalho de Deus - ao abrigar os sem-teto, alimentar os necessitados, dar creche e bolsas de estudo, pregar nas prisões e sair em busca daqueles que sofrem de AIDS.
Em meu primeiro livro, Sonhos de Meu Pai, descrevi a experiência de meu primeiro culto:
"Fiéis começaram a gritar, a se levantar dos assentos e a bater palmas, como se um vento carregasse as palavras do reverendo pela igreja... E naquela simples nota - esperança! - eu ouvi algo diferente; aos pés da cruz, dentro das milhares de igrejas de toda a cidade, eu pensei nas histórias comuns das pessoas negras se fundindo com as de Davi e Golias, de Moisés e do Faraó, dos cristãos nas jaulas dos leões, do campo de ossos secos de Ezequiel. Essas histórias - de sobrevivência e liberdade e esperança - se tornaram nossas histórias, minha história; o sangue que foi derramado foi nosso sangue, as lágrimas nossas lágrimas; assim que aquela igreja negra, naquele dia claro, parecia ser de novo uma nave carregando a história de nosso povo para futuras gerações e para um mundo mais amplo. Nossas atribulações e triunfos, ao mesmo tempo únicas e universais, negras e mais do que negras. Ao descrever nossa história, os episódios e a música nos permitiram resgatar memórias das quais não tínhamos vergonha... memórias que todos poderiam estudar e celebrar - e com as quais poderíamos começar a reconstrução."
Essa tem sido minha experiência na Trindade. Como em outras igrejas proeminentes de todo o país, a Trindade encampa toda a comunidade negra - o doutor e a mãe que depende de ajuda pública, o estudante modelo e o ex-bandido. Como outras igrejas negras, os cultos da Trindade são cheios de gargalhadas e algumas vezes de humor vulgar. São repletos de dança, de palmas, de gritos - que podem assustar ouvidos não acostumados. A igreja contém em si toda a bondade e a crueldade, a tremenda inteligência e a chocante ignorância, as lutas e sucessos, o amor e, sim, a amargura e o preconceito que fazem parte da experiência negra americana.
E talvez isso ajude a explicar meu relacionamento com o reverendo Wright. Ele pode ter sido imperfeito, mas é como um integrante da família. Ele reforçou minha fé, celebrou meu casamento e batizou minhas crianças. Nunca ouvi em minhas conversas com ele qualquer referência a grupos étnicos em termos depreciativos; nunca o vi tratar os brancos que não fosse com cortesia e respeito. Ele carrega as contradições - as boas e as ruins - da comunidade à qual serviu com dedicação por tantos anos.
Não posso deserdá-lo assim como não posso deserdar a comunidade negra. Não posso deserdá-lo assim como não posso fazer isso com minha avó branca - a mulher que ajudou a me criar, a mulher que se sacrificou continuamente por mim, a mulher que me ama mais do que a qualquer coisa nesse mundo, a mesma mulher que certa vez confessou ter medo de homens negros que passavam por ela nas ruas, e que em mais de uma ocasião repetiu estereótipos raciais ou étnicos que me espantaram.
Essas pessoas fazem parte de mim. E são parte dos Estados Unidos, um país que eu amo.
Há os que vão ver nisso uma tentativa de justificar ou desculpar comentários que são indesculpáveis. Posso garantir que não se trata disso. O mais seguro politicamente talvez fosse mudar de assunto e esperar que o episódio fosse esquecido. Podemos simplesmente considerar o reverendo Wright um caduco ou demagogo, da mesma forma que Geraldine Ferraro foi desprezada logo depois de suas declarações recentes, como se abrigasse um profundo preconceito racial. Mas acredito que a questão racial não pode ser simplesmente ignorada. Cometeríamos o mesmo erro que o reverendo Wright cometeu em seus sermões ofensivos sobre os Estados Unidos - simplificar, estereotipar e amplificar os pontos negativos que distorcem a realidade.
O fato é que os comentários que foram feitos e as questões que surgiram nas últimas semanas refletem as complexidades da questão racial neste país, sobre as quais nunca realmente nos debruçamos - parte de nossa União que ainda precisamos aperfeiçoar. Se nos afastarmos agora, se simplesmente recuarmos cada qual para seu canto, nunca conseguiremos nos unir e enfrentar os desafios na saúde, na educação, a necessidade de conseguir bons empregos para todos os americanos.
Entender essa realidade requer relembrar como chegamos até aqui. Como William Faulkner uma vez escreveu, "o passado não está morto e enterrado. Na verdade, ele nem mesmo passou." Não precisamos repetir aqui a história da injustiça racial nesse país. Mas precisamos relembrar que muitas das disparidades que existem hoje na comunidade afro-americana podem ser ligadas diretamente a gerações passadas que sofreram o legado brutal da escravidão e de Jim Crow.
Escolas segregadas eram e são escolas inferiores; ainda não foram consertadas, cinqüenta anos depois do caso Brown v. Board of Education - e a educação de baixa qualidade que ofereceram e oferecem ajuda para explicar a diferença entre as conquistas de estudantes brancos e negros.
Discriminação legalizada - quando negros foram impedidos, muitas vezes através de violência, de ter posse de propriedade, de receber empréstimos, de ter acesso às hipotecas da agência de habitação, ou foram excluídos de sindicatos, da força policial, do corpo de bombeiros - significa que famílias negras não puderam acumular qualquer riqueza para passar a futuras gerações. Essa história ajuda a explicar a diferença de renda entre negros e brancos e os bolsões de pobreza que persistem hoje em comunidades rurais e urbanas.
A falta de oportunidade econômica para homens negros, a vergonha e a frustração de não poder sustentar os próprios filhos contribuíram para a erosão das famílias negras - um problema que as políticas oficiais de ajuda podem ter contribuído para aprofundar. E a falta de serviços básicos para tantos bairros negros urbanos - parques para crianças, policiamento, coleta regular de lixo - ajudou a criar um ciclo de violência e uma negligência que continua a nos assombrar.
Essa é a realidade na qual o reverendo Wright e outros afro-americanos desta geração cresceram. Eles se tornaram adultos no final dos anos 50 e nos anos 60, uma época em que ainda havia segregação oficial e as oportunidades eram sistematicamente negadas. O que impressiona não é quantos fracassaram diante da discriminação, mas quantos homens e mulheres venceram; o que impressiona é quantos conseguiram abrir um caminho num beco sem saída para pessoas que viriam depois, como eu.
Mas para todos aqueles que se esfolaram com o objetivo de conseguir uma fatia do sonho americano, houve muitos que não conseguiram - aqueles que foram derrotados, de uma maneira ou de outra, pela discriminação. Esse legado de derrota foi passado adiante para futuras gerações - aqueles meninos e crescentemente meninas que vemos nas esquinas ou nas prisões, sem esperança ou perspectiva de futuro. Mesmo para os negros que avançaram, as questões relativas ao racismo continuam a definir o modo de ver o mundo de forma fundamental. Para os homens e mulheres da geração do reverendo Wright, as memórias de humilhação e dúvida e medo não sumiram; nem a raiva e a amargura daqueles anos. Essa raiva pode não ser expressa publicamente, diante de colegas de trabalho brancos ou amigos brancos. Mas encontra seu caminho nas cadeiras do barbeiro ou na mesa da cozinha. Em certas ocasiões, esse ressentimento é explorado por políticos, para ganhar votos em discursos com tons raciais ou para encobrir os próprios defeitos dos candidatos.
Ocasionalmente, esse ressentimento encontra caminho na igreja, no púlpito e na platéia. O fato de que tanta gente fica surpresa de ouvir a raiva expressa em alguns dos sermões do reverendo Wright nos relembra do antigo truísmo, segundo o qual a hora mais segregada da vida americana ocorre aos domingos de manhã. Esse ressentimento nem sempre é produtivo; na verdade, muitas vezes nos distrai da resolução de problemas reais; evita que encaremos nossa cumplicidade com essa situação e que a comunidade afro-americana faça as alianças necessárias para provocar mudanças reais. Mas a raiva é verdadeira; é poderosa; e simplesmente desejar que ela suma ou condená-la sem entender as raízes apenas serve para aumentar o desentendimento que existe entre as raças.
Na verdade, uma raiva similar existe em segmentos da comunidade branca. A maior parte dos trabalhadores e da classe média branca não acredita que foi privilegiada pela cor da pele. A experiência deles é a dos imigrantes - não receberam nada de graça, construíram tudo do nada. Trabalharam duro por toda a vida, muitas vezes apenas para assistir seus empregos sendo mandados para o exterior, suas aposentadorias sumirem depois de uma vida de trabalho. Eles estão ansiosos quanto ao futuro e sentem que o sonho não está se tornando realidade; numa era de salários estagnados e de competição global, as oportunidades são como um jogo de soma zero, nas quais o sonho de um é realizado às custas do outro. Assim, quando precisam mandar seus filhos de ônibus para uma escola [racialmente integrada] do outro lado da cidade; quando ouvem que um afro-americano tem vantagem para conseguir um emprego ou uma vaga na faculdade por causa de uma injustiça que eles nunca cometeram; quando alguém diz a eles que o medo do crime em vizinhanças urbanas é expressão de discriminação, o ressentimento aparece; e cresce com o tempo.
Assim como na comunidade negra, esse ressentimento nem sempre se expressa de forma educada. Mas ajudou a construir o cenário político por pelo menos uma geração. O desprezo pelos programas sociais e pelas cotas raciais ajudou a forjar a coalizão de [Ronald] Reagan. Os políticos rotineiramente exploraram o medo do crime para seus próprios objetivos. Apresentadores de talk-shows e comentaristas conservadores fizeram carreira desmascarando falsas acusações de racismo, ao mesmo tempo em que desprezavam discussões legítimas sobre injustiça e desigualdade racial como mera expressão do politicamente correto ou de racismo reverso.
Assim como a raiva dos negros se mostrou contraproducente, o ressentimento dos brancos nos desviou de identificar os verdadeiros culpados pelo aperto da classe média - uma cultura corporativa contaminada pelo uso de informações privilegiadas, pela contabilidade questionável e pela ambição desmedida; Washington dominada por lobistas e grupos de defesa de interesses especiais; uma política econômica que favorece poucos em detrimento da maioria. Ainda assim, desejar que o ressentimento dos brancos simplesmente desapareça, rotulá-lo de equivocado ou mesmo racista, sem reconhecer que há uma preocupação legítima - isso também aumenta o fosso racial e bloqueia o caminho do entendimento.
É onde estamos hoje. É o impasse racial em que nos encontramos. Ao contrário do que dizem meus críticos, brancos e negros, nunca fui ingênuo de acreditar que podemos acabar com nossas divisões em uma eleição, com uma única candidatura - particularmente uma candidatura tão imperfeita quanto a minha.
Mas reafirmei minha convicção - uma convicção que tem raízes em minha fé em Deus e no povo americano - de que, trabalhando juntos, podemos ir além de nossas feridas raciais; e de que não temos outra escolha a não ser continuar na busca por uma União mais perfeita.
Para a comunidade afro-americana, esse caminho significa abraçar o peso de nosso passado sem se tornar vítima dele. Significa continuar a insistir em Justiça em todos os aspectos da vida americana. Mas também significa amarrar nossos objetivos particulares - por melhor saúde, melhores escolas e melhores empregos - à aspiração de todos os americanos - da mulher que quer romper o teto da ascensão social, do homem branco que foi demitido, do imigrante que tenta alimentar sua família. E também significa assumir responsabilidade por nossas vidas - exigindo mais dos pais, passando mais tempo com nossas crianças, lendo para elas, ensinando-as que assim como elas podem vir a enfrentar desafios e discriminação em suas próprias vidas, nunca devem sucumbir ao desespero e ao cinismo; e ensinar que podem escrever seu próprio destino.
Ironicamente, essa noção essencialmente americana - e, sim, conservadora - de auto-ajuda, freqüentemente se expressa nos sermões do reverendo Wright. Mas o que o meu ex-pastor não entendeu é que embarcar em um programa de auto-ajuda requer a crença de que uma sociedade pode mudar.
O erro profundo nos sermões do reverendo Wright não é que ele falou sobre racismo em nossa sociedade. É que ele falou de nossa sociedade como se fosse estática; como se não tivesse havido progresso; como se esse país - um país que tornou possível a um integrante da congregação do reverendo concorrer ao cargo mais importante da nação e a construir uma coalizão de brancos e negros, latinos e asiáticos, ricos e pobres, jovens e idosos - estivesse irrevogavelmente ligado a seu passado trágico. Mas o que sabemos - e o que vimos - é que os Estados Unidos podem mudar. Essa é a genialidade dessa nação. O que já avançamos nos dá esperança - a audácia da esperança - de que podemos e devemos obter novas conquistas amanhã.
Na comunidade branca, o caminho para uma União mais perfeita requer reconhecer que o que prejudica a comunidade afro-americana não existe apenas no pensamento dos negros; que o legado da discriminação - e os atuais incidentes de discriminação, ainda que menos descarados que no passado - são reais e precisam ser enfrentados. Não apenas com palavras, mas com ações - investindo em nossas escolas e comunidades; dando a novas gerações acesso às oportunidades que faltaram para gerações anteriores. Isso requer que todos os americanos não acreditem que a realização de seus sonhos resulta da negação do sonho alheio; que investir em saúde, programas sociais e educação de crianças pretas, pardas e brancas fará com que todos os Estados Unidos prosperem.
No fim, o que é preciso é nada mais, nada menos, do que todas as grandes religiões do mundo exigem - que façamos pelos outros o que gostaríamos que fizessem por nós. Vamos cuidar de nossos irmãos, a Escritura nos diz. Vamos cuidar de nossas irmãs. Vamos descobrir o que há de comum entre nós e fazer com que nossa política reflita isso.
Temos uma escolha nesse país. Podemos aceitar a política da qual brotam divisões, conflitos e cinismo. Podemos encarar a questão racial apenas como espetáculo - como no julgamento de OJ Simpson; ou depois de tragédias, como o Katrina; ou como produto para alimentar os telejornais noturnos. Podemos repetir os sermões do reverendo Wright em todos os canais, todos os dias, e falar deles até as eleições. Podemos tornar a única questão da campanha se o povo americano acredita que eu simpatizo ou não com as palavras mais ofensivas que ele disse. Podemos bater na gafe de algum apoiador da Hillary [Clinton] como prova de que ela está explorando a questão racial ou podemos especular se os homens brancos vão todos votar em John McCain nas eleições gerais, independentemente das propostas dele.
Podemos fazer isso.
Mas, se fizermos, digo a vocês que na próxima eleição o tema será alguma outra distração. E outra. E mais outra. E nada vai mudar.
Essa é a opção. Ou, nessa hora, nessa eleição, podemos nos unir e dizer "não dessa vez."
Dessa vez queremos falar sobre as escolas que estão roubando o futuro de crianças negras e crianças brancas e crianças latinas e crianças asiáticas e crianças nativas. Dessa vez queremos rejeitar o cinismo que diz que nossos filhos não podem aprender; que crianças que não se parecem conosco não são problema nosso. As crianças dos Estados Unidos não são aquelas crianças, elas são nossas - e não vamos deixá-las ficar para trás na economia do século 21. Dessa vez não.
Dessa vez queremos falar sobre as filas no pronto-socorro cheias de brancos e negros e hispânicos que não têm seguro de saúde; que não têm poder para enfrentar os lobistas em Washington, mas que podem enfrentá-los, sim, se fizermos isso juntos.
Dessa vez podemos falar das fábricas fechadas que no passado deram uma vida decente a homens e mulheres de todas as raças, e das casas à venda que um dia pertenceram aos americanos de todas as religiões, de todas as regiões, de todas as profissões. Dessa vez queremos falar sobre o fato de que o problema verdadeiro não é que alguém que não se parece comigo conseguiu um emprego; é que as corporações para as quais você trabalha despacham os empregos para o exterior pensando só em lucro.
Dessa vez queremos falar sobre os homens e as mulheres de todas as cores e credos que servem juntos, que lutam juntos, que sangram juntos sob a mesma bandeira orgulhosa. Queremos falar sobre como trazê-los de volta para casa de uma guerra que nunca deveria ter sido autorizada, que nunca deveria ter sido lutada; queremos falar sobre como demonstrar patriotismo cuidando deles e de suas famílias, dando a eles os benefícios que conquistaram.
Eu não estaria concorrendo à presidência se eu não acreditasse em meu coração que é isso o que quer a vasta maioria dos americanos. Essa União pode nunca se tornar perfeita, mas geração após geração demonstrou que ela pode ser aperfeiçoada. E hoje, quando quer que eu sinta dúvida ou cinismo em relação a essa possibilidade, o que me dá esperança é a próxima geração - os jovens cujas atitudes e crenças e aceitação de mudança já fizeram história nessa campanha.
Há um caso em particular que eu gostaria de contar a vocês hoje - uma história que eu contei quando tive a honra de falar em homenagem ao aniversário do Dr. [Martin Luther] King na igreja dele, a Ebenezer Batista, em Atlanta.
Há uma jovem branca de 23 anos de idade chamada Ashley Baia, que ajudou a organizar nossa campanha em Florence, na Carolina do Sul. Ela trabalhou especialmente em uma comunidade afro-americana desde o início da campanha e, um dia, numa discussão, todos os voluntários contaram suas histórias e explicaram porque estavam lá.
Ashley disse que quando tinha nove anos de idade a mãe soube que tinha câncer. Por causa disso perdeu alguns dias de trabalho, foi demitida e ficou sem o seguro de saúde. A família precisou declarar falência e foi então que Ashley decidiu que tinha de fazer algo pela mãe.
Ela sabia que a comida era um dos maiores gastos da família e convenceu a mãe de que gostava muito e só queria comer sanduíches de mostarda e picles. Era a forma mais barata de se alimentar.
Fez isso durante um ano, até que a mãe melhorou; Ashley contou aos que participavam da conversa que a razão pela qual ela havia se juntado à campanha era para ajudar milhões de outras crianças do país que queriam e precisavam auxiliar os pais.
Ashley poderia ter feito outra escolha. Quem sabe alguém disse a ela que a fonte dos problemas da mãe eram os negros que dependiam de ajuda do governo e eram muito preguiçosos para trabalhar, ou hispânicos que estavam no país ilegalmente. Mas não foi essa a escolha dela. Ashley buscou aliados em sua luta contra a injustiça.
Assim que acabou de contar sua história, Ashley perguntou a outros presentes o motivo que os havia levado a entrar na campanha. Cada um tinha suas histórias e razões. Alguns citaram questões específicas. E finalmente chegaram a este senhor negro que tinha permanecido calado o tempo todo. Ashley perguntou por que ele estava lá. E ele não mencionou nada específico. Não falou em saúde ou economia. Não falou em educação ou na guerra. Não falou que estava lá por causa de Barack Obama. Ele simplesmente disse: "Estou aqui por causa da Ashley." "Estou aqui por causa da Ashley." Em si mesmo, esse momento de reconhecimento entre uma jovem branca e um velho negro não é suficiente. Não é suficiente para dar saúde aos doentes, empregos aos desempregados ou educação a nossas crianças.
Mas é um começo. É assim que nossa União se torna mais forte. E assim como muitas gerações se deram conta, nos 221 anos que nos separam daquele grupo de patriotas que assinaram um documento na Filadélfia, é assim que a perfeição começa."

DIA INTERNACIONAL DE LUTA PELA ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL

Tributo A Martin Luther King
Composição: Ronaldo Bôscoli / Wilson Simonal, 1966
(para ouvir a música, na voz de Simoninha, clique aqui)
Sim sou negro de cor
Meu irmão de minha cor
O que te peço é luta sim, luta mais
Que a luta está no fim
Cada negro que for
Mais um negro virá
Para lutar com sangue ou não
Com uma canção também se luta irmão
Ouvir minha voz
Lutar por nós
Luta negra demais, luta negra demais
É lutar pela paz, é lutar pela paz
Luta negra demais
Para sermos iguais
Para sermos iguais
No dia 21 de março é por decisão da Organização das Nações Unidas (ONU), considerado o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial. Essa data foi instituída em memória ao massacre ocorrido em 21 março de 1960, na localidade de Sharpeville, na África do Sul, quando a polícia sul-africana abriu fogo contra uma multidão desarmada que protestava contra o regime de Apartheid (segregação racial na África do Sul). Foram mortos 9 pessoas negras, entre elas 19 crianças e centenas de manifestantes foram feridos.
Esta data é comemorada mundialmente, sendo um momento de reflexão e de luta pela eliminação do racismo e preconceito que são vitimas grupos raciais e étnicos em diferentes localidades do mundo..
Vanda Ferreira Coordenadora do Sub-Comitê Pró-Eqüidade de Gênero, Raça e Diversidade da Petros - COED

Mensagem do Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, por ocasião do Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial (21 de Março de 2006)
A 21 de Março de 1960, a polícia do regime de apartheid sul-africano abriu fogo sobre
uma manifestação pacífica, em Sharpeville, que protestava contra as leis de discriminação racial. Dezenas de manifestantes foram mortos e muitos mais ficaram feridos. Hoje, comemoramos o aniversário do massacre de Sharpeville, não só para relembrar as pessoas que pereceram, mas também para chamar a atenção para o enorme sofrimento causado pela discriminação racial em todo o mundo.
Este ano, o tema da comemoração, “Combater a discriminação quotidiana”, desafia-nos a tomar medidas significativas para lutar contra estas práticas discriminatórias habituais nas nossas sociedades. Todos temos consciência de que muitas das maiores atrocidades do homem tiveram uma motivação racial, mas esquecemos, com frequência, o sofrimento coletivo provocado pelo racismo quotidiano. Na verdade, os crimes mais horrendos cometidos pela humanidade tiveram, muitas vezes, origemnum sectarismo banal.
Desde os insultos nas escolas até às decisões de contratação ou despedimento no local de trabalho, desde a cobertura selectiva dos crimes pelos meios de comunicação social ou a polícia até às desigualdades na prestação de serviços públicos, o tratamento injusto de grupos étnicos ou raciais não só é comum nas nossas sociedades como é frequentemente aceite passivamente. É inegável que este tipo de racismo quotidiano subsiste. Mas é escandaloso que ninguém o conteste.
Não devemos tolerar que esta discriminação insidiosa se instale na vida quotidiana. Nem nos podemos resignar a considerá-la um atributo lamentável da natureza humana.
Nenhum de nós nasceu para odiar. A intolerância aprende-se e, portanto, é possível desaprendê-la. As garantias jurídicas são uma parte fundamental desta luta. Mas a educação deve estar em primeiro plano. A educação pode favorecer a tomada de consciência e cultivar a tolerância. Deve começar em casa – onde, afinal de contas, têm origem muitas das atitudes racistas -- continuar na escola e ser integrada no nosso discurso público. Nesta luta contra a intolerância, os cidadãos devem ser simultaneamente professores e alunos.
A ONU, através dos seus programas de sensibilização, da elaboração de legislação internacional e da sua função de vigilância dos direitos, tem um papel importante a desempenhar. Mas todos temos de nos unir nesta luta. Neste Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, reafirmemos que o êxito desta luta depende da
denúncia da intolerância “comum” por parte dos cidadãos comuns. São eles que se devem recusar a tolerar os actos discriminatórios na vida quotidiana. São eles que devem fazer compreender que a discriminação não pode ser “banalizada”. E são eles que mais têm a ganhar com uma sociedade assente nos direitos e respeito de todos.
(Fonte: comunicado de imprensa SG/SM/10377 - RD/994 OBV/545)